Poesias

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 19

Por esta razão, o rapaz ficou afastado da Capital por algumas semanas.
Empreendendo viagem, Ticiano escoltou a comitiva dos nobres durante todo o percurso. Porém, ao contrário das outras vezes, tudo transcorreu normalmente. Ao longo da viagem, nenhum incidente aconteceu. Tudo se deu, na mais absoluta tranqüilidade.
Contudo, enquanto o jovem Tício partiu a trabalho, Rogério, despedindo-se da Corte, dirigiu-se para a cidade de Serra Azul. Antes de qualquer coisa, precisava descobrir pistas sobre o passado do rapaz.
Tomado de uma estranha sensação de proximidade, Rogério interessou-se pelo rapaz, e desconfiado, resolveu investigar. Daí a viagem para a referida cidade.
Ao lá chegar, deparou com um cenário simples. Algum comércio, e o quartel da cidade. Tal fato lhe causou uma grande impressão. Afinal, a cidade era muito pequena. Por que então um exército dentro de seus limites?
Foi por isso que perguntando aos moradores, sobre um tal de Ticiano, descobriu que o colégio militar, era tradicional na cidade. Para muitos, a única oportunidade que seus filhos tinham para estudar e se tornarem grandes homens. Desde sua fundação, a cidade tinha tradição militar. 
Para muitos, essa tradição, era também, uma das poucas alternativas de ascensão profissional. Uma oportunidade de assegurar um futuro glorioso. 
No entanto, a carreira militar era para poucos. Somente homens extremamente abastados ou determinados, conseguiam chegar lá.
Mas, a despeito das dificuldades que existiam em ser admitido no exército, muitos rapazes ansiavam por isso.
Ao saber disso, Rogério começou a entender por que o jovem havia se interessado pelo exército. Era sua única oportunidade de sair daquele marasmo.
E assim, perguntando aqui e ali, Rogério descobriu que o jovem não nascera na cidade. 
Espantado, ao descobrir isso se perguntou: Se Ticiano não era natural da cidade, por que vivera ali? Por que vivera numa cidade tão acanhada e sem perspectivas de futuro? Por que logo ele que era tão preparado, viveu ali?
Não conseguia entender.
Tanto que ao descobrir isso, Rogério ficou desapontado. O emaranhado da vida do rapaz, era maior do que imaginara. Desorientado, não sabia por onde começar. 
Para dificultar mais ainda seu trabalho, Ticiano era extremamente reservado. Durante o tempo em por lá viveu, não comentava com os moradores do lugar, de onde teria vindo. A única coisa que os mesmos sabiam, é que ele era bom no cuidado de animais, especialmente cavalos. Daí sua inclusão no exército. Em razão de sua experiência com cavalos, Ticiano, a pedido de alguns oficiais, se alistou no exército e em pouco tempo foi chamado. 
Daí por diante, foi ganhando a confiança de seus companheiros de farda. Chegou até a promovido, afirmaram os moradores. Por sua galhardia, foi mandado para a capital, juntamente com outros militares. 
Nesse ponto, Rogério interrompeu a narrativa. Agradeceu a informação, mas disse que quanto a isso, já sabia de tudo.
Para ele, lhe interessava o período que antecedeu sua entrada no exército. 
Mas quanto a isso, a única informação que possuía, é que Ticiano mesmo chegara a cidade, apenas com um cavalo e uma trouxa com seus pertences. E, apesar de parecer bem vestido, ao chegar a cidade, foi logo se oferecendo para fazer os serviços mais braçais.
Rogério ao saber disso, admirou-se. Como poderia um rapaz bem vestido, se submeter a trabalhos tão pouco nobres? 
Além disso, Rogério descobriu que o jovem, durante o tempo em morou por lá, viveu numa humilde hospedaria do lugar.  
Sabedor disso, Rogério imediatamente se dirigiu ao local e ávido por informações, pediu para olhar o registro dos hóspedes. 
