Poesias

quinta-feira, 4 de março de 2021

A FLOR DO ALTO - CAPÍTULO 4

Ao se ver a sós, jogou-se na cama e começou a chorar.
Dramática, começou a dizer murmurando que sua vida havia acabado.
No dia seguinte, como havia prometido, Carlos contatou Francelino, perguntando-lhe se poderia agendar um encontro. Disse que tinha uma importante proposta para fazer.
Francelino, abatido, desculpando-se, disse que não estava em condições de ouvir quaisquer propostas.
Ansioso que estava, Carlos insistiu. Argumentou que era importante. Salientou que era algo que acreditava o deixaria deveras contente e que afastaria de vez o fantasma da malfadada noite.
Ao ouvir isto, Francelino acabou concordando.
E assim, em questão de horas, o rapaz se encontrava na casa da família.
Ao ser recebido por Francelino e Ângela, Carlos perguntou de Angélica.
O homem respondeu constrangido, que apesar dos pesares, a moça estava bem.
Carlos por sua vez, insistiu na presença da moça. Disse que ela era maior interessada no assunto.
Francelino pediu então a esposa, que chamasse Angélica.
Ângela dirigiu-se ao quarto da filha.
Angélica encontrava-se deitada em sua cama.
Ao ouvir passos, levantou o rosto, que estava inchado de tanto chorar.
Ângela por sua vez, bateu a porta pedindo licença, e aproximou-se da filha.
Delicadamente perguntou se estava tudo bem.
Angélica tentando sorrir, respondeu que sim.
Nisto Ângela comentou que Carlos estava na sala de visitas, e que tinha algo muito importante para dizer-lhe.
Ao ouvir estas palavras, a moça disse que não estava interessada em ver ninguém.
Ângela contudo, insistiu.
Disse que seria uma indelicadeza da parte da filha, recusar-se a receber a visita do rapaz gentil, que a auxiliara em um momento de dificuldade.
Angélica disse que não se sentia bem em receber visitas.
Ângela reiterou o pedido. Argumentou que se ela não descesse por bem, Francelino iria buscá-la. Comentou que quando ele fica nervoso, não é bom estar por perto. Preocupada, informou que desta vez, não poderia fazer nada para ajudá-la. Em não descendo, teria que arcar com as conseqüências de seu gesto.
Angélica tentou dizer que não gostava de Carlos, mas Ângela disse-lhe que ela não estava em posição de impor sua vontade.
Por fim, Ângela recomendou a filha, que fosse gentil com o rapaz, para não deixar seu pai mais irritado do que já estava. A mulher chegou a confidenciar que foi a muito custo que ela conseguiu convencer o homem a não surrar-lhe.
Diante de tal quadro, não restou outra alternativa a Angélica, senão concordar em ver o moço.
Contrariada, disse que se arrumaria, e que em alguns minutos desceria.
Ângela afastou-se então, e fechou a porta do quarto.
Nisto, Angélica escolheu uma roupa para vestir.
Arrumou-se, penteou os cabelos e desceu.
Carlos ao vê-la, ficou encantado.
Quando a moça se aproximou da escada, Carlos estendeu sua mão, auxiliando-a a terminar de descer.
Disse-lhe que estava muito bonita e beijou sua mão.
Este gesto, a fez lembrar Herculano, razão pela qual se esquivou do moço.
Francelino ficou irritado. Censurou a filha:
- Angélica! Isto são modos de tratar alguém tão gentil? Carlos, desculpe-me pelo comportamento de minha filha. Prometo que isto mudará com o tempo.
Carlos por sua vez, comentou que não se importava. Disse que gostava das moças discretas.
Aproveitando o ensejo, argumentou que estava ali para fazer uma proposta a moça.
Angélica ficou surpresa com a novidade.
Nisto Carlos começou dizendo que:
- Eu vim aqui, não apenas para saber como a senhorita estava... Eu sei que vai parecer estranho, já que nem nos conhecemos direito, e no último encontro que tivemos, a senhorita não pareceu muito entusiasmada com a minha presença... Mas estou disposto a fazer um apelo. Como já deve ter percebido, vim fazer-lhe uma proposta... Ora! Chega de volteios! Eu vim dizer ... Vim dizer...
Nisto Francelino perguntou:
- Veio dizer o quê?
Carlos estava nervoso, mas tomado de uma firme resolução, finalmente respondeu:
- Está certo! Eu vim aqui propor casamento a sua filha. Eu sei que talvez não seja a ocasião mais apropriada, mas eu não estou mais disposto a esperar... Quero me casar com a senhorita.
Angélica ficou espantada.
Ainda tomada de espanto, começou a chorar.
Disse que não queria se casar e saiu correndo da sala, subindo apressadamente as escadarias.
Ao perceber que Francelino brigaria com a filha, Ângela reteve o marido dizendo que iria conversar com Angélica. Argumentou que a convenceria a descer.
Francelino tentou dizer algo, mas Ângela ressalvou que faria a filha voltar a razão.
Nisto, aproximou-se do moço, e procurou desculpar-se do gesto intempestivo da filha.
Carlos por sua vez, pareceu não se importar. Disse que não esperava por menos. Argumentou porém, que estava disposto a enfrentar a situação. Confidenciou que gostava muito de Angélica, e que não estava disposto a desistir.
Ângela sorriu para o moço, pediu licença aos cavalheiros, e subiu as escadas.
Retornou ao quarto da filha, e impaciente, disse-lhe algumas palavras:
- Minha filha! Onde você está com a cabeça! Pensas realmente que aquele sedutor que induziu-a a fugir de casa está realmente disposto a se casar com você?
Chorando, a moça argumentou:
- Mas ele prometeu!
- Sua boba! Achas realmente que se ele estivesse realmente disposto a se casar, teria tentado fugir com você? Minha filha, eu sei que a ingenuidade faz com que teçamos os mais românticos sonhos, mas a vida real é diferente. Grandes amores só existem nas telas de cinema. A vida, o dia-a-dia, nos fazem ver um aspecto menos romântico da vida a dois.
Angélica continuava a chorar.
A mulher, percebendo isto, segurou o rosto da filha e disse:
- Eu sei que Carlos nunca foi o homem de seus sonhos. Carlos é um homem real. Isto não quer dizer no entanto, que o moço não tenha muito boas qualidades. É bonito, gentil, cavalheiro, educado, trabalhador, bem nascido... Sinceramente, eu não entendo tão pouco apreço por alguém tão cheio de qualidades. Não bastasse tudo isto, ele gosta muito de você, pois outro em seu lugar, não a pediria em casamento, depois de tudo o que aconteceu. Pense bem minha filha, não é todo dia que um príncipe bate a nossa porta. Carlos é um bom moço. Muito melhor do que aquele canalha.
Angélica ficou irritada com as últimas palavras de sua mãe.
Percebendo isto, Ângela retrucou:
- Ah, sim, claro! Agora você vai querer me convencer que aquele homem é uma pessoa de bem? Francamente, você não entende nada da vida. Homem de bem, é este moço que veio bater a nossa porta, que se prontificou em nos ajudar... Como me arrependo de não tê-lo auxiliado mais quando vocês foram apresentados um para outro. Preocupei-me em convencer seu pai que não era hora de pensar em casamento, e olha só o que aconteceu? Não devia ter sido tão complacente.
Angélica ficou espantada com as palavras da mãe. Nunca a vira tão nervosa e impaciente.
Nisto, a mulher disse que ela iria voltar para a sala.
Angélica no entanto, respondeu que não iria descer.
Irritada, Ângela puxou a filha pelo braço, e disse-lhe que iria descer sim, nem que fosse arrastada. Comentou que dali por diante, as coisas seriam diferentes. Disse que não iria mais protegê-la e se não queria ser apontada na rua como uma qualquer, deveria se casar com Carlos, ou não teria mais a proteção de seus pais.
Ao ouvir tais palavras, Angélica chorou. Pediu a mãe que reconsiderasse o que estava pedindo.
Ângela parou então de arrastar a filha.
Fitou-a e disse:
- Eu não tenho outra escolha. Você me impôs isto. Agora decida-se: vai aceitar o pedido do rapaz, ser gentil com ele, ou vai terminar de enlamear o nome da família?
Angélica começou a chorar. Segurou as pernas da mãe, pediu para que ela a ajudasse.
Ângela respondeu-lhe que só poderia ajudá-la a se entender com Carlos. Nada mais.
A moça, levantou-se então. Pediu a mãe que a ajudasse a se recompor.
Ângela aconselhou a filha a lavar o rosto e passar um pouco de maquiagem.
Angélica obedeceu.
Em seguida, as duas desceram juntas as escadas.
Ao aproximarem-se de Francelino e Carlos, ambos perguntaram se estava tudo bem.
Ângela respondeu que sim.
Angélica aproximou-se do moço, e tremendo, disse bem baixinho:
- Sim!
Carlos não ouviu. Perguntou:
- O quê?
Ainda trêmula, Angélica respondeu:
- Sim!
- Sim o quê? – insistiu o rapaz.
- Aceito o casamento. – respondeu chorando, a moça.
Carlos ficou satisfeito.
Nisto Francelino e Ângela parabenizaram o rapaz.
Ângela deu um abraço na filha.
Francelino, perguntou então, se Diva e Odair já tinham conhecimento do seu interesse em casar-se com Angélica.
O moço respondeu que eles foram os primeiros a saberem da novidade.
Ansioso, Carlos comentou que precisavam oficializar o noivado, o mais rapidamente possível.
Francelino concordou.
O homem pediu a uma criada para servir champagne a Carlos. Argumentou que aquela ocasião precisava ser comemorada, já que sua única filha iria se casar.
Angélica fez força para segurar seu pranto.
Nisto Francelino, Ângela e Carlos, comemoraram o compromisso. Angélica não aceitou o champagne. Disse que estava com dor de cabeça.
E assim, sentou-se em um canto do sofá.
Carlos, percebendo a apatia da moça, pediu para conversar a sós com Angélica.
Francelino fez menção de se opor, mas Ângela, dizendo baixinho que a situação não aceitava tantas formalidades, argumentou que não havia necessidade de se manter as aparências.
O homem contudo, estava incomodado com tanta liberdade.
Ângela por sua vez, visando tranqüilizar o marido, disse ficaria observando o casal à distância, e que se quisesse, poderia acompanhá-la.
Francelino contrariado, respondeu que não.
Mas disse para que ela cuidasse para que o moço não tivesse certas liberdades.
A mulher sorriu. Comentou que no que dependesse de Angélica, Carlos não obteria muito sucesso se tentasse.
Nisto, a moça conduziu o casal até o escritório do marido, onde ficaram a sós.
Ângela por sua vez, ficou espiando o casal por um olho mágico que havia em uma das paredes laterais do escritório.
Carlos, ao ver a moça sentada em um dos sofás do escritório, aproximou-se.
Perguntou-lhe se estava tudo bem.
Quase chorando, Angélica respondeu que sim.
Vê-la aos prantos, deixou-o condoído.
No que Angélica se afastou.
Carlos disse-lhe então, que não queria fazer-lhe mal.
Angélica por sua vez, retrucou:
- Se não quer fazer-me mal, por que me obriga a casar contigo? Não sabe que não te amo?
Carlos ficou arrasado ao ouvir tais palavras. Por um momento, pensou em desistir do casamento.
Nisto, ficou a observá-la.
Angélica tinha o olhar perdido.
Carlos então, aproximou-se novamente. Disse que não estava sendo maldoso. Comentou que gostava muito dela, e que lhe incomodava deveras vendo-a se envolver com gente desclassificada. Argumentou que o sujeito nunca mais voltaria, e que ela não precisava se preocupar com o ocorrido, posto que ele já havia esquecido.
A moça, perguntou então:
- Se esqueceste, por que fazes questão de me lembrar?
Ao ouvir tais palavras, Carlos resolveu se desculpar.
Argumentou que não fora nem um pouco cavalheiro de sua parte, se lembrar daquilo. Pediu insistentemente para que ela o desculpasse.
Como Angélica lhe era indiferente, o moço segurou sua mão e ajoelhou-se diante da moça.
- Levante-se! - exigiu a moça.
- Não posso! – respondeu o rapaz – Algo me prende aqui, e só poderei me levantar quando este problema estiver sanado. Insisto para que me perdoes, ou ficaremos para sempre aqui. – finalizou o rapaz entre risos.
Angélica tentou segurar o riso, mas não conseguiu.
Nisto o moço beijou novamente a sua mão. Comentou que a atitude amistosa da moça, sinalizava que ela o havia perdoado.
Desta forma, sentou-se ao lado da jovem, e elogiou-a. Disse-lhe que era uma bela moça, gentil, inteligente, e que era uma ótima companhia. Comentou que gostava de seus pais, e que Diva e Odair, também gostavam muito dela.
Angélica comentou que Diva e Odair, eram ótimas pessoas e que mereciam ter muita felicidade em suas vidas.
Carlos então, dizendo que fazia parte desta família, comentou que também tinha direito a sua cota de felicidade, e que em se casando com ela, deixaria seus pais muito felizes.
Angélica tentou então argumentar, dizendo que não seria uma boa esposa, já que não estava apaixonada por ele.
Carlos retrucou dizendo, que o amor se construía aos poucos, e que ele não mediria esforços para fazer com que ela o amasse.
A moça tentou responder, mas o moço pediu para que ele a deixasse provar que falava sério.
Sem entender direito o que Carlos dizia, Angélica concordou.
E assim, o moço se aproximou, e segurando-a pelos braços, beijou-lhe a boca.
Surpresa com o gesto, Angélica tentou afastar-se, no que foi impedida por Carlos.
Nisto, o moço disse:
- Ora, não se assuste! Não penses que eu sou um atrevido! Só quero que saibas que eu não medirei esforços para fazê-la feliz. Eu vou fazer de tudo para isto, mesmo contra a sua vontade. Eu não vou desistir de você!
E assim, Carlos deixou que Angélica se desvencilhasse dele.
Ao ver livre do moço, a moça levantou-se e saiu correndo do escritório. Afobada, não viu Francelino, que se admirou do gesto intempestivo da filha.
Ângela por sua vez, parecia satisfeita.
Comentou com o marido, que Carlos fora um tanto ousado com Angélica, mas que sua estratégia parecia ter dado um bom resultado.
Francelino não compreendeu as palavras da esposa.
Mas ao ver o rapaz saindo do escritório, com um sorriso vitorioso no rosto, percebeu que Ângela não estava enganada. Carlos parecia saber o que estava fazendo.
Por fim, o moço cumprimentou o casal, e dirigindo seu carro, voltou para casa.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

