Assim, como se pôde perceber Ricardo é era bem diferente de seu irmão Diego. Isso por que, apesar de sua admiração por seu pai, não concordava com o modo com o qual tratava os escravos.
Ricardo, desde pequeno fora assim. Ensinado a ser sempre educado com as pessoas, apesar da pouca idade que tinha quando a mãe faleceu, ainda se lembrava dela lhe ensinando a respeitar os escravos.
Com isso, mesmo vendo o pai maltratar os negros – escravos da fazenda –, o garoto nunca concordou com isso.
Já Diego, sempre achou divertido humilhar os escravos.
Certa vez, ao avistar Thereza no meio do cafezal, trabalhando com os demais escravos, resolveu provocá-la dizendo que lugar de negro era na senzala e que todos ali lhe deviam respeito. Porém sempre que falava alguma coisa olhava para ela.
Contudo, só falar não lhe bastava, precisava também agredi-la, e assim o fez.
De posse de um látego, ameaçou surrá-la ali mesmo na frente de todos.
Isso por que, o mesmo ao pedir que o ajudasse a descer do cavalo, ouviu como resposta de Thereza que ela tinha mais o que fazer.
No entanto, Rodrigo, que também passava pelo lugar, percebendo a confusão, tratou logo de intervir e impedir que Diego concretizasse as ameaças.
Entrementes, devido o enfrentamento que tiveram, Diego ficou furioso com ele, e desde então sempre arrumava motivos para brigar com ele.
O problema de Diego era a profunda inveja que sempre sentiu de Rodrigo. Isso por que, sendo o mais velho, estava acostumado a ser o centro das atenções. Mesmo com Ricardo, não se sentia ameaçado. Mas agora com a presença de Rodrigo, não se podia dizer o mesmo.
Rodrigo, apesar de negro, desde o primeiro momento, sempre fora bem tratado por Ataúfo. Este, preocupado com seu futuro, prometeu-lhe financiar seus estudos e proporcionar um futuro garantido.
Sim, por que, ele garotinho pequeno e assustado, desde o início, cativou Ataúfo.
Cativou tanto, que logo que chegou na fazenda foi levado para a sede e vestido com as melhores roupas que haviam.
Isso por que, o fazendeiro, vendo que o menino estava sujo e maltratado, mandou que as escravas lhe dessem um banho e lhe vestissem com as roupas velhas de seus filhos, que por serem crescidos, não as podiam usar mais.
Generoso, depois de devidamente banhado e trajado, mandou que as escravas lhe preparassem uma lauta refeição, já que o menino parecia estar com fome.
Isso causou espanto geral, mas ninguém teve coragem de desobedecer as ordens dadas. E assim, a refeição foi preparada.
Embora assustado, Rodrigo comeu com apetite tudo o fazendeiro lhe oferecia enquanto lhe fazia companhia.
Foi neste momento que Ricardo e Diego entraram na sala, e viram um estranho sentado à mesa, comendo do bom e do melhor.
Ao verem Rodrigo comendo e bebendo de sua comida, os dois meninos ficaram surpresos. Principalmente dado o fato dele ser negro.
Diego espantado com a cena, perguntou logo ao pai:
-- Papai, o que este negrinho está fazendo sentado aí?
No que Ataúfo respondeu:
-- Meu filho! Você não deve chamá-lo de negrinho, está bem? Isso por que, daqui por diante ele viverá conosco nesta casa.
Mas o menino não ficou satisfeito.
Ricardo por sua vez, também ficou admirado com a atitude do pai, mas ao contrário do irmão, não resistiu durante muito tempo a idéia.
Assim, com o passar dos dias, Ricardo e Rodrigo passaram a ficar cada vez mais unidos. Em pouco tempo os dois já passavam tanto tempo juntos que mais pareciam irmãos.
Diego no entanto, não havia gostado nem um pouco desta aproximação.
Por isso, sempre que via os dois juntos, não perdia a oportunidade para provocá-los. Dizendo ao irmão caçula que este não podia brincar com um negrinho, a todo o momento dava-lhe ordens para que deixasse Rodrigo sozinho.
Mas Ricardo não obedecia ao irmão.
Uma vez, irritado com desobediência de Ricardo, Diego se aproximou dele e começou a puxar seus cabelos.
Rodrigo ao ver o menino gritando, tratou de acudi-lo dando uns safanões em Diego que, revoltado, fez questão de contar tudo ao pai.
Contou no intuito de fazer com o pai mudasse de idéia e desistisse de manter o menino em casa.
Porém, quando contou ao pai sobre o ocorrido, para seu desapontamento, nada do que estava esperando aconteceu.
Seu pai, prevenido pelas escravas, já sabia de antemão que Diego havia maltratado o irmão e que Rodrigo só o havia defendido. Por isso, quando ouviu a história de Diego, pediu ao menino para que parasse de mentir e contasse a verdade. Mas o menino insistia em dizer que havia sido provocado.
Contudo, Ataúfo sabia que o filho mentia.
Assim, irritado, sem ter conseguido convencer seu pai a respeito de sua história, saiu da sala pisando duro e entrou em seu quarto, batendo fortemente a porta.
E nisso se passaram os dias, semanas, meses, e até anos.
Rodrigo, um aluno dedicado, aprendia cada vez mais rápido as coisas que sua preceptora lhe ensinava. Ao contrário de Diego que não queria saber de estudos, Rodrigo estava cada vez mais adiantado. Tanto que em questão de tempo, passou a fazer companhia a Ricardo nas aulas. Sim, os dois estavam no mesmo nível.
Já Diego, desinteressado dos estudos, procurava passar cada vez mais tempo longe da sede da fazenda.
Para ele que era filho de fazendeiro, não havia necessidade de estudar. Segundo ele, já estava com o futuro assegurado.
Mas isso não deixava Ataúfo satisfeito. Apesar do orgulho que sentia do filho, sabia o quanto era importante estudar. Porém, a despeito disso, em razão de sua própria história, não queria impor ao filho sua vontade. Sim, por que ele também nunca fora afeito aos estudos.
Aliás, fora um péssimo estudante.
Sempre que podia, saía de seu quarto pela janela e ganhava a liberdade.
Seu pai, Valério, ficava furioso, mas Ataúfo sabia como ninguém desarmá-lo. Era um mestre em convencer as pessoas.
Dessa forma, ao ver o comportamento do filho mais velho, parecia se ver alguns anos mais jovem. Assim, sentia-se envaidecido em ter um filho tão assemelhado a ele.
Por isso, não brigava com ele por isso.
Contudo, ao ver a dedicação de Rodrigo aos estudos, também sentiu-se feliz por isso. O rapaz estava fazendo por merecer tudo o que estava recebendo nestes anos todos. Sim, por que vivendo ali na sede e sendo tratado como filho, precisava de alguma forma, retribuir todo o carinho que recebera.
Quanto a sua ida para a fazenda, desde que o menino passou a viver por ali, todos estranharam o tratamento que o mesmo passara a ter.
Isso por que, sendo negro, todos imaginaram que Ataúfo o havia comprado para que ajudasse no trabalho na lavoura. Porém, logo que pôs os pés na fazenda, passou a ser tratado como um filho pelo fazendeiro.
Tal fato, gerou comentários.
Desconfiados, os escravos começaram a desconfiar que Rodrigo talvez fosse filho de Ataúfo com alguma escrava. Até por que, se assim não fosse, qual a razão de tanto desvelo e dedicação?
Logo Seu Ataúfo que sempre fora duro e rude com os escravos!
Antes daquele menino aparecer na fazenda, nunca havia concedido tantos privilégios a tão humilde classe.
Era estranho decerto.
Mas os escravos não tinham coragem de dizer isso claramente na frente de Ataúfo.
E a despeito disso, Rodrigo continuou vivendo sob seus cuidados. Ataúfo tinha em mente grande planos para ele. Porém, ao menos por enquanto não podia revelá-los.
Para ele saber sobre a existência de Rodrigo, era uma satisfação. Tanto que quando soube dele, tratou logo de tomar todas as providências para que o mesmo fosse para a fazenda.
E assim feito não descuidou nem por um minuto de sua educação.
Dessa forma, conforme os anos se passaram e Rodrigo se tornou um forte e inteligente mancebo, o fazendeiro fez questão de libertá-lo.
Tamanho orgulho e tanta generosidade só podiam ser por uma razão. O rapaz devia ser filho de Ataúfo.
Contudo, se realmente era, o fazendeiro nunca lhe disse. Pelo menos não claramente.
Entretanto, realmente era de se estranhar o comportamento do fazendeiro. Por que o protegia tanto? Mesmo seus filhos não gozavam dos mesmos privilégios que ele.
Isso começou a intrigá-los.
Afinal de contas, observando a forma como o mesmo tratava os escravos, era realmente muito estranho que ele passasse a fazer favores para um representante da classe sem nenhum motivo aparente. Não era de seu feitio agir dessa forma. E isso todos os escravos e moradores da fazenda sabiam.
Até mesmo Diego e Ricardo, filhos legítimos do fazendeiro, desconfiavam que haviam algo de muito errado em toda essa história. Porém, sempre que pressionavam Rodrigo para que contasse alguma coisa, o mesmo lhe respondia com evasivas.
Dizendo que nem mesmo ele sabia por que havia sido escolhido para viver ali, não tinha como responder a eles. A única coisa que podia fazer era agradecer pelo ato de generosidade de Ataúfo. Isso por que, esse tipo de generosidade era algo muito raro.
Porém, para aplacar a sede de curiosidade dos dois rapazes, comentou que antes de viver ali, vivia em uma fazenda da região com sua mãe adoentada. Para ajudá-la trabalhava nas lavouras de café, mas por ser pequeno, seu trabalho não era de grande valia. Mas ainda assim trabalhava, e passaria a vida inteira fazendo isso não fosse Ataúfo aparecer e comprá-lo.