E assim, de posse do livro, vasculhou os registros dos hóspedes. Precisava encontrar o registro dos hóspedes de dois anos atrás. Por isso, Rogério teve que procurar muito. Como a cidade era local de passagem para outras cidades, haviam muitos registros de hóspedes. 
Todavia depois de muito procurar, Rogério acabou por encontrar o registro de Ticiano. Foi então que ele percebeu, que Ticiano havia chegado a cidade há mais de dois anos atrás. Contudo, quanto aos seus dados pessoais, como local e data de nascimento, nada havia. Assim, constatando a ausência de dados pessoais, mais do que depressa, o homem dirigiu-se a dona da hospedaria. 
Perguntou-lhe:
-- Como a senhora aceitou que um estranho se hospedasse por aqui, se não havia nenhuma informação segura sobre ele?
No que ela, prontamente respondeu:
-- Ora meu senhor, o jovem pagou adiantado três meses de estadia. Como eu poderia recusar?   
E assim, encerrou-se a conversa.
Rogério então, percebeu que não havia progredido muito em suas investigações, desde que chegara na cidade. Ao constatar isso, decidiu que vasculharia toda a região. Precisava descobrir algo mais. Desejava conhecer melhor a vida do rapaz.
Para Rogério, Ticiano não devia ter vindo de tão longe, e mesmo que o fosse, ao chegar a Corte, teria que atravessar toda a província. Portanto, o mesmo devia ser conhecido em outros lugares.
Rogério no entanto, sabia que não seria tarefa das mais fáceis, descobrir a origem do mancebo. Por isso tencionava contratar alguém de confiança para continuar suas investigações. Na Capital, havia um homem certo para realizar este trabalho.
Por isso obcecado pela idéia, retornou imediatamente a Capital da Província. 
Ao lá chegar, Rogério logo que pôde foi visitar um velho amigo. Precisava contratar seus serviços para descobrir mais detalhes sobre a vida pregressa de um amigo seu. Para isso, não faria economias. Sob a alegação de que talvez o moço fosse um parente afastado seu, pediu extremo sigilo em suas investigações.
Como não havia nenhuma pista sobre sua origem, Horácio então afirmou que isso tornaria o trabalho mais complicado. Diante dos dados que tinha, o detetive teve o cuidado de informar ao amigo, que teria que vasculhar toda a região. Talvez até tivesse que visitar outras províncias. Cioso de seu trabalho, Horácio disse ainda, que poderia resolver o caso, mas que levaria levar meses, quiçá anos, investigando o rapaz.
Rogério, mesmo ao ouvir tão desalentador prognóstico, não fez menção de desistir de seu intento. Com isso, mesmo diante dessas dificuldades, resolvera que iria investigar o rapaz. Precisava descobrir a verdade sobre ele.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 18

E assim, continuou funcionando normalmente o serviço da guarda imperial.
Depois de quase dois anos, desde que fugira sem rumo, da Fazenda Passárgada, Ticiano, encontrara um abrigo.
Durante os meses em que permaneceu na pequena cidadezinha de Serra Azul, dedicou-se com afinco, a sua nova carreira. Depois, por conta de seu gesto de heroísmo, foi promovido e transferido para a Corte.
Muito embora estivesse satisfeito com seu trabalho, não queria se expor. Por isso, sempre que precisava dar uma caminhada, esperava o dia cair para o fazer. Afinal, temia encontrar alguém conhecido. Por esta razão também, o rapaz passou a evitar os passeios com os amigos.
Uma vez, porém em uma caminhada até uma das belas igrejas da cidade, em companhia de dois colegas que muito insistiram em acompanhá-lo, Ticiano encontrou, um conhecido seu. Como não dava para voltar atrás, o rapaz abaixou-se, visando evitar que o vissem. 
Tal fato, entretanto, só serviu para que seus colegas ficassem cada vez mais desconfiados de seu comportamento.
Era estranho que um rapaz tão jovem como Ticiano, tivesse algo para esconder. Josué e os outros amigos, chegaram a pensar que talvez o jovem Tício, tivesse aprontado alguma coisa, e que por isso tinha algo a esconder.