A FLOR DO ALTO - CAPÍTULO 3

Por algum tempo Angélica ficou a pensar na história do filme.
Ficou a sonhar com um príncipe encantado.
Francelino, ao perceber o ar perdido da filha, ficou deveras preocupado.
Ângela porém, tentando tranqüilizá-lo, dizia que aquilo não passava de paixonite.
Contudo, em que pesem as palavras da esposa, o homem continuava preocupado.
Angélica por sua vez, continuava a assistir filmes, e ficava cada vez mais encantada por aquele universo. Achava-o mágico.
Era lá que todas as vicissitudes da vida eram sublimadas.
Era ali, naquela tela retangular, que todos os sonhos se tornavam realidade. Que a mediocridade não tinha lugar.
Angélica, cinéfila e fã de Rodolfo Valentino, acompanhava todos os seus filmes.
Encantou-se com a película “O Águia”, em que interpretou um herói anti-convencional, que roubava dos ricos. Uma espécie de Hobin Hood das estepes. Já no início do filme, o moço era um valoroso soldado russo, um cossaco, sendo assediado por sua czarina. Acossado, resolve voltar para casa.
Nisto descobre que sua família fora espoliada e que estava sendo procurado, pesando sobre si, a pena de fuzilamento, e o estigma de desertor.
Mas o herói não se abate. Transforma-se no Águia Negra, e defende os interesses dos russos explorados.
A certa altura do filme, para se vingar do homem que lhe causou tantos problemas – recebendo poderes da imperatriz, a czarina – faz-se passar por um preceptor francês, reencontrando a encantadora moça que encontrara em certa oportunidade.
A moça porém, é inflexível. Somente o aceita, quando descobre ser ele, o Águia Negra.
Encantada que ficara com o filme, a jovem contou todos os detalhes da fita, para sua mãe, Angélica.
Lúcia e Cláudia, também eram só encantamento com o moço.
No Brasil, os filmes chegavam com um certo atraso, mas nada que destruísse o encantamento de tão belas histórias.
Em uma dessas idas ao cinema, Angélica assistiu ao filme “Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, e se deslumbrou com um Rodolfo Valentino de bombachas e indumentária gaúcha. Fazia papel de argentino. Angélica ficou magnetizada com a cena da dança, em que o exímio dançarino, dançou um tango, desbancando um oponente.
Foi exatamente numa dessas idas ao cinema, que Angélica conheceu Herculano.
O jovem, de boa aparência, lembrava muito o ídolo latino, fato este que chamou a atenção de Angélica e de suas amigas.
Tímidas porém, não ousavam se aproximar.
Herculano por sua vez, ao perceber que Angélica costumava ir ao cinema com certa freqüência, passou a esperá-la na saída do estabelecimento.
Por diversas vezes ficou a olhá-la sem se aproximar.
Angélica olhava disfarçadamente para o moço.
Quando o olhar de ambos se encontravam, sorria tímida.
A certa altura, finalmente o jovem resolveu aproximar-se.
Quando Lúcia e Cláudia notaram a aproximação, tentaram puxar Angélica pelo braço.
A moça porém, resistiu.
Nisto, o jovem aproximou-se.
Cumprimentou a jovens, e perguntou-lhes se haviam gostado do filme.
Lúcia e Cláudia, responderam que sim.
Angélica por sua vez, disse que as fitas com o astro Rodolfo Valentino, eram maravilhosas.
Nisto, Herculano se apresentou, e comentou que gostava do fato dele interpretar homens valentes, desbravadores, destemidos. Relatou que entendia a fascinação das mulheres por ele, e comentou que muitos homens perdiam muito, por não tratarem bem suas mulheres.
Lúcia e Cláudia, percebendo o olhar de Herculano em direção a Angélica, tentaram novamente puxar a amiga, que desta vez se deixou levar.
Herculano despediu-se então da moça. Acenou para ela.
Angélica, em dado momento, virou-se e correspondeu ao gesto, acenou também.
Em outras sessões, o moço continuou acompanhando os passos da moça.
Em dado momento, se apresentou.
Angélica fez o mesmo.
Lúcia e Cláudia, aconselharam a amiga a contar para a mãe o que estava acontecendo.
Disseram que não era certo, um homem se aproximar de uma moça daquela forma.
Cláudia disse-lhe que deveria pedir ao moço para se apresentar a sua família.
Angélica, comentou com ar pensativo, que contaria a mãe o ocorrido.
Com o tempo, o moço passou a trocar algumas palavras com a moça.
Educadamente, pedia para as amigas da moça para conversar reservadamente com Angélica.
Cláudia e Lúcia ficavam apreensivas com isto.
De longe observavam o moço dirigir galanteios a Angélica, que sorria.
Herculano beijava a mão da moça.
Com o tempo, passaram a se sentar juntos na sala do cinematografo.
Assistiam as películas de mãos dadas.
Cláudia e Lúcia, não sabiam mais o que dizer a amiga para alertá-la de que aqueles encontros furtivos, não acabariam bem.
Insistiam para que Angélica contasse a mãe o que estava acontecendo.
Impaciente, Lúcia ameaçou contar a seus pais, que ela estava adotando um comportamento muito estranho.
Angélica, ao perceber que a amiga iria fazer o que estava prometendo, pediu insistentemente para que ela nada contasse a seus pais. Dizendo que isto iria arruinar sua vida, comentou que estava apaixonada por Herculano, e que se ela contasse algo, iria fugir.
Lúcia e Cláudia ficaram perplexas ao ouvirem tais palavras.
Perguntavam-se: “Onde havia parado aquela moça tão doce de antes? Havia desaparecido para dar lugar a uma doida?”
Lúcia não sabia o que fazer.
Tentando chegar a um entendimento sobre como agir, ficava a conversar com Cláudia.
Lúcia estava deveras preocupada com os desvarios da amiga.
Angélica por sua vez, ao perceber que Lúcia contaria a seus pais sobre os encontros, após encontrar Herculano na saída do cinema, onde se encantava com mais uma película de Rodolfo Valentino, contou-lhe o que estava acontecendo.
Comentou que Lúcia e Cláudia ameaçaram contar a seus pais, que ela estava se encontrando com ele nas saídas do cinematografo.
Herculano, ao ouvir tais palavras, demonstrou nervosismo.
Pediu a Angélica que convencesse suas amigas a nada contar. Comentou que a situação se demonstrava muito delicada.
Angélica perguntou-lhe se não poderiam fugir.
Herculano ao ouvir estas palavras, inicialmente, mostrou-se surpreso com a proposta, mas depois de muito conversar com a moça, concluiu que aquela era uma boa idéia.
Curioso, perguntou a moça, para onde ela pensava ir.
Sem titubear, Angélica respondeu que poderiam fugir para o litoral.
Comentou que conhecia bonitos lugares na região.
Com isto, a moça confidenciou que arrumaria uma pequena mala, com alguns pertences.
Herculano indagou onde se encontrariam.
Angélica respondeu que poderiam se encontrar duas ruas afastadas de sua casa. Nisto explicou detalhadamente, onde ele a ficaria aguardando.
Mais tarde a moça se despediu.
Herculano, segurou então a mão da moça e beijou-a cerimoniosamente.
Desta forma, ao chegar em sua casa, a jovem justificou a demora no cinema, argumentando que Lúcia e Cláudia não paravam de enumerar as qualidades da película.
Ângela parecia não desconfiar de nada.
Nisto, a moça se trancou no quarto.
Começou a preparar sua pequena mala. Dobrou vestidos, colocou sapatos, uma escova, etc.
Quando chegou a noite, ao notar que Francelino e Ângela dormiam, desceu sorrateiramente as escadarias, abriu a porta da sala. Caminhou pelo imenso jardim que circundava a casa, abriu o portão e saiu.
Em alguns minutos, encontrou-se com Herculano.
O que a moça não sabia, é que Lúcia e Cláudia haviam se encontrado horas antes com Ângela e alertado a mulher sobre os planos da filha em fugir com o conquistador.
Nervosa, Ângela se encarregou de contar o ocorrido ao marido, que ficou furioso. Ao ouvir a história, disse nervoso, que havia deixado a filha muito solta, e que isto não poderia resultar em boa coisa. Argumentou que Angélica precisava se casar e ter filhos, para se livrar dessas idéias fantasiosas de príncipe encantado.
Irritado, ameaçou bater em Angélica, colocá-la de castigo.
Quem o demoveu da idéia, foi Ângela que argumentou de que nada adiantaria espancá-la ou colocá-la de castigo. Argumentou que seria apenas se distraírem um pouco e ela acabaria fugindo com o rapaz.
Nisto Francelino se perguntou:
- E o que fazer então?
- Simples! Fingir que de nada sabemos, para ver até onde Angélica irá com esta história.
Ao ouvir tais palavras, Francelino argumentou que a moça poderia fugir.
Ângela respondeu que precisava que alguém plantasse guarda em frente a casa e discretamente seguisse a moça.
Francelino imediatamente se lembrou de Carlos.
Ângela retrucou a sugestão do marido, argumentando que ele já havia apresentado o rapaz a moça, e que Angélica não se impressionara com o mesmo. Perguntou se seria uma boa idéia chamar o moço para auxiliá-los.
Francelino argumentou enérgico, que se deixasse a escolha de um pretendente ao cargo da filha, certamente ela escolheria um doidivanas, como aquele com quem Angélica pretendia fugir.
Nisto, mencionou que Carlos era um rapaz de ótima família, e que estava interessado em sua filha.
Ângela perguntou-lhe como poderia saber disto.
O homem respondeu que sempre se encontrava com o moço, o mesmo aproveitava para de alguma forma perguntar sobre a moça.
Ângela nervosa, acabou concordando.
Nisto Francelino ligou para o rapaz, pedindo-lhe aflito para auxiliá-lo. Por telefone, disse que sua filha estava em sérios apuros, e que necessitava de sua ajuda.
Carlos, aflito, perguntou o que se passava.
Francelino por sua vez, sem entrar em detalhes, pediu para que o rapaz fosse o mais depressa possível para sua casa.
Carlos respondeu então, que o faria imediatamente.
Discreto, o moço respondeu aos familiares que surgira um imprevisto com um amigo, e que precisava auxiliá-lo. Recomendou aos pais que não se preocupassem, pois provavelmente, voltaria tarde.
Nisto sua mãe abraçou-o recomendando para que se cuidasse.
- Não se preocupe! – foi o que disse a mãe.
Quando chegou a casa de Francelino, o moço foi colocado a par dos fatos que se sucediam.
O homem não escondeu-lhe nada.
Honesto, Francelino disse que não quisesse ajudá-los, entenderia perfeitamente. Argumentou que ele também não estava preso a nenhum compromisso com sua família.
Carlos respondeu então, que Angélica não tinha culpa do que estava acontecendo. Argumentou que devido sua ingenuidade, estava sendo vítima de um sedutor barato. Nervoso, respondeu que deviam se apressar, e que precisavam de um plano.
Francelino respondeu-lhe que precisavam vigiar os passos de Angélica, sem que ela percebesse o que estava acontecendo.
Carlos, percebendo o plano, sugeriu ficar escondido na ala dos empregados, e que assim que a moça saísse de casa, a seguiria para ver onde ela e o safardana se encontrariam.
Francelino recomendou então ao rapaz, que precisavam ser diligentes, ou a presa poderia fugir.
Carlos concordou.
Nisto, ficaram discutindo o plano.
O moço prometeu que ao descobrir quem era o conquistador, desferiria bons sopapos neles.
Ângela e Francelino estavam apreensivos.
Para eles, foi muito difícil fingirem tranqüilidade, quando a filha voltou do cinema.
Carlos também ficou irritado com a descoberta. Mas procurou se controlar.
Nisto, ficou atento aos passos dentro da casa.
Ao ver a moça sair sorrateiramente do quarto, acompanhou-a atentamente descer as escadarias do palacete. Viu-a abrir a porta da casa, caminhar pelo jardim, abrir o portão e sair.
Discreto, seguiu-a à distância.
Sentiu um choque ao vê-la junto de Herculano.
O galanteador, disse-lhe que juntos seriam felizes, e que ninguém atrapalharia sua felicidade.
Herculano segurou suas mãos e beijou-as.
Angélica sorriu.
Quando o moço iria pegar a mala da moça, Carlos apareceu inopinadamente, desferindo um safanão no moço.
Herculano caiu sentado no banco da praça.
Angélica começou a gritar. Desesperada, pediu a Carlos para parar de bater no moço.
Carlos contudo, não ouvia ninguém.
Desta forma, investiu novamente contra o moço, desferindo-lhe um soco.
Angélica começou a gritar.
Nisto apareceu Francelino.
Ao ver o pai se aproximando, Angélica pegou sua mala.
Carlos segurou então seu braço.
A moça olhou-o furiosa. Dizendo para ele soltar seu braço, falou rispidamente que ele era muito desagradável. Argumentou que o detestava e que nunca o perdoaria pelo que estava fazendo.
Francelino ao se aproximar, sinalizou para Carlos, como a pedir licença.
Ao olhar nos olhos de sua filha, Francelino notou que Angélica estava chorando.
A moça então jogou-se nos braços do pai para pedir perdão.
Carlos então, percebendo que o moço iria fugir, disse ao rapaz, que se ele ousasse novamente se encontrar com Angélica, ele iria se entender não com o pai da moça, mas com ele.
Atrevido, Herculano perguntou com que direito ele se arvorava em defensor da donzela.
Carlos respondeu então sem pensar, que o estava fazendo na qualidade de pretendente da moça.
Herculano engoliu em seco. Argumentou que Angélica nunca lhe dissera que estava comprometida.
Carlos respondeu que o noivado ainda não se realizara, mas que agora ele estava ciente de Angélica dentro em breve estaria noiva.
Nisto o conquistador pegou sua mala e saiu correndo.
Carlos gritou para nunca mais aparecesse por ali.
Nisto Francelino conduziu a filha para casa.
Carlos seguiu atrás, segurando a mala da moça.
Ao adentrar a imensa sala do casarão, o moço depositou a mala de Angélica no chão.
Percebendo que a família precisava de privacidade, despediu-se de Francelino e de Ângela. Desculpando-se disse que estava tarde, e que seus pais deviam estar preocupados com sua demora.
Francelino embora nervoso, conseguiu se lembrar de pedir recomendações a Diva e Odair.
Carlos agradeceu a lembrança. Prometeu que ligaria no dia seguinte para saber como todos estavam.
Francelino conduziu-o até a porta e o agradeceu pelos préstimos.
Elogiou-o dizendo que era um rapaz de ouro e que a mulher que se casasse com ele, seria muito ditosa.
O moço agradeceu e se despediu do homem.
Nisto, ao verem-se sozinhos, Ângela abraçou a filha.
A mulher disse entre lágrimas, que temeu que ela se perdesse. Pediu-lhe para que nunca mais fizesse aquilo.
Francelino nervoso, pediu a mulher para que parasse com todo aquele drama. Disse que ninguém havia se perdido, e que aquilo deveria ter servido de lição para as duas.
Nisto o homem argumentou que Angélica estava de castigo, e que somente sairia de casa para ir ao colégio. Ressaltou que era de casa para a escola, e da escola para casa.
Angélica, derrotada, não retrucou. Tratou de pegar sua mala e subiu o mais rápido que pode para seu quarto.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

