Poesias

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A DEUSA NEGRA - CAPÍTULO 1

Manhã. Outubro de 1853. Neste dia nasceu Thereza, filha ilegítima de uma ilustre dama.
Dama esta que casou-se com um rico barão, produtor de café, da região do Vale do Paraíba. Mas não nutria por ele, nenhum sentimento de afeto.
Muito embora ele gostasse muito dela.
Por essa razão, por sentir-se infeliz ao seu lado, envolveu-se com outra pessoa, e desse envolvimento veio a ter um filho. Filho este que destruiu a vida do casal, já com dois filhos. Ambos advindos do relacionamento conjugal do casal.
Eram dois meninos. Na época, com dois e três anos, respectivamente. O senhor Ataúfo, os adorava. De vez em quando, adentrava o quarto de ambos e ficava a velar-lhes o sonho. Poderia passar a noite inteira vendo-os dormir.
Daí se podia constatar que sempre fora um pai presente. Gostava dos filhos. E amaria mais ainda esta criança, se ela fosse fruto de seu casamento.
Mas não era.
Depois de alguns dias de nascida, a criança, que nascera clarinha, começou a adquirir uma coloração mais escura.
Diante disso, Seu Ataúfo passou a desconfiar. Como uma criança, sangue de seu sangue, poderia ter aquela cor? Logo ele que era tão branco e sua esposa, era igualmente clara.
Incerto quanto a origem da criança, dirigiu-se furioso aos aposentos onde estavam a mulher e o bebê, e interpelou-a.
-- De quem é esta menina?
Assustada, diante de tão inesperada indagação, só pôde responder:
-- Como de quem é? É sua filha.
Ao ouvir isso, furioso, Ataúfo aproximou-se da esposa e começou a sacudi-la violentamente.
-- Não. Não é minha filha. Não minta pra mim. Diga-me, quem é o pai desta criança? Quem é o autor desta desonra? - disse gritando, certo de que havia sido traído.
-- Eu já disse, é sua filha. – insistia desesperada, a esposa.
-- Eu vou descobrir quem foi o autor disto, e quando eu descobrir, vocês três serão mortos.
Disse isso e saiu do quarto, enfurecido.
Obstinado que era, Dona Rosália sabia, que era só uma questão de tempo, seu marido descobrir o que se sucedera. Por isso, temia pelo futuro da filha.
Contudo, em decorrência do parto, não conseguia ficar em pé por muito tempo. Para piorar, não podia contar com a ajuda de ninguém da família.
Para salvar sua filha, precisaria agir sozinha, portanto. Mas o que faria? Pensava, pensava, e nada lhe vinha a mente. O que a fazia ficar mais alvoroçada. Não podia deixar a filha entregue a própria sorte.
Se ela morresse, não poderia permitir que a filha tivesse o mesmo final que ela.
Assim, quando sua mãe adentrou o quarto, logo lhe pediu:
-- Mãe, por favor. Me ajude a salvar minha filha.
-- Que filha?
-- Mãe. Como que filha? Thereza, minha filha.
-- Essa bastarda?
-- Mãe. Ela não tem culpa de nada. – disse visivelmente nervosa.
-- Tem sim. Ela é nossa vergonha, assim como vosmecê. Como tivestes coragem de trair seu marido?
-- Mãe, me perdoe. Por favor, me perdoe. – implorou quase chorando.
-- Não sou eu quem tem que perdoar-te. É o teu marido.
-- Por favor, peça a ele que não mate a menina. Por tudo o que há de mais sagrado. Não deixe minha menina morrer. Por favor. – insistiu sem poder conter as lágrimas que rolavam por seu rosto. -- Por favor, mãe.
-- Não envolva Deus nessa imundice. Tu não és digna de pronunciar o seu nome.
Disse isso, e saiu do quarto batendo a porta. De dentro do quarto Rosália gritou desesperada, para que sua mãe a ajudasse a proteger Thereza. Enfraquecida, não podia tomar para si a defesa da filha. Precisava ficar deitada a maior parte do tempo. Ainda não estava totalmente recuperada do parto.

Com isso, conforme os dias se passavam, mais desesperada ficava.
Não traziam a menina para que ela pudesse ser amamentada. Desesperada, chegou a gritar para o marido que ele era um assassino.
No que o mesmo negava ter feito alguma coisa com a criança.
Afinal, depois de algum tempo, ao ouvir o choro de bebê pela casa, tranqüilizou-se. Muito embora soubesse que sua filha não estava a salvo, decerto, o esposo traído estava esperando a melhor hora para se vingar de todos.
Realmente.
Para concretizar sua vingança, Ataúfo primeiro precisava descobrir o nome do amante da esposa.
Nome este que Rosália guardava a sete chaves. Nem sob a promessa de poupar a menina, Dona Rosália se animou a contar o nome do amásio. Não queria que toda a ira do marido se voltasse contra ele.
Sabia que Ataúfo, direcionaria toda sua ira contra o jovem escravo com quem tivera um caso.

Com Rubens, teve bons momentos. Sentia-se feliz ao seu lado. Não fossem as circunstâncias, teria fugido com ele para longe dali.
Mas não podia. Tinha dois filhos com o marido. Não podia simplesmente abandoná-los. Também não poderia levá-los consigo.
Seu marido os caçaria a vida inteira se tentasse fugir com os meninos.
Assim, não lhe restara outra alternativa a não ser viver alguns momentos ao lado do escravo.
Apesar de não ser escravo da casa grande e trabalhar na lavoura, possuía um bom porte. Era alto, forte, e além de tudo, notava-se que possuía alguma instrução. Tudo isso atraiu a atenção de Dona Rosália, quando o conheceu.
Precisando sair, o Senhor Ataúfo imediatamente o chamou para conduzir a Senhora Rosália de carruagem até a cidade. Por precaução, a ilustre dama foi acompanhada de uma de suas criadas que fazia as vezes de dama de companhia.
Inúmeras vezes, Rosália fez esse trajeto na companhia do escravo. Apesar da boa impressão que teve do rapaz, na primeira vez que o viu, não passou disso.
Mas, conforme iam se sucedendo os passeios, Rosália se sentia cada vez mais interessada pelo jovem escravo.
Quanto ao jovem, salvo nas vezes em a ajudava a subir na carruagem, este não demonstrava nenhum grande arroubo ao vê-la. Discreto, preferia admirá-la à distância.
O escravo, conduzia a carruagem pela estrada até chegar a uma pequena vila, onde Rosália comprava algumas miudezas para si e para os filhos, e também, algumas coisas para a casa.
Era um trajeto longo. O que possibilitava encontros. Não havia como se precisar o tempo que gastavam na viagem. Dependendo das condições da estrada, poderia se demorar menos ou mais para chegar na cidade.
Com isso, o escravo, calado, seguia a viagem, conduzindo a ilustre dama e sua acompanhante.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 26

No final do dia, ao voltar para casa, Raíssa, feliz pelo gesto que praticara, dormiu feliz e leve como uma pluma.
Mal podia imaginar como o dia vindouro se figuraria para ela.
Um céu cinzento se apresentava para ela.
Tranqüila, depois de passar a manhã inteira dormindo, a moça, resolvendo fazer um passeio pela cidade, resolveu freqüentar os arredores.
Foi exatamente durante seu passeio despreocupado que ela foi surpreendida por Marcílio.
O homem, dizendo que tinha algo muito importante a dizer-lhe, puxou-lhe pelo braço.
Raíssa bem que tentou resistir, mas ao ver um revólver apontado para suas costas, não teve outra alternativa a não ser acompanhá-lo.
Marcílio, levando-a para um galpão, disse-lhe que ela sabia demais e que por isso mesmo, ele não podia mantê-la viva.
Dizendo que tentou fazê-la se convencer de que estava errada, respondeu que pediu a intervenção de Eulália, na difícil tarefa.
Surpresa Raíssa perguntou a ele:
-- Mas o que ela tem que ver com isso?
-- Muita coisa. – respondeu ele. Muito mais coisas do que você imagina. Coisas que infelizmente você nunca vai saber, embora um dia pudesse vir a conhecer.
-- O que você quer dizer com isso? – perguntou ela perplexa.
-- Nada. Só quero que saiba de uma coisa. Eu lamento muito. Eu sei que vou me arrepender muito do que eu vou fazer agora, mas eu preciso. Se eu não agir logo, outros farão isso no meu lugar e isso eu não posso admitir.
-- Admitir?
-- Sim. Se os verdadeiros chefões descobrirem o teu deslize, antes de te matarem, eles vão te torturar bastante... E eu não posso deixar isso acontecer. Não posso. – respondeu ele pondo as mãos na cabeça, visivelmente desesperado.
Raíssa então, percebendo qual seria o seu fim, tentou correu para a saída do recinto. Tentando abrir a porta, Raíssa ouviu o primeiro disparo. Por sorte o tiro não a atingiu.
Em seguida, conseguindo abrir a porta que a separava da rua, Raíssa livre, correu. Correu, correu o máximo que pôde.
No entanto, não foi o suficiente para escapar dos tiros que se seguiram, certeiros.
Alvejada nas costas, Raíssa só teve tempo de olhar para o céu, e caindo no chão, cerrar os olhos.
Marcílio, ao ver o corpo estendido no chão, despediu-se da filha.
Jogando uma rosa ao redor do corpo, o homem disse com a voz embargada:
-- Descanse em paz.
Em seguida partiu.
Precisando sumir da cidade, arrumou suas malas e acompanhado de Reginaldo, voltou para Água Viva.
Leocádio, Luís e Cláudio, ao saberem do ocorrido, choraram desesperados. Muito embora soubessem que esse seria o provável fim da moça, os três não podiam acreditar no que se sucedera.
Revoltados, os três fizeram uma bonita homenagem durante o enterro.
Dizendo que ela fora uma grande amiga, arrancaram tímidos aplausos para os poucos acompanhantes da cerimônia fúnebre.
Pedro, em consideração aos amigos, acompanhou o enterro.
Luís, dizendo que ela se redimira, comentou com Pedro que ele e seus amigos sumiriam dali.
Seus pais, ao saberem de seu envolvimento com Raíssa, foram os primeiros a recomendarem que os mesmos saíssem de circulação.
Vendo o triste fim de Raíssa, os garotos cairiam no mundo.
Suas famílias ficaram.
Ficou também a lembrança da tragédia.
Embora muitos dissessem que ela tivera o que merecera, outros diziam que ela bem que tentou ter uma vida correta.
Eulália, vendo-se sozinha, ao ser apontada nas ruas como responsável pela morte da garota, cansada de ser recriminada, abandonou a cidade na calada da noite, e nunca mais voltou.
Nisso, os moradores da cidade, pleiteando o traslado do corpo de Frederico Lopes para a cidade, conseguiram fazer com que finalmente os dois fossem enterrados juntos.
Nesse dia, o cheiro das rosas perfumou o túmulo de Raíssa.