Diante dessa possibilidade, os rapazes comunicaram ao capitão, que Ticiano se comportara muito estranhamente durante um dos passeios que fizeram juntos. Entretanto, como não havia nada de concreto contra o rapaz, tal comunicação não foi sequer, levada em consideração. Afinal, o rapaz era impecável. Nunca dera motivos para reclamações. Desempenhava seu trabalho da forma mais correta possível, e além do mais, raramente pedia folgas. 
Muito pelo contrário, sempre que podia, preferia permanecer de prontidão, para desempenhar suas tarefas. Com isso, muito embora os soldados trabalhassem em turnos, sempre havia o que fazer. E prestativo, o jovem Tício não fugia do trabalho, ao contrário de alguns de seus colegas de caserna, extremamente preguiçosos.
Assim, não havia nada que o desabonasse.
Mas, voltemos a caminhada. Ticiano, como já dito, adorava realizar caminhadas. Procurando conhecer melhor os arredores do palácio, sempre que podia, aproveitava o cair da noite para caminhar.
Algumas vezes, Ticiano chegou até, a caminhar pelas ruas da cidade à pé. Gostava do lugar, muito embora, algumas vezes lhe trouxesse lembranças tristes.
Numa dessas caminhadas, certa vez, o rapaz acabou esbarrando num homem que se tornaria mais tarde, seu grande amigo.
Foi assim. Enquanto caminhava distraído, o rapaz acabou por esbarrar num homem que caminhava em sentido contrário. 
Ao dar o encontrão, Ticiano foi logo se desculpando. 
No que o homem, percebendo que não fora proposital, aceitou as escusas dizendo que não fora nada. Gentil, convidou-o para ir até com ele em uma casa de mulheres. Disse que lá serviam um excelente vinho. Mas Ticiano, cioso de seus deveres, por bem, resolveu recusar, e assim, retomou seu caminho.
Muito embora parecesse que nunca mais se veriam, mais tarde os dois voltaram a se esbarrar, quando houve uma festa no palácio da família real.
Nesse dia, muitas confusões aconteceram. Ticiano por engano, foi confundido com um dos convidados da festa e acabou entrando na salão, onde ocorriam as festividades. Sem ser reconhecido, ficou um longo tempo, num dos belos salões da construção.
Ticiano ao perceber o engano, bem que tentou se explicar. Dizendo que era um criado, ninguém acreditou nele. Todos achavam que não se passava de uma brincadeira.
E assim, Ticiano passou a integrar a festa como se fora um dos convidados. Como não usava trajes militares, e dada sua elegância no trajar, confundiram-no com um dos convidados. De tão elegante que estava, chegou a ser alvo de olhares de algumas das jovens damas que estavam na festa. 
Galante, procurou tratar a todas, com muito respeito e deferência.
Portanto, participou da festa. Ticiano tomou vinho, dançou com as moças, se divertiu um pouco.
Mas, enquanto fez tudo isso, tentou diversas vezes, sair da festa, sem que percebessem sua ausência. No entanto, não conseguiu se livrar da confusão. 
Instado a se aproximar do imperador, tentou o quanto pôde, se livrar desta formalidade. Alegando não ser digno de tão nobre honraria, fez o possível para que o encontro fosse evitado. 
No entanto, sua resistência não foi levada em consideração. E , ao se aproximar do imperador, Ticiano foi imediatamente reconhecido. 
Irritado, Sua Excelência, o Imperador, ordenou-lhe que se retirasse. Aborrecido, mal podia acreditar que havia sido alvo de uma pilhéria.
Ao ouvir a ordem para que se retirasse, Ticiano atendeu prontamente. Desculpou-se e saiu do salão.
Durante o incidente, o senhor em quem trombara o reconheceu, e pediu pessoalmente ao imperador, para que o desculpasse o moço. Alegando que o rapaz não agira de má-fé, argumentou que talvez tivesse sido confundido com alguém. Ele mesmo disse ao imperador que acreditava conhecer o jovem. 