Em tempo, pois quando o fazendeiro veio a conhecê-lo que fazia poucos dias que sua mãe havia morrido e ele havia ficado só no mundo.
Com isso, só podia ser grato ao generoso fazendeiro que o ajudara.
Mas essas explicações não convenceram a Diego.
Por isso, cada vez mais cismado com a história, passou a inquirir seu pai, para que revelasse os verdadeiros motivos de sua atitude.
Ataúfo porém, além de não gostar da atitude impertinente do filho, não estava nem um pouco interessado em lhe contar os verdadeiros motivos que o fizeram agir desta forma. Isso porque, percebendo a hostilidade declarada de Diego em relação a Rodrigo, sabia que não poderia lhe contar a verdade.
Porém, sabia que a cada dia que passava ficava mais difícil esconder de todos os seus motivos.
Mas para ele, era mais seguro não contar nada a ninguém.
Além disso, Rodrigo estava superando suas expectativas.
Aplicado, revelou-se um ótimo aluno. Sua preceptora não se cansava de elogiá-lo.
E isso era um orgulho para ele.
Muito embora Ricardo também fosse estudioso, Ataúfo considerava seu empenho algo menor, como se o mínimo que ele devesse fazer era estudar. Isso por que, por não ser tão bom cavaleiro quanto seu irmão Diego, de alguma forma ele tinha que mostrar serventia.
Com isso se denota que Ricardo não era alvo de atenção de Ataúfo.
Contudo, como desde criança fora assim, o rapaz não mais se importava com isso. E assim, também não se importava muito com seu pai.
Entretanto, a despeito disso, era muito amigo de Rodrigo e até mesmo pasmem, de Thereza.
Quando o pequeno Rodrigo chegou a fazenda e recebeu todo aquele cuidadoso tratamento já falado, Ataúfo fez questão, conforme foram se passando os dias, de apresentá-lo a todos. Escravos e feitores, todos tinham que conhecer o novo morador da casa grande. Até para que se evitassem equívocos e o confundissem com um escravo.
Com isso, os escravos ao verem o menino negro, se admiraram. Mas não falaram nada.
E assim, nas primeiras vezes em que andou pela fazenda, fora acompanhado por Ataúfo. Depois, em razão dos afazeres de Ataúfo, Rodrigo passou cada vez mais tempo com as escravas. E eram essas que levavam o garoto para passear.
E num desses passeios conheceu Thereza.
A garota que a essa época já trabalhava no cafezal, não percebeu quando este insistiu com uma das negras que o acompanhavam para ir até onde ela estava e conversar com ela.
Sim, por que as mesmas não queriam que ele se aproximasse dos escravos. Ordens de Seu Ataúfo.
Porém, o menino era teimoso e num momento de distração, aproveitou para sumir de suas vistas e caminhando se deparou com o cafezal.
Lá vendo Thereza tão pequena já trabalhando, começou a conversar com ela.
Estranhamente conversava com ela como se a conhecesse há muito tempo.
Por isso mesmo ela ficou espantada. Afinal, por que o protegido de Ataúfo apareceria por ali para conversar? E assim desconfiada, respondia secamente as perguntas do menino, ela que também era uma criança na época.
Mas a resistência não durou muito.
Depois de algum tempo, os dois se tornaram grandes amigos.
Para isso porém, Rodrigo contou com a conivência das escravas, que prometeram não contar que enquanto passeavam, o mesmo aproveitou para fugir e ver os escravos trabalhando.
Isso por que, temerosas do castigo que receberiam por não terem seguido a risca as instruções do patrão, fatalmente seriam castigadas. Assim, para evitarem uma punição, concordaram em silenciar.
Nesse momento Rodrigo aprendeu a primeira regra para viver bem com todos da fazenda. Não revelar tudo o que sabia.
Contudo, conforme os anos foram se seguindo, o menino já crescido, passou a perceber o tratamento que Ataúfo impingia aos escravos, e o quão degradante o mesmo era. Porém, cada vez que tentava conversar com o fazendeiro a respeito do assunto, o mesmo lhe dizia que era preciso ser duro com os escravos, afinal muitos eram indolentes e indisciplinados.
Rodrigo cada que ouvia esse tipo de comentário ficava mais e mais insatisfeito. Afinal, se todos os negros eram iguais, por que ele, sendo um negro, merecia tratamento diferenciado? Acaso ele era diferente de algum daqueles escravos?
Decerto que não. Mas para Ataúfo, o garoto tinha algo de especial. Por isso resolvera anos atrás, levá-lo para casa.
Nesse ponto da conversa, Rodrigo, cada vez mais curioso sobre os motivos que o levaram a cuidar dele, resolveu perguntar:
-- Então foi por isso que o senhor me trouxe para esta casa? Só por que achava que eu tinha algo de especial?
Ao ouvir isso, Ataúfo ficou desconcertado. Porém, procurando disfarçar o constrangimento, respondeu:
-- Sim. Desde que o vi pela primeira vez, senti que você tinha algo de especial.
-- E quando foi que você me viu pela primeira vez? – perguntou Rodrigo, cada vez mais curioso.
-- Foi na fazenda. Vi você trabalhando, ajudando os outros escravos a cuidar dos cafezais.
-- E assim do nada, o senhor resolveu me trazer para cá?
-- Não, é claro que não. Eu já conhecia sua mãe, assim como seu pai.
-- Conhecia? Acaso eles chegaram a trabalhar nesta fazenda?
-- Sim, chegaram. E você também nasceu aqui. Nós estavamos em uma época difícil, precisando de dinheiro. Assim, quando um fazendeiro se interessou em comprar algumas peças ...
-- Peças?
-- Sim, peças. Embora não seja a maneira mais delicada de se referir a um escravo, é assim que ainda hoje os brancos se referem aos escravos que são vendidos. E assim, ao ver o interesse do fazendeiro em comprar alguns de meus escravos, eu me prontifiquei a vender alguns destes. Entre eles, estavam seu pai e sua mãe, bem como você recém nascido. O fazendeiro, generoso, fez questão de não separar a família.
-- E nisso eu passei a viver na fazenda, como um escravo, mesmo depois das mortes do meu pai, e da minha mãe. E qual o seu interesse em me ajudar? Me desculpe, mas eu não entendo.
-- Está bem, eu explico. É que há muito tempo atrás, sua mãe me fez um grande favor. Algo que não te posso contar. Ao menos por enquanto. E assim, em dívida com sua mãe, precisava fazer algo para agradecer o favor que ela havia me feito.
-- Mas, espere aí! – exclamou Rodrigo espantado. – Se o senhor devia um favor a ela, por que a deixou ser vendida?
-- Por que o fazendeiro me impôs essa condição.
-- Então se não a vendesse, não haveria negócio?
-- Sim. – respondeu o fazendeiro.
-- Então minha mãe foi amante deste fazendeiro? – perguntou o rapaz, indignado.
-- Acredito que sim. Mas não posso afirmar com toda a certeza.
-- Foi tudo um acordo?
-- Sim. – respondeu mais uma vez o fazendeiro, agora se retirando da sala.
Ataúfo, insatisfeito com os rumos que a conversa tomara, resolveu se retirar da sala, na vã tentativa de fugir do assunto. Mas Rodrigo, indo atrás dele, resolveu lhe fazer uma última pergunta:
-- E que grande favor é esse? Não pode nem ao menos dizer alguma coisa sobre isso?
Mas o fazendeiro continuou a caminhar em direção a seu quarto e nada respondeu sobre o assunto. Apenas disse:
-- Agora não. Eu preciso dormir. Tive um dia muito cansativo.
Logo em seguida fechou a porta, deixando Rodrigo do lado de fora.
No dia seguinte, o rapaz, interessado em conversar com Thereza, resolveu se levantar cedo e passar pela cozinha antes de percorrer a fazenda com Ataúfo, Ricardo e Diego.
Sim, por que, apesar de a ter ajudado a abandonar os cafezais e desempenhar um trabalho mais leve, desde que a moça passara a trabalhar na sede, nunca parou para conversar com ela.
Por conta de inúmeros afazeres, mal tinha tempo para si mesmo, assim acabou deixando de lado a convivência com sua amiga.
Mas sentindo saudades de suas conversas, as conversas que sempre tinham nos cafezais, resolveu se levantar um pouco mais cedo para poder vê-la.
E ao chegar a cozinha, lá estava ela preparando o café para os patrões.
Espantado o rapaz perguntou se ainda não estava muito cedo para começar a cozinhar, mas ela lhe respondeu que não.
Foi nesse momento que Rodrigo descobriu que as escravas levantavam muito mais cedo que seus patrões para cuidar da casa.
Preocupado, perguntou então a Thereza se estava tudo bem.
No que ela lhe respondeu que sim. Apesar de ter muito trabalho para fazer, trabalhar em uma casa era bem melhor do que num cafezal, tendo que suportar um sol forte durante todo o dia enquanto cultivava, ou colhia os frutos da plantação.
Para ela, mesmo tendo a vida inteira trabalhado naquele ambiente, lhe era extremamente penoso o trabalho. Mas nunca havia se queixado.
Rodrigo porém, ao perceber sua insatisfação com o trabalho, resolveu ajudá-la, sugerindo que a mesma passasse a trabalhar na sede. Assim, utilizando de um estratagema para confundir Ataúfo, o rapaz conseguiu convencer o fazendeiro a mandar uma escrava para auxiliar no trabalho de cuidar da casa grande. Porém, ao descobrir quem estava desempenhando esse trabalho, ficou furioso.
Rodrigo porém conseguiu convencê-lo de que havia agido bem ao deixar a moça trabalhar na sede.