Bibliografia:
Drogas Prevenção, Escola. Paul Eugène Charboneau. Cocaína, p.119/23 e Maconha 140/154. Edições Paulinas. 3ª edição, 1988.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 25

Diante desse quadro lastimável, mestres, pais e autoridades, percebendo que não seria simples resolver o problema das drogas, sentindo-se no dever de alertar a população da cidade para o perigo dos tóxicos, unindo-se, passaram a elaborar um plano de campanha, visando a conscientização.
Cansados de perderem na luta contra as drogas, os educadores e as famílias passaram a se posicionar contra esse mal que ao que parecia, tinha vindo para ficar.
Assim, abandonando a postura passiva, passaram a agir.
Determinados, exigiram que o prefeito, autoridade máxima do lugar, se posicionasse firmemente contra aquela situação. O homem, acuado, concordou que tomaria as providencias necessárias para compelir aquele abuso.
Nisso, conforme os dias se passaram e conforme mais mortes de jovens ocorreram, os populares, aproveitando a oportunidade, participavam dos enterros e discursando sobre o problema das drogas diziam que enfrentariam o problema de frente.
Alegando que estavam cansados de verem crianças morrendo, pais, mães e educadores comentaram que ninguém poderia se omitir mais.
Recriminando a todos pela omissão, os mesmos disseram que as famílias precisavam ficar atentas. Qualquer comportamento incomum poderia ser o indício de esta pessoa poderia estar envolvida com as drogas.
Alertando para o discurso sedutor e envolvente que os traficantes usavam para envolver os jovens nesse submundo, os educadores disseram que pesquisando sobre o assunto, descobriram que num primeiro momento, a droga é altamente atrativa.
Inicialmente causando uma profunda sensação de bem-estar, aos poucos, mina a resistência dos jovens que cada vez mais, se vêem dependentes destas substâncias químicas.
As pessoas que até então ouviram tudo placidamente, já que abaladas com a morte de mais um jovem só conseguiam pensar na dor e no desespero, ao saberem o quão poderoso é o argumento para que os jovens passassem a usar drogas, ficaram horrorizados.
Perplexos muitos se perguntavam: ‘Como faremos então para nos livrarmos desse mal? Afinal de contas, se ela é tão atrativa, não podemos fazer nada para impedir que esse mal se espalhe, se dissemine?’
Os educadores, pais e mães envolvidos no combate as drogas, percebendo o ar aterrado dos acompanhantes da cerimônia fúnebre, explicaram que não seria recriminando ou proibindo os jovens de experimentarem a novidade, que conseguiriam afastá-los desse universo nefasto.
Muito pelo contrário.
Somente explicando-lhes o mal que tal produto fazia, é que eles talvez conseguissem vencer a luta.
Nisso o enterro prosseguiu.
Padre Olavo proferindo as últimas palavras em tributo ao jovem que falecera, comentou que os responsáveis por mais aquela morte seriam punidos.
Ao proferir essas palavras, a multidão que acompanhava o enterro, o aplaudiu calorosamente. Emocionados, os pais do jovem morto choraram.
Raíssa, acompanhando a cerimônia de longe, profundamente abalada com os novos acontecimentos, decidiu acabar de vez com esse mal.
Decidida, foi até a casa de Marcílio, e conversando com ele, comentou que não podia mais participar de toda aquela imundice.
Dizendo que se sentia enojada de ter compactuado com toda aquela barbaridade, mostrou-se arrependida. Comentando que antes de conhecer a nocividade dos tóxicos acreditava que esta forma de ganhar dinheiro, não prejudicava ninguém, qual não foi sua surpresa ao ver tantos jovens dependentes ou mesmo mortos em decorrência do vício. Gente que muitas vezes, tinha a mesma idade que ela. Gente que ela conhecia. Gente que ela estava vendo definhar e morrer.
Dizendo que não agüentava mais ver tanta miséria humana diante de si, Raíssa comentou que não dava mais para continuar envolvida em tudo aquilo.
Comentando que estava disposta a mudar de vida, respondeu que precisava se redimir. Alegando que a culpa que carregava lhe era insuportável, disse que precisava parar com tudo aquilo.
Marcílio, ao ouvir de Raíssa seu pedido de dispensa, comentou que ele não tinha poder para isso.
Dizendo que não podia deixá-la sair da organização, respondeu que ela sabia de mais para poder garantir sua integridade física. Alertando-a para o perigo de tal decisão, comentou que ela não podia sair.
Raíssa, ciente de que estava se arriscando, comentou que não podia mais permanecer integrando a quadrilha. Dizendo-se envergonhada com sua atitude, pediu a Marcílio que também saísse da organização enquanto era tempo.
O homem, respondendo que era tarde demais para ele, pediu para que ela também ficasse. Dizendo que não poderia mais protegê-la se ela saísse, comentou que era suicídio fazê-lo.
Raíssa porém, teimosamente insistiu em sua desistência. Alegando que tinha que mudar sua vida, comentou que estava desistindo de tudo.
Marcílio ao perceber que a moça estava decidida, bem que tentou convencê-la a desistir da idéia.
Todavia, por mais que a alertasse dizendo que a mesma teria problemas, Raíssa continuava a dizer que não voltaria atrás.
A moça, ao ver o olhar de espanto de Marcílio, comentou que sua decisão não seria mudada.
Marcílio, temendo pelo pior comentou que ela estava certa.
Dizendo que sua decisão não tinha volta, comentou que ela já havia selado seu destino.
Raíssa engoliu seco.
Depois, cansada das ameaças veladas de Marcílio, saiu da casa dele, e caminhando de volta para sua residência, percebeu o olhar de algumas pessoas a recriminando.
Com isso, Dona Eulália, ao saber que Raíssa desistira de seu trabalho, comentou que ela havia feito uma grande besteira ao deixar tudo para trás. Dizendo que ela era uma tola, alegou que em seu lugar, jamais abandonaria um emprego que pagasse tão bem.
Recriminando a enteada, a mulher dizia-lhe para reconsiderar sua decisão.
Raíssa dizendo que não iria voltar atrás, comentou que não adiantava ela lhe dizer aquelas palavras. Não mudaria de idéia.
Eulália, ao perceber o desdém de Raíssa por sua pessoa, começou a reclamar.
Dizendo que ela era muito atrevida, comentou que acima de tudo era preguiçosa e irresponsável. Nessa ladainha prosseguiu por horas.
Raíssa, que cansada que estava de ser tão recriminada, retirou-se e trancando a porta de seu quarto, deixou a madrasta falando sozinha.
Irritada, bem que Eulália tentou impôr sua vontade a enteada. Querendo que a garota voltasse a trabalhar, exigiu que ela lhe ouvisse.
Como Raíssa não atendeu, Eulália irritada com o pouco caso da enteada, foi até a casa de Marcílio.
Comentando que a moça não trabalhava mais, a mulher exigiu que ele aumentasse o valor da quantia que ela recebia mensalmente.
O homem, ao ouvir a exigência da mulher, começou a rir.
Eulália, irritada, logo quis saber o por quê das gargalhadas.
Marcílio respondeu então:
-- Você quer saber por que estou rindo? Pois bem, eu te digo. Eu estou rindo da sua cara-de-pau.
Eulália recebendo a resposta atravessada, comentou que não estava interessada em ouvir deboches. Alegando que Raíssa era muito gastadeira, respondeu que a quantia que ele lhe pagava não era suficiente para mantê-las.
Ao ouvir isso Marcílio respondeu que não pagaria mais nada para ela.
Eulália espantada, perguntou logo o que ele queria dizer com aquilo.
Marcílio irritado com Eulália, respondeu:
-- Ah, você não entendeu? Tudo bem, eu lhe explico. O que eu disse é que eu não vou pagar mais nada para a senhora. Está acabado! Este foi o último mês que Vossa Senhoria recebeu aquele dinheirinho fácil. Entendeu agora?
Aturdida, Eulália tentou fazer com que ele desistisse da idéia.
Todavia, ao invés de fazê-lo mudar de idéia, o que ela conseguiu foi irritá-lo ainda mais.
A certa altura, cansado da insistência de Eulália, Marcílio mandou ela sair dali. Dizendo que estava cansado da sua presença incômoda, exigiu que ela sumisse de sua frente.
Eulália, que sabia que ele não estava brincando, aquiesceu.
Percebendo o quão irritado ele estava, ela comentou que eles ainda conversariam novamente sobre o assunto.
Marcílio ao notar que ela não havia saído da casa, ameaçou colocá-la porta afora.
A mulher percebendo que não adiantava brigar, saiu da casa.
Nisso, nos dias que se seguiram, muito embora Eulália tenha tentado conversar várias vezes com ele, tudo o que conseguia era ser repelida por Reginaldo.
Para Raíssa porém, as coisas estavam ainda piores.
Seus amigos, ao saberem que ela ousara enfrentar Marcílio, temendo serem alvo de represálias, passaram a evitá-la.
Não bastasse isso, Raíssa ainda tinha que enfrentar a fúria dos moradores da cidade que acreditavam ser ela a responsável, ao menos em parte, por a confusão que se instalara ali.
Ao tentar ir para a escola, diversas vezes, pais de alunos exigiram que a mesma fosse expulsa dali.
Em decorrência disso Raíssa abandonou a escola.
Chateada, percebeu o quanto perdera ao se envolver com as pessoas erradas.
Sozinha, diversas vezes vagou pelas ruas da cidade. Sem rumo, sem direção, caminhou por lugares ermos e sombrios. Tão sombrios como seu espírito.
Desolada, a todo custo tentava se redimir, mas sempre que se oferecia para fazer alguma coisa útil era rechaçada.
Até mesmo Padre Olavo não podia vê-la por perto que já a mandava se afastar. Temendo que ela estivesse aprontando, o sacerdote nem queria saber de aproximação. As beatas também não.
Rogério e Marta certa vez, ao serem-na circulando em frente a Igreja da Matriz, na Praça principal da cidade, trataram logo de interpelá-la.
Dizendo que ela não era benvinda naquela cidade o casal exigiu que ela saísse dali.
Raíssa, bem que tentou reagir, mas vendo havia mais pessoas no local, procurando evitar confusão saiu dali.
Pedro, revoltado com sua atitude, sempre que a via por perto, fazia questão de lhe virar o rosto.
Triste, Raíssa não sabia mais o que fazer para mudar sua situação.
Desolada, sentia como se uma nuvem de chumbo se abatesse sobre ela.
Entrementes, nem tudo seriam espinhos.
Um dia...
Um dia somente, ao ver uma criança precisando de ajuda, Raíssa acorreu em seu encontro. O menino de cinco anos, afastando-se da família, acabou inadvertidamente alcançando a estrada.
Distraída, a criança não percebeu que um carro se aproximava.