Diante disso, o imperador ao constatar que se ele próprio já confundira o rapaz, nada impediria que outros fizessem a mesma confusão. Ademais, ele próprio vira o jovem diversas vezes, tentar sair do salão. Contudo, cada vez que intentava se evadir do lugar, alguém aparecia para dissuadi-lo da idéia. Até os guardas, seus companheiros de farda conspiraram contra ele.
Diante disso, o imperador tratou de esquecer do incidente. Afinal se um grande amigo o dizia, como poderia ser mentira? 
Assim, o imperador reconsiderou, e resolveu desculpá-lo. Não tomaria assim, nenhuma providência com relação ao rapaz.
Ticiano ao saber disso, não conseguiu entender. Por que um estranho se incomodou com isso? Nunca ninguém antes, havia se preocupado com ele.
Agradecido pela intervenção amigável, Ticiano procurou o homem que o auxiliara por todos os lugares onde já havia passado. Chegou até a visitar alguns bordéis, procurando o sujeito. Mas, nada de achá-lo.
Entretanto, ao final de um longo dia de trabalho, quando deveria fazer a ronda pelas ruas próximas ao palácio, Ticiano acabou por encontrar o misterioso homem que o ajudara. 
Chamava-se  Rogério e aparentava uns trinta e cinco anos. Este ao ser indagado pelo jovem sobre os motivos que o levaram a tal gesto, o homem disse-lhe que o considerava um rapaz de confiança. Isso por que, não havia por que acreditar que ele seria tão tolo, a ponto de brincar com o imperador. 
Rogério então, dizendo-se amigo pessoal da família do imperador, respondeu que sabia que haviam confundido-o com algum nobre. Em razão de seu porte, poderia ser facilmente confundido com um deles. 
Para Rogério, seria até natural que houvesse essa confusão.
Foi aí então, que o homem percebera algo. Conhecia o jovem, há mais tempo do que pensava. 
Ticiano ao ouvir isso, disse-lhe que não. Nunca havia estado na Corte antes. Provavelmente, Rogério o estava confundindo-o com outro rapaz. E dizendo isso, encerrou a conversa. Desculpou-se e retornou ao palácio.
Mas essa história, não termina por aqui.
O cavalheiro, sabendo onde encontrar o rapaz, diversas vezes foi até o palácio para conversar com o imperador, e, aproveitando a oportunidade, se aproximar de Ticiano.
Curioso que estava, queria descobrir de onde conhecia o rapaz, e entender por que aquele rosto não lhe era estranho.
E assim, depois da conversa que teve com o imperador, Rogério insistiu para que o levasse até a caserna, para que pudesse conversar com Ticiano.
Lá ao constatar que o mesmo saíra para realizar serviços externos, decidiu que o esperaria voltar. Por esta razão, perguntou quanto tempo Ticiano demoraria para retornar. 
Um soldado então lhe informou que o oficial poderia levar a tarde inteira realizando o trabalho. Atencioso, recomendou ao cavalheiro, que retornasse um outro dia. 
Mas Rogério insistiu em esperar.
Ao perceber que nada faria o homem desistir da idéia, o soldado desculpou-se e dizendo que precisava ir trabalhar, alegou que em alguns minutos  começaria seu turno. 
Rogério então, respondeu que ele não precisava se incomodar, pois não se importava de esperar o rapaz, sozinho.
E assim foi. Durante horas, Rogério esperou o retorno do jovem.
Enquanto Ticiano não retornava, o homem descobriu, ao conversar com um dos capitães, que Ticiano, assim com alguns dos jovens que foram transferidos para lá, era um soldado valoroso. Apesar de não possuir origem nobre, era muito trabalhador, e por seus próprios méritos, conseguiu lograr o posto de oficial de cavalaria. Com muita dedicação, e com alguns atos de bravura, foi promovido e passou a integrar a guarda imperial.
Interessado na história, Rogério perguntou então, quanto tempo fazia que Ticiano estava no exército.
-- Dois anos. – respondeu prontamente o capitão.
-- Nossa! Mas em tão pouco tempo Ticiano já foi promovido?
