Cauteloso, procurou pensar um pouco antes de começar a falar. Não queria falar mais do que o necessário. Por isso o esforço em ser contido.
Com isso depois de muito pensar, começou a contar que não era nascido naquela cidade. Mas desde sua morte vivia ali.
No entanto, muito antes disso acontecer, passou a residir naquele município. Estava instalando uma filial de seu banco, o famoso Banco Lopes. Estava tudo indo muito bem.
Contudo, alguns anos depois, o banco passou por uma pequena crise. Crise esta que fez o Senhor Morales perder uma significativa quantia em dinheiro, fato este, que diminuiu sua credibilidade, e lhe prejudicou os planos de entrar para a política.
Por isso, Seu Morales teve que adiar os planos para ser prefeito da cidade. Com o patrimônio abalado, não pôde fazer investimentos na cidade por um longo tempo.
Foi então que Raíssa impaciente, perguntou:
-- E onde foi que o senhor e a Senhorita Morales se conheceram?
Aborrecido, o cavalheiro pediu-lhe que não interrompesse e continuou sua narrativa.
Eu a conheci depois da crise pela qual meu banco passou. Muito embora tivesse tido problemas, logo pude resolvê-los e ressarci todos os que investiram no meu estabelecimento, através de aplicações que havia feito com meu próprio capital reinvestido.
No entanto, mesmo assim, o Senhor Morales me acusou de desonestidade.
Dizia-me que se eu não tinha cuidado com o dinheiro alheio, não deveria ser dono de um banco.
Tentei ressarcir seus prejuízos, mas mesmo assim ele não me perdoou. Mesmo ciente de que tivera prejuízos com investimentos em outros bancos, só se preocupou em acusar a mim.
E nisso ficou falando dos enfrentamentos que teve com o respeitável aristocrata.
Disse que estava dando continuidade aos negócios de seu pai, mas não era um deles. Não era um aristocrata, era um homem rico que nascera pobre, mas que lutou para mudar sua sorte.
Com dinheiro passou a se preocupar em ter um certo nível cultural. Contratou professores para se aprimorar. Aprendeu a se vestir melhor, a falar melhor, a se comportar melhor. Enfim, era um perfeito cavalheiro. Tão refinado que chegou até a ser mais sofisticado do que muitos dos aristocratas tradicionais com quem tratava.
Viajou, conheceu outros países.
Por fim, era uma companhia interessante, e um ótimo partido para as mulheres das cercanias.
E o homem continuou conversando com Raíssa, contando-lhe muitas coisas.
Contou-lhe que fundou o primeiro banco na cidade onde nasceu. Que retornou diversas vezes para lá, depois que passou a residir na cidade vizinha.
E assim, continuou comentando sobre sua vida de luxo em Água Viva, de como foi bem recebido pela sociedade do lugar. De que, com o passar do tempo, passou a ser respeitado em toda a região. Região, leia-se, todas as cidades próximas. Sim, viajava muito. Por isso, conheceu boa parte das cidadezinhas do lugar.
Se envolveu com algumas mulheres.
Mas só se apaixonou de verdade pela Senhorita Morales. Conhecera a moça, em baile organizado por amigos em comum dele, e da família da moça. Daí o encontro.
Quando a viu pela primeira vez, num baile de máscaras, não sabia que era a filha do Senhor Morales.
Assim, sem defesas, interessou-se pela moça. Dançou com ela durante quase todo o baile.
Conversaram sobre coisas prosaicas. Encantados que ficaram um pelo outro, chegaram até a sair, por poucos instantes, do salão. Ficaram passeando no jardim, admirando esculturas, lindas estátuas que enfeitavam o jardim. Felizes, observaram a lua.
Foi nesse instante em que ficaram a sós, que finalmente tiraram as máscaras e puderam ver os respectivos rostos.
O homem misterioso então continuou:
-- Foi então que eu percebi, naquele instante, que aquela era a mulher da minha vida.
-- Tocante. – interrompeu Raíssa.
Mas o cavalheiro não se incomodou, continuou sua narrativa.
Contou que retornaram ao salão, continuaram dançando durante mais algum tempo.
Até que finalmente o Senhor Morales puxou-a pelo braço e a obrigou a ficar perto dele.
Foi aí que ele descobriu que havia dançado durante quase todo o baile, com Beatriz, a filha do Senhor Morales.
Desconcertado, não sabia o que fazer, mas sabia que dependia dela para alcançar sua felicidade. Estranhamente, a partir do momento em que a viu, passou a ter certeza de que ela era a pessoa certa para ele. Obcecado, pensava nela a todo instante.
Teimosamente, passou a procurá-la em todos os lugares que sabia que freqüentava.
Apaixonado, tentou diversas vezes, conversar com seu pai. O que não resultou em nada.
Irritado que estava com o Senhor Frederico Lopes, a última coisa que queria, seria, encontrar-se com ele. Odiava-o.
Assim, inúteis resultaram suas tentativas de uma trégua.
Com isso, não lhe restou mais nada, senão passar a se encontrar furtivamente com a moça.
Embora admitisse que isso era desonroso para um homem que sempre fora correto como ele, sabia que, se não o fizesse, nunca mais poderia ver sua amada. E como gostava muito dela, não poderia deixar que isso acontecesse.
Por esta razão, o casal, passou a se encontrar escondido.
Nas rápidas vezes em se viam, planejavam os tão esperados encontros.
Além disso, podiam contar com a discrição da dama de companhia de Beatriz, que sempre os avisava quando alguém estava por se aproximar.
Contudo, apesar de apaixonados, não puderam concretizar seu amor em toda sua plenitude.
Em razão disso, o misterioso cavalheiro parou de falar.
Raíssa, então, ao ver que o estranho homem vacilava, insistiu para que ele prosseguisse em seu relato. Curiosa, queria saber o final da história.
Como o homem pensava em terminar a conversa, Raíssa ficou irritada e lhe disse que, se não terminasse o que começou, ela não sairia dali.
Por isso, diante de tão decisiva e abrupta manifestação, não lhe restou outra alternativa, senão continuar o seu relato.
E nisso, melancólico, o misterioso homem, que só sentia saudades do que conseguia se lembrar, lembrou-se dos inúmeros encontros que tivera com a jovem senhorita.
Lembrou-se de um encontro que tiveram num lago. Mesmo com o risco de serem pegos, uma única vez fizeram um pequenique no parque. Lá havia um lindo lago com alguns patos, que recebiam alimento dos visitantes.
Ali viveram uma de suas mais belas tardes juntos.
Conversaram, fizeram planos de futuro. Nesse dia o jovem Frederico lhe confessou que a adorava, que sentia que era a mulher de sua vida. Contou-lhe sobre seu passado. Que nascera pobre, mas que progredira. Alegou que não teve culpa pelo que acontecera a seu pai. Disse-lhe ainda que, diversas vezes tentou reembolsá-lo dos prejuízos que sofrera muito embora não tivesse sido o seu causador. Mas não logrou êxito em suas tratativas com o Senhor Morales.
Atenciosa como sempre, a moça lhe disse que ele não deveria se sentir culpado pelo ocorrido. Afinal, se tentou acertar as contas com o ilustre aristocrata, não poderiam lhe acusar de inescrúpuloso.
E assim, entre sorrisos e palavras, passaram a tarde deleitando-se com saborosos quitutes elaborados por sua criada.
Para que não levantar suspeitas, o jovem cavalheiro mandou preparar uma bela cesta com quitutes para um convescote.
Feliz, lembrou-se que puderam até admirar o pôr-do-sol e a beleza de suas luzes se refletindo no lago.
No volta, a jovem senhorita seguiu na carruagem de Frederico, até a saída do parque. Lá, os dois se despediram, e a jovem seguiu a pé.
Gentil, o rapaz tentou oferecer-lhe carona até a praça central da cidade, mas a ilustre dama recusou.
Temendo ser descoberta, resolveu não aceitar o oferecimento. Mesmo insistindo para que ela fosse na carruagem e ele seguisse a pé, ela não aceitou. Poderiam descobrir que se tratava dele.
Enfim, retornou a pé para casa.
Preocupado, o Senhor Lopes quis se certificar, com a dama de companhia da jovem, do que acontecera quando ela chegou em casa.
Cautelosa, a escrava disse-lhe que apesar de ter ela sido admoestada, o Senhor Morales não desconfiou, nem por um momento, de que esta encontrava-se com seu desafeto.
No entanto, ficaria de castigo até segunda ordem. Afinal de contas, como pode demorar-se tanto em seu passeio? Como reprimenda impingiu-lhe ainda mais um castigo, ficaria sem cear.
Quanto a escrava, esta ficaria afastada de suas funções por um bom tempo.
Maçada! Isso deixou o Senhor Lopes deveras desolado. Afinal como faria agora?
Impaciente, não lhe restava mais nada senão esperar. Não tinha escolha.