E assim, mesmo com as implicâncias do fazendeiro, que criticava de todas as formas seu trabalho, Thereza permaneceu na casa trabalhando.
Sua sorte era ter um amigo como Rodrigo, que ajudou a convencer o fazendeiro a deixá-la por lá.
Contudo, para evitar problemas, procurava não se apresentar na frente dele. Assim, quando tinha que cuidar da casa, limpar a sala, recolher a roupa de cama para lavar, limpar os quartos, arrumar a sala de jantar e a biblioteca, procurava fazê-lo quando Ataúfo não estava em casa.
Tudo para evitar sua ira.
Sim, por que Ataúfo nunca simpatizara com a moça.
Mas Rodrigo e Ricardo a defendiam.
Ricardo, convivendo com Rodrigo, e ouvindo do amigo as explicações dos motivos que o levaram a ajudar Thereza, passou a defendê-la também.
Com isso, depois de um certo tempo, percebendo a antipatia do pai pela moça, passou a desconfiar que havia algo de muito estranho em tudo isso. Afinal, seu pai realmente nunca gostara dos negros, mas a perseguição em relação a Thereza já era um pouco demais. O que será que havia acontecido? Se perguntava.
Contudo, por mais que pensasse nisso, não conseguia encontrar uma resposta.
Mas nem por isso deixou de pensar no assunto.
Assim, estimulado pelas idéias de Rodrigo passou a cada vez se interessar pela questão do negro.
Apesar de sua convivência com Rodrigo, mesmo antes de conhecê-lo, nunca tivera um comportamento hostil com os escravos que trabalhavam na casa. Já Diego, sempre tentando impressionar Ataúfo, fazia questão de ser insolente com os escravos.
Mas Ricardo era mais tolerante. Tanto que desde que Rodrigo passara a viver com a família, pouco a pouco passou a se acostumar com sua presença. E assim, foi questão de tempo, se tornarem amigos.
Tão amigos que o jovem defendia ardorosamente os pontos de vista de Rodrigo, e de tão próximos, passou a também ser amigo de Thereza.
Assim, sempre que a via trabalhando na casa, fazia questão de cumprimentá-la.
Algumas vezes, chegaram até a conversar.
Mas o melhor amigo de Thereza ainda era Rodrigo. Amigos desde pequenos, o rapaz sempre esteve presente em sua vida.
Tanto que nem mesmo ela acreditava que pudesse existir alguém tão generoso quanto ele.
Por isso mesmo, antes de ir trabalhar, o rapaz passou pela cozinha para saber como estava sua vida.
Dessa forma, passaram algum tempo conversando.
Foi então que ela comentou sobre suas desconfianças.
Para ela, havia algo de muito errado em sua história.
Rodrigo então, comentou que também não entendia por que havia sido levado para lá e tratado como se fora um filho.
Ao ouvir o amigo, Thereza concordou. Havia acontecido algo de muito ruim quando nasceram.
Tão ruim que todos os que os cercavam, faziam questão de esconder.
Devia ser algo vergonhoso e talvez, a história dos dois tivesse até, uma ligação.
Porém, ainda não sabiam o que era.
Contudo, o mistério não perduraria por muito tempo.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 7
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 6
Sim, Thereza permaneceu na fazenda de Ataúfo. Porém desde pequena sempre fora tratada como uma reles escrava. Além disso, apesar de toda sua dureza com os escravos, ainda assim, com Thereza era ainda pior.
Isso por que, para desapontamento de Ataúfo, a moça agora, com treze anos, passara a trabalhar na casa grande, junto com outras escravas. Exigência de Rodrigo, que gostava dela e fazia todo o possível para ajudá-la.
Percebendo que ela não adaptava na colheita do café, Rodrigo sugeriu a Ataúfo que este providenciasse para que uma de suas escravas passasse a cuidar da sede. Contudo, sem saber, o fazendeiro levou para casa Thereza, fruto da tragédia que se abateu sobre sua vida.
No entanto, quando soube do engano, já era tarde para corrigir.
Além disso, Rodrigo, igualmente filho de um branco com uma escrava, fez questão de enfrentá-lo e dizer que se mandasse Thereza de volta para a plantação, ele também o faria, deixando de lado seus estudos e afazeres domésticos.
Sim por que Rodrigo, era um excelente cavaleiro.
Ataúfo então, sem ter alternativa, concordou em mantê-la em casa. Porém, sempre que podia, aproveitava para implicar com ela.
Isso para Thereza era muito estranho, já que não havia motivo nenhum para tanta implicância.
Seus pais porém, sabedores de seu passado e temendo que ela desconfiasse de algo, resolveram lhe dizer que Ataúfo sempre fora implicante e que não havia nada de errado com ela.
Mas Thereza não estava convencida disto.
No entanto, apesar da sistemática implicância de Ataúfo com ela, Thereza passou a deixar isso de lado. Afinal de contas, para conseguir trabalhar na casa grande foi preciso muito empenho de seu amigo Rodrigo.
Sim, por que ali, em meio a tantas pessoas hostis e desconfiadas, Rodrigo era o único amigo que tinha por ali.
Isso por que, mesmo os outros escravos a olhavam com desconfiança.
Estes a olhavam com desconfiança por que sabiam de sua triste história. Além disso, temendo represálias de Ataúfo, não queriam saber de aproximação com ela.
Por essas e por outras que Thereza cada dia mais, ficava desconfiada de que havia algo errado. Porém, para evitar a preocupação dos pais, passou a evitar comentar esses assuntos perto deles. Mas ela sabia que todos escondiam alguma coisa. Algo que talvez até, tivesse alguma relação com ela.
No entanto, sabia que não poderia pressionar as pessoas para que contassem. Se assim procedesse, fatalmente conseguiria o efeito reverso. Assim, para descobrir alguma coisa, precisava ter cautela.
Dito e feito. Para diminuir a prevenção que tinham com ela, Thereza passou a se dedicar mais aos serviços domésticos.
Prestativa, sempre se oferecia para ajudar as outras escravas quando terminava suas tarefas.
Com isso, pouco a pouco foi ganhando a confiança de todos os escravos que trabalhavam na sede da fazenda.
E assim, procurando desempenhar cada vez melhor o seu trabalho, passou até a dormir na cozinha da casa grande, tudo isso para que pudesse estar o mais cedo possível, na casa trabalhando.
Assim, depois de um certo tempo, todos os escravos – que antes a aceitavam com relutância entre eles –, passaram a dirigir-se a ela e a lhe perguntar sobre o que estava achando de trabalhar na casa grande.
Isso causou espanto em Ataúfo. Este, acostumado a sempre ver Thereza sozinha, ficou incomodado ao saber que a moça tinha conquistado tantos amigos.
Para ele, a mágoa do passado não havia diminuído nem um pouco, e movido ainda por um sentimento de vingança, sentia cada vez mais ódio por aquela moça.
Contudo, não queria demonstrar sua insatisfação. Assim, sempre que seu feitor ou qualquer outra pessoa fazia um comentário a respeito de Thereza, Ataúfo fazia questão de deixar bem claro que não estava nem um pouco interessado em saber dela.
E assim, encerrava a conversa.
No entanto, apesar do desinteresse do fazendeiro pela sorte da moça, o que assegurava sua permanência na sede não era isto. O que garantia que ela continuasse a cuidar da casa era a insistência de Rodrigo em ajudá-la, e Thereza sabia muito bem disso.
Por esta razão, Thereza pensando melhor sobre isso, passou a desconfiar de tamanha influência. Sim, por que tudo o que Rodrigo pedia ao sinhô era atendido. Além disso, o rapaz, ao contrário de todos os outros trabalhadores da fazenda, não era escravo e sim, liberto.
Era muito estranho.
Por esta razão Thereza começou a pensar.
Por que tanta proteção para Rodrigo? Acaso o Sinhô Ataúfo tinha alguma predileção por ele? E se tinha, como ficavam seus filhos Diego e Ricardo nessa história?
Realmente, era tudo muito estranho. Até por que, pelo histórico de Ataúfo. Um homem duro e cruel com os escravos. Ele jamais faria qualquer coisa boa para um deles, se não houvesse uma forte razão para isso.
Obcecada pelo mistério que circundava a sua história e a de seu amigo, Thereza prometeu a si mesma que faria todo o possível para descobrir o que havia acontecido.
Certa vez, entrando em um dos quartos da sede para recolher roupas para lavar, escutou uma briga entre Diego e Rodrigo.
A briga tinha um motivo específico. Diego – que nesta época já era um rapaz de dezessete anos –, sentia-se incomodado com a atenção excessiva de seu pai a Rodrigo.
Pois Rodrigo não era um simples negro como os outros? Então pra quê tanta proteção?
Sim por que Rodrigo, ao contrário do que se poderia imaginar, estava tendo o mesmo tipo de educação, que Diego e Ricardo. E qual a razão de tudo isso?
Mas Rodrigo, sem qualquer interesse em se envolver em discussões, disse ao mancebo que se havia algo que o incomodava tanto nessa história, devia perguntar ao seu pai, o por quê disso. Por que ele, de nada sabia, e assim, não tinha como responder aos seus questionamentos.
E assim, mesmo diante de provocações, Rodrigo afastou-se e caminhou em direção a sala.
Thereza então, antes que o amigo saísse, escondeu-se e entrou furtivamente em outro quarto, passou a trocar as roupas de cama e recolher as peças sujas para que fossem lavadas.
Contudo, apesar de ter ouvido toda a discussão, nem por um momento pensou em comentar nada com o amigo sobre isso. Temerosa de aborrecê-lo, resolveu guardar para si a história.
Entretanto, conforme aumentava a sua convivência com os escravos, mais e mais percebia que havia algo errado.
