Poesias

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

VEM DANÇAR COMIGO? - CAPÍTULO 4

Caminhando na escuridão, a moça teve o maior cuidado para não acordar Angela, que acreditava estar dormindo. Porém, qual não foi sua surpresa ao se deparar com a irmã esperando-a em seu quarto, sentada em uma poltrona. 
Laura, ao acender a luz do quarto e se deparar com a irmã esperando-a, deu um grito. Assustada, não contava com a possibilidade de a irmã estar esperando-a em seu quarto.
Porém, passado o susto, foi logo perguntando:
-- O que você está fazendo aqui? 
Angela calmamente acomodou-se na poltrona. Depois respondeu:
-- Eu estou te esperando há três horas.
-- Para quê? – perguntou Laura curiosa.  
-- Para quê? Pois bem, eu vou refrescar sua memória. Não sei se você se lembra muito bem, mas de qualquer forma, eu me lembro. Não faz muito tempo, você deixou escapar que tinha arrumado um namorado.
-- Sim, mas aquilo foi uma bobagem... – respondeu Laura antes de ser interrompida pela irmã.
-- Não me interrompa. Eu quero concluir meu pensamento. Voltando ao que disse, você me disse que estava namorando. Certo? 
-- Sim, eu disse. Mas eu quero explicar que... – tentou dizer, mas novamente foi interrompida por Angela.
-- Pois bem. Você, ao arrumar um suposto namorado, não me apresentou o rapaz, nem fez questão nenhuma de que eu viesse a conhecê-lo. Agora, novamente em companhia dessas suas amigas, sai todos os sábados a noite. Isso quando não sai também aos domingos, sabe-se lá para quê, volta tarde da noite, e não me dá explicações. Você já se deu conta do quanto seu comportamento é inadequado?
-- Inadequado por quê? – perguntou Laura intrigada.
-- Ah! Você quer saber por quê? Pois então eu vou te explicar. Primeiro. Nenhuma moça de família se comporta da forma lastimável como você vem se comportando ultimamente. Você já se deu conta disso?
Laura ficou irritada. Ao ouvir o comentário da irmã, respondeu:
-- Quer dizer que para você, meu comportamento é inadequado?
-- Sim. E quer saber do que mais? As pessoas já andam comentando sobre você. E o pior, elas têm razão. Você não está se dando o devido respeito. Afinal de contas, onde você pensa que vai chegar, agindo dessa maneira?
-- Eu não estou entendendo o rumo dessa conversa. Afinal de contas, você me esperou para me desancar? – perguntou Laura, visivelmente irritada. 
-- Não minha querida. Eu estou falando isso para o seu bem. Se estou te avisando, é por que eu me importo de verdade com você. Eu gosto de ti, e me irrita profundamente quando ouço as pessoas fazerem comentários maldosos a seu respeito. Eu não quero ver você cair na boca do povo. – respondeu Angela, com voz doce.
Laura todavia, não estava nem um pouco preocupada com os avisos da irmã. Por isso, assim que Angela encerrou a conversa, tratou logo de pedir para que ela saísse de seu quarto. 
Angela atendeu prontamente o pedido.
Nisso, Laura, aborrecida com o entrevero que tivera com a irmã, ao tentar dormir, só conseguia se virar na cama. Sim, o desentendimento fora sério. Para Laura, Angela havia ido longe demais. 
Porém, por mais raiva que tivesse de Angela, a moça não sabia que atitude tomar com relação a irmã. 
Como o apartamento em que viviam era de Angela, Laura não tinha nem como pedir para que ela saísse. Além disso, com seu salário de vendedora, não teria condições de manter um apartamento tão grande. Não bastasse isso, Laura não tinha como bancar uma casa sozinha. 
Todavia, as coisas não podiam continuar como estavam. Afinal de contas ela já era maior de idade e não cabia a Angela tomar conta de sua vida. 
Assim, irritada, Laura passou o restante da noite em claro. Incomodada com as palavras de Angela, a moça só conseguiu dormir quando já era dia claro. Por isso, precavida, ao sentir que o sono estava vindo, trancou a porta do quarto, deixando a chave lá e dormiu.
Fez bem.
Fez bem por que Angela, ao se levantar, foi logo chamar Laura para tomar o café. Se a porta estivesse encostada, fatalmente Angela, entraria no quarto e a obrigaria a se levantar, mesmo que ainda estivesse com sono.
Daí a razão do cuidado que Laura tivera.
Dito e feito. 
Angela, ao perceber que não era atendida, ameaçou entrar no quarto. Porém, ao virar a maçaneta, percebeu que a porta estava trancada. Aborrecida, começou a bater na porta, exigindo que Laura abrisse.
Como a moça dormia pesadamente, nem sequer ouviu o escândalo de Angela.
Enquanto isso, Angela, constatando que não seria atendida, desistiu. Desistiu e foi preparar o próprio café. Irritada com o comportamento de Laura, foi até bom que a moça estivesse dormindo, pois se aparecesse diante dela, fatalmente as duas acabariam brigando. 
Porém, conforme a tarde ía se acabando, Laura, finalmente acordou. Descansada, foi primeiramente, olhar pelo buraco da fechadura, para ver se Angela não estava por perto. Depois de verificar que a irmã aparentemente, não estava por ali, abriu a porta com todo o cuidado. 
Após abrir a porta, foi olhar para o corredor para ver se Angela não a estava espreitando. Atentamente, olhou para os dois lados como se estivesse atravessando uma rua. Tudo tranqüilo. Foi aí então, que com roupas na mão, a moça trancou novamente a porta do quarto e foi até ao banheiro.  
Lá Laura tomou um bom banho, e vestindo uma roupa leve, foi dar uma volta pela cidade. São Paulo nessa época, apesar de suas grandes dimensões, era uma cidade pacífica. Por isso, mesmo com a noite se aproximando, não havia problema nenhum em Laura sair de sua casa, ainda que sozinha, para passear pelas ruas da cidade.
E assim, foi caminhando sozinha que Laura conseguiu pensar melhor em sua vida, e tentou encontrar uma solução para tentar resolver seus problemas. Afinal de contas, não queria passar o resto de sua vida brigando com sua irmã. 
Isso por que, Angela, era a única família que possuía. Era sua única parente próxima, que ainda estava viva. Ademais, mesmo com muitos defeitos, Angela a acolhera. Não bastasse tê-la recebido em sua casa, Angela cuidou dela e terminou de criá-la. Isso por que, quando Laura se viu sozinha no mundo, não tinha mais do que doze anos. 
Assim, mesmo com as maiores implicâncias da irmã, Laura tinha uma grande consideração e gratidão por tudo o que Angela fizera por ela.
Por isso mesmo, nas inúmeras vezes que Benê criticou sua irmã, a moça fez questão de defendê-la. Isso por que, apesar de seu temperamento costumeiramente rude, Angela fizera muito por ela.
Mas Benê a despeito disso, considerava ainda assim, a atitude de Angela, muito exagerada. No entanto, não brigava com a amiga por isto.
Sim, Angela não era má pessoa. Talvez um pouco autoritária e mandona, mas fora generosa com ela no momento em que ela mais precisou.  
E assim pensando, Laura ficou a caminhar por horas. Nessas horas, passou por vários lugares, ouviu música e pessoas conversando ruidosamente. De longe, observou um casal de namorados que encantando com as estrelas, parou para admirar o firmamento.
Mais tarde, depois de muito pensar, a moça voltou para casa.
Ao entrar no apartamento, Laura viu Angela sentada num canto da sala, amuada, triste. Desanimada, a mulher não tinha nem ânimo para discutir com Laura – sua única irmã. 
Tudo por que Angela estava desapontada com o comportamento da irmã. Isso por que, para ela, Laura estava rebelde demais. Tão rebelde que Angela não conseguia entender por quê. Apesar de ser muito mais velha que Laura, Angela, também já  tivera dezoito anos. No entanto, em nenhum momento se comportara como a irmã.
Ao contrário, com menos de vinte anos, casou-se, para, com menos de cinco anos de casada, enviuvar. Sim, Angela ficou viúva muito cedo. Porém, a despeito de sua viuvez, a moça não ficou desamparada. Em razão de seu marido ser muitos anos mais velho que ela, já havia galgado um bom posto em seu trabalho e amealhado um bom patrimônio. Assim, quando faleceu, deixou Angela em boa situação financeira. Tão boa que Angela, mesmo ainda muito jovem, não precisou trabalhar.
E assim, mesmo viúva, logo após o falecimento dos pais, fez questão de levar Laura para sua casa e cuidar dela como se fora uma filha.   
 As duas então, lembrando-se disso, foram tomadas de um profundo sentimento de emoção. Laura então, ao ouvir de sua irmã, que ela só queria seu bem, ficou profundamente enternecida. Emocionada, a moça tratou logo de abraçar a irmã e dizer que lhe era muito grata por tudo que fizera por ela. E prosseguiu, dizendo:
-- E por mais que a gente brigue, se desentenda, nunca se esqueça disso, por que eu sempre vou me lembrar, de tudo o que você fez por mim. 
Angela ao ouvir as palavras da irmã, caiu no choro.
Laura ao ver que Angela chorava, comentou que não dissera aquilo para fazê-la chorar, e sim para tentar se desculpar pela última briga que tiveram.
Angela então, ao ouvir Laura, comentou:
-- Eu não estou chorando de tristeza. Eu estou emocionada. Nunca pensei que eu viveria para ouvir isso. Eu não esperava. Mas é muito bom ouvir que você reconhece o meu esforço. Obrigada minha querida. 
Nisso, Laura abraçou novamente a irmã, e as duas ficaram abraçadas, por um longo espaço de tempo. 