Se enfrentasse o pai da moça, provavelmente ela sofreria as conseqüências de seu gesto impensado.
Não, realmente não poderia expô-la dessa maneira. Além disso, não era chegada a hora em que poderia confessar-se.
Primeiro precisava restabelecer a confiança do Senhor Morales nele. Mesmo ciente de que isso seria quase impossível de se conseguir.
O cavalheiro, enquanto confidenciava sobre seu passado com Raíssa, contou-lhe que tencionava casar-se com a jovem. Disse que sentia saudades dos encontros com a jovem. Que a adorava.
Falou dos passeios que freqüentemente faziam, longe da cidade. Ainda melancólico, revelou que algumas vezes chegaram a se tocarem.
No que Raíssa interrompeu-o:
-- Fizeram sexo.
Aborrecido, o Senhor Lopes lhe disse:
-- Mas que falta de modos. É isso que se aprende na escola?
No que ela retrucou:
-- Não. O que se aprende na escola é muito pior.
Nisso, o misterioso cavalheiro, continuou sua narrativa.
Confessou que realmente, tiveram relações. Durante algumas semanas, chegaram até a viver como se casados fossem. Isso porque a moça viajaria por algumas semanas para longe.
Essa fora uma forma do Senhor Morales, afastar a filha, por algum tempo, da cidade.
Precavido, tratou logo de arrumar uma nova dama de companhia para ela.
Assim, como responsável pela moça, uma outra dama de companhia acompanhara esta em sua viagem.
Entrementes, apesar de inicialmente isso ser um obstáculo, a mulher solidária, concordou em não contar nada ao pai dela.
Cautelosos, planejaram tudo cuidadosamente, para que pudessem ficar juntos por algum tempo.
Assim, rumaram para a cidade de Água Branca.
Lá, passaram-se por casados. Foram convidados para inúmeras festas, ceias.
Passearam pela cidade.
Nesses passeios, cumprimentavam os moradores do local. Conhecido que era por todos, Frederico não teve trabalho nenhum para inserir sua suposta esposa, no seio da melhor sociedade do lugar.
Afinal, era amigo do prefeito e dos demais políticos, que lhe deviam favores. Mas, gentis ou não, todos se encantaram com sua esposa.
Dedicada, Beatriz cuidou muito bem da casa do ‘marido’, enquanto por lá permaneceu.
Admirados e queridos pelos moradores do lugar, chegaram até a organizar uma festa convidando os mais importantes moradores de lá, para participarem.
Por duas semanas, enquanto ele trabalhava, já que ali estava a matriz de seu banco, Beatriz se encarregou de preparar uma suntuosa recepção para todos os moradores da cidade.
A festa seria um verdadeiro baile de gala para que, finalmente fosse conhecida por toda a sociedade do lugar.
Fora uma festa memorável.
Segundo o misterioso cavalheiro, os dois dançaram por toda a noite. Em alguns momentos, enquanto dançavam, os convidados paravam todos para admirar o casal.
Encantados, comentavam:
-- Como são felizes.
-- Com são bonitos. Parecem que nasceram para ficarem juntos.
-- Nunca vi um casal tão bonito, e tão feliz.
Os dois eram realmente, objeto de adoração dos moradores da cidade. Dois seres encantadores.
Foi então que Raíssa, novamente interrompeu-o:
-- Que comovente! Isso tudo é verdade, ou é fantasia de sua imaginação delirante?
Nisso, o homem misterioso, lhe pediu para não o interromper novamente.
E entretido que estava, continuou sua narrativa.
Disse então, que de tão entrosados que estavam, chegaram até, a fazer curtas viagens para lugares mais afastados.
Conheceram outras cidades, outros lugares. Visitaram fazendas, lugares históricos, museus. E também, dormiram na mesma cama.
Durante todo o tempo em que estiveram juntos, pôde contar-lhe melhor sobre sua origem, sua família, sua história.
Apaixonado, também ouviu com atenção a história da aristocrata, a origem nobre de sua família. Contou-lhe que foram seus ancestrais que há quase cem anos, fundaram a cidade.
Enfim, para todos eram um casal apaixonado e feliz. Tão feliz que não despertaram suspeitas sobre os moradores do lugar com relação ao verdadeiro estado civil dos dois.
Aliás, tão felizes, que chegaram em certos momentos, a esquecer-se de que tudo aquilo era uma brincadeira. Que mais cedo ou mais tarde, precisariam retornar para Água Viva.
Foi então que ele sugeriu que se casassem. Poderiam ir para outra cidade mais longe dali e se casarem. Assim, quando voltassem para lá, seu pai, o Senhor Morales, nada poderia fazer para impedir que ficassem juntos.
O jovem Frederico insistiu com a jovem para que ficassem juntos, para que ela não voltasse para casa. Prometeu que a manteria e que depois poderiam convencer a seu pai de que não tiveram alternativa, se amavam e precisavam ficar juntos.
Mas ela se sentia insegura. Não queria afrontar o pai. Queria que tudo acontecesse de uma maneira mais tranqüila.
No que Frederico não concordava com ela. Sabia que o velho senhor era teimoso. Talvez, jamais o aceitasse, e ele, apaixonado que estava, não iria aceitar separar de sua amada.
Decepcionado que ficou com o comportamento reticente da moça, chegou diversas vezes a lhe perguntar se realmente sentia por ele, o que ele sentia por ela. Disse-lhe que a amava e que faria de tudo para não perdê-la. Mas disse também, que, se soubesse que o sentimento que lhe devotava, não era reciproco, aí, nada poderia fazer. Simplesmente a deixaria ir. Muito embora com pesar, mas não lutaria por alguém que não nutrisse o mesmo sentimento por ele.
Surpresa com a atitude do amado, Beatriz disse-lhe então, que não era por falta de afeto que estava recusando a proposta feita por ele. Era apenas por respeito e consideração a seu pai, que sempre cuidou dela. Um pai que embora não parecesse aos olhos dele, sempre fora muito amável e gentil com ela. Assim, não achava justo magoá-lo.
Crédula, achava que poderia convencê-lo a aceitar o rapaz que escolhera para conviver para o resto de sua vida, e assim, optou por não se casar.
Mas infelizmente, não convenceu.
Ao retornar para casa, foi recebida carinhosamente pelo pai.
Saudoso, só queria saber como fora a viagem, se tudo correra bem.
Atento, percebeu que sua filha, trazia novas cores no rosto. Parecia feliz.
Apesar de ter ficado quase três meses longe de casa, não parecia estar com muita saudade.
Diante disso, seu pai perguntou:
-- O que fizeste ficar assim, tão feliz?
-- Nada demais, adorei poder viajar. Poderíamos viajar juntos da próxima vez.
-- Realmente, quem sabe. Minha querida, você sabe muito bem que eu precisava ficar para resolver os problemas que ocorreram com minhas aplicações, com meus investimentos, principalmente com aqueles que foram realizados no Banco Lopes. O banco daquele crápula.
-- Meu pai, não digas isso. Ele tentou ressarcir-lhe os prejuízos.
Ao ouvir isso, o Senhor Augusto Morales enervou-se:
-- Como pode dizer isso? Sabes muito bem, que não se trata disso. Com os investimentos realizados, perdi o dinheiro que tencionava investir em projetos para a cidade. Sabes que sonho ser prefeito. Para poder continuar o trabalho de nossos ancestrais.
-- Entendo papai, mas o estrago já está feito. Não seria melhor o senhor aceitar a oferta dele? Afinal de contas, o senhor não investiu lá somente.
-- Eu sei minha filha. Mas não quero falar sobre isso. Conte-me sobre a viagem.
-- Mas papai. Eu escrevi tanto sobre a viagem. Mandei-lhe postais, escrevi cartas quase que diariamente. Não tenho mais o que contar.
-- Não conheceu nenhum rapaz interessante? – perguntou curioso.
-- Conheci, mas não posso contar detalhes agora.
-- Por que?
-- Por que não sei se dará certo.
E nessa conversa permaneceriam por um longo tempo, se a Senhora Morales não os interrompesse para cumprimentar a filha.
Estava feliz pelo seu retorno. Afinal, desde que nascera, nunca havia passado tanto tempo longe dos pais.
Foi aí então, que pode finalmente descansar.
Descansar, para no dia seguinte contar todos os detalhes da viagem.
E nisso os meses se seguiram.
Embora o tempo passasse célere, as coisas não se tornaram amenas para os dois que continuaram a se encontrar furtivamente.
Contudo, inadvertidamente, acabaram sendo vistos por um conhecido, amigo da família Morales, que, mais do que depressa, acabou por comentar o fato de ter encontrado a Senhorita Morales, com o Senhor Lopes.
Isso por que viu-os juntos, quando retornavam de um passeio, ao ver a moça descendo da carruagem do rapaz.