Um dia, ao perguntar ao seus pais, detalhes sobre seu nascimento, sua mãe, pega de surpresa, ficou sem palavras. Porém, procurando contornar a situação, disse que fazia algo tempo que tudo havia acontecido, e por ter sido um parto complicado, não se lembrava muito bem.
Mas mesmo diante das desculpas da escrava, Thereza não ficou inteiramente convencida.
E assim, cada vez mais constatava que estava próxima de descobrir a verdade.
No entanto, procurando disfarçar seu interesse em descobrir o havia de errado em sua vida, passava a ficar cada vez mais tempo na casa grande.
Contudo, ao contrário do que freqüentemente acontecia, Ataúfo, que passava o tempo todo a implicar com ela, nos últimos tempos, parecia não se importar com sua presença.
Mas, ao contrário do que o fazendeiro esperava, Thereza ficou espantada com seu estranho comportamento. Sim, por que para ela, acostumada com aquela vida, ninguém mudava assim, de repente. Para ela, parecia que realmente havia algo a ser escondido.
Uma vez, ao começar mais um dia de trabalho, antes de entrar na cozinha da sede, ouviu surpresa os comentários feitos por duas escravas sobre ela.
-- Thereza está bem empenhada em permanecer na casa grande.
-- É mesmo. Nem parece que a filha daquela sinhá desavergonhada, é ela. Mais parece uma escrava comum.
-- E o que vosmecê pensa, acaso pensou que o Sinhô Ataúfo iria deixá-la permanecer aqui se não fosse um pedido de Rodrigo?
-- É mesmo. Essa moça tem muita sorte.
Provavelmente a conversa prosseguiria não fosse Thereza derrubar inadvertidamente, um vaso de barro que estava no chão.
As escravas ao ouvirem isso, assustaram-se e trataram de mudar de assunto. Temendo que fosse Ataúfo que estivesse a entrar na cozinha, começaram a trabalhar.
Mas eis quem surge entrando na cozinha.
Era Thereza, igualmente pronta para mais um dia de trabalho.
A moça de vez em quando aproveitava para dormir na senzala junto com os pais. As generosas pessoas que cuidaram dela durante todo esse tempo.
Muito embora ela ainda não soubesse de sua verdadeira origem, devotava aos dois escravos o mais profundo respeito. Isso por que, apesar do ambiente em que viviam, conseguiram com dignidade manter a família unida.
E Thereza grata, guardava com carinho as lembranças de uma época muito difícil em sua vida.
Isso por que, viver numa senzala não era fácil.
Além disso, desde de cedo foi compelida a trabalhar, assim como todas as outras crianças, filhas de escravos. Não havia desculpas.
Contudo, por serem pequenos, não sabiam trabalhar direito. Por isso, freqüentemente eram castigados.
Mas Thereza, ao contrário das outras crianças, era quem mais sofria com os rigores daquela vida.
Constantemente repreendida por Ataúfo, Thereza sentia um verdadeiro horror quando este se aproximava. Isso por que, sabia que ouviria pesadas recriminações e críticas. Mesmo sem nunca ter sido espancada por ele, sabia perfeitamente o quanto ele podia ser duro e cruel. Com uma só palavra, ele conseguia atingi-la tão fundo, que ela poderia ficar chorando por horas.
No entanto, as coisas foram mudando. Conforme ela crescia, muito embora a implicância aumentasse, cada vez mais ela passava a ignorá-lo. Com o passar dos anos, passou a não se importar com suas palavras.
E assim, muito embora não desse mais importância a suas palavras, não simpatizava nem um pouco com sua figura. Porém, isso não era nenhuma novidade. Nem mesmo os demais escravos gostavam dele.
Ataúfo era considerado um escravocrata duro e insensível.
Somente Diego e Ricardo – seus filhos –, se importavam com ele.
Assim, como já era de se esperar, tanto o mais velho Diego, como Ricardo – um ano mais moço –,eram muito parecidos com seu pai.
Isso por que, desde cedo acostumaram-se a vê-lo tratar duramente os escravos.
E estes, ao ver que os escravos obedeciam a vontade férrea de Ataúfo, ficavam fascinados.
Com o passar dos anos, o pai passou a ser um exemplo a ser seguido.
Tanto que agora se comportavam igual a ele. Diego principalmente. Este sempre que via um escravo, fazia questão de humilhá-lo. Fazia isso como forma de mostrar quem passaria a mandar na fazenda quando Ataúfo partisse.
Mas Ricardo era o oposto disso. Apesar de exigente com os escravos, não concordava com a idéia de que maltratá-los seria a melhor forma de fazer com que trabalhassem.
Entretanto, Ricardo era um só, para discordar.
E com isso, os escravos continuavam submetidos ao jugo do cruel fazendeiro.
Porém, apesar das divergências seus filhos gostavam de acompanhar o pai em seu trabalho de cuidar da fazenda.
Em razão disso, Ataúfo, seguindo o exemplo de seu pai, que desde cedo lhe ensinou o valor do trabalho, passou ainda na infância dos mesmos a lhes ensinar montaria e a como cuidar de uma fazenda.
Tanto que agora, crescidos, os dois ajudavam e muito a cuidar da propriedade.
No entanto, ainda eram muito jovens para administrarem a fazenda sozinhos. Mas, ciente de que seus filhos dariam continuidade a seu trabalho, passou pouco a pouco a lhes ensinar os segredos da fazenda.
Mas, voltemos ao que interessa, Thereza, ao ouvir os comentários das escravas, fez o possível para disfarçar sua surpresa. Ao ver as escravas assustadas, tentando disfarçar, tratou de ignorá-las. Procurando por panos e esfregões para limpar a sala, assim que os achou, tratou logo de sair dali.
Foi então que comentaram:
-- Será que ela ouviu alguma coisa?
-- Eu acho que não.
E continuaram o trabalho.
Nisso Thereza passou a limpar a sala.
Ricardo que ainda estava na casa, apareceu na sala.
Este, ao vê-la trabalhando, fez questão de cumprimentá-la e perguntar-lhe o que estava fazendo.
-- Trabalhando. – respondeu.
Foi então que ele comentou que realmente a casa estava precisando de um cuidado maior. Assim, percebendo que ela estava ocupada, desculpou-se e saiu.
Precisava percorrer a fazenda com o pai e o irmão.
Ricardo, apesar de trabalhar com os dois, procurava sempre tratar os escravos com respeito. Mesmo sendo censurado pelo pai e pelo irmão, não gostava de humilhá-los. Para ele as surras no tronco só deveriam ser aplicadas se nada mais resolvesse.
Mas como já foi dito, ele era apenas um contra a dura vontade de seu pai e o gênio irascível de seu irmão.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 5
Após a cerimônia religiosa houve festa. Uma linda festa ao ar livre, aberta para todos os moradores do vilarejo. Para os convivas, uma fartura de comes e bebes.
E assim, a festa transcorreu.
Para tocar, uma pequena banda fora contratada, o que permitia a todos que assim quisessem, dançar. No entanto, para iniciar o baile, o casal precisa dançar a primeira valsa. Foi então que Ataúfo estendeu o braço para Rosália, e a conduziu até o meio da praça do lugarejo para que todos os vissem dançando.
Encantados, os convidados ao final da dança, aplaudiram o casal e começaram a formar seus pares para também dançarem.
E assim, a festa se seguiu memorável.
Enfim, Rosália havia se casado. O casamento dos sonhos de seus pais, que sempre sonharam casá-la bem. Depois de casada, passou a cuidar da fazenda onde ela e o marido passaram a morar.
No ano seguinte engravidou e deu à luz ao filho mais velho do casal, Diego. Logo em seguida, engravidou novamente, dando à luz ao segundo filho do casal, Ricardo.
Nisso a vida conjugal seguia bem. Seu Ataúfo estava feliz com a vinda dos filhos. Apesar do falecimento recente do pai – na época do nascimento do seu segundo filho –, estava feliz com a chegada do mais novo integrante da família. Triste pela perda do pai, mas contente por possuir um linda família.
Acostumado a trabalhar desde cedo com o pai, sentia falta de sua presença firme. De sua altivez. De seus ensinamentos. Tudo o que sabia sobre administrar fazendas, aprendera com ele.
Para aprender a cuidar de uma propriedade, chegou a trabalhar junto com os escravos, fazendo o serviço pesado. Assim, desde cedo soube o valor do trabalho. Isso porque, desde cedo lhe fora ensinado isso.
Para que soubesse que na vida, tudo custa muito para ser alcançado.
Firme, Seu Valério sempre dizia:
-- Na vida, é muito difícil conseguir alguma coisa através do trabalho. Mas quando se consegue, é neste momento que nos damos conta do quanto vale uma vida inteira de trabalho. Contudo, assim com é muito difícil conseguir construir um império, a facilidade para destruí-lo é enorme. A desproporção é imensa. Por isso, valorize o trabalho alheio. É graças a ele e ao nosso esforço, que hoje temos o que temos, e destruí-lo é muito fácil.
Assim, para ter a vida de rei que tinha, também teria que se esforçar para mantê-la. Pois se assim não fosse, acabaria por perder tudo o que seu pai já tinha conquistado.
Mas Seu Valério estava satisfeito com os ensinamentos que passara ao filho.
Pouco antes de se casar, Valério, passou a ele a propriedade, a fazenda, com tudo que havia dentro dela.
No entanto, ao constatar o estado de degradação em que estava a sede, e preocupado em agradar a noiva, atribuiu a alguns escravos a incumbência de arrumar a casa para ele. Como paga, passariam a ser empregados da casa grande, possuindo algumas regalias que os outros escravos não tinham. Ali vivendo, poderiam, se fizessem um bom trabalho, contar com a boa vontade dos patrões.