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.  

VEM DANÇAR COMIGO? - CAPÍTULO 3

No dia seguinte, quando comentou com sua amiga Benê sobre a recepção que tivera na noite anterior, Laura conseguiu deixar a amiga bastante ressabiada.
Benê, desconfiada da inesperada generosidade de Angela, fez mais uma vez questão de advertir a amiga, de que aquilo tudo poderia não passar de uma manobra para ganhar sua confiança e assim, manipulá-la.
Laura ao ouvir as palavras da amiga, comentou aborrecida:
-- Benedita, como pode pensar isso? Angela é minha irmã. Ela jamais faria nada para me prejudicar. Você sabe disso.
-- Saber? Eu não sei de nada Laura. A única coisa que eu sei, é que vocês duas nunca se deram bem, e agora, de uma hora para outra, sem quê nem pra quê, você me vem com uma conversa furada dizendo que ela está muito amorosa com você.
-- Ah, Benê! Por que você não pode dar um voto de confiança para ela? Afinal, não é você mesma que diz que todos nós temos direito a uma segunda oportunidade?
-- Sim, eu disse. – respondeu.
-- Além disso, Benê, Angela te convidou para cear em casa.
-- Ceiar? – perguntou surpresa.
Laura então riu. Depois comentou:
-- Não Benê. É cear.
Desconfiada, Benê respondeu:
-- Que seja! Esse papo de ceia não é comigo. Além disso, quem me garante que ela não está me convidando pra envenenar minha comida? Não sei não!
Laura, achando graça na desconfiança da amiga, respondeu:
-- Deixa disso Benê! Por acaso pensa que Angela é uma assassina? Que horror! Ela te convidou para ser gentil. Afinal de contas, ela sabe muito bem que nós somos muito amigas. Não é mesmo?
Benê concordou. Agradecida a amiga, chegou até a lhe dar um abraço.
Porém, por nada deste mundo jantaria com Angela. E assim, por mais que a amiga insistisse, nada a convencia.
Benê não gostava de Angela. Muito embora não a conhecesse pessoalmente, já sabia que ela não era uma boa pessoa. A julgar pela forma como ela tratava a irmã, não devia ser uma pessoa agradável. Por isso, sempre que a amiga vinha com essa conversa, Benê tratava logo de desconversar.
Cansada de ouvir a conversa da amiga a esse respeito, certa vez comentou que não queria mais ouvi-la falando desse convite, ou então se aborreceria com ela.
Não adiantou nada, pois Laura continuava insistindo.
Diante disso, Benê, que já não agüentava mais a insistência da amiga, acabou aceitando o convite. Contrariada, mas aceitou.
Assim, alguns dias depois, lá estava ela na casa de sua amiga e de Angela.
Embora Benê estivesse ressabiada, Angela a recebeu muito bem.
Preocupada em causar uma boa impressão em Benê, Angela deixou de lado certos formalismos.
Contudo, mesmo assim, Benedita, que não estava acostumada com certos pratos, achou muito estranha a forma como Angela serviu o jantar. Isso por que primeiramente, perguntou a ela se queria um aperitivo.
Benê, que não costuma beber, recusou imediatamente. Aborrecida chegou até a comentar que não bebia. Além disso, se tinha ido até lá para comer, por que a demora em servir o jantar?
Laura ao ouvir isso, pediu que a amiga não comentasse isso com Angela, ou ela ficaria muito desapontada.
Com isso, enquanto, Angela se desdobrava na cozinha, Laura fazia sala para sua amiga.
Nisso, quando então o jantar foi servido, Benê perguntou logo onde ficava o banheiro. Queria lavar as mãos. Depois, reuniu-se às irmãs e ceou.
Nessa época, como se pode ver, a paz reinava no lar das irmãs. Todavia, esta calmaria duraria pouco.
Foi só Laura começar a sair aos sábados a noite, que mais uma vez Angela se aborreceu com ela.
Isso por que Angela não conseguia entender tanta necessidade de sair. Por ser mais velha, Angela – que já fora casada –, não conseguia entender a mania da irmã em ficar tanto tempo longe de casa. Certa vez chegou até a comentar:
-- Já não basta a confusão que você arruma todos os dias comigo, ainda tem que ficar saindo todo sábado a noite, pra me afrontar?
-- Eu não estou te afrontando. Só estou tentando encontrar uma maneira de me divertir.
-- E para isso, você tem que sair todo sábado? Não dá para ficar ao menos de vez em quando em casa? É pedir muito?
Mas não adiantava. Laura não dava ouvido às reclamações da irmã. Assim, quando não brigava com Angela, deixava as reclamações dela de lado e mesmo diante de protestos, saía para se encontrar com Eugênia e Renata que já a esperavam do lado de fora do prédio.
Ao sair certa vez, vestida com um vestido justinho, todo colorido, a moça estava pronta para se divertir. Estava tão produzida que até suas amigas comentaram:
-- Deixou cair!
-- Eu vou me divertir. – respondeu Laura toda animada.
-- Então vamos? – perguntou Renata.
-- Vamos. – respondeu Laura.
Nisso as três caminharam em direção a um ponto de táxi. Foi assim que chegaram num badalado show. Ansiosas para assistir o espetáculo, as três foram logo se sentar.
Lá Laura se encantou com a apresentação. Suas amigas, aproveitando que o lugar estava cheio de rapazes, fizeram de tudo para se enturmar e arrumar um paquera. Porém, por mais que tentassem, nada conseguiam.
Decepcionadas, Eugênia e Renata no final da noite, ao conversarem com Laura, comentaram que a maioria dos rapazes que estavam no lugar já estavam acompanhados.
Laura então, percebendo o desânimo das amigas, comentou que era assim mesmo. Nem sempre elas conseguiriam companhia.
E assim, todas elas voltaram para casa. Dividindo as despesas do táxi, cada uma voltou para sua respectiva morada.
Nisso, Laura ao chegar em casa, entrou pé-ante-pé, no apartamento.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