Desavisado, quando se encontrou com o Senhor Morales, chegou a cumprimentar o amigo pelo provável enlace que resultaria do envolvimento dos dois. Mas, embora não rejeitasse tal possibilidade, comentou com o mesmo, que este deveria orientar melhor a filha, pois algumas pessoas poderiam estranhar tudo isso.
Afinal de contas, ele a vira descer de sua carruagem. E como toda moça de família, não deveria ficar a sós com um homem, pois isso poderia gerar falatório.
Ao ouvir isso, Augusto Morales ficou furioso.
Enraivecido, que estava, levantou-se abruptamente do sofá e saiu da sala de sua casa. De tão enfurecido que estava, nem se despediu do amigo, atônito com sua reação.
Cego de raiva, só queria encontra a filha e lhe pedir explicações.
Quanto ao petulante Senhor Lopes, lhe daria uma lição exemplar. O ensinaria a não procurar sua filha. Já havia o prejudicado, não tinha o direito de difamar sua filha também.
E assim, ficou durante horas procurando os dois. Vasculhou todos os cantos da cidade. Perguntou aos transeuntes sobre sua filha.
Mas nada de encontrar a moça. O que deixou ainda mais desconfiado e com raiva.
Como sua filha, sua adorada criança pode atraiçoá-lo desta maneira? Não sabe ela que estava proibida de se aproximar de tão inútil sujeito?
Foi então que, ao final do dia, encontrou-a rezando, na igreja. De acordo com o padre, Beatriz passara toda a tarde ali ajudando-o e rezando. Não tinha saído de lá.
No entanto, mesmo contando com as palavras do sacerdote, o Senhor Morales continuava desconfiado. Mas como tinha verdadeira adoração pela filha, não chegou a verbalizar sua raiva para ela. Planejava ir até a casa do Senhor Lopes.
Assim, levou Beatriz para casa e saiu, depois de adverti-la de que teria um castigo por ter saído de casa sem companhia, e sem avisar sua mãe, mandou-a esperar para então dizer-lhe o castigo.
Nisso saiu de casa, e se dirigiu até a casa de Frederico Lopes.
O homem misterioso então contou que Augusto Morales lhe disse palavras extremamente duras, pesadas mesmo.
Palavras capazes de humilhar até o mais indiferente dos homens. Mas, embora estivesse sendo ofendido, não respondeu as imprecações do aristocrata. Não queria dar mais motivos para ele castigar a filha.
Por fim depois de muito ofender Frederico, o Senhor Morales lhe perguntou se havia estado com Beatriz, o que ele negou negou veementemente. Disse que depois do baile, nunca mais a tinha visto. Comentou inclusive, que estava noivo de uma senhorita de família conhecida, em sua cidade natal. Assim, não havia motivos para que Augusto desconfiasse da moça.
Quando, o Senhor Morales insistiu na alegação de que haviam sido visto juntos, Frederico continuou a negar. Afirmou que quem disse isso equivocou-se. Provavelmente confundiu sua carruagem com outra, ou mesmo a moça.
Diante disso, não restou mais nada ao Senhor Morales, senão se retirar da casa dele. Não tinha mais o que fazer ali.
Contudo, mesmo com as desculpas dadas por ambos, o Senhor Morales continuava desconfiado.
Sentia que algo muito estranho estava acontecendo.
Assim, proibiu sua filha de sair de casa.
Durante algumas semanas, Beatriz ficou reclusa. Sem poder sair, só lhe restava se dedicar aos trabalhos domésticos e a leitura.
Por horas a fio, permanecia trancada dentro de seu quarto, lendo bons livros. Machado de Assis e José de Alencar, eram seus autores favoritos. Também aproveitou para tocar piano. Agora, sem ter qualquer distração fora de casa, tinha tempo de sobra para estudar e aprender novas formas de cuidar de uma casa.
Sua dama de companhia, a que agora estava com ela, que nos últimos tempos, passou a ser sua companheira constante, foi afastada dela. Assim, isolada, não podia ter contato com qualquer dos criados. Como companhia de conversas, somente os pais.
Fato este que a entristeceu deveras. Sentia-se sozinha. Como carregava um segredo, não podia conversar com os pais, estava realmente sozinha.
Para piorar, seu pai tencionava arranjar-lhe um noivo.
Por conta da história que contara quando chegou de viagem, este começou a lhe perguntar sobre o suposto rapaz. Atormentou-a tanto com a história, que Beatriz resolveu permanecer em seu quarto enquanto estivesse de castigo.
Emocionado, o cavalheiro misterioso, continuou contando, que passou semanas angustiado. Por semanas, ficou sem notícias da amada. Mesmo com informantes, não conseguia descobrir o que estava acontecendo.
Preocupado, cogitou até, ir até a casa onde morava e confessar ao Senhor Morales que pretendia se casar com a moça e resolver isso de uma vez por todas.
Mas seus amigos advertiram-no que se assim procedesse, prejudicaria ainda mais a moça. Deveria então, ser mais cuidadoso.
Em razão disso, resolveu esperar mais um pouco. Mas pouco confiante que estava, planejava retirá-la de sua casa, mesmo que tivesse que fazer isso a força.
Casaria-se com a moça, nem que fosse a última coisa que fizesse. Se a situação não se resolvesse, enfrentaria o pai da jovem, e a tiraria de lá.
Mas, infelizmente, não foi o que se deu. Segundo o relato do estranho homem, ele não logrou êxito em seu intento. Não conseguiu ajudá-la.
Indignada, Raíssa então lhe perguntou:
-- Como não conseguiu? Não enfrentou o pai da moça? Afinal de contas, que espécie de homem você é?
Ofendido, respondeu-lhe que nem tudo aconteceu como planejara.
Realmente, chegou a enfrentar o pai da jovem. Ameaçou-lhe dizendo que a levaria dali, se ele não tirasse do castigo. Isso porque, a moça já estava a meses, reclusa em sua casa. Raramente se via Beatriz fora de casa, e quando isto acontecia, era sempre para a igreja que ía.
Com isso, logo Frederico descobriu que Beatriz estava abatida. Por meio de informantes, descobriu que a moça tinha havia até emagrecido, logo ela, que já era tão frágil.
O jovem pressentia que, se a moça continuasse a viver daquela maneira, acabaria morrendo.
Por conta disso, já ecoavam pela cidade, boatos de que Beatriz havia acabado por desmoralizar a já combalida família Morales.
Alguns fofoqueiros, cruéis, chegaram a insinuar que a jovem estaria grávida.
Quando isto caiu nos ouvidos dele, enervou-se. Como poderiam difamar tão doce criatura? Nunca fizera nada de mal para eles. Não merecia ser desmoralizada.
Assim, diante dos fatos, resolveu tomar uma atitude.
Enfrentou o pai da moça. Decidido, iria levá-la dali, custasse o que custasse.
E assim o fez. O Senhor Morales, sem alternativa diante de uma ameaça de escândalo, não teve outra alternativa senão concordar com o encontro.
Qual não foi o espanto de Frederico ao vê-la.
Descobriu-a pálida, enfraquecida e magra. Não parecia nem de longe a moça cheia de vida que conhecera meses antes. Realmente estava muito doente. Surpreso, constatou ainda, que a jovem estava grávida.
Por esta razão, ao vê-la em tão deplorável estado, se aproximou dela e carregando-a, retirou-a do quarto onde ela repousava e desceu com ela até a sala.
Ao descer, explicou ao Senhor Morales que a levaria dali. Levaria Beatriz para sua casa, cuidaria da jovem, e assim que esta estivesse restabelecida, se casaria com ela.
Com isso, enquanto a moça era levada para sua carruagem, continuou na sala, conversando com a família.
Esperançoso, foi duramente alertado de que a moça fora desenganada, e que não lhe restavam senão mais alguns meses de vida.
Ao ouvir isso, Frederico desesperou-se. Desabrido, disse apenas que faria esses meses se transformarem em anos.
E saiu da sala indo de encontro a sua carruagem.
Nas ruas, era encarado com desaprovação. Mesmo assim, não desistiria de seu amor.
E assim o fez. Cuidou dela até quando pode.
E continuou a dizer:
-- Eu nunca desistiria do meu amor. Enquanto pude, cuidei dela. Procurei todos os médicos que podia. Pensei até em viajar para a Europa, quem sabe lá eles tivessem a cura para seu mal. Debalde. Nada adiantou. Muito embora tenha melhorado um pouco, não conseguiu vencer a doença. Assim, em 16 de Outubro de 1862, faleceu, depois de muito lutar para continuar vivendo. Nesse dia, nesse maldito dia, eu não estava presente. De vingança, seu pai conseguiu tomá-la de mim. Por isso eu não estava por perto nos seus últimos momentos. Injustamente, eu não pude estar com ela no momento de sua partida. – disse sem poder disfarçar o choro.
Depois de se recompor do choro, disse a Raíssa, que somente depois de alguns meses de sua morte, descobriu que sua querida amada havia lhe escrito uma longa carta despedindo-se dele. No entanto, nunca soube o conteúdo desta carta. O impiedoso Senhor Morales a queimou momentos após a morte de sua única filha.