E para muitos, isso era motivo mais que suficiente para querer por ali ficar. Dedicados, fizeram o melhor possível, para tornar a sede, há muito tempo desabitada, apropriada para uma família morar.
Como os móveis estavam em péssimo estado, foi necessário fazer algumas aquisições. Muitas delas inclusive, intermediadas pelo sogro, Rafael. Oportunamente, este se ofereceu para adquirir alguns móveis. Para tanto, precisava que financiassem sua viagem para a Corte. E assim ficou acertado.
Seu Rafael ficaria hospedado na casa de uns parentes da família do genro, na Capital do Império. Enquanto isso, compraria os móveis que queria para expor em sua loja, assim como os móveis para a nova casa de sua filha. Quanto aos móveis para a casa do genro, ficara acordado, que os mesmos seriam o presente de casamento dele para a filha.
Assim, enquanto a família do noivo financiava a festa do casamento, o sogro fornecia os móveis para a casa do genro.
Rosália, perdida em meio as suas lembranças, recordou-se ainda, dos primeiros encontros com seu noivo. De como se sentia desconfortável em sua presença. Ainda mais por saber estar sendo vigiada por seu pai.
Seu Rafael ficava de longe, a espreita, observando o casal. Por isso, por esta razão, não devia realmente ser muito confortável a corte do rapaz. Além de não estar interessada em se casar, sabia que não poderia nem bem conversar com o seu noivo, dada as circunstâncias dos encontros.
Vigiada, não poderia dar motivos para que seu pai a repreendesse.
E assim os meses foram se passando até o momento da fatídica hora do casamento.
E a despeito de sua insatisfação com o acontecimento, ela não tinha escolha, posto que o casamento era uma convenção naquela sociedade patriarcal.
Nesse momento então, Rosália, deu-se conta do adiantado das horas. Enfraquecida pelo sofrimento, mal conseguia se mexer.
Horrorizada com a morte de Rubens – seu amante –, o único motivo que ainda a fazia viver era o fato de sua filha ainda estar viva. E assim, enquanto a menina vivesse, de forma alguma poderia desistir da idéia de tentar salvá-la.
Desta forma, mesmo presa na cama, debilitada, sabia que ainda poderia fazer alguma coisa pela filha. Um último gesto de redenção. Uma tentativa de diminuir sua culpa, por todo o mal e sofrimento que causou a todos os que a amaram.
Sua mãe, sua eterna defensora, fora uma das pessoas a quem ela mais magoou. Irene, ao saber da infidelidade da filha, ficou extremamente desapontada.
Isso por que, nunca em sua vida, imaginou que sua filha fosse capaz de um ato tão impensado.
Entrementes, agora já era muito tarde para se arrepender e Rosália sabia disso.
Por isso, para ela, vivenciar aquelas horas silenciosas, era um verdadeiro tormento. Ter tempo para pensar na vida e se lembrar de tudo o que passou, de tudo o que viveu, era doloroso para ela. Agora sem alento, até mesmo as lembranças mais felizes, eram amargas para ela. Era tudo um tormento.
E assim, sem saber o que pensar, só queria saber se Thereza estava bem.
Mas ninguém lhe dizia nada.
Tal fato só serviu para deixá-la ainda mais inquieta.
Afastada da criança, não sabia se menina estava bem ou não.
Isso por que, desde que a criança nascera, só tivera tempo de lhe dar um nome, e vê-la por alguns momentos.
Dias depois, tiraram a criança de seu quarto.
Alegando que a menina precisava de cuidados especiais, levaram a criança para longe dali.
Mas isso era apenas uma desculpa e Rosália sabia disso. Temerosa de que matassem a menina, reiteradas vezes pediu para que a mesma fosse poupada.
Isso por que sabia que era questão de tempo para que a matassem.
Com isso Ataúfo, certa vez, cansado de ouvir o choro da criança e não suportando mais aquela presença, que para ele era nociva em sua casa, resolveu então completar sua vingança.
Como a criança não ficava no mesmo quarto em que Rosália estava, a mesma não sabia da situação da filha. E assim, mais e mais sua agonia aumentava.
Assim, quando Ataúfo pegou a criança e levou até um riacho que havia por perto, Rosália nada pode fazer para impedir.
Contudo, ao tentar afogar a menina mergulhando sua cabeça no rio, o mesmo, num lampejo de humanidade, apiedou-se da criança e desistiu de seu intento nefando.
Porém, horas antes, ao arrebatar a criança do leito em que dormia, fez questão de que avisassem a esposa de que ele estava com a criança.
Rosália então se desesperou mais e mais. Ciente de que Ataúfo mataria Thereza, Rosália implorou a todos para que fizessem algo para impedir que ele cometesse tal crime. Mas ninguém fez nada. Não havia nada para ser feito.
Ataúfo, como senhor de todos os que ali estavam, tinha poder de vida e de morte sobre eles. Assim, se investissem contra ele, tentando impedir seu gesto, fatalmente seriam punidos e até mortos. Não tinham coragem. Temiam-no. Ataúfo era perigoso.
E Rosália, ciente de que nada fariam para salvar Thereza, ficou desconsolada. Por conta disso, seu estado de saúde, que já era delicado, dado os últimos acontecimentos, piorou ainda mais.
Sim, Rosália estava morrendo.
Porém, agüentou tempo suficiente para esperar o marido voltar e trazer a menina de volta, viva.
Ataúfo, ao voltar para a sede da fazenda, foi logo informado de que Rosália estava morrendo. Ao saber disso, com Thereza nos braços, dirigiu-se até o quarto onde a esposa estava e lhe mostrou a menina, que neste momento, começou a chorar.
Rosália ao perceber que a filha estava viva e bem, agradeceu o gesto de generosidade do marido e lhe implorou para que deixasse a menina viver.
Foi então que ele respondeu, que ainda tinha que se vingar de todos os que humilharam-no.
Ao ouvir tão duras palavras, Rosália então disse:
-- Não basta que tenhas matado Rubens, que me tenhas torturado por tantos dias? O que mais o senhor quer? Quer que eu morra? Se é isso que queres, é isso que terás. Eu sei que vou morrer, e para isso, não precisarás mover um dedo. É só esperar. E como forma de retribuir, espero que com meu sofrimento, poupe a vida desta criança, que nada teve de culpa. O erro foi meu. Eu lhe fui infiel. Eu mereço morrer, Thereza não. Por favor, deixe-a viver. Porém, se for difícil para o senhor tê-la por perto, leve-a para longe. Não me importo. Contanto que ela esteja bem.
Mas Ataúfo, nem mesmo com essas palavras abrandou seu coração. Movido por um profundo sentimento de vingança, fez questão de torturá-la dizendo que não poderia manter viva a lembrança viva de sua vergonha.
Para ele não havia outra forma de apagar a mácula em sua honra do que matando a todos.
Mas Rosália, ao constatar que marido não conseguira concretizar seu intento, acreditou que o mesmo se apiedara, ao menos por um instante de Thereza. Tanto que sabendo disso, apelou para o sentimento cristão do marido e pediu mais uma vez, que não a matasse.
Desta vez porém, seu pedido não foi em vão. Condoído pelo sofrimento da mulher, concordou em deixar a menina viva. Afinal, Rosália já estava pagando muito caro pelo havia feito.
Ataúfo poupou a vida de Thereza portanto.
Quando então Rosália ouviu a promessa do marido, tranqüilizou-se. Afinal, conhecendo Ataúfo como conhecia, sabia que ele cumpriria com o prometido.
Pronto, agora podia partir em paz. E assim o fez. Depois de escutar a promessa do marido, após longas horas, dias, semanas de agonia, de desespero e de dor, Rosália finalmente despediu-se deste mundo, indo habitar a morada celestial.
Contudo, por mais que ainda gostasse da esposa, conhecedor de sua traição, não podia, de forma nenhuma, aceitá-la no cemitério, ao lado dos mortos de sua família. Por isso, quando do passamento da esposa, resolveu enterrá-la na fazenda, mas bem longe dos olhos curiosos de todos os que ali viviam.
Assim, mandou enterrá-la no meio do bosque que havia nas proximidades da fazenda.
Ataúfo, cumprindo o que havia prometido a Rosália, manteve a menina viva. Todavia, nunca a tratou com consideração.
E nisso, Thereza, sem consciência de nada do que acontecia ao seu redor, passou a ser criada por um casal de escravos.
Desde pequena, criada por uma família de escravos, viveu na senzala.
Quanto a sua origem, a mesma nunca teve conhecimento de que era filha de uma branca. Ao contrário, durante toda sua infância imaginou ser filha dos escravos que a criaram.
E assim, vivendo em tão humilde condição, passou a sofrer os primeiros reveses em sua vida.
Ataúfo por sua vez, após o combinado, decidiu-se por esquecer completamente a criança. Apesar de todo o seu ódio pela menina, optou por não vendê-la. Preferia tê-la por perto. Precisava acompanhar seu sofrimento. Essa seria sua vingança.
E dessa forma, depois de fazer um acordo com um casal de escravos, ordenou-lhes que assim que a menina tivesse idade para trabalhar, ela iria fazer alguma coisa, como todos os filhos de escravo. Não haveria privilégios.
E assim foi feito.
Nos primeiros tempos, Thereza sofreu com as péssimas condições da senzala. Por pouco não morreu.
Isso por que, em razão de seu pouco tempo de vida e das condições em que nasceu, a menina necessitava de cuidados especiais. Coisa que o irascível Ataúfo, nem por um momento pensou em fazer.
Dona Irene, ao saber da situação da menina, apesar de sua espúria origem, exigiu que Ataúfo não a deixasse morrer. Mesmo envergonhada com o que a filha fizera, conspurcando o nome da família, por um momento foi capaz de deixar o orgulho de lado e pedir ao duro fazendeiro para que ajudasse a criança de alguma forma.