VEM DANÇAR COMIGO? - CAPÍTULO 2

Embora Angela não soubesse, Laura estava no quarto, dormindo o sono dos justos. Assim, não poderia abrir a porta. Como estava dormindo, não escutava mais a barulheira da irmã.
Diante disto, Angela, muito embora estivesse aborrecida, não podia fazer nada. Só lhe restava esperar. E pacientemente esperou. Esperaria o tempo que fosse necessário. Não obstante sua obstinação em enquadrar a irmã, Angela não conseguiu continuar sua conversa. E assim, conforme as horas se passavam, não lhe restou outra alternativa, senão ir dormir. 
Depois, quando Laura acordou, mais do que depressa, se dirigiu ao banheiro. Lá tomou banho, trocou suas roupas e voltou ao quarto.
Como Angela sabia de seus horários, a moça teve o cuidado de se levantar mais cedo e se arrumar logo. Assim, teria uma chance de adiar sua conversa com a irmã. Isso por que, não tinha a menor vontade de enfrentá-la logo cedo. E assim, Laura logo que se aprontou, tratou de sair para o trabalho.
Como era ainda muito cedo, Laura teve a rara oportunidade de encontrar um ônibus vazio. Tão vazio que a moça podia escolher o lugar em que queria sentar.
Quando chegou a loja, a moça reparou que ainda era cedo. Assim, procurou algum estabelecimento que estivesse aberto aquela hora, para que pelo menos, pudesse tomar um café. Isso porque, dada a hora em que saiu de casa, Laura não tomou nem uma xícara de café. Por isso, precisava comer e beber alguma coisa.
Com isso, depois de andar algumas quadras, Laura acabou por encontrar um bar aberto. Pediu um café e uma coxinha, comeu e depois de pagar, saiu do lugar. 
Quando voltou para finalmente entrar na loja e começar a trabalhar, já era quase a hora em que entrava costumeiramente. Assim, ao se aproximar da loja, Laura percebeu que alguém já estava lá. Ao entrar na loja, Laura constatou que Ronaldo, havia chegado mais cedo. Quando o patrão a viu, espantou-se:
-- Mas o que a senhorita está fazendo aqui, a esta hora? Ainda não começou seu horário de trabalho.
-- Sim, eu sei. Mas como já estou aqui, eu já vou começar a organizar as coisas. O senhor não se importa, não é mesmo?
-- Me importar? Absolutamente. Pode começar.
E prontamente arrumou as mercadorias. Como Ronaldo lhe pedira, Laura cuidou também, de arrumar as vitrines. Diante disso, quando suas colegas chegaram, trataram de ajudá-la a organizar melhor as vitrines.
Conforme as datas comemorativas se aproximavam, Ronaldo passava a se preocupar em arranjar as vitrines de acordo com a época. Por isso, o trabalho extra.
Cuidadoso que era, mandou Renata e Eugênia irem até o depósito e pegar os arranjos que lá estavam, para colocarem nas vitrines. Assim, as duas foram mais que depressa até o depósito. Trazendo os enfeites, as duas ajudaram Laura a montar as novas vitrines da loja. Assim, quando a loja foi aberta ao público, tudo já estava devidamente organizado. 
Com isso, mais um dia de trabalho transcorreu para todas as funcionárias.
Laura mais uma vez retornou para casa.
Porém, como não estava nem um pouco interessada em se encontrar com a irmã, pediu a amiga Benê para ir fazer um passeio pela cidade. Mais tarde, depois de passar algum tempo com a amiga, Laura então decidiu-se a voltar para casa.
Quando chegou em casa, Laura encontrou Angela arrumando a mesa para o jantar. Surpresa, a moça chegou até a comentar:
-- Logo você, Angela, cuidando da cozinha?
Angela respondeu, um tanto quanto animada:
-- Minha querida Laura, eu sempre gostei de cozinhar, você bem sabe disso. O que eu não gosto é de ficar o dia inteiro na cozinha. 
-- Que bom! Eu acho ótimo quando você tem esses rompantes. Eu sempre adorei sua comida! – respondeu Laura num tom elogioso.
-- Muito obrigada! Mas se você gosta tanto assim do que eu faço, eu recomendo que vá tomar um banho. Anda, se apresse. 
Laura então tomou outro banho.
De roupa trocada a moça foi logo se sentar à mesa, e se regalou com um saboroso jantar preparado pela irmã. 
A mesa, ricamente posta, estava um verdadeiro primor. 
Por conta disso, Laura não se cansou de elogiar o apuro e esmero da irmã em preparar o jantar.
Angela agradeceu. Além disso, aproveitando a rara oportunidade em que as duas não estavam se desentendendo, sugeriu a Laura que um dia desses, convidasse Benê para jantar com elas. Dizendo que a amiga de sua irmã seria muito bem vinda, fez questão de convidá-la. 
Laura ao ouvir o convite, alegou que primeiro precisava consultar a amiga para saber se lhe interessava. 
Angela então disse:
-- Pois bem, insista com ela. Diga que ela não precisava fazer cerimônia. Amiga de minha irmã é minha amiga... Ah, propósito! Quando convidá-la, só me avise com antecedência. É que eu preciso preparar um saboroso repasto. Está bem?
Laura assentiu com a cabeça.
Nisso Angela, que conhecia o gosto da irmã por sobremesas, foi logo trazendo à mesa, uma de suas preferidas. 
Laura ao ver a sobremesa sendo posta, foi logo exclamando:
-- Bolo de coco e chocolate.  
Angela então perguntou:
-- Sim. Não gostou?
-- Mas é claro que eu gostei. Eu adoro esse bolo. Você sabe disso!
-- Sim, eu sei. Foi por isso que eu passei à tarde toda preparando este bolo todinho pra você... Por que eu sei que você adora. Está vendo como eu te conheço bem? 
Estranhamente, Angela estava muito carinhosa com a irmã. Sutil, agora conversava amigavelmente com Laura. Mais agradável do que de costume, surpreendeu a própria irmã, que esperava encontrá-la furiosa com seu comportamento do dia anterior. Mas não. Qual não foi a surpresa de Laura, ao ver Angela ser tão gentil. Por isso, feliz com a mudança da irmã, Laura nem sequer comentou sobre o incidente do dia anterior.
Feliz, quando foi dormir, a moça dormiu o sonho dos justos.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