A FLOR DO ALTO - CAPÍTULO 2

Em uma de suas idas ao cinema, assistiu a fita: “Por teu amor”.
Ao adentrar a sala de cinema, depois de conversar com Lúcia e Cláudia no hall de entrada, ocupou um dos assentos, assim como suas amigas.
Após o cinejornal, ao ser exibido o filme, começou a magia.
Primeira cena: Trevas obscureciam a visão de uma construção. Lugar ermo, isolado.
Tomada afastada.
Aos poucos a câmera se aproxima da construção, revelando poucos detalhes.
Durante o dia, uma moça se aproxima da construção.
Traz consigo uma mala.
Parece ter interesse em se hospedar no local.
Entra nas dependências do lugar, aperta uma campainha instalada no balcão.
Nisto um funcionário vem atendê-la.
No letreiro do filme, um pequeno diálogo explica que a moça procura um quarto para se hospedar.
O funcionário gesticula oferecendo uma ficha para ser preenchida.
A moça então preencheu o documento.
Após, o moço fez sinal para outro funcionário acompanhá-la até o quarto.
Na legenda, a explicação de que a moça se hospedará em um quarto do hotel, e que o funcionário deverá levar as malas até o lugar.
Nisto, a moça e o funcionário entram no elevador.
O moço a conduz até um dos quartos do hotel.
Em outra legenda, a menção a explicação que o funcionário passa a moça, de que o toillet fica no final do corredor.
Em seguida, abre a porta do quarto para a moça, estendendo o braço sinalizando para que ela adentrasse o quarto.
Após, deposita a mala no chão e estende a mão para a moça visando uma gorjeta.
A moça então, abre sua carteira fechada com metais decorados. Pega uma pequena moeda e coloca na mão do funcionário.
Nisto, o rapaz agradece, fechando a porta do quarto.
A moça então, observa o quarto.
Olha em volta. Observa a cama, o armário, aproxima-se da janela. Abre-a. Contempla a vista.
É dia claro. O sol está forte.
Cansada, a moça afasta-se da janela. Caminha em direção a mala, pega-a e a deposita sobre a cama.
Abrindo-a retira suas roupas, ajeitando-as no armário.
Mais tarde, resolve sair do quarto.
Na legenda do filme, consta a informação de que ela se retirou do quarto.
Em outro plano, a moça retorna ao quarto.
Caminha em direção ao a construção.
Aproxima-se do balcão pedindo a chave para entrar no quarto.
Atravessa o corredor e abre a porta do quarto.
Nervosa, senta-se na cama. Observa a penteadeira. Ao abrir sua bolsa, retira uma pequena carta.
Ao vê-la, começa imediatamente a chorar.
Desesperada, deita-se na cama afundando o rosto nos travesseiros.
Depois de um certo tempo, a moça abre novamente sua bolsa, e retira um retrato em preto e branco. Ao ver a imagem, recomeça a chorar. A certa altura, adormece. Entorpecida pelo sono, acaba por deixar a foto escapar. No chão, a foto de um jovem fardado.
Na cena seguinte, imagens do rapaz da foto, fardado, segurando um fuzil, lutando em uma trincheira.
Na legenda, consta a informação de sons de canhões, ecoando por todos os lados.
Em outra cena, um vilarejo é invadido pelo exército inimigo. Mulheres e crianças correm para todos os lados, tentando fugir da sanha soldadesca. Soldados alemães e turcos, ameaçam a todos com armas.
Na legenda a informação de que todos devem abandonar o vilarejo e que os víveres serão confiscados.
Logo reinicia-se um tiroteio, causando novo tumulto. Pessoas correndo de um lado para o outro.
No campo de batalha, um rapaz desfere tiros.
Ao seu lado, soldados estrangeiros.
Na legenda, consta o detalhe de que se tratam de soldados franceses e britânicos. Todos irmanados em torno de um único ideal.
Na película, os soldados alemães e turcos perseguem a população.
Mais tarde, em mais uma dura batalha, ao invadir as trincheiras inimigas, o bravo rapaz é alvejado por um tiro. O impacto o faz cair ao chão.
Nisto, surge novamente o rosto da moça na tela.
Ainda adormecida, corre uma lágrima em seu rosto.
Ao despertar, seu olhar é triste.
Lentamente, levanta-se da cama. Veste seu roupão e pega sua toalha. Dirige-se ao fim do corredor.
Corte.
Na cena seguinte, a moça retorna ao seu quarto. Senta-se diante da penteadeira. Arruma as madeixas. Seus cabelos cacheados são penteados com todo o cuidado.
Depois, saindo do quarto, devidamente arrumada, a moça novamente desce as escadas, deixa a chave do quarto na portaria, e ruma porta afora.
Caminha em direção a uma praça próxima do local, onde senta-se em um banco.
Com o olhar perdido, relembra-se do momento em que o rapaz da foto a vê em uma festa. Estava esfuziante. Feliz celebrava o carnaval, com uma bela fantasia de melindrosa. Cantarolava, a música “Ó Abre Alas”, conforme legendas.
Neste momento, algumas pessoas na platéia, começaram a cantar a melodia.
Houve quem não gostasse da cantoria e pedisse silêncio.
Angélica, Cláudia e Lúcia, estavam apreensivas com o desenrolar da história. Torciam para que a moça tivesse um final feliz.
Voltando ao filme...
A moça estava tão feliz, que não percebia os olhares interessados a sua volta.
Neste momento, o rapaz da foto, aproximou-se dela.
Surpresa com a aproximação, Julieta deixou cair a bolsa que segurava.
Atencioso o moço pegou a bolsa que estava no chão. Gentilmente entregou-a a moça.
Julieta agradeceu a gentileza e se afastou.
Nisto, o moço – Roberto era seu nome, aproximou-se de alguns convidados, e perguntou quem era aquela moça.
Os convidados, conversando com o rapaz, explicaram.
Na legenda, a informação de que Julieta era filha de um industrial brasileiro – dono de uma tecelagem.
Moça estudada, falava vários idiomas. Viajou para vários países, precisando retornar às pressas ao Brasil, em virtude da eclosão da Primeira Grande Guerra.
Roberto demonstrou bastante interesse na moça.
Durante a festa, o rapaz – fantasiado de mascarado, convidou-a para dançar.
O pai de moça, autorizou a dança.
Enquanto dançavam, o casal conversou um pouco.
Rodrigo sorriu para Julieta, que timidamente, retribuiu o gesto.
Conforme as legendas do filme, o rapaz perguntou-lhe se morava em São Paulo. No que, de acordo com as legendas, foi mostrado que a moça respondeu dizendo que morava na cidade, mas que estava retornando de uma viagem recente a Europa. E mais, que o velho continente estava sendo palco de um grande conflito armado, envolvendo vários países.
O casal permaneceu dançando.
Em outra legenda, Rodrigo explicou que sabia da guerra e das atrocidades envolvidas no conflito. Argumentou que temia o fato de que o Brasil precisasse tomar parte no conflito.
Incrédula - em outra legenda -, Julieta comentou que achava pouco provável a participação do país no conflito, devido o fato de se encontrar demasiado distante do velho continente.
Todavia - em outra legenda -, o rapaz insistia no fato de que o Brasil não estava longe o suficiente para escapar das conseqüências do conflito.
Depois de dizer estas palavras, Rodrigo sorriu para a moça. Parecia dizer para que não se preocupasse com tais assuntos naquele momento.
E assim, se olharam.
Dançaram. Receberam confete e serpentina.
Por fim, o moço beijou as mãos da moça, levando-a de volta para a presença de seu pai.
Gentil, cumprimentou o industrial. Por fim, segredou no ouvido da moça para que não se preocupasse com o que havia dito, que tudo acabaria bem. Uma legenda explicou o fato.
Atrás da tela do cinema, estava um exímio pianista a embalar a história, com uma trilha sonora criada especialmente para o filme. Som, somente do piano. Época do cinema mudo.
Mais tarde, o rapaz foi visitar a moça, levando consigo dois ramalhetes de flores.
Ao chegar na casa, foi recepcionado por um criado que estendeu o braço sinalizando que ele poderia entrar. Segurou seu chapéu e colocou-o em um porta-chapéus.
Segurando um licor, ofereceu-o ao moço.
Roberto agradeceu, mas não aceitou.
Nisto, surgiu o empresário acompanhado por sua esposa.
Ambos cumprimentaram o rapaz.
Efusivo, o industrial abraçou o moço, e a mãe de Julieta cumprimentou-o formalmente.
O rapaz por sua vez, ofereceu um dos ramalhetes a mulher, que agradeceu a amabilidade.
Em legenda, comentou o quanto ele era gentil e atencioso.
Roberto, beijou então a mão da mulher.
Nisto, Josué convida o moço para se sentar.
O trio se senta nos confortáveis sofás da sala de estar.
Desta forma, conforme as legendas que se seguiram, o pai da moça perguntou-lhe qual era sua ocupação.
Roberto respondeu que trabalhava na alfândega, com a exportação do café produzido no país.
Josué comentou que seu pai fora Barão do Café, mas, que diante das dificuldades em sua comercialização e venda, passou a investir em outras atividades, como as indústrias. Abastado, comentou que possuíra um palacete na Avenida Paulista. Rica casa jardinada, a qual fora vendida no início do século com vistas a aquisição de uma casa mais moderna. Mais consentânea com as atuais necessidades da família.
Roberto respondeu então, que a casa era muito bonita e a decoração, de muito bom gosto.
Violeta, lisonjeada com os bons modos do rapaz, agradeceu o elogio.
Nisto, Julieta desce as escadarias da mansão indo ao encontro do moço.
Rodrigo, ao perceber a aproximação da jovem, levanta-se e a cumprimenta efusivamente. Oferece-lhe o segundo ramalhete de flores.
Julieta agradece o presente.
Na legenda que se segue, diz que as flores são lindas e que ele não precisava ter se preocupado com isto.
Rodrigo gesticula. Na legenda, consta a explicação de que não fora trabalho nenhum.
Julieta sente o perfume das flores.
Olham-se apaixonados.
Josué e Violeta, se entreolham, cúmplices.
Na cena seguinte, Julieta e Roberto, caminham juntos por uma praça.