-- Sim, é um de nossos melhores oficiais.
-- Realmente é surpreendente.
Diante disso, como última pergunta, Rogério quis saber de onde tinha vindo o rapaz.
-- De Serra Azul. – respondeu o militar.
Pronto, este era um ponto de partida. Já podia começar pela referida cidade, a vasculhar informações sobre o moço.
Por isso mesmo, Rogério pediu que o capitão não comentasse sua visita com o rapaz. Precavido, o homem recomendou-lhe ainda, que se o rapaz perguntasse se algum sujeito o estava procurado, o mesmo deveria responder que não sabia de ninguém. Sob o argumento de Rogério que precisava descobrir se o moço era um parente seu há muito tempo não visto, o capitão concordou.
Rogério então emendou, que tantos cuidados eram motivados, por que temia que se o rapaz soubesse disso, talvez tentasse fugir.
Com isso, Ticiano, ao chegar de seu trabalho, foi imediatamente chamado ao gabinete do capitão de seu destacamento. 
Isso por que este precisava conversar com o jovem. Como estava muito satisfeito com o trabalho do rapaz, resolveu encaminhá-lo para acompanhar em viagem, uma comitiva, composta por alguns nobres, até uma cidade vizinha.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.  

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 17

Ressabiado, a ele não interessava se reencontrar com certos acontecimentos e pessoas. Queria esquecer o passado.
Para ele, só sua vida presente importava. Do passado, não queria sequer as lembranças. 
Daí sua resistência em retornar ao palco de tantos acontecimentos tristes em sua vida.
Mas, a despeito de tudo isso, Ticiano tinha que obedecer as ordens dadas. Mesmo contrariado, não poderia se contrapor as ordens de um superior hierárquico.
Diante disso, Tício aceitou os fatos, e juntamente com os outros militares, rumou para a Corte Imperial.
Durante a longa viagem, veio a sua memória, passagens de sua vida. 
Preocupado, o rapaz recordou-se do tempo em que viveu na Fazenda Passárgada, e dos tempos em que vivera como errante, vagando por entre cidades, até chegar em Serra Azul. 
Ticiano lembrou-se ainda de quando fugira, indo parar nas terras de José. 
Saudoso, recordou-se com carinho, de todas essas passagens em sua vida.
Mas não estava feliz. Estava deveras preocupado. O rapaz sentia-se intranqüilo com a possibilidade de vir a ser reconhecido na Corte.
Por isso, ao lá chegar, evitou circular pelas ruas da cidade. 
Como já foi mostrado, Ticiano sentia-se desconfortável com a mudança. Tal fato, inclusive, causou estranheza em seus companheiros de farda. Cismados com a atitude do colega, os rapazes começaram a cogitar o porquê da atitude do rapaz.
Surpresos, não entendiam o porque de tanta tristeza. Afinal, Ticiano havia sido promovido. Além do mais, estava agora, vivendo em uma cidade repleta de acontecimentos. Cidade esta, que era o sonho da grande maioria dos militares que estavam servindo em Serra Azul.
Josué mesmo, achava um absurdo o amigo ficar tão recluso. 
A caserna era um local onde os militares se reuniam enquanto estavam em serviço. Contudo, havia os momentos de folga, em que os mesmos poderiam se divertir, e circular pela cidade. 
Jovens como eram, para eles, conhecer a Cidade do Rio de Janeiro, era um grande acontecimento.
E assim, durante as folgas, os jovens soldados aproveitavam para passear, freqüentar alguns cafés e restaurantes, e se divertirem em bordéis.
Os cadetes, soldados e oficiais, aproveitavam muito as folgas. Isso porque, não era sempre que eram dispensados do trabalho.
Aliás, para fazerem a segurança da família real, os militares eram organizados em grupos. Grupos esses, que se dividiam em turnos. Assim, o palácio nunca ficava desprotegido.
Ticiano, aproveitando-se disso, pedia freqüentemente, ao seu superior hierárquico, para que adiasse sua folga. Sob a desculpa de que queria conhecer melhor seu trabalho, e se preparar para tanto, constantemente, Ticiano se oferecia para permanecer em serviço.