VEM DANÇAR COMIGO? - CAPÍTULO 1

Anos sessentas. Nesta década começa a história de Laura, uma jovem moça, moradora da cidade de São Paulo. 
Das seis às sete horas da manhã, utilizando-se de um ônibus que circulava em seu bairro, Laura se dirige para o trabalho. Passa portanto, uma hora dentro de um ônibus cheio, lotado de pessoas, até finalmente chegar na loja em que trabalhava. 
Ao chegar ao trabalho, imediatamente entra na loja e começa a arrumar as mercadorias. Isso por que em uma hora a loja seria aberta para os consumidores. Assim, a moça precisava se apressar para organizar a loja. 
Com isso Laura verificava os estoques, e se havia necessidade de se pedir mais alguma mercadoria. Além disso, organizava as mercadorias em prateleiras no depósito. Laura também olhava o caixa, para ver se havia troco em caso de necessidade. Isso sem contar, na necessidade também de organizar as vitrines da loja, dada as diferentes coleções de produtos a serem vendidos. 
Ou seja, antes da abertura da loja, Laura já estava trabalhando a uma hora.
E assim, depois, de organizar a loja, a mesma era aberta, e começava a correria para se atender aos clientes. Os mais variados tipos deles. Desde gente indecisa, que fazia as vendedoras, inclusive ela, descerem a loja inteira, para no final decidirem que não iriam levar nada, até pessoas grosseiras, que as consideravam subalternas.
 Entretanto, para a sorte das funcionárias da loja, a maioria dos fregueses era educada. E assim, facilitavam o trabalho delas.
Isso por que o trabalho era intenso tendo em vista que a loja estava sempre movimentada. As vendedoras quase não tinham tempo para respirarem. No entanto, o mais complicado de tudo isso, não era o trabalho e sim, aturar a impaciência constante do chefe que as enlouquecia com suas exigências. Este, não admitia que os clientes ficassem esperando serem atendidos.
Para ele, quando alguém chegava na loja, tinha que ser atendido imediatamente.
E mesmo as moças tentando explicar que nem sempre estavam livres para atenderem todos os fregueses imediatamente, ele ainda continuava a reclamar.
Não havia argumentos para escusas, segundo ele. Tudo poderia ser melhorado.
Um dia, Laura sugeriu-lhe que contratasse mais uma funcionária para auxiliá-las no trabalho. Assim, poderiam realizar uma atendimento mais adequado.
No entanto, quando Ronaldo ouviu isso, ficou furioso. Como contratar mais uma funcionária? E o que ele já gastava com a folha de funcionários já contratados?
E assim, diante da resistência do patrão em contratar novos funcionários, não restou outra alternativa a moça, senão se calar.
Ao comentar o incidente com as colegas, as mesmas disseram:
-- Bem feito. Quem mandou você falar isso? Parece que não conhece o patrão que tem.
-- Eu sei, Benê. Falei demais. – concordou Laura.
-- Eu espero que isto te sirva de lição. Não provoque a fera.
-- Está certo, Benê. Este assunto, morre aqui.
-- Gente. Vamos mudar de assunto. O Senhor Rabugento está vindo pra cá. – alertou Eugênia.
-- Vamos mudar de assunto. – concordou Renata.
-- E então, Laura. Como vai o namoro? – perguntou Eugênia.
-- Não vai. Terminei. 
-- Ah, que pena. O rapaz parecia tão simpático. – comentou Renata.
-- Infelizmente, não deu certo.
Nisso Ronaldo se aproximou e tratou de dispersar as mulheres. Disse que não era hora de conversa. Em razão de ser hora do almoço, o patrão dividiu o horário em duas partes. Durante os primeiros quarenta minutos, Laura e Benedita saíam para almoçar, depois iriam Eugênia e Renata.
E assim, as duas amigas foram almoçar. E assim comentaram sobre incidente na loja. Ademais, preocupada, Benê já vinha há muito tempo alertando a amiga sobre o comportamento estranho de Angela. Achava que Laura devia tomar cuidado com ela.
No que a moça sempre retrucava:
-- Mas ela é minha irmã. Se eu não confiar nela, em quem eu vou confiar?
-- Mas você tem que tomar cuidado com ela sim. Ainda mais depois do que ela aprontou semana passada. – argumentou Benê.
-- Bobagem sua. Aquela foi uma discussão sem importância.
-- Quer dizer que, jogar na tua cara toda a ajuda que ela já te deu, por causa de um mal entendido, é bobagem. – ironizou.
-- É sim, a gente sempre brigou  por causa disso.
Com isso, diante da resistência da amiga em dar crédito para suas palavras, Benedita desistiu. Afinal, não queria brigar com Laura. A amizade das duas não merecia acabar por causa de uma divergência de opiniões. E assim, encerrou o assunto.
Assim, as duas terminaram o almoço e trataram de retornar ao trabalho. Em seguida, Eugênia e Renata saíram para almoçar.
Por volta de duas horas da tarde, o movimento da loja aumentou consideravelmente. Por isso, a tarde de trabalho seguiu-se atribulada.
Por fim, por volta das seis horas, Laura retornou do serviço. Cansada que estava foi direto para casa.
Lá, como de costume, Laura encontrou sua irmã lhe esperando na sala. Angela estava sentada no sofá lendo uma revista. 
Nesse instante Laura disse:
-- Boa noite.
Pronto, Angela havia encontrado uma deixa para enchê-la de perguntas.
-- Como foi o seu dia?
-- Corrido como todos os outros. – respondeu Laura secamente.
-- Nada de novo?
-- Não.
-- Então, por que a senhorita só chegando a esta hora em casa?
-- Por que eu estava trabalhando.
-- E como não me avisou que ía demorar?
-- Não deu. A tarde foi uma correria, mal tive tempo de tomar um copo d’água. Não deu para telefonar.
-- A mesma velha desculpa de sempre. E como é que para sair, você encontra tempo e disposição?