Conversam. Sentam-se em um dos bancos da praça.
De longe avistam um casal.
O moço senta-se em uma ponta do banco. Tenta aproximar-se da moça que está sentada na outra extremidade do banco.
Tímido, o rapaz tem grande dificuldade em se aproximar. Ainda assim, enche-se de coragem e aos poucos tenta a aproximação.
A moça, percebendo que o rapaz está cada vez mais próximo, cora-se. Está envergonhada.
Por fim, o rapaz fica ao seu lado.
Conforme a legenda que se segue, pergunta-lhe como vai, comenta sobre a beleza da tarde, e de como os passarinhos estão canoros, enchendo a tarde de bonitos sons.
Nisto, a moça lhe sorri.
O moço pergunta-lhe então, se pode acompanhá-la até sua casa.
Um pouco sem jeito, a moça assente com a cabeça.
Desta forma, o casal se levanta.
O moço oferece sua mão estendida para a jovem, que a aceita e ambos vão juntos para o lar da jovem.
Julieta por sua vez, acompanha a cena de longe, enternecida. Chega a se emocionar com a delicadeza da cena e dos gestos.
Roberto, percebendo uma lágrima a rolar dos olhos da moça, pergunta-lhe conforme a legenda que se segue, se ela está bem, o que está sentindo.
Em outra legenda, após olhar-lhe atentamente, vem a explicação. Julieta emocionou-se com a cena por que ficou a pensar na guerra, e em todas as transformações que ela trará. Temia que o que o rapaz dissera no baile de carnaval se concretizasse e de fato, os brasileiros tivessem que lutar na guerra que arrasava o continente europeu.
O moço então, desculpou-se. Dizendo que havia falado demais, comentou que seria muito pouco provável que os brasileiros participassem da guerra.
Sentaram-se novamente no jardim da mansão.
Em seguida, o moço beijou-lhe as mãos. Sorriu para a moça. Olhou-a enternecido.
Depois de alguns minutos levantaram-se. Caminharam por alguns instantes, até se depararem com um fotografo, um lambe-lambe.
Roberto sugeriu então, que tirassem uma foto juntos.
Neste momento, uma legenda explicou o desejo do mancebo.
Julieta retorquiu solicitando uma foto exclusiva sua.
Roberto sorri.
Nisto, o casal tira uma foto juntos.
No dia seguinte o moço leva a garota para um restaurante. Estão sozinhos.
Roberto foi buscar a moça em sua casa.
Julieta está belíssima com seus cabelos curtos e cacheados cuidadosamente adornados por um chapéu. Vestido comprido até o tornozelo. O rosto delicadamente maquiado.
Rodrigo adentra o casarão, cumprimenta os pais da moça.
Beija novamente as mãos de Violeta.
A mulher elogia a educação do moço.
Josué recomenda que Roberto tenha cuidado com sua filha.
Roberto responde conforme as legendas, que Julieta está em boas mãos.
Conforme a legenda que se segue, Josué responde que não tem a menor dúvida das boas intenções do moço. Tanto o que deixará sair com sua filha, sem que terceiros acompanhem o encontro.
Roberto, responde, de acordo com as legendas, que maior prova de confiança não poderia ser oferecida.
Nisto, Julieta aparece na sala de estar, a todos cumprimentando.
Rodrigo despede-se dos pais de Julieta. Beija novamente as mãos de Violeta. Saúda o casal.
Abre a porta da casa para a moça.
Despede-se novamente, e sai do palacete fechando a porta.
Com isto, conduz Julieta até seu carro, abrindo a porta para a moça.
A jovem agradece o gesto delicado, sendo auxiliada pelo rapaz, a entrar no carro.
E assim, Roberto conduz a jovem até o restaurante.
Lá é conduzido pelo garçom, até uma das mesas.
Nisto o garçom puxa a cadeira para Julieta sentar-se.
Roberto também se senta à mesa.
É então, oferecido o cardápio.
O jovem pede uma bebida.
O garçom afasta-se, para logo em seguida, trazer uma garrafa de vinho. Serve as duas taças que estão sobre a mesa.
Com isto o casal olha junto o cardápio. Conversando entre si, escolhem o que irão degustar.
Desta forma, Roberto faz sinal para o garçom se aproximar. Pede o prato.
Julieta e Roberto sorriem.
O moço beija as mãos da moça.
A seguir, eis que surge o garçom, trazendo a refeição pedida. O funcionário lhes deseja uma boa refeição.
Roberto e Julieta agradecem.
Enquanto comem, ficam se observando.
Julieta acha graça do modo como Roberto a olha.
Corte.
Mais tarde Julieta recebe a fatídica notícia de que o rapaz fora convocado como combatente nas trincheiras na Europa, ao lado de soldados britânicos e franceses.
Em virtude dos bons serviços prestados quando servira no serviço militar obrigatório, fora convocado para lutar ao lado de outros soldados brasileiros e estrangeiros.
Roberto, ao receber a notícia sentiu receio. Mas ver o seu trabalho e mérito reconhecidos, encheu-se de um grande orgulho.
Contudo, não foi fácil explicar a Julieta a necessidade de deixá-la para ir lutar em país distante.
A moça sentiu-se deveras abandonada.
Chorou por longas semanas.
Nem as doces palavras de sua mãe, dizendo que tudo acabaria bem, a consolaram.
Julieta temia pelo pior e por diversas vezes, relatou isto a mãe.
Infelizmente, o tempo demonstrou que ela não estava errada.
Em uma das inúmeras batalhas de que a Europa fora palco, Roberto, fora alvejado por um tiro, vindo a falecer.
Quando Julieta tomou conhecimento, através de uma carta, de que seu grande amor fora morto em um campo de batalha, a moça foi tomada de um grande desespero.
A esta altura, a jovem já estava noiva de Roberto.
Julieta ficou inconsolável.
Nem as palavras de conforto de Josué e Violeta a confortaram.
Chorando, a moça dizia que só pensava em morrer.
Violeta a olhava com olhar de censura.
Julieta, que até o momento estava entorpecida por suas lembranças, finalmente despertou.
Ao perceber o adiantado da hora, levantou-se e encaminhou-se para o centro da cidade.
Mais tarde, voltou ao hotel.
Durante a noite, dormiu mal. Agitou-se, revirou-se na cama.
Na madrugada ouviu uivos e gritos.
Julieta assusta-se.
Nervosa, colocou o cobertor sobre a cabeça e se escondeu.
A noite foi inteiramente composta de gritos e bater de portas.
Por fim, já de manhã cedo, a moça levantou-se, e aproximando da porta do quarto, abriu-a cuidadosamente. Assustada, olhou atentamente em volta. Por fim, trancou a porta do ambiente e nervosa, prendeu seu cabelo, vestiu um roupão, e novamente abriu a porta do quarto. Em seguida trancou-a e saiu correndo em direção ao banheiro.
Ao adentrá-lo, tranca a porta do mesmo.
Aflita, fica a observar-se no espelho do banheiro.
Corte.
Mais tarde, já devidamente penteada e vestida, a moça sai do hotel.
Percorre ruas da cidade de São Paulo. Segundo as legendas do filme, parece estar procurando alguma coisa.
Tira da bolsa um jornal e faz perguntas em alguns estabelecimentos comerciais.
Por fim, sai decepcionada de todos.
Já de noite, retorna ao hotel.
Ao pedir a chave na portaria, qual não foi sua surpresa ao ser atendida por tão estranha figura? Cruzes! Parecia saído diretamente de um filme de horror!
Imediatamente a moça se assustou. Nervosa, pediu a chave do quarto.
O estranho homem a entregou.
Prontamente, Julieta segurou a chave e saiu rapidamente da recepção do hotel, subindo as escadas.
Amedrontada, trancou a porta do quarto, e com o coração acelerado, começou a dizer a si mesma, que arrumaria todos os seus pertences e sairia o quanto antes daquele lugar.
A legenda que se seguiu, explicou os fatos.
Nisto seguiu-se um grito de horror. Tão fato deixou Julieta apavorada.
Temendo que invadissem seu quarto, arrastou a penteadeira posicionando-a contra a porta, a fim de que servisse de peso.
Rapidamente, começou a retirar suas roupas e seus pertences de dentro do armário.
Enquanto executava este trabalho, tornou a ouvir gritos de horror.
A cada intervalo entre os gritos, percebia que mais próximos pareciam.
A certa altura, notou uivos e sussurros próximos de sua porta.
Nervosa começou a chorar e a rezar.
Foi neste momento que começaram a bater em sua porta.
Quando começaram as batidas, Julieta aproximou-se de costas da janela.
Tremendo, ao voltar-se para a mesma, percebeu um estranho vulto no quintal da propriedade.
Aperceber-se disto, deixou-a ainda mais assustada.
Angélica, Cláudia e Lúcia, pareciam cada vez mais eletrizadas com a história. Estavam tão apreensivas com o desfecho da trama, quanto a personagem. Pareciam viver suas emoções.
Nisto, alguém começou a forçar a porta do quarto da moça.
Julieta ficou apavorada.
De fora, alguém tentava arrombar a porta do quarto.
Desesperada, a moça começou a procurar um lugar para se esconder.
Como não havia por onde escapar, tratou de se lançar debaixo da cama.
Com isto, as batidas contra a porta do quarto se tornavam cada vez mais violentas.
Lágrimas vertiam dos olhos de Julieta.
Por fim, quem investia contra a porta, conseguiu realizar seu intento.
A porta cedeu e um homem, o estranho homem da portaria, adentrou o quarto. Porém, nada encontrando.
Contudo, ao perceber uma mala arrumada por sobre a cama, desconfiou de que a moça poderia estar se escondendo no quarto. Assim, passou a procurá-la. Abriu o armário, a janela, olhou atentamente o ambiente, até se deparar com a cama.
Aproximou-se da mesma e levantou o cobertor. Nisto, percebeu que a moça estava debaixo da cama.
Julieta soltou um gemido e tentou fugir, mas o homem segurou seu pulso, arrastando-a pelo chão.
Nisto, ao ficar frente a frente com o homem, soltou um grito e ficou tentando se soltar, desferiu tapas contra a mão que a segurava.
Porém, quanto mais se debatia, mais o homem a segurava contra si.
Julieta parecia cada vez mais desesperada.
Todavia, sem forças para continuar lutando, acabou por desfalecer.