Raíssa, percebendo o perigo não pensou duas vezes. Segurando o menino pelos braços, tirou-o do ponto de perigo e levando-o de volta um lugar seguro, perguntou se o mesmo estava bem.
O menino assustado, respondeu que sim.
Em seguida, perguntando sobre sua mãe, começou a chorar.
Raíssa sem saber o que fazer, foi logo perguntando onde estava ela.
O menino sem saber o que dizer, comentou que ela estava naquele lugar.
Raíssa, ficou surpresa.
Muito embora o menino apontasse numa determinada direção, Raíssa não fazia idéia de onde a mulher poderia estar.
Por conta disso os dois saíram a procurá-la.
Porém, nada de achá-la.
O menino só voltou para os braços da mãe quando esta o encontrou.
Ao vê-lo ao lado de Raíssa porém, a mulher não gostou nem um pouco. Tanto que a primeira medida que tomou foi puxar o garoto pelo braço.
Depois dizendo para ela se afastar deles, ameaçou Raíssa. Exigindo que ela não se aproximasse mais dos dois, respondeu que chamaria a polícia se ela os cercasse de novo.
Sem conceder nenhuma chance a moça, a mulher saiu dali segurando o filho pelas mãos.
Apesar do desfecho, mesmo desapontada com a atitude da mulher, Raíssa sentiu-se leve pelo gesto que praticara. Feliz por ter praticado uma boa ação, Raíssa voltou apressadamente para casa.
Contudo, muito embora estivesse feliz pelo gesto que praticara, Dona Eulália, aborrecida com a perda da mesada mensal que recebia, a cada dia que passava infernizava mais e mais a vida de Raíssa.
Dizendo que ela tinha que ajudar a manter a casa, a mulher respondeu-lhe que se a mesma não colaborasse teria que sair dali.
Raíssa aborrecida e cansada de tanto brigar certa vez, decidiu dar uma volta pela cidade.
Voltando mais tarde, as coisas estariam mais calmas e ela não seria perturbada.
Foi nessa época, que caminhando pelos arredores do cemitério, Raíssa percebeu um vulto. Acreditando ser Frederico Lopes, Raíssa acorreu em seu encontro. Porém, ao se aproximar o vulto desapareceu em meio a fumaça.
A visão deixou Raíssa estupefata.
Surpresa a moça prometeu a si mesma que voltaria na noite seguinte. Decidida a descobrir os últimos detalhes da história, a moça se preparou para estar atenta na noite seguinte.
Assim a moça aproveitou para dormir bastante durante o dia para que durante a noite tivesse condições de madrugar no cemitério. Sozinha, passou a madrugada inteira acordada, aguardando o misterioso vulto.
Todavia, para sua decepção, nada do vulto aparecer.
Luís, Léo e Cláudio, a certa altura, sentindo a falta da amiga, resolveram visitá-la. Sabendo da situação delicada pela qual Raíssa passava, os três garotos, sequiosos de lhe serem solidários, foram até sua casa.
Aguardando Eulália sair, para poderem falar com Raíssa, os três garotos ficaram quase meia-hora batendo na porta. Em vão.
Raíssa, cansada, dormia pesadamente.
Os garotos, acreditando que não havia ninguém em casa, já que tudo estava fechado, resolveram voltar ao trabalho. Decididos a ajudar Raíssa, prometeram que assim que fossem liberados, retornariam a sua casa para conversar com ela.
Assim o fizeram.
Ao cair da noite, verificando se Eulália não havia retornado a casa, os três garotos novamente bateram a porta de Raíssa.
Acordada, Raíssa os atendeu imediatamente.
Surpresa, ao ver os três garotos a sua porta, Raíssa logo quis saber o que eles estavam fazendo ali.
Leocádio, comentando que sentira sua falta, respondeu que eles estavam ali para lhe fazer companhia.
A garota, agradecida com a visita, comentou que não tinha tempo para falar com eles naquele momento. Dizendo que tinha um assunto para resolver, comentou que já estava saindo.
Curiosos Luís e Cláudio perguntaram logo sobre o que se tratava.
Raíssa dizendo que não podia explicar, comentou que assim que o resolvesse, contaria sobre o que se tratava.
Todavia, quem disse que eles a deixaram em paz?
Dizendo-se curiosos, os três disseram que não a deixariam ir se ela não contasse sobre o que se tratava. Tentando fazer mistério, Raíssa respondeu que tinha que ir até um lugar.
Os garotos dizendo que não era recomendável ela sair sozinha, diante dos últimos acontecimentos, insistiram em acompanhá-la.
Raíssa, tentando dissuadi-los da idéia, dizendo que poucas pessoas estavam na rua aquela hora, comentou que podia perfeitamente andar sozinha pela cidade.
Os garotos não concordavam.
Assim, não restou a Raíssa senão seguir até o cemitério em companhia dos três. Lá dizendo queria descobrir quem era o vulto que muitos viram adentrar o cemitério, revelou aos garotos que iria até lá quantas vezes fosse preciso.
Os garotos, surpresos com a curiosidade de Raíssa, comentaram tempos atrás, tentaram investigar a lenda do misterioso vulto que aparecia no cemitério.
No entanto, apesar do empenho em prosseguir com a investigação, não conseguiram chegar a nenhuma conclusão. Em razão disso, desistiram.
Raíssa, percebendo que o interesse era comum, comentou que já vinha investigando sobre esta lenda desde há muito tempo.
Comentando que enquanto esteve em Água Viva, aproveitou o tempo livre para descobrir algo mais sobre a lenda, revelou que o vulto que os moradores viram poderia perfeitamente ser Frederico Lopes.
Curiosos, Cláudio e Luís logo quiseram saber de quem se tratava.
Raíssa, revelando sua história, deixou todos entre incrédulos e fascinados com a riqueza de detalhes com que a moça contava a história.
Depois da algum tempo, fazendo um profundo silêncio, os jovens, escondendo-se entre as sepulturas, aguardaram pacientemente pela aparição.
Finalmente depois de muito esperar, apareceu um vulto.
O mesmo, postando-se diante do túmulo de Beatriz Morales, começou seu choro lamentoso.
Leocádio, ansioso, tentou interpelar o homem.
Raíssa, porém, dizendo que precisava entender o que se sucedia, respondeu para que eles esperassem.
Com isso, o homem, depositando flores no túmulo da mulher, estando prestes a partir, seguiu em direção ao outro estremo do cemitério.
Raíssa, perceber que ele iria escapar, chamou-lhe pelo nome:
-- Frederico Lopes. Precisamos falar com o senhor.
O espírito, voltou-se para ela.
-- Você de novo? Por que não me deixa em paz? O que foi que eu fiz para que você tenha tanto prazer em me perseguir? – respondeu ele, impaciente.
-- Nada. Apenas quero ajudar. Quem você procura não está aqui, não é mesmo?
-- Como você sabe? – perguntou ele.
-- Por que se estivesse, você não a procuraria quase todas as noites. – respondeu Luís.
O vulto ficou surpreso. Perguntando quem ele era, o garoto respondeu:
-- Sou amigo de Raíssa. E estes são Leocádio, conhecido como Léo, e Cláudio.
Os garotos fizeram um gesto de reverência.
Frederico então, explicando que depois que a moça falecera nunca mais os dois se encontraram, revelou-se o quão perturbado estava seu espírito. Dizendo que há muito tempo buscava consolação na esperança de um dia encontrá-la, Frederico revelou estar cansado de procurar por ela. Desalentado revelou que dia e noite procurava sinais de sua presença no plano terreno. Por conta disso, a casa onde a família Morales viveu, era conhecida com mal assombrada.
Por esta mesma razão ele visitava assiduamente o cemitério.
Separados na vida, tiveram igual destino na morte.
Como já se sabe, o corpo de Frederico jazia em Água Viva.
Curiosa, Raíssa perguntou-lhe a razão disso.
Frederico Lopes explicou:
-- Isso se deveu ao fato de que Augusto Morales, revoltado com minha conduta, procurando me agredir, resolveu enterrar Beatriz, na mesma cidade que fora palco de nossas maiores alegrias. Só para me atingir. Para completar o quadro, após a minha morte, usando de manobras, conseguiu convencer meus fiéis amigos a me enterrar lá. Todavia, nunca consegui descansar em paz. Isso por que, sabendo da triste morte de minha adorada Beatriz, nunca consegui me desligar deste plano.
Raíssa, observando o desespero em seu semblante etéreo, perguntou-lhe o que eles poderiam fazer para ajudá-lo.
Frederico respondeu que eles podiam rezar com ele. Quem sabe rezando muito, ele conseguiria elevar sua alma e assim, finalmente encontrar Beatriz, liberando-se de seu penoso fardo.
Raíssa, prometeu que rezaria por ele.
Dizendo que ele finalmente poderia se encontrar com Beatriz e seu filho, ouviu como resposta que ele nem mesmo chegou a nascer. Devido o estado de debilidade da moça, a criança não chegara a conhecer este mundo, segundo ele tão injusto.
A seguir, dizendo que Raíssa entendia seu sofrimento, comentou que o penar dela não duraria eternamente.
Ao ouvir isso Raíssa sorriu.
Nisso, o vulto em meio a fumaça, desapareceu.
Todos ficaram surpresos.
Raíssa incumbida da tarefa de ajudar a alma combalida de Frederico, ao sair do cemitério, pediu aos amigos para que pedissem ao Padre Olavo para rezar uma missa em memória de Frederico Lopes.
Luís e Léo, dizendo que o padre não os levariam a sério, perguntaram a ela como fariam para convencer o sacerdote de que não estavam brincando?
Raíssa respondeu:
-- É simples! Se vocês se oferecerem para ajudá-lo a organizar a cerimônia. Digam que em homenagem aos cento e trinta anos de sua morte, seria importante lembrar de uma figura tão legendária.
Os três concordando com os argumentos dela comentaram que poderiam propor ainda uma romaria até o cemitério.
Raíssa concordou. Contudo, como o corpo não estava enterrado na cidade, como fariam para convencer o padre a realizar a procissão?
Os garotos ficaram a pensar.
Contudo, analisando o assunto, os quatro chegaram a conclusão de que o certo seria começar a procissão na cidade vizinha. Afinal de contas, era lá que o corpo dele estava enterrado.
Era aí que estava o problema. Como fazer para convencer as duas cidades rivais, a concordarem com essa solução?
Raíssa, sugerindo uma proposta drástica, recomendou a eles que fossem decididos até o padre. Contando a ele que fariam a procissão ainda que ele não concordasse, deviam deixar bem claro que iriam sozinhos até lá se fosse preciso.
Léo, Cláudio e Luís e concordaram com a idéia de Raíssa.
Animados, convidaram a moça a acompanhá-los até a igreja.
Raíssa porém, dizendo que não seria bem vinda, respondeu que seria melhor que eles fossem sozinhos.
Contudo a despeito de sua não participação na conversa, a garota prometeu que participaria da procissão ainda que todos a dissessem para sair.