-- Por que eu não tenho um chefe chato na minha cola todo sábado a noite.
-- E isso muda tudo. Não é?
-- Muda sim ... Quer saber? Eu não vou ficar aqui, discutindo com você.
-- Escute aqui. Eu te conheço desde que você nasceu. Você me deve respeito e obediência. – argumentou Angela.
-- Eu não te devo nada. Você sabe muito bem disso.
Disse isso e foi para seu quarto. Ao entrar, Laura trancou a porta e se deitou em sua cama. Depois de um dia de trabalho, precisava descansar. O que não impediu sua irmã Angela, de ficar durante quinze minutos batendo em sua porta, exigindo-lhe explicações pela a atitude intempestiva.
Irritada, a mulher dizia que Laura não tinha o direito de destratá-la já que era ela que cuidava das duas. Enraivecida, Angela bateu na porta insistentemente, exigindo que a irmã a abrisse. 
No entanto, depois de muito esmurrar a porta, desistiu. Laura não abriria a porta para ela. 

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   






TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 29

Nisso a vida desses jovens prosseguiu.
Letícia mesmo sendo uma boa mãe para Antônio, continuava desafiando Álvaro. 
Isso por que, mesmo grávida, Letícia, continuava cavalgando sem parar. Dizendo que tinha que cuidar da propriedade onde morava, não falhava um dia.
Álvaro porém, não conseguia ficar calmo ao ver a mulher, segundo ele, se arriscando.
Nisso, Antônio, acompanhando a mãe, também aprendeu a andar a cavalo.
Álvaro, percebendo que não conseguiria convencê-la a parar, resolveu, depois de muito brigar, acompanhá-la em suas incursões pela propriedade. 
Enquanto isso, Horácio – detetive contratado por Rogério –, procurava saber por onde andava Júlio. 
Isso por que Letícia ansiava encontrar o amigo que em dos momentos mais difíceis de sua vida, a auxiliou. 
Nisso, quando finalmente o detetive encontrou o paradeiro dele, Letícia, esperançosa de voltar a ver o amigo, descobriu que o mesmo fora morto. Arrasada ao descobrir a verdade, não conseguia deixar de pensar que quem o havia matado fora Otávio. 
No entanto, essa era uma pergunta que nunca seria respondida. 
Isso por que, Otávio, que preferira a solidão a tornar a sofrer novas decepções, acabou vivendo os seus últimos dias sozinho. Mesmo quando seu filho apareceu para buscá-lo, Otávio se recusou a acompanhá-lo. Dizendo que preferia ficar sozinho, comentou que morreria ali.
Para Rafael, ouvir as palavras duras de seu pai, foi extremamente doloroso. Mas ciente da escolha que Otávio fizera, nunca mais voltou a vê-lo.
Com isso, Rogério, que gostava de Letícia, percebendo que nunca teria chances com ela, resolveu se casar com Margarida. A mesma que flertara Letícia, acreditando ser ela Ticiano.
Rafael também se casou com uma moça da Corte e vivendo por lá, se tornou guarda-livros.
Já Letícia, Antônio, Álvaro e Júlio, – o último, era o mais novo membro da família, que recebera este nome em homenagem a um grande amigo da moça –  faziam tudo para serem felizes.
Nisso Antônio que já era moço, começou a namorar uma jovem da região. Desta forma, dentro em breve ele também partiria.
Triste Letícia constatou que toda a sua vida se constituiu em despedidas. Álvaro, percebendo o desalento dela, comentou que apesar de doloridas, as despedidas eram inevitáveis. Além disso, todos um dia se deparavam com isso, até mesmo ele.
Letícia, com os olhos cheios de lágrimas, percebeu então que Álvaro também sofrera perdas. Muito jovem perdeu seus pais, e muito cedo teve que cuidar do patrimônio da família.
Ao ouvir as palavras do esposo, Letícia, percebeu então, que apesar de tudo, era uma pessoa de sorte. Afortunada por ter tido o privilégio de ter amigos com Rogério, ele, Rafael seu irmão, seus dois filhos Júlio e Antonio. Sortuda, por que pôde ter, mesmo que tardiamente uma família. Quantos não passavam a vida inteira sozinhos? Sim, apesar das tristezas, Letícia era uma pessoa de sorte. Amada por quase todos os que a conheciam, ainda que carregasse muitas tristezas em sua vida, ainda assim, possuía motivos para sorrir.
Pensando nisso, Letícia percebeu que era o chegado o tempo de ser feliz.  
Com isso, quando finalmente Antônio partiu, mesmo triste, Letícia não derramou uma lágrima. Feliz por seu filho estar buscando a felicidade, pediu a ele para que fosse eternamente feliz.
Antônio prometeu a mãe que nunca mais seria triste. Contente, pediu para que ela fizesse o mesmo. Letícia prometeu que o faria. 
Nisso, Julinho, que estava crescido, passou a acompanhar os pais em suas cavalgadas diárias. 
Essa era a lembrança mais querida dele. Isso por que, depois que os dois faleceram, era assim que ele gostava de se lembrar dos ambos. 
Com isso, Rafael e sua esposa, Rogério e Margarida, entre outros, ao saberem do passamento dos dois, ficaram pesarosos com a notícia. Por esta razão todos foram dar pêsames aos filhos do casal, Júlio e Antônio.
Júlio nessa época, já tinha quatorze anos, mas era ainda muito jovem para ficar sozinho. Por esta razão, passou a ser cuidado por Antônio. E mesmo tendo Antônio como irmão, nunca o desrespeitou. 
E assim Júlio, depois de viver toda a sua vida com os pais, agora tinha que se acostumar com uma nova família. Triste com a perda dos pais, ainda assim, só conseguia se lembrar dos momentos felizes com eles. 
Com isso Antônio assim como Júlio, adorava se lembrar das cavalgadas. 
Júlio também gostava de se lembrar de quando, mesmo em tempo de muito frio, passeava com eles a cavalo. E apesar do frio, sentia-se aconchegado por ter sempre a presença dos dois por perto.
Agora, não mais.   