Mas o que importava, é que perdera a razão de sua existência.
Nada mais lhe importava.
Além do mais, quando soube que a moça estava morrendo, partiu desesperadamente em seu encalço, na vã tentativa de ter uma última conversa com Beatriz.
Mas, infelizmente, não conseguiu chegar a tempo.
Ao tentar vê-la pela última vez, não o deixaram se aproximar.
Desiludido, tentou se enforcar. No que foi, imediatamente impedido pelos únicos amigos que ainda conversavam com ele. Seus amigos ficaram tão preocupados com seu estado, que durante meses, tomaram conta dele.
Contudo, não poderiam ficar a vida inteira o pageando. Assim, aos 12 de maio de 1863, matou-se com um tiro na cabeça.
Espantada, Raíssa então perguntou:
-- Então você é realmente o que eu pensava. Um fantasma.
-- Sim, eu sou um espírito desencarnado.
-- Caramba. Isso aconteceu há mais de cem anos.
Silêncio.
Quando Raíssa voltou-se para continuar conversando com o fantasma, o misterioso homem havia desaparecido.
E, por mais que procurasse, não o encontrava. Foi então que, depois de muito caminhar pelo cemitério, percebeu uma sepultura. Na lápide estava inscrito ‘Frederico Lopes – 1834/1863 – Amigo querido e amado em vida’.
Depois de ler atentamente a inscrição, olhou para o céu. Ao olhar em volta, deu-se conta de que já era dia claro. Passara praticamente a noite inteira dentro do cemitério.
Dado o adiantado da hora, percebeu que precisava se apressar. Tinha que voltar para seu hotel e pegar sua bagagem. Afinal, tinha que voltar para casa.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
Poesias
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021
A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 19
A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 18
Diante dos fatos, precisava aproveitar os poucos dias que ainda tinha para ficar na cidade.
Assim, aproveitou para visitar os lugares que havia gostado. Passou em frente a mansão que lhe despertou curiosidades. Ficou a admirá-la por um longo tempo. Encantada, queria guardar na memória cada detalhe da construção.
Já sentindo saudades, passeou pela praça onde dormira na primeira noite que passou na cidade.
Aproveitou ainda para, juntamente com seu chefe e Reginaldo, almoçarem num dos melhores restaurantes do lugar.
Animado, Marcílio só queria saber de comemorar. Havia finalmente encontrado uma grande assistente. Uma pessoa a sua altura para dar continuidade ao comércio da organização.
Tal fato, chegou até a gerar um certo conflito com Reginaldo. Este sentiu-se preterido, afinal de contas estava na organização já havia muito tempo. Por isso, nada mais justo que passar para ele o encargo.
Mas o alto comando, não queria vê-lo envolvido nisso, os chefões preferiam alguém que conhecesse pouco a organização. Não queriam se arriscar. Quanto menos os novos ‘funcionários’ soubessem, melhor. Menos riscos.
Afinal de contas, não poderiam colocar na linha de frente, seus melhores ‘funcionários’.
Por esta razão, Marcílio escolheu Raíssa.
Por esta estar a pouco tempo trabalhando para ele, não teve tempo suficiente para conhecer os meandros da organização. Além disso, parecia ser a melhor opção. Esperta, Marcílio confiou em sua capacidade de liderança. Também lhe pareceu, uma pessoa de confiança.
E com isso, sem ter outra alternativa, só restou para Reginaldo, se conformar com a escolha. Embora estivesse insatisfeito, acabou aceitando a escolha do parceiro e comparsa. Amigo de Marcílio há muitos anos, confiou em sua capacidade de escolha.
Por esta razão, chegou até a acompanhar Raíssa em alguns passeios.
Muito embora não tenha se tornado amigo da garota, com a convivência diária, acabou por deixar de lado a hostilidade.
Afinal de contas, fora ele mesmo que a indicara para o amigo, dada sua esperteza e sua capacidade de desconfiar das coisas.
Ademais tinha que reconhecer, que ficou impressionado com ela.
Esta apesar de sua pouca idade, sabia se virar muito bem. A maior prova disso foi ter conseguido ficar em Água Viva por tanto tempo.
Por fim, Raíssa, antes de voltar para sua cidade, fez questão de mais uma vez, visitar o cemitério da cidade.
E assim, caminhou novamente pelas ruas da cidade.
Passeou pela praça, reviu os prédios onde seu chefe e o camarada dele trabalhavam, reviu a velha mansão que a impressionara semanas atrás, e seguiu até o cemitério da cidade.
Queria muito, encontrar-se novamente com o misterioso homem com quem falara tempos atrás.
Tranqüila, visitou algumas sepulturas. Caminhando pelas quadras do cemitério, pode constatar que havia muitos túmulos antigos. Em algumas lápides constava nomes de famílias tradicionais do lugar. Pessoas que foram influentes algum dia.
Impressionada, Raíssa pensou, este deve ser o sonho de todos os professores de história.
E continuou a caminhar. Depois de um belo jantar com Marcílio e Reginaldo, onde comeu muito bem, só queria despedir-se da cidade. Caminhar pelos lugares bonitos, e despedir das pessoas com quem convivera durante alguns meses.
Mentira. Raíssa queria mais que tudo, encontrar-se novamente com o homem, o estranho homem.
Com isso, esperou durante horas para que o homem aparecesse.
Cansada, acabou por dormir ao lado de uma sepultura. Sentou-se no chão, e acabou dormindo apoiada em um túmulo.
Quase que imediatamente adormeceu, e dormiu durante algumas horas. Foi então, quando já estava quase amanhecendo, um homem se aproximou.
De longe, se podia ver sua imponente capa preta tremulando ao sabor dos ventos da madrugada.
E assim, chegando cada vez mais perto ... Raíssa despertou.
Assustada, logo que percebeu o vulto que se aproximava, levantou-se sobressaltada.
Ao ver-se de pé, percebeu que o homem que a assustara, não era nada mais que a temida assombração por que esperava.
Foi então que o homem perguntou:
-- O que você quer de mim?
-- Nada de mais. Só queria conversar um pouco com você.
-- Ah é? E o que você quer saber?
-- Quero saber sobre sua vida.
-- Pois eu não quero falar sobre mim. Não pode me deixar em paz? – perguntou irado.
-- Mas não fui eu que procurei-o. Foi o senhor que veio até a mim. Não se lembra? – respondeu, calmamente.
-- Mas isso não te dá o direito de vir até aqui perturbar-me.
-- Eu sei. Me desculpe. Não foi minha intenção. Mas eu quero saber o que aconteceu. Quem sabe eu possa ajudar o senhor?
Nisso, o misterioso homem riu. Ajudá-lo. Quem poderia?
Mas Raíssa insistiu. Queria conhecer mais sobre sua história, e não desistiria até conseguir descobrir o que se passara.
Diante disso, o homem descobriu que não tinha jeito. Teria que dizer-lhe alguma coisa, se quisesse se livrar dela. E assim o fez.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 17
Raíssa, como todos os jovens de sua idade, achava que já sabia de tudo. Confiante, acreditava que tudo daria certo. Estava feliz, e nada, absolutamente nada estragaria seus planos.
Com isso, a cada dia que passava, sentia-se mais dona de sua própria vida.
Como seu chefe havia lhe prometido cuidar da questão com a madrasta, tranqüilizou-se. Afinal de contas, era do interesse de todos que ninguém atrapalhasse os planos da organização. Como a garota demonstrou durante o pouco tempo em que ficou sob a responsabilidade de Marcílio, tratar-se de pessoa confiável, não haveria problema nenhum que ele se encarregasse de conversar com a madrasta.
No entanto, pelo pouco que já havia conversado com Raíssa, percebera que Eulália era uma pessoa de gênio difícil. Por isso cogitava comprar seu silêncio.
Assim, conforme se esgotava o tempo de Raíssa na cidade, Marcílio já se acautelara no sentido de se informar sobre quem era a madrasta da garota. Sem que Raíssa soubesse, mandou uma pessoa de confiança investigar a vida das duas.
E assim foi feito. De posse do resultado das investigações, descobriu surpreso, que já conhecia a madrasta de Raíssa.
Descobriu ainda, que o relacionamento entre as duas não era bom. O que explicava a fuga de Raíssa para uma das cidades vizinhas. Mais espantado ainda, constatou que Raíssa poderia ser sua parente. Entretanto, não comentou nada com a garota.
Discreto combinou com a mesma que ela iria primeiro, de ônibus. Isso para que ninguém desconfiasse dos seus planos. Cauteloso, pediu para a garota que aguardasse as ordens para começar. Portanto, enquanto não estivesse autorizada a entrar em ação, não poderia comentar com ninguém os planos. Nem com os amigos, nem com qualquer pessoa que ela pretendesse que se tornasse um colaborador. Os mesmos só poderiam tomar conhecimento disso, na hora certa.