Em razão disso, nos primeiros tempos, a família foi alojada em uma das casas que foram construídas para os agregados da família. Ali em meio a um pouco mais de conforto, a menina pôde se fortalecer, se alimentar melhor, e resistir.
Todavia, assim que a menina melhorou de saúde, novamente o casal voltou para a senzala, e aí Thereza pôde finalmente entender o sofrimento dos seus semelhantes.
Comida ruim, más condições de higiene. Um verdadeiro horror.
Certa vez, aproveitando que estava só na senzala, resolveu brincar por ali. Brincou, brincou, e continuaria se divertindo não fosse um ruído estranho.
Curiosa resolveu ir ver o que era o barulho. Ao ver do que se tratava, levou um susto. Uma ratazana enorme estava rondando a senzala.
Aterrorizada a menina soltou um grito e saiu em desabalada carreira da senzala.
Ao encontrar seus pais, insistiu em dizer que não queria dormir mais lá.
Contudo, a dureza da realidade falou mais alto. Ou ela dormia ali, ou ficaria ao relento.
E assim, sem ter alternativa, teve de obedecer seus pais e dormir ali mesmo.
Porém, por mais que não quisesse criar problemas, durante noites seguidas, não conseguiu dormir.
Foram tempos difíceis.
Tão difíceis que Thereza nunca mais se esqueceria deles.
Nem em seus melhores momentos seria capaz de esquecê-los.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 4
Desespero.
Era nessas horas que se lembrava dos momentos que passou ao lado de Rubens. De como era gentil, atencioso. Nesses momentos se dava conta de ele era muito melhor do que mundo que o cercava. Não merecia ser morto tão cruelmente.
Nessas horas, se lembrava dos encontros combinados. Os códigos ensaiados para que pudessem se comunicar sem levantarem suspeitas. Os beijos, os abraços. As tardes em que se amavam e ficavam abraçados em uma choupana, situado em um lugar retirado. Das promessas de fugirem juntos. Da impossibilidade de fazer isso. Da insistência do jovem escravo para que largasse tudo e fosse embora dali com ele.
Mas era um sonho. A própria Rosália o advertia de que se assim o fizessem, seriam caçados como dois bichos e provavelmente mortos. Não teriam paz.
Rubens no entanto, insistia nisso. Queria viver com a amada. Queria ser seu marido. Queria que vivessem como um casal normal.
Infelizmente, tudo não passou de um sonho. Um sonho que tinha se tornado um pesadelo. Um sonho que fora belo enquanto fizera parte dos seus belos dias.
Agora que estava tomada pelo desespero, isso se tornou o seu mais terrível pesadelo.
Assim, durante noites, sonhou com a morte do jovem escravo. Durante noites, entre lágrimas e choro, chamou pelo seu nome.
-- Rubens, eu não pude fazer nada. Rubens, Rubens. Perdoe-me, por ser tão covarde. Rubens ...
Diante da notícia de sua morte, Rosália, já debilitada pelo parto recente, passou a sentir-se ainda mais fragilizada. Sentia que suas forças lhe escapavam. Não conseguia ficar muito tempo acordada.
Quando sua filha nasceu, sofrera muito para dar a luz. O parto foi muito mais complicado do que o de seus dois filhos. Durante o parto, perdeu muito sangue. Chegou até a pensar que fosse morrer.
Preocupadas, as escravas que ficaram cuidando do parto, advertiram o patrão, de que talvez Dona Rosália, não passasse daquela noite. Diante desse aviso, todos passaram a temer sua morte.
Conforme as horas iam se sucedendo, uma a uma, mais a sensação de desespero aumentava, pois Ataúfo, não queria perder a esposa.
Contudo, ao final da tarde, finalmente nasceu a pequenina Thereza. Quanto a Rosália, apesar de seu estado delicado, esta sobreviveu ao perigo da morte, comum naqueles tempos de parto em casa.
Resistiu ao sofrimento imposto, muito embora, tenha passado muito mal. Deveras. Durante semanas, ficou acamada, sem forças até para caminhar pelo quarto.
Entretanto, apesar dos últimos dias tormentosos, estava se recuperando do parto. Mas agora, depois da notícia da morte do escravo, sentia suas forças faltarem. Perdera a esperança de salvar a si da morte certa, pelo marido.
E infelizmente, pouco a pouco, começava a sentir que pouco poderia fazer por Thereza.
Seu marido, Ataúfo, dificilmente se compadeceria da criança. A mataria assim que pudesse. Talvez, por medo do escândalo, a poupasse por algum tempo. E era nisso que Rosália se pôs a acreditar.
Precisava acreditar em alguma coisa.
Nesses dias de noites mal dormidas, sonhos com o amante morto, passou a lembrar-se do dia de seu casamento.
Lembrou-se da cerimônia, da festa de noivado. Do arranjo para que se casassem.
Praticamente, desde que nascera estava prometida para Ataúfo. Assim, o enlace era algo certo. Não teria como se desvencilhar do compromisso. A menos que resolvesse se tornar freira.
Resignada, só restou-lhe o casamento. E casou-se durante a primavera de 1848.
Na cerimônia do casamento, estavam as pessoas mais ilustres das cercanias.
Lembrou-se de que morava no vilarejo. Numa bela casa construída por seu pai. Possuía escravos e uma dama de companhia.
Nesse instante, sentiu saudade dos tempos de solteira. Do tempo em que não precisava se preocupar em unir-se a ninguém. Quando podia passear pela cidade a hora que quisesse. Sentiu saudade de seu piano. Sim o piano que deixara na casa dos pais. Adorava passar as tardes tocando piano. Também adorava ler.
Lembrou-se de que sua mãe adorava ouvir suas histórias. Dona Irene, mãe de Rosália, sempre fora uma incentivadora das atividades intelectuais da filha. A despeito do esposo considerar isso tudo desnecessário.
Este, acreditava que tudo o que a filha precisava saber, a própria Irene poderia ensinar.
Preocupado, advertia a esposa de que muita instrução a filha poderia estragá-la. Poderia fazê-la se tornar desobediente.
Ao ouvir as imprecações do marido, Dona Irene não dava ouvidos, e continuava a incentivar a filha a continuar estudando. Não queria que filha ficasse igual a ela. Pobre e pouco instruída, não pôde fazer um bom casamento.
No entanto, apesar da origem do marido, o mesmo prosperou e no momento, era um homem de posses. Contudo, não possuía estirpe. Algo importante para a sociedade da época.
No entanto, com o passar do tempo, com dinheiro, comprou um título de barão, e por isso passou a ser nobre. Para que assim sua filha pudesse se casar com o filho de um dos mais ricos fazendeiros do local.
Durante os três primeiros anos de casado, viajou muito procurando amealhar dinheiro o bastante para se estabelecer. Tencionava abrir um comércio. No entanto, precisava de dinheiro para tal. Para isso, trabalhou arduamente. E finalmente, após alguns anos, finalmente conseguiu amealhar dinheiro suficiente para se estabelecer como comerciante na pequena vila onde morava.
A partir daí, passando a vender alimentos e outros víveres de primeira necessidade que os fazendeiros não produziam na região, começou a construir um belo patrimônio e assegurar o futuro de sua família.
Foi exatamente nessa época, quando começou a prosperar é que nasceu sua filha Rosália. E assim, diante das circunstâncias, é que conseguiu um bom partido para sua filha.
Assim, de acordo com os planos de seu pai, Rosália deveria casar-se bem. Para tanto, precisava se casar com alguém próspero.
Em virtude disso, Dona Irene, ao ser questionada pelo marido sobre a educação da filha, explicava-lhe sempre que o que de mais valioso Rosália poderia dar ao futuro marido, seria sua cultura e refinamento. Não queria que sua filha fosse humilhada por outras senhoritas de estirpe das cercanias.
Não queria que sua filha fosse rude como ela. Que repetisse sua história. Que começasse do zero como ela. Irene teve sorte em conseguir um marido pobre. Pobre mas ambicioso e audacioso. Nunca se esqueceria disso.
Contudo, sentia que a filha poderia arrumar um partido melhor. Até porque nem todas as mulheres tinham a sorte de encontrar um homem pobre, com vontade e talento para mudar a própria sorte e tirar do mundo, o melhor que ele tinha para oferecer.
No que, Seu Rafael, o pai de Rosália, sempre dizia:
-- Seu interesse desmedido em tornar nossa filha culta, vai ser o vai acabar por destruir os nossos planos de casá-la bem.
Mas Dona Irene não dava ouvidos ao marido.
E assim, sua filha continuou estudando para se tornar uma grande dama. Lia muito, tocava piano, e aprendia com a mãe, como ser uma boa dona de casa.
No último quesito, Dona Irene contudo, era rigorosa nos ensinamentos para a filha. Queria que Rosália fosse, além de uma grande dama, uma excelente dona de casa. Melhor do que a maioria das sinhazinhas da região.
E assim, ficou acertado. Com o passar dos anos, Valério e Rafael, ao tornarem-se amigos, perceberam que podiam unir as famílias. Desta forma Rosália se casaria com Ataúfo. Seria uma cerimônia luxuosa, na igreja do vilarejo. A família do rapaz se encarregara de organizar a festa, muito embora o pai da noiva tenha se oferecido para tanto.
E assim, o casamento se realizou.
Magnífico.
A noiva, vestida de branco, segundo os convidados, parecia uma princesa.
Encantado, o noivo a esperava no altar. Igualmente trajado de branco, estava impecável.