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 28

Lutando como um valoroso soldado, Letícia, passando-se novamente por Ticiano, não fugia da luta. 
Ávida por confrontos, a moça não se amedrontava nem diante dos maiores perigos.
E foi assim, em meio a luta, soldados feridos e muito desespero, que Letícia novamente encontrou-se com seu amigo Rogério, que também fazia parte do batalhão.
Além dele, estava lá, Álvaro, lutando como oficial. 
Quanto a isso Letícia não pôde deixar de se surpreender com a situação. Temerosa que ambos revelassem aos militares o que sabiam a seu respeito, Letícia passou a evitá-los.
Rafael então, ao descobrir que eles a conheciam e que sabiam que ela não era Tício coisa nenhuma, foi conversar com os dois e pedindo a eles que não contassem o que sabiam sobre Letícia, constatou que eles não estavam ali para prejudicá-la. Rogério, alegou que só encontrou-a ali por acaso. Álvaro contudo, não negou que estava ali por causa dela. Tanto é, que assim que soube que a moça estava lutando como soldado, tratou também, de se dirigir para lá e se alistar. 
Assim, quando viu a moça lutando como um simples soldado, sujeita a toda uma série de riscos, Álvaro ficou deveras preocupado e por diversas vezes, tentou convencê-la a sair dali. Isso por que se fosse ferida, fatalmente os homens descobririam que ela era uma mulher. 
Letícia incomodada com Álvaro, respondeu que faria o possível para não se ferir.
O mancebo, percebendo a teimosia da moça, respondeu, que numa guerra não havia como se evitar feridos e até mesmo perdas humanas. 
A moça, dizendo que estava ciente dos riscos que estava correndo, alegou que não havia por que ele se preocupar. 
Álvaro então, percebendo que não conseguiria demovê-la da idéia de continuar lutando, passou a fazer o possível para protegê-la.
Mas Letícia, espertamente, percebendo as artimanhas dele, fazia de tudo para resolver suas questões da maneira que achava conveniente. Assim, Álvaro, por mais que tentasse, nunca conseguia controlá-la. 
Nisso, a moça cada vez mais se destacava por sua atuação. 
Álvaro então, cansado de brigar, resolveu se aproximar e oferecendo flores, que havia colhido a ela, só conseguiu deixa-la apreensiva. Isso por que, se alguém visse a cena, certamente pensaria que Álvaro não estava em seu juízo perfeito. 
Letícia, percebendo o risco, tratou de levá-lo até uma das barracas e lá, longe de olhares curiosos, os dois conversaram. Álvaro então, dizendo que havia sentido saudades dela, comentou que nunca mais a deixaria sair de sua vida.
Letícia, sem compreender o significado daquelas palavras, ficou a olhar para Álvaro, que cansado de tentar se fazer entender, puxou-a para si e beijou-a.
A moça, espantada, perguntou:
-- Por que o senhor fez isso?
O jovem mancebo respondeu:
-- Bem ... por que me deu vontade. E por que eu estou cansado de me fazer entender. Também estou cansado de esperar o momento oportuno. Desde que a senhorita morou em minha casa, desde aquele baile, eu estou tentando dizer-lhe que gosto muito de vosmecê e não consigo. Isto já estava me sufocando... E... eu quero te namorar. Pronto, disse.
Letícia, atônita, não sabia o que pensar. 
Álvaro, notando a perplexidade da moça, pressionou-a a lhe dar uma resposta sobre seu pedido de namoro.
Letícia, dizendo que precisava pensar, tentou escapar pela tangente, mas o rapaz, percebendo a estratégia, disse-lhe que ela tinha que responder imediatamente.
A moça, ao se ver pressionada pelo mancebo, não gostou nem um pouco daquilo, mas sem saída – já que Álvaro não se intimidava com sua agressividade –, acabou,  depois de algum tempo, respondendo. Titubeante, Letícia disse a ele, que poderiam tentar ficar juntos.
Mesmo não sendo a resposta que esperava, Álvaro acabou concordando.
No entanto, havia um problema. Como fariam para ficar juntos, sem que ninguém percebesse que havia algo errado? Sim por que, para todos os efeitos, Letícia era Ticiano e não ficaria nada bem os dois serem vistos juntos, como se fossem dois namorados.
Nisso, Rafael, prometeu ajudar os dois.
E nisso, deixando os dois a sós em uma das barracas, ficava sempre a vigiar. Se um estranho aparecesse, ele bateria na barraca avisando para que Letícia se escondesse. 
E foi assim, que os dois começaram a namorar. Em meio ao tumulto da guerra.
Contudo, eram raras as vezes que podiam ficar juntos.
Letícia, cada vez mais requisitada, lutava mais e mais.
Foi justamente em uma dessas batalhas que a moça acabou se ferindo seriamente. 
Álvaro, ao saber que a moça corria sérios riscos de vir a falecer, caiu em prantos. 
Seus comandados ao perceberem a reação dele, não conseguiram compreendê-la. Isso por que, apesar de saberem que os dois eram amigos, os soldados nunca haviam visto antes, um homem chorar. No entanto, a despeito da reação de Álvaro, nem por um momento suspeitaram da relação dele com a ferida. 
Nisso, as enfermeiras, cuidando do ferimento de Ticiano, acabaram descobrindo que se tratava não de apenas mais um soldado ferido e sim de uma mulher. 
Com isso, os oficiais mais graduados, ao saberem do fato, prometeram tomar medidas drásticas. 
Álvaro e Rogério, ao tomarem conhecimento disso, suplicaram aos militares mais graduados para que nada fizessem contra a moça.
No que os oficiais, ao constatarem que os dois já sabiam do embuste, ameaçaram também puni-los.
Os moços, ao perceberem isso, concordaram em se submeter a punição. Já, quanto a moça, os dois pediram, para que quando ela se recuperasse, não a punissem. Pelo contrário! Em respeito aos relevantes serviços prestados nas batalhas, a moça devia ser condecorada e não punida.
Os militares ao ouvirem isso, depois de muita relutância, acabaram concordando.
E assim, a história ficou por isso mesmo.
Todavia, nem tudo estava resolvido. Isso por que, Letícia ainda corria risco de morte. Álvaro, preocupado com essa possibilidade, postou-se ao lado do leito da moça e pedindo-lhe para que não morresse, agora, que já conhecia sua história, prometeu que faria de tudo para encontrar seu outro irmão, Antônio. 
Não se sabe se por milagre ou não, mas o fato é que, depois de ouvir a promessa de Álvaro, Letícia passou a melhorar pouco a pouco. Meses depois, a moça estava restabelecida. 
Álvaro, ao vê-la tão bem, mal podia acreditar que quase a perdera por duas vezes. 
Dizendo que nunca mais queria sentir aquela sensação, insistiu para que ela nunca mais colocasse sua vida em risco daquela maneira. 
Letícia prometeu que não faria mais isso. Com um dos ombros enfaixados em razão do ferimento, Letícia só queria saber de encontrar, a pessoa mais importante da família.
Álvaro dizendo que ela não podia abusar, comentou que eles deviam esperar mais um pouco para procurar pelo menino, que a essa altura já era um rapazote.
Impaciente, Letícia, ao ouvir isso, disse que não queria esperar e que eles deviam partir imediatamente.
Rogério, percebendo o impasse, prometeu a ela que ele próprio se encarregaria de procurar pelo garoto. Assim, logo que soubesse de alguma notícia, voltaria ali para lhe revelar seu paradeiro.
Letícia porém, teimosa, bem que tentou manter seu ponto de vista, mas Álvaro ao dizer que se Rogério havia se prontificado a ir atrás, não precisava ela ficar tão inquieta, acabou convencendo-a.
Não que  a moça, tenha ficava feliz e satisfeita com os argumentos de Álvaro, mas como havia prometido não se meter mais em confusões, acabou por ficar mais algumas semanas descansando.
No entanto, bastou se livrar das ataduras para brotar novamente em seu coração, a vontade de partir em busca do irmão.
Álvaro então, percebendo que não conseguiria segurá-la por muito tempo ali, pediu ao menos que ela esperasse Rogério se comunicar. Isso por que, em o homem se comunicando, Álvaro poderia lhe avisar que estavam voltando para casa.  
E assim foi. Letícia e Álvaro, partiram e voltando para casa – depois de avisar Rogério –, ficaram aguardando as próximas notícias dele. 
Em dezembro de 1868, finalmente Antônio foi localizado. 
Letícia, ao tomar conhecimento da novidade, foi correndo até o orfanato em que o garoto estava. A moça, ao olhar para o rapaz, foi tomada de uma profunda emoção.
Antônio, com quase quinze anos, logo que a viu, a reconheceu. Isso por que, estando com cinco anos quando foi tirado de sua companhia, apesar de uma leve mudança, para ele Letícia não estava tão diferente assim. 
Ao ver que o garoto a reconheceu, Letícia ficou muito emocionada. Chorando, contou que mesmo durante todos aqueles anos, nem por um minuto, deixou de lembrar dele. Todavia, sem saber por onde começar a procurá-lo, pensou primeiro em amealhar algum dinheiro, para depois partir em seu encalço.
Letícia, que até então, era pouco afeita as palavras, não parou de falar nem por um minuto. Dizendo que depois que fugiu do reformatório a primeira coisa que fez foi procurá-lo, disse que ao se aproximar da casa de Júlio, percebeu que tudo estava fechado. Perguntando para um e outro, descobriu que ele havia sido preso com uma criança.
Antônio explicou então:
-- Sim. É verdade. Eu me lembro desta cena. Foi horrível. Levaram o pai e eu fui para um orfanato. Nunca mais eu o vi.
Letícia ao ouvir as palavras do garoto, não pôde conter o choro. Emocionada, comentou que desde que Mariana foi embora de casa, tudo mudou em sua vida. Criança, tinha apenas dez anos quando toda essa confusão se instalou em sua vida. Aos onze anos, Letícia contou, que passou a cuidar dele.
Antônio ao ouvir isso respondeu, que ela sempre fora a mãe dele.
Letícia se emocionou. Nisso a moça, percebendo que precisava regularizar a situação do garoto, comentou com Álvaro – que a essa altura já era seu marido –, que precisava obter um registro. Ele concordou.   
E assim, subornando um escrevente, Álvaro conseguiu obter uma certidão de nascimento de Antônio. Como mãe, estava Letícia e ele, que casado com a moça, registrou o garoto em seu nome.
Rogério, percebendo que ajudou a amiga, comentou arrependido que nem por um instante pensou em fazer uso daquelas informações para prejudicá-la. 
Letícia respondeu que acreditava nele. Feliz por finalmente ter encontrado Antônio, agradeceu por tudo o que ele fizera. Comentando que se não fosse por ele, nunca teria encontrado seus dois irmãos, nem revisto seu passado e resolvido todas as questões referentes a ele, agradeceu seu gesto tresloucado. 
Realmente a preocupação de Rogério com ela, mudou sua vida. Toda a mágoa foi-se embora. 
Muito embora não fosse possível reconstruir o passado, ao menos era possível retomar a vida e fazer o presente e o futuro melhores. As tristezas que se passaram não deixariam de serem dores, mas ao menos podiam ser superadas.
Todavia, todas essas tristezas acompanhariam ela e Antônio por toda a vida, por mais que ambos tentassem se livrar delas. 
Álvaro e Rogério o sabiam muito bem. Rafael também.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 27