Os três sorriram.
E assim, depois de algumas horas, lá estavam eles adentrando a igreja para conversar com o padre.
Embora Padre Olavo tenha resistido muito a idéia, ao ouvir os argumentos dos jovens, o sacerdote acabou concordando. Sim, fariam a missa e a procissão.
Enquanto isso Raíssa, passando a ser intimada a voltar ao trabalho, a despeito das ameaças, teimava em não retornar.
Marcílio, percebendo a determinação da moça, comentou certa vez, que aquela seria sua última oportunidade de voltar atrás.
Raíssa, cansada de tantas ameaças, comentou que se ele e seus capangas não a deixassem em paz, revelaria tudo o que sabia a polícia.
O homem furioso, saiu de sua casa para nunca mais voltar.
Irado, ainda tentou usar Eulália para convencer a garota a mudar de idéia.
Fazendo uso de sua influência sobre a mulher, Marcílio orientou Eulália a convencer Raíssa a mudar de idéia. Fazendo ameaças a mesma, Marcílio conseguiu fazer com que ela se comprometesse com ele.
Com isso Eulália, sabendo que ele podia revelar fatos que ela nunca contara a ninguém, empenhou-se ao máximo em convencer Raíssa a voltar ao trabalho.
Para seu desespero contudo, Raíssa não fazia questão nenhuma de ouvir seus apelos. Dizendo estar cansada de ver as pessoas se intrometendo em sua vida, a garota respondeu que iria revelar tudo que sabia a polícia.
Eulália ao ouvir isso, descobriu o que desconfiava.
Raíssa estava trabalhando em algo ilícito.
Espantada com a revelação, mesmo sabendo do caráter ilícito deste, a mulher temendo que Marcílio cumprisse com suas ameaças, continuou a insistir para que Raíssa mudasse de idéia.
Raíssa por sua vez, cansada de tanto ser cobrada por isso, passou a ficar cada vez menos tempo em casa. Aborrecida com as ameaças e também com as exigências vindas de todos os lados, Raíssa, passou a evitar as pessoas. Ficando cada vez menos tempo em casa, Raíssa aproveitava para rezar para Frederico Lopes.
Numa casa abandonada, nos fundos do cemitério, a moça passou a rezar todos os dias por ele.
Eulália, ao ver um terço no quarto da enteada, ficou surpresa.
Tão surpresa que ao vê-la chegar, depois de um longo tempo afastada de casa, Eulália ironizou:
-- Não sabia que você agora aderiu a religião. Acaso pensa em se dedicar a caridade?
Ao ouvir a provocação porém, Raíssa não respondeu.
Cansada, fechou-se em seu quarto.
Dias depois, a garota, comparecendo a missa em homenagem a memória de Frederico Lopes, causou a todos espanto.
Ao adentrar a igreja, as beatas logo começaram a se benzer, o padre se espantou, e todos comentaram.
Rogério e Marta reprovaram, mas Luís, Cláudio e Leocádio, sorriram para ela.
Confiante com o apoio, mesmo que à distância, dos amigos, a garota sentou-se.
Com isso, a missa, que havia sido interrompida, prosseguiu.
Raíssa, era uma das pessoas que mais participou.
Nisso deu-se início a procissão, que começou no cemitério da cidade e se encerraria em outro cemitério, na cidade vizinha de Água Viva.
Finalmente a rivalidade entre as duas cidades acabaria.
Visitando o túmulo de Beatriz, os fiéis rezaram para que sua alma encontrasse o repouso eterno.
Durante o trajeto, a pé, entre as duas cidades, Padre Olavo revelou a história oficial sobre Frederico Lopes e Beatriz Morales.
Detalhista o sacerdote contou que os dois viveram numa sociedade conservadora. Se apaixonaram e viveram um romance proibido. Por conta do moralismo da época, pagaram muito caro por isso.
Enquanto explicava a história, os fiéis rezavam.
Raíssa, cantava.
Cantando tão belamente, os fiéis a seguiram.
Ao chegarem no cemitério da cidade vizinha, o padre procedeu exatamente como fizera na sepultura de Beatriz. Assim, fez algumas orações. Depois lançou água benta sobre o túmulo.
A seguir, pedindo para que ele descansasse em paz, pediu a todos que rezassem para ele a encontrasse. Encontrasse a paz e sua sonhada Beatriz.
Todos rezaram.
Em seguida, retornando de ônibus para a cidade, os fiéis continuaram rezando.
Raíssa feliz, durante o cerimonial, percebeu o vulto de Frederico assistindo a tudo.
Curiosa, ao chegar em Água Branca, a garota novamente foi até o cemitério. De longe conseguiu avistar Frederico Lopes.
Luís, Léo e Cláudio, após algum tempo, também surgiram por lá.
Curiosos, também foram até acompanhar a despedida de Frederico.
E exatamente como pensavam, o moço foi até a sepultura de Beatriz.
No entanto, diferente do que se sucedera outras vezes, a mulher, como que saindo da sepultura, surgiu diante dele.
Frederico e os quatros garotos mal podiam acreditar no que viam.
Feliz, o homem colocou-se aos pés da moça e chorando, respondeu que há mais de cem anos sonhava com isso.
Beatriz então, abaixando, segurando seu rosto, fez com que ele se levantasse.
Radiosa, a mulher lindamente vestida, parecia uma farol iluminando a tudo e todos.
Frederico ao vê-la tão bem, tão serena diante de si, quis logo beijá-la. Beijou-a.
Depois, dizendo que sentira saudades, pediu para ela o levasse consigo.
Beatriz sorriu. Estendendo sua mão, pediu para que ele a acompanhasse.
Frederico Lopes, segurando a delicada mão da moça, respondeu que ele a seguiria por onde quer que ela fosse.
Nisso, um facho de luz intensa iluminando os dois, fez com tudo se tornasse turvo para eles.
Raíssa, Léo, Luís e Cláudio, ao conseguirem diferenciar os túmulos, perceberam que os dois haviam desaparecido. O casal sumiu diante de seus olhos.
Assustados e maravilhados, não conseguiam pensar em outra coisa.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 24

Ó doce canto das sereias!
Isso por que, enquanto inicialmente o apelo sedutor atraí os jovens para o consumo desses produtos, causando-lhes dependência, mais tarde o que se vê é a escravidão desses jovens, ao mundo do qual dificilmente conseguirão sair.
Assim, enquanto alguns criminosos ganham dinheiro com o comércio das drogas, os jovens se afundam na dependência.
Nessa história contudo, não existe nenhum ganhador.
A menos que se considere quem comercializa drogas como um ‘empresário’ bem sucedido.
Marcílio, que vivia desse comércio há anos, era um exemplo disso. Considerando seu ‘trabalho’, como uma verdadeira profissão, costumava dizer que ninguém se envolvia nesse submundo de inocente. Portanto, não existiam culpados nessa história.
Mas ele estava enganado.
Isso por que, vivendo da miséria de outras pessoas ele construía uma vida pouco estável para si e para quem ‘trabalhava’ com ele.
Raíssa, atuando como uma de suas colaboradoras, juntamente com seus amigos, Luís, Cláudio e Leocádio, também ajudava na elaboração dos produtos. Muito embora os quatros jovens não fossem usuários – visto que eles sabiam o mal que esse tipo de produto causa –, ganhavam muito vivendo do tráfico.
Os garotos cientes de que para vender o produto, precisavam convencer as pessoas a comprá-los, costumavam se utilizar do fato de que no primeiro ou nos primeiros usos, a sensação é muito boa.
Dizendo as pessoas que elas íam gostar de experimentar o produto, os garotos ao oferecerem a primeira amostra gratuitamente, passavam a vendê-los nas outras vezes.
Era assim que Raíssa e seus amigos ganhavam dinheiro.
Certa vez, sem saberem o que fazer com o que ganhavam, Luís e Cláudio saíram juntos para compra um aparelho de som que haviam gostado.
Quando Luís chegou em casa segurando uma caixa imensa, Dona Marta e Seu Rogério, logo quiseram saber onde ele tinha arrumado dinheiro para comprar um aparelho eletrônico tão caro.
Luís, ao se ver pressionado pelos pais, contou que aquele fora um presente de um amigo seu.
Dona Marta, ao ouvir a explicação do filho, quis logo saber o nome do amigo.
O garoto, sem saber o que dizer, respondeu que era um garoto novo na escola.
A mulher insistiu.
Luís então, pensando no primeiro nome que lhe veio a cabeça, respondeu que o garoto se chamava Renato.
Ao ouvir o nome Renato, Marta, acreditando no filho, resolveu deixar de fazer perguntas.
Luís aproveitando isso, foi até seu quarto e encostando a porta, começou a se ocupar da instalação do aparelho de som. Ávido por curtir um som, mal podia esperar para ver o som todo montado.
Raíssa, ao saber da novidade, repreendeu Luís e Cláudio.
Dizendo que os mesmos foram imprudentes, afirmou que se os mesmos continuassem agindo dessa maneira, as pessoas acabariam desconfiando.
Daí, para descobrir o que fazia, seria apenas questão de tempo.
Ao ouvir isso Cláudio respondeu:
-- Pois então, pode pará de reclamar Raíssa. Eu não contei a ninguém como consegui o aparelho de som. Dizendo que fora um prêmio que ganhei numa aposta, meus pais me deixaram em paz.
Luís, percebendo que Raíssa passou a olhar para ele, comentou também:
-- E eu, ao ser indagado a respeito do som, respondi que ganhei de presente de um amigo. O Renato que me deu. – completou irônico.
Raíssa, percebendo o sarcasmo, também riu.
-- Renato. Curioso, não é mesmo? Eu nunca ouvi falar de nenhum Renato... Está certo. Dessa vez passa. Contudo, da próxima vez tenham mais cuidado. Ou acabarão descobrindo a gente.
-- Está certo Raíssa. Você é quem manda. Mas então o que a gente faz com o nosso dinheiro? – perguntou Léo, igualmente ávido por gastar seu dinheirinho.
-- Ah gente! Dá um tempo! Eu não estou querendo cortar o barato de vocês, mas é que nós precisamos pensar bem no que vamos fazer. Assim, só gastem o dinheiro quando vocês souberem o que fazer com ele. Está certo?
-- Está bem. – concordaram os três.
Com isso os jovens que tinham muito ‘trabalho’, passaram a ajudar no preparo da mercadoria. Luís, Cláudio e Léo, orientados por Raíssa, que aprendera com Reginaldo a produzir as drogas, passaram a fabricá-las, lá mesmo em Água Branca.
Pegando folhas e flores, esmagaram-nas e a seguir, passaram a produzir cigarros.
Sem qualquer cuidado, juntaram ao produto outros elementos, como pedaços de plantas, além de capim, esterco, etc. Tudo isso visando aumentar o volume da mercadoria.
Contudo, os jovens não trabalhavam só com a maconha. Vendendo cocaína, conseguiram arrastar muitos jovens para o furacão avassalador das drogas.