Neste momento, o homem de aspecto horripilante, colocou-a em seu ombro, e pegou a mala que estava em cima da cama.
Feito isto, chutou a penteadeira, a qual atrapalhava a passagem, para um canto, e saiu do quarto, levando a moça e sua mala.
Em suas cadeiras, Angélica, Lúcia e Cláudia, estavam nervosas, temiam pela segurança de Julieta. Tanto que, quando o homem ficou a forçar a porta, ficavam a balbuciar para que ela tivesse cuidado.
Agora não sabiam pelo que esperar.
Na cena que se segue, o homem levava a moça desacordada para fora do quarto, conduzindo-a para outro andar da construção. O lugar parecia um sótão bem arrumado.
Cuidadosamente, o sujeito deposita a mala no chão e deita a moça em uma cama com dossel.
Tudo ali parece ter sido preparado para a longa permanência de alguém.
Ao deitar a moça na cama, fica observando-a durante algum tempo.
Depois, dirige-se a porta do recinto, sai e a tranca.
Julieta permanece desacordada.
Quando finalmente desperta, percebe que os uivos se extinguiram e que tudo parece calmo.
Por um instante chega a pensar que sonhara com os fatos ocorridos.
Contudo, ao perceber que o quarto onde está, se diferente do quarto onde estava hospedada, Julieta começa a ficar novamente nervosa.
Assustada, não entende como foi parar ali.
Observa todo o entorno, os móveis, as paredes, as janelas. O ambiente parece maior do que aquele onde estava.
Nervosa, relembra-se dos fatos ocorridos na noite anterior. Recorda-se que um homem invadiu o seu quarto.
Neste momento, percebe que a porta está sendo aberta.
Eis que surge o estranho homem que vira na noite anterior.
Trêmula, Julieta solta um grito de horror.
O homem aproxima-se e trata logo de segurar a boca da moça.
Na legenda que se segue, o homem diz que ela é sua amada Jacinta. Pergunta-lhe se não o reconhece.
Em outra legenda, Julieta argumenta que nunca o vira antes.
Nervoso, o homem esmurra uma mesa próxima.
Na legenda, comenta que eles foram noivos e que por uma fatalidade ela morrera muito cedo. Antes mesmo que pudessem casar-se. Contudo, agora as coisas estavam resolvidas. Isto por que agora, ela havia voltado para ele.
Ao ouvir tais palavras, Julieta ficou apreensiva.
Afastou-se o quanto pode do homem.
Nisto, o estranho retirou uma foto que trazia guardada em seu paletó e mostrou a moça.
No retrato, uma jovem vestida com um longo vestido – característico do final do século dezenove – e olhar ingênuo. Espantosamente muito parecida com ela.
Então, seguiram-se as legendas.
Nervoso, o homem disse se chamar Rodolfo, que fora extremamente belo em sua juventude, quando conhecera a doce e bela Jacinta.
Tristonho, comentou que após sua morte, nunca mais tivera paz. Revelou entre lágrimas, que sofrera um acidente alguns anos depois da trágica separação de Jacinta, ficando entre a vida e a morte. Por fim, restabeleceu-se, mas recebeu de legado, horríveis cicatrizes em seu corpo, principalmente em seu rosto, ficando desfigurado.
Julieta então se apiedou do homem.
Na legenda que se seguiu, explicou que sabia perfeitamente o que era perder um grande amor, posto que também havia passado pela mesma experiência.
Rodolfo lançou-se um olhar suplicante.
Em outra legenda, Julieta explicou que mesmo assim, ele não tinha o direito de assustá-la do jeito que assustou. Argumentou que ele não poderia fazer dela sua prisioneira, e que cedo ou tarde, alguém notaria sua ausência e acabaria por chamar a polícia.
Rodolfo contudo, parecia indiferente àquelas palavras.
Lembrou-se de um momento em que ele e sua amada, dançavam juntos em um palácio, sob olhares de inveja e admiração. Nesta imagem, Rodolfo estava longe de ser um homem horrendo. Estava feliz e esbanjava vitalidade, beleza e juventude, assim, como a jovem Jacinta.
Neste momento, a moça sorria para ele.
Diante disto, Julieta começou a chorar.
Desesperada, começou a dizer que não era a Jacinta, que se chamava Julieta, e que não o amava. Por meio de legenda, explicou que naquele momento não estava pensando em mais nada, que não fosse cuidar de sua própria vida.
Na legenda que se seguiu, o homem aproximou-se da moça, ajoelhou-se e pediu perdão a moça. Disse que não tivera a intenção de assustá-la. Chorando, pediu para que ela o desculpasse.
Em outra legenda, a moça respondeu que somente o desculparia, se a libertasse.
Com os olhos banhados em lágrimas, Rodolfo prometeu atender o pedido.
Despedindo-se da moça, segurou suas mãos e beijou-as.
A seguir, abriu a porta do sótão, entregou-lhe a mala, e disse por meio de legenda, que podia partir sem medo. Comentou que não havia mais nada pendente, nem mesmo contas a serem pagas.
Nisto, a moça partiu. De posse de sua mala, apressou-se o quanto o pode para sair do hotel.
Quando finalmente se viu a salvo, resolveu olhar para trás.
Qual não foi seu espanto, ao perceber que a suntuosa construção em que se hospedara, agora tinha o frio aspecto de uma casa abandonada.
Por um momento, ficou a imaginar a cena de uma valsa. Ela, com um lindo vestido de gala do século passado, e junto a ela um rapaz que em nada se parecia com seu estimado Roberto.
Ao ver a cena se descortinando ante seus olhos, ficou pasma. O palácio se assemelhava muito ao hotel.
Tal comparação a fez ficar trêmula e assustada. Tanto que correu dali.
Finalmente ao abrir sua mala, percebeu que sua bolsa estava ali, devidamente guardada. Ao abri-la, deparou-se novamente com o retrato de seu Roberto, e com a carta que ele escrevera. Ao finalmente abrir a carta, descobriu a seguinte mensagem:
“Cara Julieta.
Amor meu. Por todo este tempo em que combati na Europa, pude me deparar com gestos de grandeza e heroísmo, assim como ver grandes atrocidades serem cometidas. Pude ver de perto a fome, e o desespero de não se ter onde se esconder de tiros, e de emboscadas. A dor de se ver pessoas estimadas se indo, para nunca mais se ver. Deus meu! Quanta dor, quanto sofrimento desnecessário. Quantas vidas desperdiçadas.
Sinto um enorme pesar. A gripe espanhola faz muitas vítimas, assim como o massacre de seres humanos, a carnificina promovida por esta Grande Guerra. Sinto que os fatos se precipitam. Acredito que dentro em breve, esta malfadada guerra acabará por findar-se. Só temo pelo saldo que irá deixar. Será positivo, ou deficitário?
Enfim, neste momento, não estou preocupado com a guerra. Só quero retornar ao meu lar. Minha pátria, meu Brasil. Tenho saudades de tudo e de todos, do mar, do céu azul e estrelado, da alegria desta gente tão querida. De meus pais que tão cedo partiram desta terra. De sua família, que adotei como minha, e principalmente de você.
Oh! Quanta saudade sinto de ti! A espera é grande. Mas o reencontro é certo.
De seu amado, Roberto.
O qual espera ardentemente revê-la em breve.
Até logo.
Muitas saudades.”
Ao término da leitura, Julieta chorou desesperada.
Lembrou-se do sorriso de Roberto, de sua alegria. Das vezes que dançaram juntos.
Chorando – conforme legenda –, disse que tudo aquilo agora só fazia parte de suas lembranças.
Nisto seu pai e sua mãe, que estavam aflitos a sua procura, acabaram por encontrá-la.
Julieta estava a horas caminhando a esmo, sem direção, sem rumo.
Com a ajuda da polícia, acabaram encontrando a moça, sentada em um banco de praça. Sozinha, chorando. Abraçada a um retrato e a um pedaço de papel.
Quando o policial avistou a moça sozinha, tratou logo de se aproximar.
Conforme a legenda, perguntou o que ela estava fazendo ali, por que não estava em casa.
Julieta não respondia.
Por fim, o policial estendeu a mão para a moça e segurando sua mala, convidou-a a acompanhá-lo.
O reencontro com os pais, foi emocionante.
Violeta e Josué abraçaram a filha.
De acordo com a legenda, pediram para que ela nunca mais fizesse aquilo, que tudo iria se ajeitar, e que Roberto estava bem, apesar de tudo.
Violeta – por meio de legendas – chegou a aconselhar a filha a continuar sua vida, que muito em breve aquela tristeza se transformaria em uma doce saudade, e que um dia, eles tornariam a se encontrar.
Os olhos de Julieta então, encheram-se de lágrimas.
Por fim, foi promovido um novo baile de carnaval, no qual Julieta não mais se vestiu de melindrosa. Agora, a estranha mascarada era ela.
Com efeito, enquanto observava o movimento no salão, notou que estava sendo observada por um belo jovem.
O moço se aproxima.
Conforme legenda, pergunta-lhe se ela costuma freqüentar aquele baile.
Julieta assente com a cabeça.
Nisto, o casal ficou a conversar.
A moça não parecia indiferente aos galanteios do rapaz.
Josué e Violeta novamente se olharam cúmplices.
Na última cena do filme, Julieta é conduzida ao altar, devidamente vestida de noiva.
Seu pai está esfuziante.
Sorrindo, Josué conduz a filha ao altar.
O noivo é o rapaz do baile de carnaval.
Ao chegar ao altar, Julieta sorri para o noivo.
O noivo por sua vez, está impecável em seu fraque todo branco.
Em legenda, o padre abençoa o casal dizendo que eles estão casados, e que o que Deus uniu o homem não separa. Fim.
Ao término da película, Angélica, Lúcia e Cláudia estão aos prantos.
Comentam entre si da tristeza da história, mas ficam felizes pelo fato de Julieta ter encontrado outro alguém para se casar e ser feliz.
Melancólica, Angélica comentou que também sonhava com um amor como o que Julieta vivera.
Lúcia espantou-se, pois o grande amor da mocinha, morreu na guerra.
Angélica ementou então, dizendo:
- Um grande amor como aquele, mas sem a parte trágica.
Cláudia e Lúcia, respiraram então, aliviadas.
As três amigas rumaram para casa.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