Álvaro então, percebendo que estava quase a convencendo de que não poderia sair dali, resolveu deixá-la fazer um pequeno passeio pelas cercanias. Contudo, Letícia não poderia sair sozinha. E assim, quando finalmente estava restabelecida da fraqueza, a moça, vestindo trajes femininos, acompanhou-o em suas incursões pelos arredores. Atenta, observou cada detalhe do trajeto. 
Cautelosa contudo, a moça não tentou nada nesse primeiro passeio. Primeiramente, tentaria ganhar a confiança do rapaz, depois, sim, quando conhecesse bem o caminho, ela pensaria em como agir.
Enquanto isso Rogério continuava tentando localizar Letícia. Temendo que ela estivesse em apuros, o rapaz não media esforços para encontrá-la. 
E nisso, Letícia,  permanecia prisioneira de Álvaro. 
Muito embora não mais brigasse com seu algoz, a moça não estava nem um pouco satisfeita com a situação que estava vivendo e por isso mesmo, procurava evitar Álvaro. O rapaz contudo, fazia de tudo para ser presente. Atencioso como nunca fora antes, sempre que podia, a convidava para fazer passeios de charrete com ele. De vez em quando os dois foram até vistos juntos, na cidade. 
Mas mesmo assim, Letícia não via a hora de partir. Na primeira oportunidade, ganharia o mundo.
Álvaro porém, encantado com a moça, não imaginava o que se passava em sua mente. Acreditando tê-la dominado, fazia de tudo para tornar sua estada naquelas terras, a mais agradável possível. Certa vez, se excedendo, tentou agarrá-la, mas a moça, que de frágil, só tinha o porte físico, tratou logo de reagir. Chutando-o para longe, advertiu-o para que ficasse longe dela. 
Álvaro não gostou nem um pouco de ser rejeitado, mas acreditando que poderia conquistá-la, continuou bajulando-a de todas as maneiras. Primeiramente, quis castigá-la, mas depois, percebendo que havia exagerado, resolveu deixar de lado suas diferenças com a moça e passou a tratá-la melhor.
Fingindo que nada havia acontecido, convidou-a para um baile.
Lá os dois dançaram a noite inteira, e Álvaro, cauteloso, não desgrudou nem por um instante dela. Sempre que tinha que deixá-la só, um de seus criados a acompanhava para onde quer que ela fosse.  
Letícia contudo, já não agüentava mais ser seguida. Por diversas vezes, tentou despistar os criados de Álvaro, sem lograr êxito em suas tentativas. 
A moça já estava ficando desesperada. Todavia, aquela não era ainda a hora certa para fugir. Isso por que, se tentasse fugir durante a festa, certamente, diante da quantidade de pessoas que permaneciam ao redor da mansão, seria questão de tempo até ser pega. 
Letícia resolveu então, desistir de fugir e alegando que precisava achar o toillet, pediu licença ao criado. Quando finalmente achou-o, Letícia trancou-se lá. Aborrecida, só pensava no dia em que fugiria dali.
Muito embora estivesse ricamente vestida, Letícia nunca se impressionou com isso. Essa não era a vida que estava acostumada. Desde que sua família desintegrou, nunca mais ela teve a vida de princesa que estava acostumada. Desde que resolvera viver sua vida sem a interferência de estranhos, raramente tinha acessos a luxos. Assim, viver com pouco, era uma constante em sua vida. Além disso, desacostumada a se vestir com uma mulher, já não sabia mais como fazer para andar de salto e espartilho. Para ela, usar todas aquelas peças era um martírio.
Mas Álvaro não queria saber. Letícia tinha que ser a moça mais bonita da festa. 
E de fato, a moça causou sensação durante o baile. Quando a moça finalmente ficou sozinha, diversos cavalheiros pediram para dançar com ela. 
Educadamente, Letícia recusou cada um dos pedidos de dança. No entanto a certa altura, depois de muito recusar os pedidos, um cavalheiro mais ousado se aproximou, e deixando-a sem saída, acabou levando Letícia para o centro do salão e valsando com ela. 
Álvaro, que a essa altura conversava com seus amigos, ao ver a cena, não gostou nem um pouco. Irritado, quase fez um escândalo, mas seus amigos, percebendo isso, impediram que ele fosse até lá tomar satisfações.
No entanto depois que Letícia terminou a valsa com o cavalheiro, Álvaro aproximou-se, e irritado, comentou que não gostou nada de vê-la dançando com aquele cavalheiro.
Letícia, não entendeu nada. Afinal de contas, por que ele se importaria com isso?
Álvaro então, continuou a reclamar do comportamento da moça. Dizendo que aqueles não eram os modos de uma moça se comportar, comentou que esperava que ela fosse conversar com as moças de sua idade.
Letícia, ao ouvir as palavras do moço, começou a rir. 
Álvaro ao perceber isso, não gostou nem pouco e perguntando qual era a graça, ouviu como resposta:
-- Nada. 
-- Como nada? A senhorita ri assim de mim, e depois diz que não é nada? Como assim?
Letícia percebendo que teria que se explicar, começou dizendo que riu do comentário que ele havia feito.
Álvaro não compreendeu nada.
Letícia então, disse:
-- Eu só achei engraçado o fato de você achar que eu conseguiria arrumar assunto para um colóquio com as moças da festa. 
-- E por que não? Você já demonstrou que é culta, gosta de ler. Assunto para entabular inúmeros colóquios é o que não falta. Talvez se você conversasse com elas, teria a chance de comentar sobre os inúmeros livros que lestes.   
-- Eu não acredito que elas estivessem interessadas em literatura. Seria só eu tocar no assunto, para que elas se enfastiassem com minha conversa. Pode acreditar. 
-- Talvez não. Ou talvez quem sabe, a senhorita tenha razão. Mudemos de assunto.
Álvaro então levando-a até o centro do salão, aproveitou o ensejo para dançar mais um pouco com ela. Enciumado, resolveu não mais deixá-la sozinha em meio aquele salão. Assim, os dois dançaram praticamente a noite inteira juntos. 
Depois, na volta para casa Álvaro, perguntando se a moça havia gostado do baile, ouviu como resposta:
-- Não foi de todo mal. Mas não me agrada a idéia de ter de usar roupas tão apertadas.
Ao ouvir isso Álvaro respondeu que dali por diante seria assim que ela se vestiria.
Letícia porém, não gostou nem um pouco de ouvir isso. Aborrecida, não falou mais nada durante todo o percurso de volta para a casa do mancebo. 
Ao se deitar para dormir, irritada, demorou para pegar no sono.  
E esse martírio perdurou ainda por muito tempo.
Certa vez, o mancebo percebendo que a moça estava amuada demais, resolveu dar-lhe mais liberdade. 
Isso por que, Letícia, cansada de viver como uma prisioneira, já não se interessava mais pelos livros, nem em se levantar da cama. Cansada de lutar por nada, já estava desistindo de tudo. Triste, só conseguia se lembrar do passado e todo o esforço que fizera durante longos anos para esquecer tudo o que lhe havia sucedido. 
Entrementes, por mais que tentasse esquecer tudo o que tinha acontecido, sempre surgia alguém para lembrá-la de sua triste história. E Letícia, já estava cansada de tudo isso. Sequiosa de reencontrar sua família, ou o que restara dela, pediu para que Álvaro a deixasse ir. 
O mancebo porém, insensível a seus lamentos, teimava em se recusar. Relutante em deixá-la ir, fez de tudo para mantê-la por perto. No entanto, o mesmo cuidado que ele tinha para protegê-la de si mesma, segundo ele, a estava destruindo. 
Isso por que, Letícia, conforme o tempo passava, ficava cada vez mais desesperançada. Não mais acreditando que um dia ficaria livre de Álvaro, a moça, começou a desistir da vida. 
No que Álvaro, ao perceber isso, ficou desesperado. Mesmo ameaçando obrigar a moça a comer, não estava mais conseguindo dominá-la. Se é que um dia realmente, isto aconteceu. Letícia, indiferente a todas as ameaças, lutava com as forças que ainda tinha, para não comer. 
Debalde. Isso por que, Álvaro, mais forte, acabava conseguindo fazê-la comer. 
Contudo, em poucos minutos, Letícia, regurgitava a refeição. 
Álvaro, ao perceber isso, constatou que havia perdido. Se a moça continuasse presa, seria questão de tempo, até que finalmente fenecesse. 
O rapaz, preocupado com essa possibilidade, ao ver que Letícia não agüentaria mais viver daquele jeito, prometeu chorando, ao lado de sua cama, que não a impediria mais de partir, desde que voltasse a se alimentar, e tivesse condições para cuidar de si mesma.
Parece que o rogo deu certo. Isso por que, foi apenas questão de tempo, para que Letícia se restabelecesse. 
Foi então que Álvaro deixou Letícia partir. 
A moça, vestindo uma de suas roupas de cavalheiro, tratou logo de partir.
O mancebo, desalentado, antes da despedida, bem que pediu a moça, para que ficasse mais algum tempo.
Letícia, ao ouvir o convite, se enervou. Dizendo que estava cansada de viver enclausurada, encerrada entre as paredes daquela casa, alegou que precisava muito resolver algumas questões. Isso a estava matando, respondeu.