Fabricando a cocaína, sob a forma de pó branco, os garotos, visando aumentar seus lucros, passaram a adicionar outros produtos a mercadoria.
E assim foram acrescentando açúcar, farinha, talco ou drogas análogas. Desta feita, os quatros jovens encontraram uma nova forma de lucrarem com o nefasto comércio.
Participando do fabrico da droga, os jovens acreditavam estar demonstrando o quanto eram bons no que faziam.
Entrementes, muito embora não soubessem, com o trabalho de intermediação que faziam entre os consumidores e os chefões da organização a que pertencia, esses jovens – tanto os que se tornaram usuários como os que a comercializavam – estavam fornecendo subsídios para financiar o crime organizado.
E assim, enquanto os quatro jovens e seus novos auxiliares se enganavam acreditando que não estavam prejudicando ninguém, Marcílio e Reginaldo sabiam muito bem até onde se estendiam os braços da organização para a qual trabalhavam.
Muito embora, não fossem os chefes da organização, eram figuras importantes dentro do sistema.
Contudo, ambos sabiam que se fizessem algo que desagradasse seus superiores, poderiam pagar com a vida.
Assim se pode constatar que embora este caminho seja muito vantajoso financeiramente, é também um caminho sem volta. Um caminho onde todos de uma maneira ou de outra, terminam mal.
Raíssa e seus amigos, embora soubessem que estavam se envolvendo com algo muito perigoso, não tinham a mais vaga idéia do quão caro ainda pagariam pela opção que fizeram.
Como o trabalho era atraente, e muito compensador financeiramente, os quatro nem pensaram nas conseqüências de seus atos. Pelo contrário, acreditando que esse tipo de trabalho só lhes traria vantagens, resolveram se aventurar.
E assim, os quatro passaram a viver do comércio da aludida mercadoria.
Mas o que aparentemente era um negócio tranqüilo, começou a mostrar seu lado agressivo e cruel.
Isso por que, com o passar do tempo, começaram a surgir casos de overdose.
Alguns jovens, fazendo uso de quantidades cada vez maiores de cocaína, por exemplo, tornaram-se estranhos e violentos. Ao usarem a droga passaram a se agitar de modo frenético e tornaram-se extremamente ansiosos. Sentindo tremores, não conseguiam ter controle seus movimentos. Alguns, ao chegarem nesse estágio, passaram a ter alucinações, espasmos e convulsões.
Em decorrência dessas alucinações, muitos dependentes apresentavam estados psicóticos em que os mesmas de tão reais, davam a impressão de que formigas, ou mesmo vermes, corriam por baixo da pele.
Muitos, em decorrência da overdose, morreram.
Desesperadas, as famílias, não conseguiam compreender o estranho comportamento dos jovens.
Muitas vezes, tentando explicar o que não tinha explicação, os pais se apegavam a desculpa de que o mal era da idade, acreditando que com o passar do tempo, seus filhos mudariam de atitude.
Para seu desespero porém, em vez de seus filhos melhorarem, as coisas se tornavam cada vez piores.
Sem saber o fazer, se perguntavam desesperados o que estava acontecendo.
Com isso, quando alguns jovens faleceram em virtude do uso indiscriminado das drogas, as famílias de Água Branca finalmente resolveram tomar uma atitude. Cientes de que havia alguém na cidade vendendo aquelas porcarias para seus filhos, pais e mães exigiram uma atitude da polícia.
A polícia, prometendo investigar se empenhou na tarefa.
Para todos no entanto, a principal suspeita era Raíssa.
Assim, quando Pedro descobriu que alguns jovens morreram em virtude do uso imoderado de cocaína, o mesmo resolveu tomar satisfações com a moça.
Desconfiado dela, o rapaz foi até sua casa.
Quando Raíssa viu o rapaz batendo a sua porta, a moça ficou surpresa. Perguntando o que ele estava fazendo ali, descobriu para seu desalento, que o rapaz estava ali para criticá-la.
Tanto que sem nem mesmo entrar em sua casa, Pedro, aborrecido com a conduta da moça, começou antes mesmo que ela lhe dissesse uma palavra que fosse, a proferir palavras ríspidas e grosseiras para ela.
Dizendo que ela fora a responsável pelas mortes de inúmeras pessoas na cidade, ressaltou que não esperava respeito e consideração de sua parte. Contudo nunca imaginou que ela seria capaz de descer tão baixo.
Raíssa ao ouvir aqueles impropérios, bem que tentou se defender contra-argumentando. Mas, sempre que ameaçava abrir a boca para falar o que quer que fosse, Pedro a interrompia com suas palavras duras.
A certa altura, dizendo que a mesma deveria ter vergonha de praticar o mal cometera, perguntou-lhe se isso não lhe pesava em sua consciência.
Comentando sobre a enorme maldade que impingira a cidade, o rapaz revelou que todos na cidade acreditavam ser ela a responsável por tudo aquilo.
Raíssa, vendo agora teria oportunidade para falar, comentou que não tinha nenhuma relação com que estava acontecendo.
Colocando-se na posição de vítima, a moça disse que se havia algum responsável por toda aquela confusão, todos aqueles jovens tinham sua parcela de culpa.
Pedro irritado, comentou que nada eximiria os responsáveis por aquele comércio, de sua responsabilidade. Dizendo a ela que ainda estava em tempo corrigir o mal que cometera, o rapaz comentou que a polícia estava pronta para ouvi-la.
Irritada, Raíssa, dizendo que não tinha nada para comentar, cansada de ouvir tantos desaforos, pediu licença e fechou a porta.
Contudo, embora tivesse se aborrecido com a falta de modos do rapaz, pensando um pouco no quadro que se desenhava na cidade, Raíssa, aos poucos foi tomando contato com a realidade.
Relutante, demoraria algum tempo ainda para que ela se convencesse do mal que estava fazendo.
Somente quando a droga fez novas vítimas é que  a garota se convenceu de não estava certo viver da miséria dos outros.
Isso por que, quando começou a trabalhar com esse tipo de atividade, a moça tinha apenas uma pálida noção do que era esse mundo antes desconhecido para ela. Porém, ao saber que a primeira sensação de quem usava drogas era prazerosa, Raíssa começou a entender por que seu apelo era tão envolvente.
O que ela não sabia é que além de criar uma forte dependência as mercadorias que vendia, modificavam o comportamento e a percepção das pessoas.
Lendo sobre o assunto nos últimos dias, Raíssa começou a constatar que as drogas além de causarem dependência, traziam muitos problemas.
Alterações no comportamento, agressividade, etc.
Pesquisando sobre o assunto a moça descobriu que algumas drogas, do grupo das alucinógenas podiam desencadear problemas e desvios comportamentais e mentais latentes.
Sobre o haxixe por exemplo, descobriu que a droga tinha uma forte ligação com a loucura. Isso por que, inibindo todas as censuras, fazia com que as tendências mais reprimidas surgissem. Em virtude disso a droga era a causa do aumento de patologia mental e do suicídio entre jovens.
Chocada a garota descobriu também que muitas drogas podiam desencadear reações de pânico dependendo do estado do usuário.
Impressionada com as informações que tomou conhecimento, a garota fez questão de passar estes dados a Marcílio.
O homem, percebendo que ela se impressionara com tudo o que lera, respondeu:
-- Não ligue para essas bobagens. Muitos jornalistas e escritores escrevem estas lorotas, só para impressionar as pessoas. Nada disso é verdade. Não se preocupe.
Raíssa contudo, não ficou nem um pouco satisfeita com a resposta.
Tanto comentou que não adiantava ele tentar esconder a verdade com palavras amenas. Ressaltando que mesmo tendo lido muito pouco sobre o assunto, comentou que havia muito mais a ser descoberto.
Marcílio, retrucou:
-- Se as drogas são algo assim tão ruim, por que tanta gente se deixa seduzir por elas? Será que as pessoas se deixariam dominar por algo assim tão ruim?
-- A questão não é essa. Sim, a droga traz inicialmente uma indescritível sensação de prazer. O porém é, até quando vale a pena investir nisso? Sim por que, experimentar a droga inicialmente é muito bom, só que conforme a pessoa vai se acostumando com o produto, a quantidade que inicialmente lhe causava essa sensação, vai se tornando pouca. Assim, conforme o a pessoa for se tornando depende, para ela ter a mesma sensação, que durará cada vez menos tempo, precisara de doses maiores da mesma droga. E assim, quando uma determinada droga não a satisfizer, ela se encaminhará para outras drogas mais potentes. Um ótimo negócio, não é mesmo? Dominar um batalhão de pessoas que com o passar do tempo não serão nada mais do que sombras do que um dia foram. Um bando de mortos vivos.
Marcílio, ao ouvir as palavras reveladoras de Raíssa ficou um tanto quanto irritado com a petulância da moça. Percebendo que a garota finalmente se dera conta do que significava seu trabalho, o homem notou que precisava ser enérgico.
Diante disso respondeu:
-- Então é isso que você pensa do nosso trabalho. Que somos um bando de criminosos que arregimenta incautos como você e seus amigos, os manipulamos e tornamo-los criminosos. Sim por que se você acha errado o que nós fazemos, você esteve ciente disso desde o começo. Ninguém a enganou. Assim, se tem culpados nessa história, todos tem sua parcela de culpa. E tem mais. Se não existissem usuários, nós teríamos que nos ocupar de outras coisas. Portanto, não me venha com essa história de vítimas. Todo mundo sabe o que está fazendo. Não existem culpados. E agora, volte a seu trabalho, e não me amole mais com essa conversa fiada.
Raíssa, percebendo que de nada adiantaria ficar discutindo com Marcílio, resolveu conversar com os amigos.
Comentando com Luís, Cláudio e Léo, que havia feito uma grande besteira ao se envolver com a quadrilha de Marcílio, a moça deixou escapar que tencionava sair dali.
Os garotos, percebendo que Raíssa não estava de brincadeira, comentaram com ela que não havia como fugir.
Dizendo que aquele era um caminho sem volta, recomendaram que ela não contasse a ninguém que tinha a intenção de abandonar o grupo.
Com isso mesmo contrariada, a moça teve que continuar executando seu ‘trabalho’.
Vendendo a mercadoria, Raíssa passou dia-a-dia a sentir raiva de seu ‘trabalho’. Sentindo-se em dívida com toda a cidade, por integrar aquele grupo, depois de que tomara conhecimento do mal das drogas, percebeu o quanto era penoso viver daquela maneira. Contudo, o que fazer?
Para Eulália, era indiferente o estado de espírito da enteada.
Isso por que, desde que fora advertida por Marcílio sobre sua conduta com relação a Raíssa, a mulher passou a ficar cada vez menos tempo em casa. Sob a desculpa de que fazia hora-extra, ela ia mesmo era se encontrar com outros homens.
Algumas vezes, chegou a jantar em casa de Marcílio.