Alertaram-na de que, se assim não procedesse, poderia vir a ter problemas.
No que Raíssa, consciente dos riscos que envolviam a operação, prometeu não comentar sobre o assunto.
No entanto, uma coisa a aborrecia. Diferente do combinado, teria que voltar a conviver com a madrasta. Idéia esta que desagradou-a profundamente.
Mas seu chefe, lhe prometeu que assim que pudesse, conversaria com a madrasta. Por enquanto, não seria necessário.
Por isso pediu-lhe paciência. Afinal não poderiam levantar suspeitas. Prometeu ainda, que enquanto estivesse aguardando ordens, continuaria a receber seu salário normalmente.
E mais, para ajudá-la, deu-lhe uma boa quantia em dinheiro.
Disse-lhe para usá-lo como cala boca contra a madrasta. Se era como ela mesma dizia, levando-lhe dinheiro, a fera mais do que depressa se acalmaria.
Assim, terminava o trabalho de Raíssa na cidade.
Agora, teria que arrumar seus pertences e se preparar para o retorno. Nesta volta, teria ainda, que enfrentar a madrasta.
Teria ainda, que esconder de todos, o seu trabalho na cidade. Diria simplesmente que ganhou alguns presentes dos amigos e amigas que fez na cidade, e que trabalhou para se manter durante os três meses e meio que ficou na cidade.
Como motivo para voltar, diria simplesmente que alguns amigos descobriram que ela fugiu e a aconselharam a voltar para casa.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 16
A cidade de Água Viva, apesar de maior do que sua cidade natal, não chegava a ser um grande centro. Muito pelo contrário, era uma típica cidade interiorana.
Mas enfim, depois de mais de um mês de estada, queria conhecer um pouco melhor o lugar.
Junto com seu chefe já havia visitado algumas vezes, restaurantes, lanchonetes, alguns cinemas, tudo para conhecer melhor o lugar onde estava vivendo temporariamente. Pois, dada a combinação realizada com seu patrão, dentro em breve, retornaria a sua cidade natal, para por em prática os planos traçados por ele.
Assim, precisava conhecer o trabalho deles, se preparar. Nessa preparação, Raíssa acabou por conhecer um pouco melhor, cada um deles.
Em razão da proximidade, chegaram a ter uma boa convivência.
Chegaram até a fazer alguns passeios juntos. Passeios esses, que eram a alegria de Raíssa.
Realmente, a garota estava adorando viver naquele lugar. Estava adorando poder ter dinheiro. Enfim, finalmente começava a usufruir um pouco do que os mais abastados possuíam. E adorou.
Pensava em voz alta:
-- Finalmente vou me livrar de minha madrasta. Não vou depender mais dela. De sua má vontade. De seu mal humor.
Durante os meses em que ficou trabalhando na cidade, se sentira livre de verdade. Sem ninguém para controlá-la, podia fazer tudo o que queria. E aproveitou. Muito melhor do que esperava.
Aliás, não fosse a proposta de seu chefe, jamais retornaria para Água Branca.
Estava feliz em Água Viva, a cidade rival. Bem melhor. Com uma perspectiva de vida melhor. Estava trabalhando por lá. Sentia-se feliz como nunca.
Tranqüila, já imaginava que sua madrasta já havia desistido de procurá-la. Como já fazia um bom tempo que por ali estava, pensava que, se nunca vieram bater em sua porta para buscá-la, é por que desistiram de encontrá-la. Ou melhor, estava tão bem escondida que não conseguiam encontrá-la. Talvez até, a julgassem morta.
Curiosamente, seu chefe, Marcílio, nunca perguntara sobre seus pais. Muito menos seu comparsa, Reginaldo. Apesar deste não confiar muito nela, nunca levantara suspeitas sobre sua vinda para a cidade. Sequer tivera curiosidade em saber por que ela tinha vindo para Água Viva.
A única coisa que lhes interessava, era que trabalhasse bem e que fosse discreta. Não poderia jamais, revelar a quem quer que fosse, sobre a origem ilícita de seu sustento. Mas, o que interessava a Raíssa este fato?
Só lhe importava continuar ganhando dinheiro para se manter e poder se divertir.
Com o que ganhava comprava roupas e assim, pode finalmente se desfazer de seu coturno surrado, e de suas calças jeans surradas.
Qualquer um de seus amigos se a vissem agora, não a reconheceriam. Estava visivelmente diferente. Com seu dinheiro, podia se vestir melhor, cuidar-se melhor.
Entretanto, nem tudo estava perfeito. Quando voltasse para sua cidade, teria que enfrentar sua madrasta. Como faria para tirá-la do caminho? Sabedora das circunstâncias pelas quais foi aceita por ela, tinha a mais absoluta certeza de que ela faria de tudo para não deixá-la ir.
Como Dona Eulália temia o pai de Raíssa, faria de tudo para impedi-la de seguir sua vida.
Preocupada, ficou a pensar em como faria para viver sem ela por perto. No entanto, por mais que pensasse, não conseguia encontrar uma solução.
Mas sabia que, se quisesse realizar seus planos, teria que encontrar uma saída para isso, até o momento de sua volta para a cidade.
Seu Marcílio contudo, ao perceber a expressão de preocupação no rosto de Raíssa, procurou saber, o que a preocupava.
Apreensivo, chegou até a pensar que a garota havia desistido do combinado, mas, ao perceber que a questão era bem mais simples que isso, ofereceu-se para pessoalmente, resolver o problema com sua madrasta.
Para tanto, combinou com Raíssa que, assim que resolvessem qual seria o dia de sua partida, ele iria junto com ela para conversar com Dona Eulália.
Tal promessa, diante da aflição de Raíssa, foi muito generosa. Agradecida disse-lhe que nunca o decepcionaria.
Assim tranqüilizada, continuou estudando os códigos, e em menos tempo do que o esperado, já os tinha memorizado. Continuou também trabalhando e conhecendo um pouco melhor a organização.
Dedicada, melhorava a cada dia.
Cada vez mais atenta e acostumada com o ritmo de trabalho, adaptou-se muito bem ao trabalho noturno. Seguidas vezes, como já foi dito, chegou a emendar uma noite de trabalho com suas pesquisas sobre o casarão mal assombrado.
Com sua curiosidade cada vez mais aguçada, queria conhecer melhor a lenda da cidade. Entretida com a história, chegou a se perguntar, se havia ligação entre esta, e a estranha aparição de um fantasma na cidade vizinha. Afinal de contas, o corpo da jovem senhorita fora curiosamente enterrado em Água Branca.
Pensou, que talvez fosse isso que o jovem cavalheiro procurava.
Foi então, que uma vontade muito forte de voltar para sua cidade, lhe veio a cabeça.
Sentia que talvez ali estivesse o sentido da história. Mas, por um instante, parou para pensar. Então por que aquele homem ficaria assombrando a mansão, se já era sabedor de que ela ali, não mais se encontrava?
Seria para ter um pouco de sua lembrança?
Assim, continuou a perguntar aos moradores da cidade se a estranha aparição vinha sempre assombrar a casa.
Como resposta estes diziam-lhe que a assombração não era constante. Ás vezes, passavam meses sem ouvir nada de estranho. A mansão parece então, uma simples e decadente moradia da já ofuscada aristocracia. Entretanto, depois de meses silenciosa, eis que irrompe perturbadores ruídos que atravessam os grossos muros de pedra da construção e assustam os transeuntes.
Finalmente, o estranho cavalheiro, homem nobre, retorna a velha mansão. Em vida, nunca morou por lá. Mas depois da morte, vaga por entre os vivos, procurando por lembranças da amada.
Segundo o que até agora pôde apurar, trata-se de uma história de amor estranhamente mal resolvida.
O que, para alguns moradores se deu em razão de o jovem morar em uma das cidades vizinhas.
-- Só isso? – indagou Raíssa, interessada em maiores detalhes da história. -- Como pode?
Foi então que um dos moradores lhe explicou o seguinte:
-- Trata-se de um romance mal resolvido entre este estranho jovem e a Senhorita Morales. Embora não saibamos muito sobre esta história, sabemos que não puderam ficar juntos, por conta de uma rivalidade entre famílias. O chefe da família Morales, não poderia admitir que sua única filha se envolvesse com alguém que ameaçava os seus negócios. Segundo o que se conta por aí, o Senhor Morales perdeu uma grande soma em dinheiro com investimentos realizados em diversos bancos. Entre eles, o banco do qual o jovem rapaz era proprietário.
Nesse momento Raíssa teve uma lembrança:
-- Espere, eu sei o nome dele. Quer dizer então, que o nome deste cavalheiro é Lopes. Frederico Lopes.
No que o homem continuou:
-- Sim, o nome dele era Frederico Lopes. Nasceu na cidade de Água Branca, que se arroga um grande pólo turístico.
-- Foi daí então, que surgiu uma certa rivalidade entre as duas cidades. Não é mesmo?