No entanto, após dois meses de trabalho intenso, seu superior imediato, o intimou para que ficasse de folga por alguns dias. Afinal, não havia necessidade de o jovem rapaz trabalhar tanto. Tão jovem, precisava se distrair com outras coisas.
E assim, o capitão o dispensou do serviço por alguns dias.
Decepcionado, Ticiano tentou permanecer no quartel, mas o general, ao vê-lo por lá, ordenou-lhe que se retirasse. Que fosse sair, passear.  Afinal a cidade era tão linda! Por que não aproveitar?
Sem outra alternativa, Ticiano foi então, passear pelas ruas da cidade. Passou por lojas, cafés, restaurantes, igrejas. Viu fausto e riqueza, mas viu também exploração e miséria. Andou tanto, que chegou a encontrar alguns dos seus companheiros, durante seu passeio pela cidade.
Josué ao avistá-lo, foi logo lhe chamando e o convidando para se integrar ao grupo.
Espantado, o rapaz perguntou a razão pela qual Ticiano resolvera sair do casulo.
Ticiano então, lhe explicou que, fora intimado a ficar de folga. Disse brincando, que os oficiais já não agüentavam mais olhar para sua cara.
No que, ao ouvirem isso, os cinco rapazes que estavam à mesa, caíram na risada.
Josué então comentou:
-- Espirituoso, heim? Que bom que está um pouco mais animado! 
-- Eu não estava triste. Só queria me inteirar um pouco mais do trabalho. – disse secamente.
-- O que estava acontecendo com você? Por acaso deixou alguém por lá? – disse Josué, referindo-se a Serra Azul.
-- Não. Só não me sentia a vontade em voltar para cá. – disse, sem pensar.
-- Quer dizer então, que já viveu aqui?
-- Não necessariamente. Mas já estive de passagem. – respondeu, tentando consertar a situação. 
E assim foi. Durante a tarde, os jovens militares visitaram alguns dos lugares famosos da cidade. À noite, todos retornaram para o quartel, à exceção de Ticiano, que tinha alguns dias de folga.
Assim, seus colegas de profissão só puderam colocar novamente os olhos nele, quando este retornou de sua folga.
Muito embora tenha resistido o quanto pôde, para sair do quartel, Ticiano havia retornado, com o semblante mais leve. Seus amigos e colegas notaram que o mesmo, parecia ligeiramente feliz.
Realmente, algo de muito bom acontecera. O rapaz, estava muito bem.
Curiosos, seus companheiros de quarto, ao verem-no tão bem, não se cansaram de fazer perguntas.
Mas, Ticiano, reservado que era, só respondia com evasivas, as perguntas formuladas.
Para seus amigos, muito embora Ticiano não dissesse nada, parecia que tinha arrumado uma mulher. Ou então, havia se divertido muito em um dos vários bordéis da cidade.
Com isso, no dia seguinte, todos tiveram que trabalhar pesado. 
Ticiano e Josué, por exemplo, foram chamados para acompanhar alguns nobres em um pequenique. 
Contudo, o passeio não transcorreu conforme o esperado.
No caminho para o convescote, uma confusão se instalou. Uma horda de mendigos se aproximou da carruagem.
De início, não pareceram perigosos. Contudo, ao se aproximarem e verem que não eram ouvidos em suas reivindicações, ameaçaram virar a carruagem. Diante da confusão, Ticiano e Josué, precisaram agir.
Cautelosos, os dois rapazes tentaram conversar com os mendigos. No entanto, de nada adiantou somente falarem. Assim, os dois empunharam suas espadas e puseram o bando de indigentes para correr.
Com isso, diante do ocorrido, os nobres acharam por bem, retornar a Corte.
Ao lá chegar, os nobres foram avisados de que tal lugar era perigoso. Por ser muito afastado da cidade, alguns marginais se escondiam ali para assaltarem os viajantes.
Os nobres precisavam ter mais cuidado portanto. 