Assim, quando finalmente percebeu o ar abatido da enteada, Eulália simplesmente perguntou:
-- Que cara horrível!
No que a moça respondeu:
-- É a única que eu tenho.
Ao ouvir a resposta atravessada, Eulália falou para Raíssa ter modos.
Mas ao se lembrar da advertência de Marcílio, a mulher achou por bem se calar. Sabendo que Marcílio era perigoso, Eulália chegou a conclusão de que não devia irritá-lo.
Certa vez ao desafiá-lo, recebeu como resposta a sua ousadia, a pior surra que já levara na vida. Depois de muito apanhar, Eulália teve que ser hospitalizada. Com o rosto completamente deformado pela surra que levou, levou semanas para se recuperar.
Assim, todo o cuidado era pouco.
Com Marcílio, ninguém brincava e ela não seria louca de enfrentá-lo novamente.
Com isso passou a evitar a enteada.
Raíssa, por sua vez, achava isso muito bom.
Sem ter Eulália para chateá-la, a garota podia ficar até tarde na rua.
Nessa época, novos casos de overdose, passaram a ocorrer.
Os jovens, seduzidos pelo discurso sedutor dos vendedores de drogas, passaram a consumi-la avidamente. 2
Embora num primeiro uso, os mesmos tenham experimentado uma sensação de relaxamento e bem-estar, que os levou a uma euforia e socialização – por isso alguns jovens passaram a participar de grupos e nesses grupos a dividir a droga; outros, desejosos de ficar a sós, passaram a se entregar a pensamentos que os levava a pensar que estavam fazendo um maior uso da criatividade, já que as barreiras da censura são derrubadas.
Juntamente com essas sensações prazerosas vieram os sintomas físicos que alteraram as funções do organismo inteiro.
Primeiro foram os batimentos cardíacos que aumentaram, juntamente com a pressão arterial. Com isso segue-se a sensação de boca seca, fome incontrolável, olhos vermelhos. E é justamente pelos olhos, a janela da alma, que se nota o estágio de intoxicação aguda. A isso, acrescenta-se um elevado grau de ansiedade, sensação de insegurança e outros males.
Em alguns casos até mesmo sensação de pânico.
Dessa forma, embora num primeiro momento se tenha a impressão ilusória de que se está atingindo uma maior sensibilidade, principalmente nos ouvidos e nos olhos, o que se denota é que a confusão substitui cada vez mais a realidade.
E assim os jovens, consumindo a droga em maiores quantidades, passaram a sentir os revezes do uso indiscriminado da maconha.
Abandonando a realidade passaram a se deparar com a confusão. Seus reflexos foram se tornando lentos.
O torpor foi se tornando sono, a euforia se tornou excitação, a aceleração do pensamento passou a lhes fazer não conseguir coordenar idéias. Os sentidos ficam embotados.
A concentração diminuí – sinal pelo qual se reconhece a fase de intoxicação aguda. Com isso a maconha torna impossível reações rápidas e a coordenação dos movimentos.
Reduzindo a coordenação dos movimentos, torna-se perigoso conduzir veículos sob o uso de entorpecentes.
Além desses efeitos, com o passar do tempo, os professores começaram a perceber uma sensível queda no rendimento escolar.
Isso por que, os estudantes ao fazerem uso da droga, desencadearam um dos seus efeitos mais nocivos que é a perda de interesse no estudo, que bloqueia toda a motivação, e torna muito mais difícil o aprendizado intelectual.
Em razão da diminuição da capacidade mental, as aula perdem seu sentido, a leitura se torna penosa e desinteressante, assim como a compreensão de textos, que se torna praticamente impossível.
Ademais, as conversas são reduzidas ao mínimo indispensável.
Com isso as matérias que exigem um maior esforço intelectual e rigor mental, tornam-se fronteiras inacessíveis aos espíritos alterados, pesados e alquebrados pelo uso diuturno da maconha.

2 - A descrição refere-se a maconha.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 23

Toda mobiliada, estava pronta para ser habitada.
Marcílio, ao tomar conhecimento desse detalhe, ficou deveras satisfeito. Ansioso, tratou logo de fazer suas malas. Atento, recomendou que Reginaldo fizesse o mesmo, já que este também iria acompanhá-lo.
Dias depois, lá estava ele, residindo na cidade.
Água Branca, mesma cidade onde, anos antes ele saíra sumido, quase fugindo.
Ao se deparar com a construção, elogiou o cuidado com que Reginaldo executou o serviço. Adentrando a morada, constatou que seria ótimo viver ali. Afastada dos olhares de vizinhos bisbilhoteiros, aquele era um ótimo lugar para se morar.
Animado com a mudança, o homem recomendou que Reginaldo contratasse ao menos duas empregadas. Como a casa era grande, necessária se fazia a presença de criados para cuidar da casa.
Reginaldo, comparsa de Marcílio, prometeu que dentro em breve contrataria a criadagem necessária.
Marcílio, respondeu:
-- Está bem. Mas enquanto não temos empregadas, vamos procurar um lugar para comer, por o que nós não podemos é ficar é de estômago vazio, não é mesmo?
-- É verdade. – respondeu Reginaldo.
-- Então vamos.
Nisso os dois saíram juntos a procura de um restaurante ou qualquer outro lugar onde pudessem jantar.
Conforme andavam, Marcílio, pensou em ir até a casa de Eulália.
Como a mulher não havia chegado, os dois foram atendidos por Raíssa.
Atencioso Marcílio foi logo perguntando a moça como ela estava.
-- Bem. – respondeu ela, visivelmente feliz com sua presença.
Percebendo que Eulália não estava presente, Marcílio perguntou a moça se podiam conversar.
Raíssa, dizendo que Eulália estava fazendo serão, comentou que eles podiam falar sobre os negócios enquanto ela não chegava.
Marcílio, aproveitando o ensejo, disparou:
-- Pois bem. Como vão as coisas? Você está conseguindo vender bem as mercadorias?
-- Sim. Estão vendendo melhor do que eu poderia imaginar. Até um pessoal da escola está consumindo nossos produtos. – respondeu ela satisfeita.
-- Colegas seus? – perguntou ele curioso.
-- Ainda não. O senhor sabe, é preciso ter cuidado. Se não nos acautelarmos, facilmente seremos pegos. – respondeu ela com ar de superioridade.
Preocupado, Marcílio, recomendou-lhe que não vendesse os produtos para seus colegas de classe. Se fosse o caso, usasse de intermediários. Isso por que, ao lidar com esse grupo de pessoas, ela estaria se expondo muito.
Dizendo que certos riscos não se faziam necessários, recomendou que ela mantivesse distância dessas pessoas. Afinal de contas, todo cuidado era pouco.
Raíssa concordou, e prometendo não tratar diretamente com essas pessoas, comentou que estava precisando de mais gente.
Marcílio ao ouvir a reivindicação de Raíssa, ficou um tanto quanto preocupado. Aumentar o número de envolvidos era tornar mais gente conhecedora do trabalho deles.
Raíssa ciente dos riscos, comentou que se queriam expandir os negócios e não queriam expô-la, os mesmos deveriam contratar mais gente para trabalhar com eles.
Aproveitando o ensejo, a moça, dizendo que seu trabalho estava tendo um pouco de resultado, fez-lhes um desafio.
Afinal se tudo estava indo tão bem, por que não arriscar um pouco mais?
Reginaldo ao ouvir a proposta da moça, ficou um tanto quanto preocupado.
Marcílio, ao notar que Raíssa era ousada, prometeu que iria pensar no assunto. Por enquanto tudo ficaria como estava.
Raíssa prometeu que esperaria pacientemente pela resposta.
Nisso, Eulália chegando do trabalho, perguntou surpresa o que Marcílio estava fazendo ali.
O homem, apresentando seu amigo Reginaldo, comentou que estavam ali para uma breve visita. Explicando que passara o tempo em que a esperava conversando com a moça, comentou que Raíssa os convidara para jantar.
Eulália, espantada, comentou que não tinha preparado nada de especial para a ocasião.
Raíssa, percebendo isso, resolveu preparar o único prato que sabia fazer.
Assim, ao vasculhar os armários e encontrar um pacote de macarrão, auxiliada por Marcílio e Reginaldo, a garota preparou uma macarronada.
Eulália, ao ver a mesa posta, comentou espantada:
-- E pensar que eu peço isso todos os dias a Raíssa e ela insiste em não me atender. Marcílio, percebendo que ela ainda estava de pé, convidou-a para se sentar.
Eulália, encantada com as boas maneiras de Marcílio, sentou-se. Faminta, comeu com gosto a macarronada. Comeu e repetiu.
Ao ouvir de Marcílio que fora Raíssa quem preparara o repasto, Eulália, surpresa, foi logo perguntando:
-- Re o quê? Isso não é capim!
-- Minha cara, eu simplesmente disse que foi Raíssa que preparou o jantar. Está bem? – respondeu ele calmamente.
-- Essa res então é isso? Comida?
-- Repasto senhora. Fina iguaria. – emendou ele.
-- Fina iguaria. Sei. Mas iguaria não é tudo sempre igual?
Raíssa, impaciente com a pouca instrução de sua madrasta, comentou que iguaria era um prato muito sofisticado e não o que ela estava pensando.
Eulália, percebendo que Raíssa e Marcílio pareciam muito amigos, foi logo perguntando a eles, como era que os dois se conheciam.
Raíssa, surpresa com a pergunta, ficou sem palavras.
Marcílio percebendo o apuro, comentou que como já havia dito antes, a viu trabalhando na loja de um amigo seu.
Curiosa, Eulália quis logo saber que tipo de loja era.
Raíssa, respondeu que era uma loja de roupas.
A mulher surpresa logo comentou:
-- Curioso. A única coisa que eu nunca imaginei você fazendo é atender pessoas! Curioso ... Raíssa, me responda uma pergunta então. Não foi você mesma que disse que odiava lidar com pessoas?
Raíssa ao ouvir a pergunta, respondeu que não, nunca dissera isso. Ademais se algum dia proferira aquelas palavras, isso fora há muito.
Eulália ficou surpresa.
Muito embora não tivesse acreditado nas palavras da enteada, nem sequer imaginava no que a moça estava envolvida. Em relação a isso, só mais tarde descobriria que Raíssa estava trilhando um caminho sem volta.
Contudo, para ela, que não estava tão preocupada assim com a enteada, saber que Raíssa levava dinheiro para casa, era muito bom.
Sim por que, desde que voltara, a garota passou a também contribuir com as despesas da casa.
Quando Marcílio tomou conhecimento deste fato, o homem ficou furioso.
Tomando satisfações com Eulália, o mesmo disse-lhe que se ela continuasse cobrando dinheiro da enteada, a mesma deixaria de receber a gorda mesada que ele pagava.
Eulália, dizendo que estava tendo muitos gastos ultimamente, comentou que já que ela estava trabalhando, podia perfeitamente colaborar com as despesas da casa.