Para muitos, a cerimônia era uma das poucas oportunidades que tinham para sair de suas fazendas, e apreciarem uma festa. Naquelas paragens, pouca coisa acontecia. Assim, um casamento era sempre um acontecimento. Algo para ser comentado durante um longo tempo.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 3
Traidora. Como pode fazer isso com ele? Justo ele que, sempre que podia, satisfazia os seus desejos. Sempre fora atencioso com os filhos. Nunca dera motivos para que ela se queixasse.
Magoado, só pensava em se vingar da esposa. Acabar com tudo e com todos os que haviam se envolvido naquela sórdida história.
Corina, pressentindo que poderia sofrer as conseqüências da traição da patroa, pediu ao patrão.
-- Perdoe, Seu Ataúfo. Eu não tive como recusar. Era minha família que estava de volta. Eu sentia muita saudade deles. Eu não tinha escolha. Me desculpe. – disse isso quase chorando.
-- Se aquiete escrava. Eu não vou fazer nada contra vosmecê. Vosmecê, é a menos culpada das criaturas nessa história imunda. Pode ir embora. Vosmecê já fez o que deveria ter feito há muito tempo. – respondeu ele penalizado com o desespero da escrava.
-- Obrigada, sinhô.
-- Só tem um detalhe ... De hoje em diante, vosmecê não põe mais os pés na casa grande. Vosmecê vai para a senzala enquanto eu penso no que vou fazer.
Desesperada, Corina ajoelhou-se e implorou.
-- Por favor sinhô. Eu não tive culpa. Não me castigue, por favor. Me deixe ir embora com minha família. Eu prometo que nunca mais volto para incomodar o sinhô, patrão.
-- Vou pensar. Mas agora, vá embora daqui. Vá embora daqui antes que eu me arrependa.
Nisso a escrava se levantou e saiu.
Decepcionado, agora se dera conta de que estava sendo traído há muito tempo. E com quem menos esperava. Um dos seus escravos de confiança havia levianamente o traído.
Seus olhos cintilavam de raiva. Precisava matar o infeliz que desgraçara sua família.
No entanto, precisava cuidar para que a história não virasse um escândalo. Não queria ser desmoralizado. Se isso acontecesse, teria de sair da região. Teria que viver em outro lugar. Ele, um homem de posses, nascido naquele lugar. Naquela fazenda, que fora presente de casamento por seu pai.
Deste momento em diante passara a cuidar da propriedade. Comandava o trabalho dos escravos, dava continuidade ao trabalho de uma vida inteira de seu pai.
Naquela fazenda, investira os melhores anos de sua vida. Dedicado, lutou muito para que tudo progredisse. Queria suplantar o trabalho do pai, e assim o fez. A fazenda, desde que passou para suas mãos triplicou. Possuía um alto índice de produtividade e não queria abrir mão de tudo por conta de um problema familiar.
Não podia abrir mão de tudo o que lutou para construir.
Por isso, precisava encontrar a melhor forma de acabar com o casal traidor.
Atormentado com a idéia, passou a dormir no quarto de hóspedes, enquanto a esposa, convalescente, permanecia em seu leito conjugal.
Não desejava estar perto dela. Sabia que se se aproximasse novamente da esposa infiel, a mataria.
Não. Não agora.
Precisava planejar tudo. Não queria um escândalo na família. Não agora que a fazenda progredia a olhos vistos. Muito embora estivesse tomado pela raiva, precisava ser cauteloso.
E assim o fez.
Numa emboscada preparada por seu feitor, capturaram o escravo e o aprisionaram em um lugar distante da fazenda.
Lá, pelas próprias mãos de Seu Ataúfo, foi torturado até confessar a traição. Disse que sempre admirou Dona Rosália. Que ela era uma grande mulher. Merecia ser tratada com todo o respeito e consideração.
Ao proferir essas palavras, passou a ser esbofeteado pelo patrão.
No entanto, este, mesmo sendo agredido, não deixou de defender Rosália. Dizia que ela não tivera culpa. O sentimento dos dois foi maior do que tudo. Do que a prudência, o bom senso.
Tais palavras no entanto, só serviram para atiçar ainda mais a ira de Ataúfo.
Assim, tomado de um profundo ódio, passou a agredi-lo com maior violência. Alertou-lhe de que se arrependeria de tudo o que fizera. Que não devia ter traído o patrão dele.
E continuou a bater-lhe. Até que o escravo exausto que estava, desfaleceu.
Ferido, estava extremamente machucado. Não, possuía forças para reagir. Assim em decorrência disso, contundido, e sem alimentação, em pouco mais de três dias morreu. Antes de morrer, só sabia dizer o nome de Rosália.
– Rosália, Rosália, Rosália. Me perdoe, eu não pude fazer nada.– disse com a voz bastante enfraquecida. -- Rosália, Rosá ...
Proferiu estas palavras e morreu.
Morreu e foi enterrado, ali próximo do local onde estivera preso. Sem nem ao menos uma indicação de que lá fora enterrado.
Quanto Rosália soube do ocorrido, ficou desesperada. Começou a gritar. Chamou o marido de assassino e chorou compulsivamente.
Ataúfo, ao ver o desespero da mulher. Indagou-lhe:
-- Como tens coragem de chorar a morte dele, na minha frente?
Mas, chocada que estava com a notícia da morte de Rubens, não conseguia falar. Só conseguia chorar. Compungida com a tragédia, não conseguia pensar em mais nada.
Nesse instante, Ataúfo disse-lhe:
-- Vejo que aquele escravo era mais importante para você, do que sua própria filha.
Ao dar-se conta de que sua filha corria perigo, perguntou:
-- O que vosmecê pretende fazer com Thereza?
-- Não sei ainda. Mas vosmecê, Dona Rosália, saberá, asseguro-te.
-- Ataúfo, por favor. Não mate a menina. Mate a mim. Eu sou a traidora. – disse entre lágrimas.
-- Agora vosmecê se lembra de que tem uma filha. Curioso!
-- Por favor. Poupe-a.
Nisso, retirou-se do quarto onde estava a esposa, deixando-a só. Apavorada, só fazia gritar e implorar o perdão do marido, que não se comoveu nem um pouco com o seu desespero.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 2
Com isso, conforme se passavam os dias, Seu Ataúfo, passou a se despreocupar com as idas constantes da esposa a cidade. Para ele, não passavam de passeios que a esposa fazia para se distrair.
Exatamente, nessa época, os dois começaram a trocar algumas palavras. Sempre que a via, o jovem escravo a cumprimentava, no que ela retribuía o cumprimento.
Apesar, do comportamento ousado do escravo, Seu Ataúfo não chegou a levantar suspeitas sobre isso. Sua esposa sempre foi muito discreta. Zelosa dona de casa, sempre fora muito cuidadosa com as crianças.
A noite, contava-lhes histórias para dormir.
Com isso, quando chegava a noite, os meninos ansiosos, mal podiam esperar pela hora de dormir. Adoravam ouvir as histórias que a mãe contava.
Seu Ataúfo, diversas vezes, tentou entretê-los enquanto lia algumas histórias. Mas, não possuía a mesma habilidade para a leitura que Rosália. Aborrecido, desistiu da idéia, devolvendo a incumbência para a esposa.
E ela, noite após noite, ficava a contar histórias para os filhos. Branca de Neve, Rapunzel, entre outras. Chegava até a interpretar as personagens da história. E era justamente isso que encantava as crianças.
Por isso, Ataúfo não possuía motivos para desconfiar da esposa.
Apesar dos passeios constantes, nada havia mudado em relação a família.
Rosália continuava cuidando da família, da casa. Impecável, tratava até mesmo os escravos com toda a consideração. Cumprimentava-os, pergunta-lhes como estavam.
Ao contrário de Ataúfo, que os tratava com grande severidade. Açoitava os escravos que considerava indolentes, e os impunha uma dura rotina diária. Mesmo os escravos que trabalhavam na casa grande, estes sempre tinham que voltar para a senzala no final do dia.
Percebendo isso, Dona Rosália, começou a insistir com o marido para que construísse algumas casas de pau-a-pique, para que eles pudessem morar com suas famílias. Pelo menos, os escravos que trabalhavam na sede da fazenda.
Assim, do seu modo, Rosália se preocupava com a sorte dos escravos. O que incomodava um pouco o marido, que discordava de sua posição. Não gostava de protegê-los. Sempre achara que eram pessoas sem almas, como os bugres. Não mereciam consideração.
No entanto, mesmo diante disso, Rosália, sempre teve firme sua opinião. Mesmo antes de conhecer o escravo e se interessar por ele, sempre nutrira uma grande simpatia pela luta dos escravos. Sentia compaixão por seu sofrimento. Não achava certo que fossem tratados como animais. Sempre odiou a atitude de dominação dos homens.
Assim se denota, que a convivência com o marido, em muitos momentos, não era das mais tranqüilas. No tocante ao tema da escravidão, sempre foram discordantes.
Ataúfo, autoritário sempre queria dizer a última palavra. Não admitia que sua esposa questionasse as suas atitudes duras com os escravos. Sempre detestou ser censurado. Ainda mais quando as censuras partiam de sua esposa. Não tolerava essa atitude.
Essa aliás, era apenas uma das inúmeras outras opiniões da qual o casal divergia. Muitas vezes discutiram sobre a educação dos filhos. Ataúfo não queria que eles fossem criados tão apegados a mãe. Queria eles fossem mais chegados a ele. Sentia ciúmes da atenção que Dona Rosália dispensava aos filhos. Também não gostava de ser preterido pelos filhos nas suas diversões. Quase nunca, conseguia brincar com os filhos. Estes preferiam ficar com a mãe, e isso o irritava deveras.
Com isso, se denota que a relação entre os dois era conflituosa.