A FLOR DO ALTO - CAPÍTULO 1

Era uma bonita morada. Seu pórtico de entrada com dois anjos entrelaçados, colunas gregas. Outrora fora templo de felicidade e alegria. Agora jaz abandonada, obscurecida pelo tempo e apagada pelo descaso.

Quantas festas, quantas celebrações. Comemorações.
Neste momento, retrato do abandono, pintura descascada, umidade, manchas, bolor.
O lindo jardim de outrora, agora se apresenta sem flores, árvores envelhecidas. Matagal.
De lindo templo de felicidade, a causar mais espanto do que encantamento.
Quantas histórias se descortinaram diante daquelas paredes? Quantas alegrias, quantos dramas?
Será que os habitantes daquela antiga morada foram felizes? Foram ditosos?
Curiosamente, a imagem presente nos causa a impressão do contrário. A construção mais parece saída de um conto de horror.
Imaginação...

Angélica, delicada moça de cabelos longos, cuidadosamente presos em desenhos que disfarçam seu cumprimento. Vestido longo, largo.
Por imposição paterna, não usava maquiagem, apenas um pouco de rouge.
A moça aplicava o pó vermelho nas maçãs do rosto, sem o conhecimento de seu pai.
Vaidosa, adorava perfumes, experimentar aromas.
Era uma moça alegre.
Adorava dançar, sair.
Sua maior alegria, era a saída todas as semanas para ir ao cinematografo, acompanhar as películas, ou fitas de filmes mudos. Adorava os filmes de Rodolfo Valentino, Charles Chaplin, Theda Bara, entre outros.
Quanto ao famoso Valentino, Angélica só conseguia assistir as fitas mediante autorização de sua mãe, Angela.
Francelino, proibia a filha de assistir os filmes: “daquele ator imoral”.
Desta forma, somente depois de muito insistir com sua mãe, e chorando, conseguiu autorização para assistir aos filmes do “latin lover”. Ainda assim, com o compromisso de que não iria ao cinema sozinha, e sim acompanhada de Lúcia e Cláudia.
Com isto, devidamente acompanhada das amigas, lá se ia Angélia, seguida das amigas. Impecavelmente vestida com seus vestidos de tecidos finos, luvas brancas, chapéu de abas curtas, sapatos de salto, rouge no rosto.
Como seria de se imaginar, as três moças ficavam extasiadas com o clima de sedução e encantamento envolvendo os filmes do jovem moço.
Trancada em seu quarto, Angélica adorava imitar o ar sedutor de Theda Bara, um dos primeiros símbolos sexuais do cinema americano.
Quanto Francelino viu a filha imitando os modos provocantes da atriz, ficou tomado de profunda indignação.
Irritado, disse a Angélica que aqueles não eram modos de uma moça de família. Que aquele gestual era típico de mulheres vulgares.
Nervoso, gritou com a filha, dizendo que não a estava criando para ser uma qualquer.
Quanto Angela viu a cena, pediu ao marido para que parasse com aquilo. Comentou que ele estava sendo grosseiro e que ele devia pensar bem no que estava dizendo, pois mais tarde poderia se arrepender.
Naquele instante, Francelino discutiu com a mulher. Disse que ela não devia se intrometer.
Angélica por sua vez, ficou chorando, sendo após, consolada por sua mãe, que dizia que todo aquele furor iria passar com o tempo.
Angélica contudo, temia que seu pai a proibisse de ir ao cinema.
Ângela, tentando acalmar a filha, disse-lhe que iria conversar com calma com o marido, e que com jeito, o demoveria de tal idéia.
E assim, foi. Em que pese nas primeiras semanas após o ocorrido, Angélica não ter podido ir ao cinema, com o tempo, o homem acabou retrocedendo.
Não sem antes haverem muitas cenas de choro e lamúrias por parte da moça, que triste, se lamentava de não poder ir ao cinematografo e se distrair um pouco. Lacrimosa, dizia ao pai, que ele estava lhe tirando uma das poucas alegrias que ela tinha.
Francelino por sua vez, parecia irredutível.
Não fosse Angela convencê-lo, dizendo que tudo que era proibido se tornava mais interessante, e argumentando que impedir Angélica de ir ao cinema só iria estimulá-la a desobedecê-lo, o homem resolveu pensar melhor.
Com efeito, inicialmente, ao ouvir isto, Francelino ficou furioso.
- Ela que ouse me desobedecer. Ficará trancada em seu quarto.
- Francelino! Deixe de bobagem! É claro que Angélica não irá desobedecê-lo. É uma moça muito bem criada e educada. Mas ela convive com outras moças. Por mais que se fique atenta aos que fazem, elas precisam de um pouco de privacidade, e conversando entre elas, pode surgir uma idéia deste tipo. E ... você sabe ... idéias começam pequenas e ganham proporções. Vamos ... deixe de bobagem! Sua filha não irá se transformar em uma vamp somente por que assistiu a uma fita de cinema. Estes são apenas ardores da mocidade. Os jovens precisam de algo para sonhar.
- Bobagem digo eu! Eu nunca fiquei sonhando como vamp’s sedutoras!
Ângela começou a rir.
Nervoso, Francelino perguntou do que ela estava rindo.
Ângela respondeu calmamente:
- Nada demais! Estou rindo do que o senhor disse. Quer dizer então que nunca sonhaste com uma vamp? Naquele tempo não havia cinema não?
Irritado, Francelino insistiu para que ela parasse de rir.
A mulher respondeu que não estava muito convencida daquelas palavras. Argumentou que quando era mais nova, tinha seus amores, seus príncipes encantados, os quais escondia de seus pais, assim, como sua filha tentava fazer.
O homem ficou intrigado.
Ângela respondeu então, que ele não era o único amor de sua vida. Que já sonhara com príncipes encantados. Que enquanto lia seus folhetins, seus livros, seus romances, ficava a imaginar mil histórias, relações amorosas.
Ao notar que Francelino ficara incomodado com suas palavras, disse que estes amores, estas paixonites, iam e vinham com o tempo. Que da mesma forma que surgiam, desapareciam.
Sorrindo, disse que quando moça, teve mil namorados diferentes.
Nisto, Francelino perguntou:
- Mil namorados diferentes?
- Sim, em sonho tudo é possível. Até que nos deparamos com a realidade, e esquecermos das fantasias. A realidade é bem mais interessante.
- É mesmo? – perguntou Francelino.
Ângela assentiu com a cabeça.
Mais calmo, o homem aproximou-se da mulher e a beijou.
Mais tarde, Francelino foi conversar com a filha. Dizendo que ela estava livre das proibições, recomendou para que ela evitasse os trejeitos daquelas atrizes, sob o argumento de que aqueles não eram modos de uma moça de família. Comentou que não estava criando sua filha para ser uma atriz e sim uma pessoa íntegra e correta.
Angélica tencionou contraditar o pai, mas Ângela recomendou que não o fizesse, gesticulando um não.
A moça então, calou-se.
Nisto, Lúcia e Cláudia, voltaram a acompanhar Angélica em suas idas ao cinematografo.
Animada, a moça comprava revistas e acompanhava todas as novidades relativas aos artistas, aos cantores.
Ângela não via nada de mal nisto. Considerava isto muito natural.
Francelino contudo, parecia preocupado com o que considerava excesso de liberdade.
Nisto, a moça se ocupava de seus estudos, de seus livros, de seus filmes. De suas amigas.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 24

Dias depois, Thereza foi presa. Denunciada por testemunhas, a mulher foi encarcerada.
Quando Cleide e os amigos da moça tomaram conhecimento do fato, trataram logo de avisar Rodrigo.
Alvoroçada com os últimos acontecimentos, Cleide tratou logo de escrever uma missiva. Contudo, como a comunicação naqueles tempos idos eram muito complicada, Cleide, percebendo que Rodrigo talvez não recebesse a correspondência a tempo, resolveu ela mesma, ir até o Rio de Janeiro, contar a ele o que estava acontecendo.
Apressadamente, a mulher arrumou sua mala e partindo para o Rio de Janeiro, foi ao encontro de Rodrigo.
Nisso Thereza, humilhada pelo delegado da cidade, era obrigada a trabalhar como uma escrava.
Durante as investigações sobre o crime, o comissário, descobrindo que Thereza mentira sobre sua condição de liberta, prometeu a ela que a mesma se arrependeria de tudo o que fizera. Muito embora Diego fosse detestado no lugar, o fato de a assassina ser mulher e negra, tornava-a a pior das criminosas.
Mesmo quando ela contou que matou o homem por que ele tirara a vida de sua filha, o comissário não desistiu da idéia de puni-la.
A descoberta da falsidade de sua carta de alforria se deveu ao fato de ter sido realizada uma cuidadosa perícia. O técnico, percebendo que a carta fora forjada, avisou imediatamente ao comissário.
Tal fato complicou deveras a situação da mulher.
Thereza, com seus trinta e quatro anos, era a mais completa imagem da derrota. Abalada e abatida, era insensível a qualquer agressão. Indiferente dizia que não via a hora de cumprir receber sua pena. Ciente de que morreria, não sofria nem um pouco por isso.
Assim, o tempo foi passando.
Rodrigo ao saber da situação da mulher, fez todo o possível para impedir que o pior acontecesse. Contudo, por mais que se esforçasse, nada poderia impedir que Thereza fosse punida.
Em uma sociedade racista e patriarcal, salvá-la da morte certa era praticamente impossível.
Ao saber disso, Rodrigo desesperado, pediu ao tio para intervir.
Altino ao tomar conhecimento do ocorrido, pesaroso pela morte de Rosália, fez todo o possível para ajudar a mulher. Contudo, nem assim foi possível evitar que o era praticamente certo.
Angustiado, Rodrigo ao perceber que nada podia fazer para impedir a morte certa da esposa, resolveu voltar a região.
Ao lá chegar, percebeu que era deveras tarde para fazer qualquer coisa. Thereza, acorrentada, seguia até o pelourinho montado em frente a igreja. Como punição por seus crimes, Thereza seria martirizada até sua morte.
Ao ser julgada e condenada, tomou logo conhecimento de sua pena.
Conformada, a mulher aceitou a punição.
Quando foi conduzida até o pelourinho, Thereza deixou-se amarrar. Em nenhum momento ofereceu resistência.
E assim foi sendo chicoteada.
Rodrigo ao vê-la sendo torturada, gritou seu nome.
Thereza, esgotada pela surra, não compreendeu que Rodrigo a chamava. Desfalecendo agonizava. Ao sentir o peso do látego em suas costas, pouco a pouco a mulher foi se recordando de passagens de sua vida. Gritava, pela última vez por Rosália.
Enquanto sofria açoites, Thereza, viu sua vida se esvaindo.
Como último gesto cerrou os olhos. Cansada de sofrer, despediu-se da vida.
O povo ao perceber que Thereza estava morta, começou a chamar os homens que a conduziram para a morte, de assassinos. Furiosa, a população, exigindo que o comissário e seus homens fossem embora dali, começaram a lançar pedras e outros objetos contra os mesmos.
O comissário, percebendo que não podia conter a multidão, resolveu se afastar dali.
Nisso Rodrigo e Cleide, ao se aproximarem da moça, percebendo que estava morta, entraram em desespero. Rodrigo, chorando pedia ao corpo sem vida de Thereza que o perdoasse.
Cleide que também chorava, dizendo que ela não ouvia mais nada, tentava fazer com que Rodrigo liberasse o corpo dela.
Homens e mulheres, escravos e libertos, vendo que a mulher estava amarrada, acorreram para desamarrá-la. Prestativos, conduziram o corpo em procissão até a sede da fazenda onde a moça vivera os últimos anos de sua vida.
Lá, Cleide, auxiliada por várias mulheres, que, gratas pelo que Thereza fizera por elas, resolveram cuidar de seu corpo. Lavaram-na e colocando um lindo vestido branco, deitaram seu corpo na mesa de jantar da casa.
Lá, velaram o corpo da mulher que para eles era a melhor pessoa do mundo.
Era doze de maio de 1888.
Diz a lenda que muitos escravos vindos das fazendas da região acompanharam o velório e o enterro. Dizem ainda que escravos há muito tempo fugidos da região, voltaram para se despedir da mulher que ajudou tanto os negros.
Gratos, visitaram o túmulo de Abelardo e dizendo que os dois eram almas elevadas, rezaram dias e dias por eles.
Rodrigo desolado com as perdas recentes, resolveu definitivamente se livrar da fazenda onde passara boa parte de sua vida. Ricardo, compreendendo o pesar do irmão, pediu a ele que lhe vendesse a propriedade.
Rodrigo cansado de tudo resolveu doar a propriedade.
Sozinho, o rapaz voltou para o Rio de Janeiro. Atormentado com a sua triste história, o rapaz nunca mais se casou.
Ricardo e Dorothéa por sua vez, tiveram muitos filhos.
Cleide e os amigos de Thereza, depois de sua morte, abandonando a fazenda, voltaram para São Paulo.
Ercílio, depois de muitos anos, passando por São Paulo, ao rever os amigos, descobriu que Thereza matara Diego. Ao tomar conhecimento de detalhes da história, o rapaz resolveu visitar Rodrigo.
Este porém, desejando se libertar do passado, não quis nem saber de aproximação. Depois que voltou ao Rio de Janeiro, vivendo com o tio, resolveu dedicar-se exclusivamente ao trabalho.
Conforme o tempo foi passando, as fazendas passaram a receber cada vez mais visitas. A região, considerada histórica, passou a ser preservada.
No túmulo de Thereza, diariamente os moradores depositam flores. Dizem ser agradecimento por um pedido atendido.
Segundo o padre que hoje vive na região, tudo não passa de conversa para boi dormir.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 23