O homem ao ouvir isso, ficou furioso.
Dizendo que não estava nem um pouco interessado em sustentar os luxos da mulher, foi taxativo ao dizer que o dinheiro que ele lhe dava era para as duas. Ademais, era quantia mais do que suficiente para suprir os gastos de ambas.
Eulália, tentou retrucar, mas Marcílio ao dizer que era sua última palavra, calou-a.
Mais tarde, quando ele descobriu que a casa estava no nome de Raíssa, constatou que Eulália se utilizara desse artifício como manobra.
Isso por que, estando a casa em nome da primeira, nenhum credor poderia tomar a casa em que moravam. Trambiqueira até não poder mais, a mulher usara deste expediente para se eximir de possíveis responsabilidades.
Quando ele descobriu isso, percebeu que Eulália, tentando ser esperta, acabou abrindo caminho para Raíssa tomasse a casa dela. Constatando que Raíssa estava com a faca e o queijo nas mãos, resolveu não revelar o que sabia. Esperando o momento oportuno para se manifestar, deixaria o assunto aparentemente de lado.
Enquanto isso Raíssa vendia as aludidas mercadorias. Precavida, realizava as negociações em lugares afastados da cidade.
Em galpões velhos, lugares abandonados.
Todos os lugares afastados eram bons pontos para realizar o comércio.
Marcílio que havia prometido pensar na proposta da moça em arrumar novos ajudantes, acabou concordando com ela. Ao ver o volume de trabalho que tinham, o mesmo percebeu que a medida era necessária.
Diante disso, Raíssa chamando novos auxiliares, treinou-os e indicando quais eram seus alvos e o ponto onde iriam trabalhar, aumentou o índices de vendas das mercadorias.
Contudo, o que parecia ser uma ótima idéia, revelou-se com o passar do tempo, ser um péssimo negócio.
Isso por que, seus colegas de classe ao tomarem conhecimento de havia um produto sendo vendido por alguns garotos, que deixava todo mundo feliz, acorreram logo em direção a eles. E assim foi dado o primeiro passo para a ruína dos mesmos.
Inicialmente porém, os jovens, consumindo as mercadorias, ficaram felizes e eufóricos.
Tão felizes e eufóricos que parecia que nada destruiria toda aquela felicidade.
A felicidade inexorável.
Com doses médias os jovens passaram a sentir uma curta sensação de euforia. Autoconfiantes muitos sentiram os donos do mundo. Confiantes sentiam que podiam tudo o que queriam. Atentos passaram a ter a mais concreta sensação de que a tudo entendiam e olhavam com maior clareza.
Sem fome e sem vontade de dormir ficaram a criar mundos imaginários.
Vivendo por meia hora nesse mundo de satisfação e felicidade, muitos jovens, animados com a possibilidade de prolongarem essa sensação de prazer, decidiram comprar mais da aludida mercadoria.
Mesmo diante das sensações físicas como aumento do número de batimentos do coração, elevação da temperatura do corpo, respiração cortada, dilatação das pupilas, aparição de suor e palidez, os mesmos sentiam que deviam comprar mais do produto.
E assim, lá se foram eles, cada vez mais obcecados pela maravilhosa mercadoria que lhes prometia prazeres indizíveis. Prazeres, que mais cedo do que imaginavam, se tornariam suas maiores prisões.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 22

 Assim, em setembro de 1993, estavam prontos.
Passaram então a vender as mercadorias em um lugar afastado, longe do olhar de curiosos e de policiais indesejáveis.
Finalmente estavam trabalhando.
Para não levantarem suspeitas, vendiam as aludidas mercadorias, ainda durante o dia. Durante a noite fatalmente geraria desconfianças. Assim, começaram a trabalhar a tarde.
Como não havia uma fachada para o negócio, não podiam se expor tanto. Tinham que ser cautelosos, ou tudo daria errado.
Portanto, trabalhavam dessa forma.
Procurando se precaver, sempre perguntavam que ao comprador quem lhe havia indicado o ponto, e onde estavam. Com isso, só depois de respondidas as perguntas, vendiam a mercadoria ao interessado. E ainda assim, quando desconfiavam de algo errado, não executavam o negócio.
Entretanto, como fazia pouco tempo que estavam no ramo, não haviam sido alvo de pessoas suspeitas. Mas como sempre, todo cuidado é pouco. Isso porque, certa vez, chegaram a ver alguns policiais se aproximando dali.
Mas do que depressa, guardaram tudo e sumiram do lugar por algum tempo.
Só voltaram a vender as ditas mercadorias quando os policiais se afastaram do lugar, depois de algumas horas.
Contudo, combinaram entre si, que nas próximas vendas, iriam para lugares diferentes. Não ficariam sempre no mesmo lugar. Poderiam ser pegos se assim fizessem. E assim passaram a proceder.
Procedendo dessa maneira, os quatro garotos passaram a vender as mercadorias nos lugares mais inusitados. Contudo, como precisavam ser discretos, evitavam executar seus negócios em presença de estranhos.
Diante disso, conforme o tempo foi passando, os garotos, percebendo que o trabalho deles estava dando lucro, passaram a querer gastar o dinheiro que ganhavam.
Raíssa, temendo que o fato de terem tanto dinheiro levantaria suspeitas, recomendou aos garotos que guardassem a quantia. Cautelosos, deveriam gastar somente uma pequena parte da quantia.
Luís, Cláudio e Leocádio, não gostaram nem um pouco de ouvirem as palavras de Raíssa. Aborrecidos com a interferência da garota, os rapazes comentaram que independente do que ela pensava a respeito do comportamento deles, eles gastariam o dinheiro como bem lhe conviesse.
Atrevidos, chegaram até a dizer que ela não tinha nada que ver com isso.
Raíssa, ao constatar que não seria ouvida, resolveu deixar o assunto de lado.

Nesse ínterim, Marcílio, que havia prometido a Raíssa conversar com Eulália, decidiu finalmente se apresentar. Ciente de que a mulher trabalhava durante o dia, o homem resolveu encontrá-la em casa.
Qual não foi a surpresa de Eulália ao ver Marcílio.
Totalmente mudado, nem parecia o homem que conhecera há tantos anos. Mais bem vestido, parecia bem sucedido.
Eulália, percebendo isso, tratou logo de se insinuar para ele. Dizendo que ele estava há muito tempo sumido, Eulália elogiou-o.
Marcílio, notando o ar bajulador de Eulália, agradeceu o elogio, mas dizendo que tinha algo importante a falar, comentou que vira Raíssa.
A mulher ao ouvir as palavras de Marcílio, ficou espantada. Surpresa perguntou:
-- Viu Raíssa? Quando? Onde?
Marcílio, percebendo que a garota não fizera nenhum comentário sobre sua provável visita, admirou-se de sua discrição. Realmente Raíssa estava saindo melhor que a encomenda. Notando o espanto de Eulália, Marcílio passou a explicar sua visita.
Dizendo que a vira de passagem por uma das cidades onde morava, – evitando porém dizer o nome da localidade – Marcílio comentou que a moça parecia estar trabalhando na loja de um conhecido, amigo seu.
Ao ouvir isso Eulália, se tranqüilizou. Afinal de contas se os dois se conheceram nesta circunstância, a garota não sabia qual era exatamente seu grau de parentesco com ela. Constatando isso Eulália ficou deveras feliz.
Decerto ele estaria ali para pedir algum favor para ela.
Por esta razão Eulália aguardou pacientemente o pedido de Marcílio.
O homem explicou então o que queria.
-- Como a senhora já deve ter percebido, eu estou aqui para te fazer um pedido. Antes porém, eu gostaria de saber, como andam as coisas por aqui? Vocês estão precisando de dinheiro?
-- Corta essa. Acaso não nos conhecemos há tanto tempo? Então pra quê formalidades?
-- Está bem, Eulália. Mas repito a pergunta, vocês estão precisando de alguma coisa?
-- Não. O dinheiro que você me manda mensalmente é mais do que o suficiente.
Marcílio, percebendo a pobreza do lugar em que viviam, perguntou:
-- Se não lhes falta nada, por que vocês vivem num lugar tão miserável com este? Acaso o dinheiro que eu lhes mando não é o suficiente para que tenham um padrão de vida melhor?
Eulália, percebendo que Marcílio notara que devia ser terrível viver num lugar como aquele, respondeu que ao contrário do que ele imaginava, o dinheiro era mais do que suficiente para alugarem uma casa na área central da cidade. A questão era, se elas passassem a viver num lugar melhor, como ela faria para manter as despesas da casa, bem como pagar a escola de Raíssa?
Marcílio ao ouvir as explanações de Eulália, perguntou se Raíssa estava estudando em uma escola particular.
Eulália respondeu que sim.
Marcílio, espantado, perguntou então:
-- Curioso! Eu estou a algum tempo nesta cidade e até agora não me deparei com nenhuma instituição de ensino particular.
Eulália, vendo-se desmascarada, tentou consertar a situação. Dizendo que estava guardando o dinheiro para a faculdade da moça, respondeu que acreditava que ela iria longe.
O homem não engoliu a história no entanto.
Por isso mesmo, procurando obter uma resposta para aquele engodo, Marcílio, segurando um dos braços de Eulália, exigiu uma explicação. Afinal de contas, o que ela estava fazendo com o dinheiro que ele mandava quase todos os meses praticamente desde que deixou a cidade?
Intimidada com o gesto bruto de Marcílio, que irritado segurava seu braço com cada vez mais força, Eulália, pedindo para que ele a soltasse, respondeu:
-- Está certo! Eu vou contar tudo. Quando meu marido sumiu, sem ter dinheiro para me manter na casa em que morava, passei a procurar uma moradia mais simples. Sem saber o que fazer da minha vida, voltei a trabalhar e assim consegui pagar o aluguel desse lugar... Veja bem! Ele não é tão ruim assim.
Marcílio, olhando atentamente para a casa, percebeu que apesar de pobre, era um lugar limpo. Assim, a despeito da economia de Eulália, Raíssa não estava mal acomodada.
Incomodado porém com o fato da garota morar num lugar tão pobre, o homem prometeu, que assim que tivesse condições, montaria uma bela casa na cidade para a garota morar. Aproveitando o ensejo, Marcílio, recomendou a ela que tratasse a garota bem. Isso por que, se viesse a tomar conhecimento de que a garota não vinha sendo bem tratada, ele a levaria para morar com ele e assim, adeus mesada.
Eulália, percebendo que poderia perder uma bela fonte de renda, concordou.
Marcílio, percebendo isso, ficou bastante satisfeito.
A seguir, dizendo que precisava resolver alguns assuntos, comentou que mais tarde voltaria para ver como estavam indo as coisas entre ela e Raíssa.
Eulália, dizendo que cuidaria muito bem da enteada, respondeu que ele poderia voltar quando bem quisesse.