No que o homem retorquiu:
-- Não se trata de rivalidade. Realmente, Frederico Lopes prejudicou a cidade, já que a família Morales era a maior investidora no que tocavam os projetos do lugar. Ele, Augusto Morales tinha a ambição de ser prefeito, mas também queria que a cidade se modernizasse. Era um homem de visão.
-- Realmente devia ser um homem de visão. Impediu que a filha se unisse a esse homem. Homem esse, que poderia ter trazido seu dinheiro para Água Viva. Poderia melhorar o lugar.
Irritado, o estranho a repreendeu:
-- Mocinha, esse tal de Frederico Lopes, possuía um banco na cidade. O Banco Lopes. Foi exatamente nesse lugar que o Senhor Morales investiu parte de seu dinheiro. Ou seja, o sujeitinho, já possuía um estabelecimento aqui.
-- Então isso explica tais investimentos. Mas, pelo que o senhor mesmo está falando, o Senhor Morales não investiu apenas neste banco. Ele fez algumas aplicações financeiras em outros lugares. Quais?
-- Isso eu já não sei responder-te. O que sei já te contei.
Nisso, Raíssa agradeceu o homem e voltou para o hotel, onde estava hospedada.
Conforme os dias, as semanas foram se seguindo, Raíssa permaneceu no hotel onde inicialmente se hospedou. Agora que podia pagar a estadia, não fazia sentido sair de lá. Afinal, apesar de ficar na periferia da cidade, não lhe incomodava o fato de ter que fazer parte do caminho a pé, para que pudesse realizar o trabalho.
Aliás, passou a gostar de fazer caminhadas. Sempre andou muito. Mas agora, suas caminhadas eram mais freqüentes.
Muito embora trabalhasse a noite, durante o dia tinha que passar na casa de Marcílio, para que este lhe passasse as últimas instruções, sobre como deveria proceder, onde deveria vender as mercadorias, com quem deveria falar. Enfim, os detalhes da operação.
Durante os meses em que esteve sob a supervisão de Marcílio, todos os dias tinha que ir a sua casa e prestar do contas do que tinha feito. Estava sendo avaliada. Portanto, precisa mostrar que estava capacitada para continuar na organização.
Aliás, pelo pouco tempo que ali estava, Raíssa deu-se conta de que tratava de uma organização. De algo extremamente especializado e complexo. Algo que, nos últimos tempos, começava a fazer parte de sua vida.
Raíssa sentia também, que quanto mais se passavam os dias, as horas, mais difícil se tornava para a ela a possibilidade de se arrepender. Sabia que era um caminho sem volta e estava, pelo menos achava que sim, estava disposta a pagar o preço por isso.
Mal sabia ela pelo que ainda, teria que passar.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 15
Mas, mesmo com esta atribuição, sempre arrumava um tempo, aproveitava para passear pela cidade. Curiosa, acabou descobrindo os pontos turísticos e conhecendo algumas pessoas interessantes.
Numa dessas andanças, descobriu que havia um casarão nas cercanias da cidade.
Impressionada com as dimensões da construção, ficou imaginando, que histórias teriam acontecido ali.
Muitos dos moradores diziam que aquele fora o palco de uma bela história de amor.
Daquelas que poderiam enriquecer as páginas de um romance.
História essa, que aos poucos foi descobrindo. Como as informações eram desencontradas, passou a fazer pesquisas na Biblioteca Municipal.
Nela, ao contrário do que ocorrera na cidade vizinha – quando seus amigos foram pesquisar sobre o surgimento de uma estranha aparição de lá –, havia um belo acervo de documentos da época, relatando acontecimentos da cidade. Entre estes documentos havia alguns que faziam referências a grandes festas realizadas no casarão.
Algumas, inclusive, informavam os nomes dos moradores da mansão. Prestigiados na sociedade da época, eram mestres em grandes comemorações. Suas festas eram um sucesso, badaladíssimas na pequena cidade de Água Viva.
Enfim, parecia ser uma família muito feliz.
Entretanto, depois de alguns dias de pesquisa, Raíssa descobriu que, apesar da presunção de harmonia familiar, nos últimos tempos, a família estava passando por alguns problemas.
Pelos jornais da época, a família Morales, estava atravessando uma crise. A inabalável solidez de seu patrimônio, estava sofrendo alguns ataques. Por conta de alguns investimentos equivocados, a família havia perdido um bom dinheiro. Nada que os levasse a miséria, mas, independente disso, abalava a credibilidade de seu patriarca.
Para piorar, a Senhorita Morales, passou a sofrer de uma grave doença, nos meses seguintes.
Raíssa, continuou ali, procurando mais informações. Foi assim que, lendo outras notícias, descobriu que a moça morrera em decorrência das complicações da doença, sete meses depois.
E assim, ligando os fatos, notícias de jornais, com os relatos dos moradores, chegou a uma conclusão.
Se ocorrera realmente como lhe foi contada a história, os jornais não foram fiéis aos acontecimentos.
Mas Raíssa acreditava ser tendenciosa a história que lhe contaram.
A pobre mocinha morrendo de tristeza por conta de um amor não correspondido, parecia história de livro.
Não acreditava nisso. Mas curiosa, precisava saber mais sobre o que tinha acontecido. Por essa razão, não satisfeita, resolveu que iria continuar a pesquisa.
E assim, se desdobrando, trabalhando durante á noite e parte da manhã, sempre que era liberada, tratava de ir até a Biblioteca Municipal, continuando seu trabalho de detetive.
A famosa história, lenda da cidade, a interessou.
Diversas vezes se perguntou se havia ligação desta história com a estranha aparição que ocorrera em sua cidade. Seus amigos, em breves visitas que lhe fizeram quando convalescia, a informaram que estavam investigando a estranha aparição de um homem, nas proximidades do cemitério da cidade.
Pensativa que estava, correu logo para o Cemitério de Água Viva.
Ao lá entrar, foi logo perguntando ao coveiro, onde estava enterrada a Senhorita Morales.
Espantado, ao ouvir isso, disse:
-- Como? A sepultura da Senhorita Morales? Mas ela não está enterrada aqui.
-- Não? Mas ela não era natural desta cidade?
-- Sim, mas ela foi enterrada em outra cidade.
Curiosa, perguntou:
-- Onde?
-- Ela está enterrada na cidade de Água Branca. Não sabia?
-- Não.
Nisso, o coveiro virou-lhe as costas e voltou para seus afazeres.
Espantada com a novidade, Raíssa não conseguia entender por que havia sido enterrada lá. As cidades nem amigas eram. Por que isso?
Por esta razão, perguntava as pessoas que encontrava o porquê de tal proceder.
Como poderia ser isso?
Estranho.
Tão estranho que, nem mesmo os moradores mais antigos de Água Viva sabiam explicar.
Somente quando um estranho senhor trajado com uma longa capa preta apareceu, é que Raíssa teve suas dúvidas parcialmente dissipadas.
Curiosamente, o misterioso homem, parecia uma personagem saída de um romance do século dezenove. Traje elegante, modos refinados, postura altiva. O cavalheiro era um autêntico retrato dos heróis dos livros de José de Alencar e de Joaquim Manuel de Macedo.
Diante da extraordinária aparição, só restou a Raíssa perguntar-lhe sobre sua história.
Quando então deu-se conta do fascínio que exercia sobre os moradores da cidade, o cavalheiro começou a rir. Nunca imaginara que após tanto tempo, ainda era alvo da curiosidade das pessoas.
Assim, disse sorrindo, que vivia naquela mansão há muitos anos, desde que sua amada desaparecera. Vivia ali segundo ele, na esperança de reencontrá-la, já que era ali que vivera seus últimos dias.
Foi então, nesse momento, que Raíssa passou a compreender um pouco melhor o que se passava na bela mansão. A assombração de que todos falavam, não passava de um homem atormentado pelo desaparecimento da mulher amada. Não havia nada de mais em sua história.
Nisso, quando se virou para fazer uma última pergunta ao misterioso cavalheiro, este havia sumido.
Nesse momento então, dado o abrupto desaparecimento do homem com quem conversava, e a estranha circunstância em que se deu o encontro, Raíssa resolvera então, vasculhar o cemitério. Queria encontrar o homem com quem conversara por poucos minutos.
Por estar o cemitério, em um amplo descampado na cidade, vasculhou por todos os cantos na tentativa de encontrá-lo, já que, dado o momento em que desapareceu, não teria dado tempo para ter saído de lá.
Procurou, procurou. Debalde, pois não conseguiu encontrá-lo. Evaporou. Sumiu como que por encantamento.
Impressionada, Raíssa foi novamente em direção ao coveiro do cemitério e lhe perguntou se algum homem havia passado por ele.
Lacônico, o coveiro lhe disse que não.
Espantada Raíssa indagou:
-- Mas como não? O homem acabou de conversar comigo e sumiu. Procurei-o por todo o cemitério e não o encontrei. Como pode ter saído daqui e o senhor não o viu?