O rapaz, notando a angústia no olhar de Letícia, compreendeu mesmo relutante, que a moça tinha algo de muito sério para resolver. Diante disso, mesmo pesaroso, Álvaro acabou concordando. Sem lutar, deixou que a moça partisse.
Antes porém, cheio de esperanças, o homem pediu para que a moça lhe escrevesse sempre que pudesse. 
Letícia, ansiosa por se ver livre de Álvaro, acabou concordando com o pedido. Assim, partiu. Cavalgando seu cavalo, foi em direção outras paragens.
Álvaro, desconfiado de que a moça nunca mais voltaria, pediu para que um de seus cavaleiros, discretamente a seguisse, por onde quer que ela fosse. 
E assim, um de seus inúmeros criados atendeu sua ordem.
Letícia, que caminhou dias a fio tentando encontrar Otávio, nem percebeu que estava sendo observada. Agoniada por se encontrar com um remanescente de sua família, não tinha nem condições de observar o mundo em volta. Durante o tempo em que vagou errante, hospedou-se em casa de diversas famílias, que hospitaleiras, a acolhiam. 
Nisso, depois de semanas cavalgando, Letícia finalmente encontrou uma casinha. 
Segundo o que alguns moradores da região lhe contaram, lá vivia um homem já idoso e um rapaz. 
Letícia curiosa, perguntou logo quais eram seus nomes. 
Ao ouvir que se chamavam Otávio e Rafael, a moça ficou estupefata. Tomando conhecimento de certos detalhes de suas vidas, Letícia chegou a conclusão de só podiam ser as pessoas que estavam procurando. 
Enchendo-se de coragem, a moça se dirigiu então, até a morada dos dois homens.
Ao lá chegar, qual não foi seu espanto ao se deparar com um casebre. Paupérrimo, estava visivelmente abandonado. Entrando vagarosamente na casa, Letícia chamou muito por Otávio e Rafael. 
Procurando-os, Letícia só os foi encontrar longe dali, cuidando de uma horta. 
Letícia ao ver Otávio tão envelhecido, ficou espantada. 
O homem, ao vê-la diante de si, demorou para reconhecê-la. Isso por que, depois de tantos anos, Letícia também havia mudado. Crescida e vestida como homem, lembrava muito pouco aquela menina que ele conhecera há mais dez anos atrás.
Por isso o homem, surpreso com a visita inesperada, perguntou:
-- O que o senhor deseja?
-- Otávio, o senhor não está lembrado de mim? – perguntou Letícia.
O homem, ao ouvir sua voz, mesmo estando diferente, finalmente lembrou-se dela. Emocionado, ao se lembrar do passado, começou a chorar.
Rafael que estava ao seu lado, ao se dar conta de que era Letícia quem estava diante deles, também não pôde conter o choro.
Nisso, aturdida com a lembrança de tudo o que se sucedera, Letícia perguntou a Otávio, por que ele havia feito tudo aquilo.
O homem, torturado com a presença dela, comentou que não queria tocar no assunto. Dizendo que já havia pago por tudo de mal que havia feito na vida, pediu para ela, que fosse embora. Isso por que, olhar nos olhos inquisidores de Letícia, era como se visse Mariana diante de si, exigindo explicações por tudo o que fizera. Por isso mesmo, incomodado com a presença da moça, Otávio pedia a todo o momento para que ela saísse de lá.
Letícia porém, decidida a entender tudo o que havia se passado, insistiu. Dizendo que não sairia dali sem uma explicação, ficou aguardando uma resposta.
Rafael então, percebendo que Otávio não abriria a boca para contar nada sobre o passado, disse a moça, que depois que ela fugira com Júlio, ele ficou sob os cuidados de Regina, que diligente e cuidadosa, o tratava como a um filho. 
Contudo, conforme o dinheiro foi diminuindo, Regina, percebendo que precisava voltar a trabalhar, comentou com o garoto, que não tinha como levá-lo consigo. 
Ele então, ao saber disso, ficou desesperado. Por dias a fio chorou temendo que o mandassem para um reformatório. 
Regina então, percebendo que não podia abandonar o garoto, prometeu faria de tudo para encontrar seu pai. 
Dito e feito. Fazendo uso de parte de suas economias, Regina, acabou encontrando Otávio. 
Vivendo longe dali, no interior da Província, o homem havia vendido todos os seus bens. Na pressa, acabou perdendo muito dinheiro com as vendas. Todavia, ainda assim, Otávio conseguiu reunir uma fortuna em dinheiro. Contudo, desacorçoado de sua vida, o homem, antes de se exilar em um pequeno sítio, esbanjou o quanto pôde suas economias. Quando finalmente decidiu viver ali, sozinho, não tinha quase dinheiro nenhum. Envelhecido e acabado, passou a viver do que conseguia plantar.
E foi assim que Rafael viu seu pai. Vivendo como um roceiro humilde. Beirando quase a indigência. Sem ter para onde ir, o rapaz acabou ficando com seu pai.
No começo, desacostumado a trabalhar, quase não ajudava Otávio. Contudo, conforme o tempo foi passando e ele foi aprendendo a lidar com a terra, passou a fazer algumas melhorias no sítio. Segundo ele, aquilo tudo ali, já esteve muito pior.
Nisso Otávio, que até o momento se mantivera calado, pediu ao filho, para que se calasse. Dizendo que já havia falado demais, pediu para que ele entrasse e não saísse enquanto não estivesse autorizado.
Rafael no entanto, rebelou-se. Dizendo que estava cansado de obedecer ordens, disse que aquela era a última vez que ele o veria se insistisse nisso.
Otávio porém teimosamente, mandou novamente ele sair dali.
Rafael então, aborrecido foi até a casa.
O homem então, vendo que estava sozinho com Letícia, disse-lhe para que nunca mais o procurasse. Comentando que ela havia trazido desgosto com sua presença, pediu mais uma vez para que fosse embora.
A moça, surpresa com a reação de seu pai, perguntou então se ele tinha alguma dúvida com relação à sua paternidade. 
Otávio parecia não entender o que ela estava falando.
Letícia, percebendo que precisava ser firme, repetiu a pergunta.
Otávio humilhado, calou-se, e voltando a trabalhando, deixou-a sozinha.
A moça ficou perplexa. Ao ver a reação de Otávio, passou a ter certeza de que ele acreditava que não era seu pai. Todavia, acreditando que as dúvidas dele eram infundadas, encheu-se de mágoa. Quanto a isso, realmente, aquele farrapo humano não era seu pai. Nunca fora. Nem mesmo quando eles foram uma família unida. Letícia então, percebendo que perdera seu tempo indo até lá, resolveu partir. 
No entanto, antes de cruzar as fronteiras do sítio, Rafael, acorrendo em sua direção, gritou para que ela o esperasse. Letícia parou e olhando para trás, viu seu irmão de malas prontas, vindo em sua direção. O rapaz, dizendo que estava cansado de suportar as amarguras de seu pai, pediu para seguir viagem com ela.
Letícia então, perguntou se ele havia avisado Otávio que estava partindo.
O rapaz então disse:
-- Ele já sabe disso. Eu já o avisei. Vosmecê viu. Ademais, eu escrevi um bilhete para ele. Está na mesa.
Letícia então, deixou que o rapaz a acompanhasse. 
Rafael então, montou em um cavalo, e seguiu com Letícia estrada afora. 
Curioso em saber como era sua vida, não se cansava de fazer perguntas a moça. Indagando o porquê de sua fuga, queria saber o que tinha acontecido, por que nunca apareceu por lá, entre outras coisas. 
Letícia, dizendo que estava cansada de lembrar o passado, pediu reiteradas vezes ao irmão, para que mudasse de assunto.
Rafael ficou desapontado. Mesmo assim, concordou com a irmã, e mudando o rumo da conversa, passou a falar de assuntos mais amenos. 
Contando que vivia há muitos anos com Otávio, Rafael disse que não saiu antes de lá, por que não se sentia seguro o suficiente para isso. Porém, sempre que podia, aproveitava para visitar a casa de outros moradores da região, bem como participava das festas.
Letícia comentou então, que ele estava muito mudado.
Rafael respondeu que o mesmo havia se dado com ela.
Letícia ao ouvir isso, calou-se e prosseguiu a viagem em silêncio.
Sem saber direito para onde ir, ao ser interrogada pelo irmão quanto a isso, Letícia respondeu que pretendia se alistar para lutar na Guerra do Paraguai. 
Rafael, surpreso com a resposta, disse a ela que não poderia lutar, devido o fato de ser mulher. 
Letícia então, desafiada, comentou que durante muitos anos, trabalhou como um homem. Integrando a guarda real, permaneceu como cavalariana por um longo tempo.
Rafael não acreditou muito.
Contudo, ao chegar no Sul, percebeu que a moça não estava brincando. Fazendo-se passar por homem, Letícia logo se alistou na luta. Mesmo não acreditando muito na causa, respondeu ao irmão, que devia fazer isso, por uma questão de patriotismo.
Rafael então, mesmo não concordando que a irmã lutasse na guerra, prometeu não delatá-la e assim como ela, alistou-se também. 
Era 1866, e a guerra já havia começado há um ano. Durante o tempo em que atuou como cavalariana, Letícia já havia tomado conhecimento da iminência da guerra. Contudo, como não havia sido iniciada a luta, a moça só tinha conhecimento do que era relatado nos jornais. 
Mas agora não. Letícia estava no meio do confronto. 

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.