Quando Rodrigo foi até o alpendre, qual não foi seu espanto ao ver o casal carregando duas malas, exaustos, parados em frente a sede.
Surpreso com a cena, Rodrigo foi logo perguntando o que havia sucedido.
O casal, explicando que resolvera sair da fazenda, comentou que Diego estava ficando louco. Dizendo que podia resolver tudo, tentava impedir o inevitável.
Percebendo que a perda da propriedade era praticamente certa, o mesmo sugeriu que eles passassem a morar com eles.
Thereza ao tomar conhecimento do ocorrido, não se opôs. Pedindo a uma das criadas que arrumasse um quarto para o casal ficar, pediu a ambos que ficassem à vontade. Dizendo que eles poderiam ficar na fazenda o tempo que quisessem, pediu licença e usando roupas de montaria, foi até a estrebaria. Lá escolhendo um animal, foi cavalgar pela fazenda.
Mais tarde, procurando saber como estava indo a colheita, conversou com Antenor, que colocou-a par de tudo.
Ricardo e Dorothéa, percebendo que quem tomava conta de tudo era Thereza, comentaram com Rodrigo que ela não era uma pessoa comum. O rapaz, orgulhoso da mulher, respondeu que não. Muito embora ele já tivesse se oferecido muitas vezes para ajudá-la, era muito raro ela aceitar sua ajuda.
Esse fato fazia os fazendeiros terem ainda mais admiração por sua pessoa.
Rodrigo, procurando ser útil, auxiliava como podia a esposa, todavia. Contudo, sentindo falta de um trabalho que o detivesse por um longo período, Rodrigo sugeriu a esposa voltar a advogar.
Thereza ao ouvir as palavras de Rodrigo, ficou desapontada. Isso por que, sequiosa por completar sua vingança, não podia partir agora.
Rodrigo, percebendo a resistência de Thereza em voltar a viver em uma grande cidade, perguntou-lhe o por quê de tanto interesse em permanecer por lá.
Pela primeira vez, Rodrigo perguntava a moça qual fora a razão para ela se instalar na região.
Thereza, dizendo sentira vontade de voltar as origens, contou a ele que sentia curiosidade em saber como estavam as coisas por lá.
Rodrigo desconfiado, não acreditou muito na história de Thereza. Mas sem saber direito o que pensar, resolveu deixar de lado suas desconfianças.
Contudo, algo havia se partido. Depois dessa conversa nunca mais Rodrigo veria a moça com os mesmos olhos.
Nessa época, Diego sem recursos para manter a fazenda, afundado em dívidas, acabou por perder a propriedade. Ao ser demandado judicialmente, Diego depois de muito lutar, perdeu a única propriedade que lhe restara.
Ao saber disso, Thereza, por meio de um representante, tratou de adquirir a propriedade. Como sonhava há muito tempo em comprar a propriedade, ao se ver prestes a adquiri-la, mal pôde conter a alegria.
No entanto, a alegria só foi completa quando ela finalmente conseguiu passar a escritura para seu nome.
Seu marido, ao tomar conhecimento de que fora ela quem comprara as terras que outrora pertencera a família de seu pai, exigiu que ela passasse as terras para seu irmão.
Thereza no entanto, respondeu que jamais faria isso. Mas disposta a não deixá-los em má situação, prometeu doar-lhes o sítio que adquirira juntamente com a fazenda.
Ricardo e Dorothéa, ao se tornarem donos daquele pedaço de terra, agradeceram penhoradamente Thereza.
Rodrigo porém, cismado com o comportamento de Thereza, passou a compreender seus propósitos.
Percebendo que Thereza voltara para região visando se vingar, perguntou a ela se ele também fazia parte de sua desforra.
Thereza, ouvindo as palavras do esposo, respondeu-lhe que nunca envolvera-o naquela história. Dizendo que precisava acertar as contas com Diego, respondeu que ele e Ricardo não tinham nada com isso.
Rodrigo não acreditou.
Muito embora a mulher tivesse tentado convencê-lo, nem por um minuto Rodrigo acreditou nela. Desesperada, Thereza percebendo que poderia perder o marido, pediu a ele que ficasse mais um pouco. Dizendo que a situação estava prestes a se resolver, prometeu faria seu irmão o administrador das terras.
Ao ouvir isso, Rodrigo se acalmou um pouco.
Para Thereza, só faltava agora fazer com que Diego descobrisse ser ela a nova proprietárias das terras.
No tocante a isso, foi apenas uma questão de tempo para o rapaz descobrir tudo.
Quando descobriu porém, furioso, Diego foi até sua fazenda. Insistindo em dizer que queria falar com Thereza, enfrentou Antenor que não parecia disposto a deixá-lo se aproximar da casa.
Rodrigo, percebendo a confusão, tentou conversar com Diego.
O mesmo porém, não estava nem um pouco interessado em falar com ele. Irritado começou a gritar o nome de Thereza.
A mulher, ouvindo seu nome, foi até o alpendre. Perguntando sobre o que estava acontecendo, ouviu como resposta:
-- O que está acontecendo, sua negra ordinária, é que você me roubou.
Thereza ao ouvir isso sorriu.
Diego percebendo o ar de satisfação da moça, continuou:
-- Ria. Pode rir sua negra maldita! Ria enquanto puder. Ria o quanto quiser. Ria bastante por que não tarda o dia em vais chorar muito.
Rodrigo, tentando conversar com o irmão, almejava uma aproximação, mas Diego, irascível não queria saber de conversas. Dizendo que tinha mais o que fazer, sumiu dali.
Aborrecido com o incidente, Rodrigo advertiu a mulher de que o ela estava fazendo, ainda se voltaria contra ela.
Thereza desdenhou. Dizendo que cão que ladra não morde, esqueceu as ameaças.
E assim, a vida prosseguiu.
Contudo, um certo dia, quando tudo parecia caminhar muito bem, uma tragédia se abateu sobre sua vida.
Rosália, cavalgando sozinha, ao se aproximar da propriedade recém-adquirida por Thereza, acabou sendo baleada. A criança alvejada no peito, morreu na mesma hora.
Mais tarde, foi encontrada ao lado de um formigueiro por um escravo da aludida propriedade. Um escravo passando pelo local, ao reconhecer nela a filha de Thereza, tratou de levar o corpo até a sede da fazenda onde morava Thereza. Lá deixou o corpo deitado no gramado em frente a propriedade, o que causou desespero a todos.
Thereza, que a esta altura estava muito aflita, passou a procurá-la pela fazenda. Ao ver que a menina não estava em casa devassou toda a propriedade.
Palmilhando cada recanto da fazenda porém, não encontrou a menina.
Rodrigo, que a auxiliava na tarefa também não encontrou nenhum sinal de Rosália.
Quando então retornaram a sede, ao descobrirem o corpo de criança morta, Thereza, angustiada, foi a primeira a querer olhar a menina. Trêmula, virou o rosto da criança. Ao ver que a menina morta era sua filha Rosália, Thereza foi tomada de um profundo desespero. Ao constatar que sua filhinha jazia diante dela, Thereza gritou com todas as forças de seu coração.
Relutante, custava a acreditar que Rosália havia morrido. Lembrando-se das ameaças de Diego, Thereza acusou-o de ser o assassino de sua filha.
Rodrigo, dizendo que Diego jamais teria tido coragem de atirar na menina, cogitou visivelmente abatido, que qualquer um poderia ter atirado e acidentalmente atingido a criança. Ao dizer que o escravo lhe dissera onde a menina foi encontrada, Rodrigo comentou que aquele era um trecho muito fechado de floresta. Ali muitos homens caçavam.
Thereza contudo recusando-se a acreditar naquela história, respondeu que sua filha fora levada para o local.
Rodrigo quis discutir, mas notando a tristeza da mulher, resolveu esquecer a briga.
Por isso, nos dias que se seguiram, sentindo que precisavam se ajudar, abandonaram as diferenças e se apoiando, acompanharam desalentados o enterro da filha.
Como sucedera a Abelardo, a cerimônia foi breve. Emocionada, Thereza percebeu que mais um ente querido se despedia dela.
Ao perceber que nunca mais colocaria os olhos em sua filha, Thereza, por um instante pensou o quão longe havia chegado com sua vingança. Arrasada, só conseguia pensar no responsável por toda aquela maldade.
Por esta razão, dias depois, sentindo-se um pouco mais forte, prometeu a si mesma que iria acertar suas contas com Diego.
Ao perceber que tudo a sua volta ruía, constatou que os fazendeiros arruinados, deixaram de apoiá-la. Até mesmo Padre Lívio se afastou.
Thereza vendo-se abandonada por todos, resolveu agir.
Viajando para São Paulo, contratou os serviços de outro investigador. Cega de ódio, queria descobrir o paradeiro de Diego. Obcecada, só conseguia pensar nas palavras dele ameaçando-a.
Inquieta, Thereza esperava a conclusão das investigações.
Cleide preocupada com a amiga, tentou fazer com ela se distraísse, mas Thereza não estava interessada em distrações. Diante disso, Cleide não podia fazer nada.
Rodrigo, cansado de tentar convencer a esposa a retomar a vida, decidiu voltar para o Rio de Janeiro. Dizendo que precisava encontrar um novo significado para sua vida, aconselhou Thereza a fazer o mesmo.
Thereza no entanto, insistiu em ficar na fazenda.
Quando Rodrigo partiu, todos os que ficaram com ela perceberam o quão difícil seria impedi-la de fazer alguma besteira.
Dito e feito.
Uma semana depois da partida de Rodrigo, Thereza, ao tomar conhecimento do paradeiro de Diego, foi até seu encontro para se vingar.
Disposta a matá-lo, Thereza, comprando uma arma, partiu em seu encalço.
A mulher ao vê-lo morando num humilde casebre, vivendo como meeiro em uma pequena propriedade, sacou sua espingarda e mirando nele, ameaçou atirar.
Diego, olhando fixamente para ela, respondeu que já estava vingado.
Furiosa, Thereza ao ouvir a confirmação de ser ele o responsável pela morte de sua filha, apertou o gatilho.
Segundos depois, Diego jazia morto.
Thereza ao ver o corpo inerte, abandonou a espingarda.
Um dos meeiros ao ver a mulher diante do corpo de Diego, correu assustado.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 22