Interessado, o coveiro lhe perguntou então:
-- Como era esse homem que conversou com você?
-- Era um homem alto, elegante, vestido com umas roupas estranhas. Usava uma longa capa preta e possuía um linguajar meio rebuscado. Parecia aquelas figuras dos livros de história.
-- Como se pertencesse a outra época.
-- Isso. Quem é ele?
Seguiu-se então, um longo período de silêncio.
Aterrado, o coveiro disse, assombrado, que:
-- Só pode ser o amante da Senhorita Morales. Só pode ser. – insistia, desesperado.
O pobre ficou tão assustado com isso, que mais que depressa retirou-se do cemitério. Temeroso, não queria dar de cara com um fantasma. Fantasma que assombrava a mansão da família.
Raíssa ao perceber que conversara com um fantasma também se assustou, mas, a despeito do susto que passou, Raíssa nunca desistiria da idéia de continuar investigando a família. Precisava saber mais detalhes sobre a história. Afinal de contas, queria estar mais inteirada sobre os assuntos da cidade.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 14
E assim, a cada dia que passava, mais e mais se inteirava dos negócios do chefe.
Prestativa, sempre que podia, perguntava-lhe se não estava precisando de mais alguma coisa, ou se havia algo mais para ser feito.
No que ele sempre respondia que não.
Entretanto, conforme se seguiam os dias, notou que não seria fácil arrumar alguém para fazer o tal ‘servicinho’ na cidade vizinha. Assim, como quem não queria nada, chegou certa vez a perguntar para Raíssa:
-- Raíssa, você me disse uma vez, que morou em uma cidade das redondezas, não foi?
No que ela prontamente respondeu:
-- Sim. Mas por que a pergunta? Fiz alguma coisa errada?
-- Absolutamente. Eu estou satisfeito com seu trabalho ... Eu só estou perguntando isso a você, porque eu estou precisando de um contanto em uma cidade vizinha. Está interessada?
-- Claro. O que eu tenho que fazer? – perguntou animada.
-- Primeiro nós vamos fazer um treinamento com você. Aqui mesmo na cidade. Se você trabalhar bem, nós te daremos carta branca para continuar o serviço na sua cidade. Correto?
Animada, Raíssa concordou e se prontificou a trabalhar em tudo o que fosse necessário.
Com isso, nos dias que se seguiram, Raíssa passou a fazer, os mais diversos serviços para seu chefe. Continuou a mandar recados, mas também, realizava outros trabalhos.
Muito embora não estivesse totalmente inteirada sobre os detalhes do seu trabalho, sabia que era algo grande. Grande e perigoso. Mas não se importava com isso. Só queria se dar bem. Só queria voltar para sua cidade, de cabeça erguida. Não queria nunca mais, ter que dar satisfação de sua vida, para a madrasta.
Enfim, queria se dar bem. Queria também, se livrar de sua madrasta. Mas isso, com certeza, seria mais difícil de conseguir.
Assim, depois de quase três semanas na cidade de Água Viva, finalmente estava conseguindo alcançar seu objetivo. Enfim, tinha encontrado o trabalho perfeito. Mais bem remunerado, do que o de simples garota de recados, agora podia se dar ao luxo de comprar novas roupas e até comer melhor.
Como possuía um certo tempo livre, passou a passear pela cidade, para descobrir seus atrativos, o que possuía de diferente da cidade que morava.
Por ser ainda dezembro, não estava preocupada em voltar para sua cidade. Enfim, queria ficar por ali, o quanto pudesse. Isso porque, sabia que ao voltar para casa, continuaria trabalhando para seu chefe. Ou seja, não haveria prejuízo nenhum para ela.
Mas ainda assim, não tinha pressa. Queria aprender bem o novo trabalho, e só sairia da cidade quando estivesse apta para executá-lo em outra cidade.
Em razão disso, Raíssa passou durante várias noites, em pontos obscuros da cidade, vendendo estranhos embrulhos para os transeuntes que por lá passavam. Curiosamente, a cada dia, praticamente, mudavam de ponto. Afinal, não queriam ser descobertos.
Conhecedora da natureza ilegal de seu ‘trabalho’, Raíssa chegou a sugerir inclusive, que quem vendesse, os tais ‘embrulhos’, não deveria ser identificado pelos compradores. Assim, não haveria riscos de prisões desnecessárias. Para tanto, seria preciso que os vendedores, ficassem escondidos. Os compradores seriam conduzidos por alguém encapuzado até o ponto de venda.
No entanto, apesar de seu chefe considerar esta, uma boa idéia, seu comparsa, temeroso de isso chamasse a atenção, sugeriu que não fosse feito.
Por conta disso, chegaram até a discutir.
Seu comparsa discordando da idéia de fazê-la trabalhar para eles em outra cidade, achava Raíssa muito petulante e atrevida. Além do que, acreditava que ela poderia por tudo a perder. Isso por que a moça não conhecia o trabalho direito. Também não sabia muito sobre o que estava fazendo.
Mas Marcílio, o chefe de Raíssa, resolveu tentar.
Acreditava no potencial da garota. Por isso, cogitava a hipótese de torná-la uma de suas auxiliares.
Como era eficiente em seu trabalho, poderia perfeitamente, desempenhar a mesma função na outra cidade.
Conforme havia conversado com Raíssa, a mesma disse ter amigos dispostos a trabalhar para ela. E mesmo que eles não concordassem, não teria problemas em angariar pessoas de confiança para executar o serviço em Água Branca. Determinada, ela mesma se ofereceu para treinar essas pessoas.
Foi quando Marcílio, ofereceu-se para ajudá-la.
Primeiramente, informou-a de que teria que montar uma espécie de organização em sua cidade. Para tanto, receberia ligações em código para poder executar seu serviço.
Entretanto, foi advertida de que teria que decorar esse código dentro de poucas semanas e que não deveria revelá-lo a ninguém, sob pena de sofrer as conseqüências de seu ato. Igualmente, deveria memorizá-lo e queimar. Não deveria deixar nenhum registro de que tal código existia.
Por essa razão, passaram a lhe ensinar dois códigos. O código que utilizaria quando transmitisse mensagens, e outro para coisas corriqueiras.
Espertos, para não chamar a atenção, usavam expressões coloquiais, em um dos códigos, e outras mais sofisticadas em outras. Nada de termos suspeitos. Tudo era feito da forma mais discreta possível.
Raíssa, feliz, finalmente iria descobrir o que significavam as mensagens que diariamente passava. Freqüentemente, passava mensagens codificadas para o comparsa do seu chefe, no este lhe passava também, mensagens em código. Algumas vezes, chegou também a passar mensagens para outros contatos dos dois, mas geralmente era para eles, o chefe e o comparsa de nome Reginaldo, que trabalhava.
Durante o tempo em que ficou realizando esse trabalho, nutriu a curiosidade para saber do que se tratavam as mensagens. Tencionou até, descobrir o código. Muito embora ainda não soubesse como faria para consegui-lo. Mas queria por que queria descobrir o teor das mensagens.
Por isso, diante da possibilidade de aprender os códigos, não se fez de rogada. Empenhou-se o máximo possível para aprendê-lo. Dedicada, por seguidas horas, durante três semanas, se empenhou em aprender os códigos. Aplicada, não precisou de mais tempo para isso.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.
A GANGUE DO TERROR - CAPÍTULO 13
De posse do endereço, mais do que depressa se dirigiu para o local da entrevista. Apesar de não ser a hora combinada, tentaria conversar com o responsável pela vaga. Por isso, precisava se apressar.
Ao chegar lá, encontrou um prédio abandonado, de aspecto sombrio. Mesmo desconfiada, resolveu bisbilhotar o que havia dentro do prédio. Devagar, andando lentamente, adentrou o prédio.
Vasculhando todas as entradas da edificação, procurou algum indício de que havia alguém trabalhando naquele lugar. E assim, caminhando lentamente, vasculhou todas as salas do edifício. Nada.
Estranhamente, não havia nada no local que o indicava com um ambiente de trabalho. Assim, diante das circunstâncias, pensou se tratar de uma brincadeira.
Aborrecida com isso, voltou ao local onde se encontrara horas antes com o homem que a entrevistara. Perguntou na portaria onde se encontrava o homem que, de manhã cedo, estava entrevistando moças para um trabalho. Disse que se tratava de algo de seu interesse.
Desconfiado, o porteiro interfonou para o escritório onde o referido homem estava, e explicou-lhe a situação.
Como resposta, o homem autorizou-a a subir.
O porteiro então informou a moça, que poderia subir.
Esta então tratou de ir até o local onde estivera horas antes.
Lá sentou-se novamente em frente ao referido homem e indagou-lhe sobre o endereço:
-- Por acaso, é alguma brincadeira?
-- Não, de forma alguma eu iria fazer uma coisa dessas. Eu só estava testando a sua curiosidade.