Nisso Marcílio saiu.
Raíssa então, que fazia hora para voltar para casa, percebendo que havia demorado muito em seu trabalho, tratou logo de se apressar. Cautelosa, evitou entrar pela porta da frente em sua casa.
Assim, pulando novamente o muro, entrou em seu quarto pela janela.
Eulália que aguardava o retorno de Raíssa para casa, ao perceber que a garota estava em seu quarto, ficou espantada. Perguntando se ela estava há muito tempo ali, ouviu como resposta um sim.
Apavorada, a mulher perguntou a garota se ela havia ouvido parte da conversa que tivera.
Raíssa ao perceber o ar aflito da madrasta, foi logo perguntando com quem ela havia conversado.
Eulália, sem saber o que dizer, respondeu que conversara com uma vizinha sobre um assunto particular.
A garota, percebendo que sua madrasta não queria entrar em detalhes sobre o teor da conversa, resolveu deixar o assunto de lado. Dizendo que ela não precisava se preocupar com o jantar, comentou que já havia jantado.
Eulália, atônita com os últimos acontecimentos, respondeu que estava bem.
Com isso, para Raíssa as últimas semanas estavam sendo memoráveis.
Isso por que Eulália, passando a fazer horas extras, passou a ficar cada vez menos tempo em casa.
Desta forma, Raíssa, sem ter de suportar o controle da madrasta, passou a ficar cada vez mais livre.
Sem ter hora para chegar em casa, começou a ficar relapsa com seus estudos. Isso por que, com o passar do tempo vinha freqüentando cada vez menos a escola.
Seus amigos, percebendo isso, trataram logo de adverti-la. Sim por que, se eles tinham que ser discretos, ela também devia fazer o mesmo.
Raíssa porém, ao invés de seguir os conselhos dos amigos, retrucou dizendo que quando ela lhes aconselhara a não torrar todo o dinheiro que ganhavam, ninguém a ouvira. Assim, se a sua palavra não era dado crédito, ela também não se sentia na obrigação de fazê-lo com relação as palavras dos amigos.
Foi então que Luís, Cláudio e Leocádio, disseram que pensaram em suas palavras, e analisando melhor a situação, decidiram esperar um pouco mais para gastar o que haviam ganho.
Raíssa, ao ouvir os garotos, percebendo que os mesmos deram crédito a suas palavras, resolveu pensar um pouco.
Cláudio e Leocádio, contudo, não ficaram satisfeitos com a resposta.
Dizendo que esperavam mais de sua parte, não sossegaram enquanto não fizeram Raíssa se convencer de que o melhor que a fazer era voltar para a escola.
Raíssa, tentando argumentar, disse que tudo aquilo era uma imensa chateação.
No entanto, sem ter como recusar um pedido dos amigos, a mesma acabou concordando. Sim, cuidaria para não mais faltar tanto as aulas. Afinal de contas, eles tinham que manter as aparências.
Nisso, Marcílio, que planejava se instalar em Água Branca, auxiliado por Reginaldo, passou a acertar os detalhes de sua mudança. Como não podia se expôr, quem cuidou do aluguel da casa, foi seu braço direito.
Reginaldo, cuidando disso, viajou até a cidade.
Seguindo as recomendações de Marcílio, o mesmo palmilhou toda a cidade em busca de um lugar que pudesse alugar.
Esta casa devia ficar bem afastada da região central da cidade. E assim foi feito. Depois de algum tempo procurando, finalmente Reginaldo encontrou uma casa exatamente como Marcílio desejava.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 21

E assim, no dia seguinte, mais do que depressa, se preparou para ir a escola.
Como havia perdido as primeiras duas semanas de aula, Dona Eulália precisou ir, no horário de almoço até a escola, para resolver os problemas atinentes a rematrícula da enteada.
Fora isso, o dia transcorreu normalmente.
Raíssa voltou para casa na hora do almoço, e mais tarde, foi até a casa de Luís.
Precisava pegar a matéria que havia perdido enquanto estava viajando.
Luís ao vê-la, foi logo dizendo:
-- Andou sumida, hein? Nem contou pra gente onde esteve.
-- Desculpe, Luís, não podia. Se eu contasse onde estava, logo minha madrasta descobriria e iria atrás de mim.
-- E deu tudo certo?
Nisso Raíssa, contou que precisava de um tempo.
Um tempo para que pudesse contar para todos os amigos onde esteve. Contou ainda, que precisava da ajuda de todos eles para por uma idéia em prática. Segundo ela, uma idéia que desejava há muito tempo, transformar em realidade. Contudo, não podia adiantar sobre o que se tratava. Mas afirmou que seria algo muito bom para todos os que estivessem como ela.
Aproveitou ainda, para pedir o material, as anotações referentes aos dias faltados.
No que Luís, ficou surpreso. Como pode? Justo ela, a garota mais bagunceira da classe, interessada em anotações de caderno.
Foi então que Raíssa explicou que precisava mostrar empenho nos estudos, pelo menos no momento, para que Dona Eulália não ficasse no seu pé. Precisava de se livrar das atenções da madrasta, ou então, nada do que estava planejando daria certo.
E assim, diante de tantas explicações, não restou ao amigo, senão concordar com Raíssa e emprestar-lhe o material.
Mas, realmente, Raíssa estava estranha. De visual novo, mais bem vestida, parecia outra pessoa.
Estranhamente, até mais comportada ficou. Estudiosa, passou até, a receber elogios freqüentes dos professores.
Contudo, sua madrasta, continuava desconfiada de tão súbita mudança. Era muita coisa boa acontecendo ao mesmo tempo. Não podia ser verdade. Desconfiada, sempre dizia:
-- Quando o milagre é muito, o santo desconfia.
Afinal de contas, como se tinha operado verdadeiro milagre?
Estranhamente, Raíssa havia mudado da água para o vinho.
Mas reticente, Dona Eulália passou a vigiar os passos da enteada, desconfiava que algo esquisito estava acontecendo.
Afinal de contas, como Raíssa conseguiu arranjar um trabalho tão bom em tão pouco tempo? Como conseguiu se dar tão bem em outra cidade?
Enfim, achava tudo isso muito estranho. Sem contar o comportamento da garota.
Mas, a despeito de suas desconfianças, Dona Eulália não conseguiu descobrir nada que implicasse em prejuízos para a enteada.
Como estava mais quieta e disciplinada, os professores só lhe eram elogios. Até as notas melhoraram.
No entanto, Dona Eulália continuava desconfiada. Para ela, tinha que haver algo de errado. Raíssa não dava ponto sem nó, em suas palavras.
Inconformada, fez de tudo para descobrir uma falha que fosse, nos planos de Raíssa.
Mas não logrou êxito.
Contudo, mesmo diante do fracasso da madrasta, a garota passou a ser mais cautelosa, em seus contatos com os amigos.
Ademais, para afastar a presença inconveniente da madrasta, tratou de arrumar um esconderijo.
Um lugar escondido, para que pudesse, com seus amigos, planejar a instalação de um ponto na cidade, para realizar os ‘servicinhos’ de que estava encarregada. Para isso, no entanto, precisava de alguns auxiliares.
Por essa razão, acabou por marcar um encontro com Luís, Cláudio e Léo, para que pudessem conversar a respeito da sua viagem e seus projetos para a cidade.
Precavida, tomou o cuidado de não revelar imediatamente do que se tratava. Disse apenas que era algo perigoso, mas que traria muitas vantagens para eles.
Era um negócio altamente lucrativo. Entretanto, não podiam revelar a ninguém o conteúdo da conversa que travaram. Não era interessante que pessoas estranhas soubessem do que estava acontecendo.
Assim, todos prometeram silêncio.
Contudo, os três garotos estavam receosos. Não queriam ter problemas com a polícia local.
Mas Raíssa, astuta como era, tratou logo de acalmá-los. Afastou seus receios ao argumentar que se fizessem tudo direito, não haveria problemas, não seriam pegos. Não tinham que se preocupar, pois, o plano era perfeito. Além do que, a polícia da cidade não estava preparada para lidar com uma situação dessas. O que era uma vantagem para eles.
Assim, demovidos de seus temores, por fim, resolveram aceitar o convite de Raíssa e juntamente a ela, participar do novo ‘negócio’.
O que deixou Raíssa, deveras satisfeita.
E assim o mais difícil conseguira, que era convencer seus amigos a participar de tudo isso.
Agora, só cabia explicar a eles, exatamente do que tratava e prepará-los para executarem os planos.
Contudo, Raíssa não revelou a eles tudo o que sabia. Disse apenas, o estritamente necessário, para que soubessem o que deveriam fazer quando recebessem o sinal verde, do já intitulado ‘chefão’.
Conscientes do que estavam fazendo, sabiam que era algo extremamente perigoso, mas vantajoso monetariamente.
Daí se concluí, que não houve coação de qualquer espécie, para que passassem a fazer parte da organização.
Até por que, depois de muitas conversas com Raíssa, os três estavam até animados com a novidade. Finalmente a independência financeira.
Estavam ansiosos.
Não viam a hora de tudo começar.
Mas, para tudo dar certo, não poderiam levantar suspeitas. Tinham que ser discretos. Para isso, precisavam mudar seus comportamentos.
Precisavam parecer meninos bem comportados. Precisavam convencer a todos que não estavam fazendo nada de errado.
Assim, Raíssa aconselhou-os, a prestarem mais atenção nas aulas, fazerem anotações no caderno. Se fosse o caso, até participarem efetivamente das aulas.
Contudo, isso teria que ser feito aos poucos, senão, ao invés de os livrarem de suspeitas, os fariam serem alvo de outras e infundadas suspeitas. Por isso, não podiam falhar.
E cientes disso, acataram os conselhos da garota.
Diante disso, dia após dia, Luís, Cláudio e Leocádio cuidaram de acompanhar as aulas com mais atenção. Chegavam até, a responder algumas perguntas que os professores lançavam para a classe.
Diversas vezes, conforme os meses se passavam, passaram a ser elogiados pelos professores.
Agora, diferente de Raíssa, não foram alvo de suspeitas. Satisfeitos, seus respectivos pais, gostaram muito da mudança.
Assim, ao final de quase seis meses de aulas, tudo estava transcorrendo da melhor maneira possível. Mas dado o avançar do ano, já estavam impacientes. Queriam começar a trabalhar.
Já estavam em Agosto e nada do ‘chefão’ dar o sinal de que eles poderiam começar a pôr o plano em prática.
Com isso, finalmente, ao final do mês, Raíssa recebeu o sinal tão esperado.
Finalmente, poderia pôr o plano em prática, o plano tão cuidadosamente estudado durante meses.
Assim, mais do que depressa, tratou de avisar os amigos de podiam começar a executar o plano.
Conforme já combinado, receberam as mercadorias e a guardaram em um depósito secreto.
Dessarte, mais do que depressa, passaram a se organizar para entrar em ação.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.