Enquanto isso, a pequena Rosália, criada para ser uma grande dama, desde cedo, ficou sob os cuidados de Cleide, que exigente, lhe ensinava sobre boas maneiras.
A menina, obediente, seguia a todas as recomendações da prestimosa preceptora.
Tranqüila Rosália era o xodó de todos os empregados da fazenda.
Isso por que, por ter nascido em um ambiente de fazenda, a menina estava mais do que acostumada a ver cavalos e plantações. Mesmo assim, a criança não se cansava de admirar a beleza daquelas várzeas. A veiga daqueles campos a encantava sobremaneira.
Thereza, percebendo isso desde cedo estimulava Rosália a se interessar pelos assuntos da casa. Ensinando-a a cavalgar, Thereza aproveitava para lhe mostrar lugares da fazenda que a pequena desconhecia.
Rosália, ávida por novas descobertas, sempre que era chamada por Thereza ou por seu pai para passearem por aquelas terras, aceitava o convite, e cavalgando, se encantava cada vez mais com aquele ambiente bucólico.
Certa vez, ao ver a casa do sítio contíguo a fazenda, Rosália, curiosa, quis logo saber o que havia lá dentro. Thereza, lembrando-se que ali eram realizados os encontros de Abelardo, proibiu veementemente a menina de se aproximar da casa. Dizendo que aquele lugar não lhe trazia boas recordações, insistiu com a menina para que ela nunca mais se aproximasse da casa.
Rodrigo, percebendo que Thereza estava assustando a menina, pediu a mulher que não fosse tão rigorosa com ela.
Thereza, percebendo que a menina estava quase chorando, deixou-a voltar com Rodrigo para casa.
Ela por sua vez, dizendo precisava ficar um pouco por ali, esperou eles desaparecerem do seu campo de visão para adentrar a casa.
Apreensiva, ao ver o interior da construção abandonada, Thereza, percebeu que permaneciam intactos todos os equipamentos que Abelardo usara para produzir seus jornais. Emocionada, ao ver jogado em gavetas vários escritos do marido, descobriu desolada o quanto Abelardo produzira enquanto viveu apartado dela.
Apaixonado como sempre fora por ela, Abelardo, durante o período em que permaneceu longe de suas vistas, dedicou-lhe inúmeras poesias.
Curiosa e enternecida com a descoberta, Thereza passou a ler os escritos do falecido esposo.
Um a um a mulher foi lendo-os todos.
Emocionada, percebia que a cada poesia que lia mais e mais os sentimentos de Abelardo pareciam se depurar. Pesarosa, Thereza chegou a pensar se não havia sido dura demais com ele. Isso por que, sempre soube que ele fora idealista. Assim, não seria uma simples mudança de ares que o faria deixar de ser o que ele era. De tão idealista, sacrificou sua vida pela causa.
Thereza ao se dar conta disso, plangeu dolorosamente.
Reflexiva, passou longas horas naquela casa.
Pensando nos curtos anos em que pôde privar da companhia do moço, Thereza pensou que tivera o privilégio de receber dele o que ele tinha de melhor. Sua paixão pela vida.
Paixão esta que Rodrigo também possuía, embora esta fosse canalizada para interesses diferentes.
Imbuída deste pensamento que não lhe saía da mente, Thereza finalmente decidiu voltar para casa.
Ao chegar na sede da fazenda, Rodrigo preocupado, foi logo lhe perguntando:
-- Onde você estava? Demorou tanto.
Com isso, conforme os anos se passaram, Diego, em situação financeira cada vez pior, vendeu as últimas propriedades que a família tinha.
Ricardo, pesaroso com a notícia, pediu reiteradas vezes para que ambos fossem ter com Rodrigo. Dizendo que o irmão estava em boa situação, Ricardo comentou com Diego que se pedissem um empréstimo a ele, certamente o mesmo não furtaria a ajudá-los.
Diego, porém, sentindo-se desconfortável com a possibilidade de pedir um favor a Rodrigo, foi veemente. Dizendo que não precisavam da ajuda de Rodrigo, respondeu que ele podia perfeitamente salvar sozinho a fazenda.
Ricardo dizendo que há anos ele vinha com a mesma ladainha, revelou que estava cansado de ouvir sempre a mesma história.
Thereza, lembrando-se do boato que lançara há anos atrás, determinada a completar sua vingança, ao viajar novamente para São Paulo, teve o cuidado de espalhar entre os investidores da cidade que vários fazendeiros da região estavam arruinados.
Auxiliada por terceiros, muito bem pagos para tanto, Thereza conseguiu deixar os investidores receosos em contratar com alguns dos fazendeiros do lugar.
A mulher, acompanhada de Rodrigo e sua filha Rosália, aproveitou a viagem para mostrar a eles como São Paulo progredia. Rosália, habituada com a vida na fazenda, não se impressionou nem um pouco com a vida na cidade. Dizendo que viver na fazenda era muito melhor, diversas vezes perguntou a mãe quando voltariam para casa.
Isso no entanto não impediu a menina de se divertir nos parques e se encantar com a beleza dos prédios. Cleide, sua preceptora, acompanhando a família aproveitava os raros momentos que a menina ficava em casa, para lhe passar algumas lições.
Como era de costume na época, desde cedo algumas crianças, nascidas em abastadas famílias, tomavam contato com o mundo do conhecimento.
Rosália, era uma dessas crianças. Por isso mesmo desde cedo, seus pais, preocupados com sua formação, recomendaram a Cleide que passasse a ensinar a menina. Assim a mulher ensinando-lhe boas maneiras, além de história, geografia, e outros conhecimentos em voga, passou a preparar Rosália para a grande dama que ela seria um dia.
Filha de negros, diferente de sua mãe, teria desde o berço, contato com o que de melhor havia em matéria de educação.
E assim, enquanto passeavam, Cleide aproveitava para passar mais um pouco dos seus conhecimentos a menina.
A garota durante a estada da família na cidade, visitou o túmulo dos avos.
No dia seguinte, voltando para a fazenda, Thereza aproveitou para conversar um pouco com a filha durante o percurso do trem.
Rosália porém, encantada com a paisagem que conhecia desde que nascera, não estava nem um pouco interessada em conversas. Assim, Thereza teve que esperar chegar em casa para conversar com a menina.
Ao chegar na sede da fazenda, Thereza, desculpando-se com a filha sobre o ocorrido tempos atrás, convidou a menina para, no dia seguinte, fazer um passeio com ela pela fazenda.
Contente, Rosália aceitou logo.
Animada, enquanto cavalgavam a menina não se cansava de dizer como toda aquela verdura era linda.
Rosália, com sete anos, era esperta e fagueira como poucas meninas de sua idade. Ágil, era com grande prazer que os empregados da fazenda diziam a menina como tudo funcionava por ali. E Rosália, lepidamente aprendia tudo com maior facilidade.
Rodrigo comentando com a esposa que precisava visitar Ricardo, sugeriu que ela o acompanhasse.
Mas Thereza, dizendo que não estava disposta a rever Diego, comentou que preferiria permanecer em sua morada.
Percebendo que Thereza não tencionava se relacionar com Diego, Rodrigo não insistiu. Prevendo que seria mal recebido por Diego, achou até melhor a esposa não acompanhá-lo.
E assim, lá foi ele até a fazenda.
Ao lá chegar, percebeu que Diego estava cuidando da plantação. Por isso mesmo só foi recebido por Ricardo, que solícito fez questão de que ele entrasse na sede.
Ricardo, casado com Dorothéa, recebeu com toda a atenção que podia.
Sim por que, diante da difícil situação da fazenda a única coisa que podiam oferecer ao irmão, era café.
Rodrigo, percebendo a situação da família, perguntou ao irmão se não seria melhor venderem as terras. Com o dinheiro que ganhariam, poderiam começar a vida em outro lugar.
Ricardo explicou então, que Diego jamais venderia a fazenda. Comentando que já propusera isso ao irmão, respondeu que Diego, vociferando, alegou que só deixaria aquele lugar quando estivesse morto.
Rodrigo ao ouvir as palavras do irmão, ficou chocado. Porém, percebendo a situação de penúria da família, prometeu ajudá-los. Oferecendo a casa em que morava com Thereza, comentou que em caso de necessidade, eles poderiam viver por lá.
Ricardo e Dorothéa agradeceram a oferta. Contudo, dizendo que precisava convencer o irmão a vender tudo, Ricardo respondeu que tentaria mais uma vez falar com Diego.

Nisso, Diego, tentando negociar a venda de novas safras de café, tomou um novo prejuízo. Ao se dirigir a São Paulo, sabendo que boa parte dos negociantes de café viviam por lá, tentando fazer um bom negócio, não conseguiu vender nenhuma saca de café.
Sem compreender o que estava acontecendo, acabou descobrindo mais tarde, que boatos sobre uma provável praga na lavoura de alguns fazendeiros, bem como a impossibilidade de muitos deles não poderem honrar seus compromissos, fez com que os investidores e negociantes não se interessassem em negociar com ele.
Ao saber disso, o homem bem que tentou se explicar. Tentando de todas as formas possíveis convencer a todos de que aquelas notícias era falaciosas, acabou desistindo. Ninguém acreditaria nele.
Como as notícias não eram de todo mentirosas, os negociantes estavam ressabiados.
Diante disso, só coube a Diego suportar o prejuízo. Com o insucesso da venda, voltou para a fazenda.
Ricardo ao tomar ciência de que ele fracassara ao tentar vender o café produzido, ficou preocupado. Pensando no que seria de sua família, encheu-se de coragem e tentando convencer o irmão de que precisavam de ajuda, insistiu para que o mesmo pedisse um empréstimo a Rodrigo.
Qual o quê!
Diego dizendo que só estavam passando por uma má fase passageira, respondeu que já sabia o que faria.
Ricardo, percebendo que não havia nada mais a ser feito, revelou ao irmão que eles não tinham mais dinheiro para continuar investindo em novas colheitas. Se não vendessem logo a fazenda, certamente quando o fizessem só teriam prejuízos.
Irritado ele respondeu que se ele não tomasse uma atitude definitiva quanto a propriedade, ele arrumaria suas malas e iria morar com o irmão. Dizendo que Rodrigo oferecera sua casa para a família, comentou que só permanecia ao lado dele por que acreditava que poderia persuadi-lo. Contudo vendo que Diego não o ouvia, Ricardo resolveu tomar uma atitude definitiva.
Diego, percebendo que não conseguiria reter o irmão, respondeu indignado:
-- É sempre assim! Os ratos são os primeiros a abandonar o navio quando o mesmo está prestes a afundar. Pois bem! Podem ir. Só quero que saibam de uma coisa... Quando tudo estiver caminhando bem na minha fazenda, nem pensem em voltar.
Ricardo ao ouvir isso, respondeu:
-- A despeito de tudo isso, esta fazenda não é só sua. Porém, não vou brigar. Se você faz tanta questão de ser dono de uma propriedade arruinada, faça bom proveito. Eu não faço questão nenhuma de ser proprietário de nada aqui.
Diego, furioso com as palavras do irmão, mandou que ele arrumasse suas malas o quanto antes. Que sumisse o mais depressa possível de sua frente.
Ricardo guardando seus pertences, auxiliado por Dorothéa, arrumou duas malas. Era tudo o que o casal possuía de seu.
Ao colocarem seus pertences em uma charrete, Diego percebendo ambos pretendiam seguir de charrete até a fazenda de Thereza, irritado com o que ele considerava uma ousadia, os proibiu de tocarem nos animais. Dizendo que se eles queriam sair dali deviam fazê-lo por meios próprios, respondeu que não podia se desfazer de seus cavalos.
Dorothéa ao perceber que Diego se divertia em humilhá-los, pediu ao marido, que fossem logo embora dali. Dizendo que nunca fora tão ofendida, comentou com Ricardo que nunca mais voltaria para aquele lugar.
Diego, ao ouvir as palavras da mulher, respondeu:
-- É um favor que a senhora me faz. Cambada de ingratos!
Ricardo, dizendo que ele ainda lamentaria muito o que estava fazendo, ouviu como resposta um sorriso irônico.
Cansado de tentar se entender o irmão, Ricardo e Dorothéa, seguiram a pé.
O casal, caminhando durante boa parte da noite, chegou a fazenda da família de Rodrigo praticamente ao amanhecer.

Luciana Celestino dos Santos
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