Aborrecida, ela perguntou:
-- E o que o senhor descobriu?
-- Descobri que você é desconfiada, e bastante esperta. Até foi verificar o local, antes da entrevista.
-- E daí? – perguntou, ainda aborrecida.
-- E daí, que você parece ser a pessoa indicada para fazer uns ‘servicinhos’ para um amigo. Que tal?
-- E que tipo de ‘servicinhos’ são esses?
-- É tudo muito simples. Só que primeiro, você vai ter que conversar com ele. Está bem?
-- Ele? Onde?
-- Eu já vou te dar o endereço. Não precisa se preocupar que esse é o endereço verdadeiro.
-- Quer dizer que eu fosse pra lá amanhã, eu não encontraria ninguém? Esse é o teste dos senhores?
-- Exatamente. Aqui está o endereço. Não se atrase.
E assim, novamente saiu do escritório. De posse de outro endereço, foi procurar o referido prédio. Para sua alegria, o prédio ficava próximo dali. No entanto, a entrevista estava marcada para o dia seguinte, de manhã, assim, teria que esperar mais um dia para começar a trabalhar.
Para Raíssa, finalmente sua estada na cidade começava a dar em alguma coisa.
Já ... na cidade de Água Branca, sua madrasta estava alvoroçada com o seu sumiço. Desde o momento em que deu pela sua falta começou a bater na porta de todos os vizinhos para que a auxiliassem, ajudando-a a procurar Raíssa.
Tentou conseguir ajuda da polícia, mas como se tratava de uma adolescente, e o desde o desaparecimento não tinha dado vinte e quatro horas, nada poderiam fazer.
Por essa razão, Raíssa não foi encontrada enquanto ainda estava na estrada.
Para tranqüilizar a madrasta, a polícia simplesmente alertou todos os motoristas de ônibus, de que seriam parados na estrada para que se verificasse quem viajava. Tudo isso, tentando encontrá-la. Isso porque, Dona Eulália, descobriu com os amigos de Raíssa, que ela fugiria de ônibus da cidade.
No entanto, mesmo parando todos os ônibus que saíram da cidade no dia seguinte a sua fuga, não conseguiram encontrá-la. Havia evaporado.
A única informação que obtiveram dos motoristas, foi de que havia na estrada algumas pessoas andando a pé, entre elas, estava uma garota, mais ou menos com a descrição dada, usando uma mochila.
Segundo estes motoristas, dada as condições da caminhada, talvez ela tivesse ido até a cidade vizinha, Pedra Tombada. Diante dessa informação, a polícia local, mandou um chamado para a polícia das cidades vizinhas, para que procurasse uma garota desaparecida.
E mesmo assim, após dias procurando por Raíssa, a mesma não havia sido encontrada. Passavam-se semanas e nada de encontrá-la.
Diante de tal quadro, a polícia já estava desistindo do caso. Davam-no por encerrado. Depois de tantos dias de desaparecimento, não havia mais nada a ser feito.
E assim fizeram. Mesmo diante da insistência de Dona Eulália, os policiais não sabiam mais por onde procurar.
Raíssa, conforme o combinado, apresentou-se no lugar da entrevista no dia seguinte.
Logo ao adentrar o edifício, constatou que se tratava de uma construção de alto padrão. Uma edificação realmente luxuosa. Curiosa, mais que depressa se dirigiu ao elevador e foi para sua entrevista.
Quando apertou a campainha, logo um empregado vestido formalmente a atendeu. E, ainda na entrada, ouviu uma voz pedindo para entrar.
Raíssa então entrou na sala e se apresentou para um senhor que aparentava cerca de quarenta e poucos anos. Disse-lhe que lá estava por conta da entrevista marcada.
No que o homem respondeu:
-- Eu sei. Meu amigo me avisou.
Enquanto dizia isso, a observava atentamente.
Desconfiada, Raíssa começou a encará-lo.
Diante disso, o homem respondeu:
-- Mocinha. Você tem idéia do que eu espero que faça?
-- Não. Mas é um trabalho, não é?
Ao ouvir isso, o estranho homem começou a rir. E rindo disse:
-- Sim, é um trabalho. Mas não é para qualquer um. Eu preciso de alguém esperto para isso. Alguém que não se complicaria diante de um contratempo. Que não ficaria nervoso diante de uma situação de tensão ... Enfim, alguém que soubesse agir rápido.
Ao ouvir isso, Raíssa, sempre confiante, afirmou:
-- Pois então, o senhor encontrou a pessoa certa. Eu posso fazer esse serviço.
Admirado, o senhor perguntou:
-- Ah! É mesmo? E como é que você pretende fazer isso?
-- Ué. É só o senhor me explicar o que tenho que fazer que tudo sairá a contento. Eu te garanto.
Rindo, o homem disse:
-- Está bem. A mocinha está certa de que é isso mesmo?
-- Ora senhor, eu só vou saber, se o senhor me contar do que se trata. – disse já impaciente.
-- Está certo. Você vai começar, passando alguns recados para mim. Se fizer tudo direitinho, eu posso lhe atribuir mais responsabilidades.
E nisso explicou-lhe os recados que teria que transmitir, e para quem. Curiosamente, a maioria deles, era para a mesma pessoa com que havia conversado no dia anterior.
No entanto, os recados não eram claros. Era como se fossem uma mensagem secreta. Mas Raíssa, intrigada que estava com isso, tratou de anotar os recados e guardar uma cópia dos recados consigo. Queria descobrir o que significavam.
E assim, depois de uma semana como garota de recados, entrando e saindo dos dois prédios seguidas vezes durante o dia, passou a ser reconhecida pelos porteiros de ambos os lugares. Tanto que muitas vezes, chegou a entrar no escritório de um e no apartamento de outro, sem nem ao menos ser anunciada.
Exatamente numa dessas vezes, chegou a ouvir algumas conversas de ambos. Pelo telefone, ditavam ordens a serem seguidas e operavam algumas transações.
Nas primeiras vezes em que ouviu as conversas, não achou nada de mais.
Sensata pensava, que jamais falariam pelo telefone sobre algo comprometedor. Não seriam imprudentes a esse ponto. Eles sabiam o que estão fazendo.
Até porque, ambos estavam acostumados a ter muita gente os cercando enquanto trabalhavam. Assim, não podiam cometer indiscrições.
No entanto, depois de alguns dias, Raíssa acabou ouvindo algo comprometedor.
Como seu patrão não a acompanhou até a porta, Raíssa deu um jeito, e acabou ouvindo sua conversa ao telefone.
Atenta, ouviu algo a respeito da entrega de algumas mercadorias, e de que precisavam de alguém para distribuí-las numa das cidades vizinhas.
Cauteloso, seu patrão insistiu para que as mesmas fossem distribuídas por ele.
Mas não teve jeito.
Quem conversava com ele não queria que ele se expusesse nessa operação. Queria alguém de menos importância para fazer isso. Assim, caso alguma coisa desse errado, não teria grandes problemas. Arrumando terceiros para fazer esse ‘servicinho’, mesmo que este fosse pego, não poderia entregar os outros. Não conheceria a organização.
Ao ouvir isso, Raíssa que havia retornado discretamente ao apartamento de seu patrão, sorrateiramente retirou-se do recinto. Não queria ser pega, ouvindo a conversa. Não queria por em risco o trabalho que arrumou com tanto sacrifício. Mas queria muito, passar a exercer atividades mais promissoras.
Para tanto, precisava conhecer melhor o ambiente em que estava envolvida e o trabalho que fazia. Desde que começou a trabalhar, sabia que havia algo mais. Sabia que havia tarefas mais interessantes a serem executadas. Algumas tarefas inclusive, mais bem remuneradas. Justamente o que a interessava.
Se queria continuar por ali, precisava arrumar um trabalho mais bem remunerado.
Mas para isso, precisava ganhar a confiança do patrão. Mostrar-se capaz de executar tarefas mais complexas.
E assim, passou a interessar-se mais e mais pelo trabalho que executava.
De posse das mensagens que transmitia, tentou descobrir seu significado. Em vão. Como qualquer mensagem secreta, somente quem possuía o código é que poderia decifrá-la.
Assim, precisava descobrir o código. Só assim poderia decifrá-las.
Mas, como faria isso? Pode ser até que tivessem o código escrito. Talvez até tivesse sido decorado. Afinal, não eram amadores.
Mas, mesmo diante da dificuldade que seria conseguir o código, não desanimou. Pensava que poderia conseguir o código. Só não sabia como.
Achava que essa era das formas que tinha para conseguir fazer tarefas mais ousadas.
Como fazia muito pouco tempo que trabalhava para essas pessoas, não poderia, logo de cara, querer exigir mais tarefas. Achava sempre, que precisava primeiro, ganhar a confiança dos mesmos.
Disciplinada, foi isso que planejou fazer.
Luciana Celestino dos Santos
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