Ainda mais, depois do nascimento das crianças, as quais passaram a ocupar as tardes de Rosália. Ataúfo, sentia-se preterido pela esposa, desde que os meninos nasceram. Sua esposa não lhe devotava a mesma atenção de outrora.
Quando se casara, Rosália, assim como Ataúfo, não pode escolher seu par. O noivado foi imposto pelas respectivas famílias. Ademais, conforme o já dito, Rosália não amava o marido.
Por conta disso, não pôde ser feliz no casamento, ao se ver obrigada a casar-se.
No entanto, apesar de sua resistência em relação a isso, sabia perfeitamente que ele também não se casou com ela por escolha própria. Fora um casamento arranjado. Infelizmente, um costume da época.
Mas ao contrário de Rosália, Ataúfo, gostava dela. Nutria por ela um sentimento de afeto, talvez até mesmo de amor. Durante o pouco tempo em que casados foram, sempre fora atencioso com ela.
Por isso, ao descobrir-se traído, não podia crer na traição. Não merecia isso.
Sentindo-se torturado pela verdade, fez todo o possível para descobrir o autor da traição. Durante semanas torturou todos os escravos jovens da fazenda. Todos os que possuíam uma boa aparência. Todos os que pudessem chamar a atenção de Rosália por sua beleza.
Odiou ter que fazer isto, mas não se preocupou nem um pouco em infligir mais sofrimento, a nobre negra raça. Só queria fazer uma coisa. Se vingar da traição. Nem que para isso fosse preciso torturar todos os escravos da fazenda.
No entanto, somente depois de algumas semanas, é que seu deu conta de uma coisa.
Quem era o negro que passara diversas tardes conduzido-a até a cidade mais próxima? Quem era aquele escravo que a ajudava a se acomodar na carruagem por diversas vezes? Que a cumprimentava sempre que a via, fingindo uma atitude de reverência e respeito? Que sempre educadamente se dirigia a ela?
Transtornado, mandou chamar a escrava que a acompanhava nestas viagens.
No que esta sentindo-se pressionada, ao ver que não lhe restava outra alternativa senão confessar, contou que, apesar de sempre partir com a patroa, depois de um certo tempo de encontros, passou a não mais acompanhá-la. Ficava em uma casa, próxima ao vilarejo. Nesse local, conforme prometido pela patroa, podia passar as tardes com seu filho. Filho este que Dona Rosália comprara de volta de um rico senhor de escravos.
Tudo isso por que Ataúfo havia vendido a criança para outro fazendeiro, amigo seu, que também vivia naquelas cercanias.
Diante disso, Rosália, ao descobrir o paradeiro da criança, tratou de comprá-la. Comprou também o pai da criança, que também por lá vivia. Ao tê-los como sua propriedade, tratou de libertá-los. E cuidou também, para que tivessem onde morar. Para isso, adquiriu a casinha que ficava no caminho para a vila. Com todo o cuidado, os instalou ali, para que assim pudessem se reencontrar com ela, toda vez que por lá passassem.
E assim, Corina passava as tardes com sua família, enquanto sua patroa ficava a sós com o escravo.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 1
Manhã. Outubro de 1853. Neste dia nasceu Thereza, filha ilegítima de uma ilustre dama.
Dama esta que casou-se com um rico barão, produtor de café, da região do Vale do Paraíba. Mas não nutria por ele, nenhum sentimento de afeto.
Muito embora ele gostasse muito dela.
Por essa razão, por sentir-se infeliz ao seu lado, envolveu-se com outra pessoa, e desse envolvimento veio a ter um filho. Filho este que destruiu a vida do casal, já com dois filhos. Ambos advindos do relacionamento conjugal do casal.
Eram dois meninos. Na época, com dois e três anos, respectivamente. O senhor Ataúfo, os adorava. De vez em quando, adentrava o quarto de ambos e ficava a velar-lhes o sonho. Poderia passar a noite inteira vendo-os dormir.
Daí se podia constatar que sempre fora um pai presente. Gostava dos filhos. E amaria mais ainda esta criança, se ela fosse fruto de seu casamento.
Mas não era.
Depois de alguns dias de nascida, a criança, que nascera clarinha, começou a adquirir uma coloração mais escura.
Diante disso, Seu Ataúfo passou a desconfiar. Como uma criança, sangue de seu sangue, poderia ter aquela cor? Logo ele que era tão branco e sua esposa, era igualmente clara.
Incerto quanto a origem da criança, dirigiu-se furioso aos aposentos onde estavam a mulher e o bebê, e interpelou-a.
-- De quem é esta menina?
Assustada, diante de tão inesperada indagação, só pôde responder:
-- Como de quem é? É sua filha.
Ao ouvir isso, furioso, Ataúfo aproximou-se da esposa e começou a sacudi-la violentamente.
-- Não. Não é minha filha. Não minta pra mim. Diga-me, quem é o pai desta criança? Quem é o autor desta desonra? - disse gritando, certo de que havia sido traído.
-- Eu já disse, é sua filha. – insistia desesperada, a esposa.
-- Eu vou descobrir quem foi o autor disto, e quando eu descobrir, vocês três serão mortos.
Disse isso e saiu do quarto, enfurecido.
Obstinado que era, Dona Rosália sabia, que era só uma questão de tempo, seu marido descobrir o que se sucedera. Por isso, temia pelo futuro da filha.
Contudo, em decorrência do parto, não conseguia ficar em pé por muito tempo. Para piorar, não podia contar com a ajuda de ninguém da família.
Para salvar sua filha, precisaria agir sozinha, portanto. Mas o que faria? Pensava, pensava, e nada lhe vinha a mente. O que a fazia ficar mais alvoroçada. Não podia deixar a filha entregue a própria sorte.
Se ela morresse, não poderia permitir que a filha tivesse o mesmo final que ela.
Assim, quando sua mãe adentrou o quarto, logo lhe pediu:
-- Mãe, por favor. Me ajude a salvar minha filha.
-- Que filha?
-- Mãe. Como que filha? Thereza, minha filha.
-- Essa bastarda?
-- Mãe. Ela não tem culpa de nada. – disse visivelmente nervosa.
-- Tem sim. Ela é nossa vergonha, assim como vosmecê. Como tivestes coragem de trair seu marido?
-- Mãe, me perdoe. Por favor, me perdoe. – implorou quase chorando.
-- Não sou eu quem tem que perdoar-te. É o teu marido.
-- Por favor, peça a ele que não mate a menina. Por tudo o que há de mais sagrado. Não deixe minha menina morrer. Por favor. – insistiu sem poder conter as lágrimas que rolavam por seu rosto. -- Por favor, mãe.
-- Não envolva Deus nessa imundice. Tu não és digna de pronunciar o seu nome.
Disse isso, e saiu do quarto batendo a porta. De dentro do quarto Rosália gritou desesperada, para que sua mãe a ajudasse a proteger Thereza. Enfraquecida, não podia tomar para si a defesa da filha. Precisava ficar deitada a maior parte do tempo. Ainda não estava totalmente recuperada do parto.
Com isso, conforme os dias se passavam, mais desesperada ficava.
Não traziam a menina para que ela pudesse ser amamentada. Desesperada, chegou a gritar para o marido que ele era um assassino.
No que o mesmo negava ter feito alguma coisa com a criança.
Afinal, depois de algum tempo, ao ouvir o choro de bebê pela casa, tranqüilizou-se. Muito embora soubesse que sua filha não estava a salvo, decerto, o esposo traído estava esperando a melhor hora para se vingar de todos.
Realmente.
Para concretizar sua vingança, Ataúfo primeiro precisava descobrir o nome do amante da esposa.
Nome este que Rosália guardava a sete chaves. Nem sob a promessa de poupar a menina, Dona Rosália se animou a contar o nome do amásio. Não queria que toda a ira do marido se voltasse contra ele.
Sabia que Ataúfo, direcionaria toda sua ira contra o jovem escravo com quem tivera um caso.
Com Rubens, teve bons momentos. Sentia-se feliz ao seu lado. Não fossem as circunstâncias, teria fugido com ele para longe dali.
Mas não podia. Tinha dois filhos com o marido. Não podia simplesmente abandoná-los. Também não poderia levá-los consigo.
Seu marido os caçaria a vida inteira se tentasse fugir com os meninos.
Assim, não lhe restara outra alternativa a não ser viver alguns momentos ao lado do escravo.
Apesar de não ser escravo da casa grande e trabalhar na lavoura, possuía um bom porte. Era alto, forte, e além de tudo, notava-se que possuía alguma instrução. Tudo isso atraiu a atenção de Dona Rosália, quando o conheceu.
Precisando sair, o Senhor Ataúfo imediatamente o chamou para conduzir a Senhora Rosália de carruagem até a cidade. Por precaução, a ilustre dama foi acompanhada de uma de suas criadas que fazia as vezes de dama de companhia.
Inúmeras vezes, Rosália fez esse trajeto na companhia do escravo. Apesar da boa impressão que teve do rapaz, na primeira vez que o viu, não passou disso.
Mas, conforme iam se sucedendo os passeios, Rosália se sentia cada vez mais interessada pelo jovem escravo.
Quanto ao jovem, salvo nas vezes em a ajudava a subir na carruagem, este não demonstrava nenhum grande arroubo ao vê-la. Discreto, preferia admirá-la à distância.
O escravo, conduzia a carruagem pela estrada até chegar a uma pequena vila, onde Rosália comprava algumas miudezas para si e para os filhos, e também, algumas coisas para a casa.
Era um trajeto longo. O que possibilitava encontros. Não havia como se precisar o tempo que gastavam na viagem. Dependendo das condições da estrada, poderia se demorar menos ou mais para chegar na cidade.
Com isso, o escravo, calado, seguia a viagem, conduzindo a ilustre dama e sua acompanhante.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.