Por conta disso, o capitão que convocou os dois oficiais, foi severamente repreendido. Estando na cidade há mais tempo, já devia saber que alguns lugares não deveriam ser freqüentados pela corte.
E assim, afastado de suas funções, foi substituído. 
Por isso, Ticiano e os demais oficiais daquele destacamento, passaram a trabalhar sob as ordens de um novo capitão.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 16

Mas, a despeito de suas constantes reclamações, nada era feito. Contudo, com a iminente visita de algumas das mais importante figuras da Corte, os militares não podiam fazer feio. Tinham que escoltá-los até a cidade para que não houvesse problemas. 
Apesar dos nobres possuírem uma escolta pessoal, sob a alegação de que eles não podiam correr riscos, as autoridades locais, intimaram o exército para que os acompanhasse.
E assim procederam. Sob as ordens do superior hierárquico, os soldados cavalarianos seguiram até a Capital e de lá, acompanharam os nobres até a cidade.
Nisso, tudo transcorria muito bem. 
No entanto, ao se aproximarem da cidade, alguns homens devidamente encapuzados e  municiados tentaram pilhar os viajantes. Apesar de toda a escolta, os ladrões não se intimidaram, passando a ameaçar a todos com as armas.
Espantosamente, os ladrões eram em grande número. Tal fato causou espécie a todos os que ali estavam. Mesmo os militares não esperavam por isso. 
Mas, mesmo diante de tal adversidade, os soldados resolveram reagir.
Sem grandes alternativas, os cavalarianos passaram a se dividir em grupos. 
Um dos grupos, encarregados de levarem os nobres até um lugar seguro, eram protegidos pelos homens que permaneceram no local, resistindo ao assalto. 
Estes homens lutaram bravamente, e apesar das circunstâncias, conseguiram fazer os ladrões recuarem.
Contudo, alguns dos ladrões, no ápice da confusão, embrenharam-se no mato e foram atrás da escolta que partiu com os ilustres viajantes.
Com isso, aproveitando o elemento surpresa, os bandidos avançaram em direção aos militares. 
Surpreendidos, os militares tentaram recuar. No entanto, não havia com escapar, pois os assaltantes já haviam impedido a passagem dos viajantes pelo vale.
Assim, os militares tiveram que enfrentar a situação. Enfrentaram e puseram os ladrões para correr.
Nisso Ticiano, e mais alguns colegas, percebendo que as carruagens abandonadas eram alvo fácil da ação dos bandidos, passaram a ficar próximos destas. Assim, ao menor sinal de presença dos ladrões, logo os poriam para correr.
Dito e feito, assim que alguns dos assaltantes se aproximaram, Ticiano, pulando de seu cavalo na direção em que alguns deles estavam, acabou por derrubar um deles no chão. Contudo, ao ver que os ladrões mantinham suas armas, Josué – um dos seus companheiros de farda –, desferiu três tiros em direção a eles. Como possuía fama de ter boa pontaria, atingiu um deles em cheio. 
Os demais ladrões, ao perceberem que estavam em menor número, fugiram em disparada, se embrenhando no mato.
Aparentemente, todos os ladrões sumiram. No entanto, como os cavalarianos perceberam que os mesmos gostavam de atacar a traição, resolveram se dividir em grupos, tendo o cuidado de não deixar a comitiva desprotegida.
Como também, estavam próximos da cidade, os soldados não tinham muito com o que se preocupar. Assim caminharam mais algumas léguas e finalmente chegaram ao lugar.
Como era de se esperar, foram saudados com um cortejo militar.
Tradição na cidade, toda a cidade em peso compareceu para ver os nobres e a festividade.
Depois, sabendo que os nobres haviam sido alvo de uma tentativa de assalto, o capitão do Primeiro Batalhão tratando logo de redigir a ocorrência, disse a eles, que se encarregaria pessoalmente do caso. Afinal de contas, não poderia deixar que um grupo de bandoleiros tomassem conta da situação. 
E assim, conforme o prometido, o capitão passou a tomar medidas enérgicas.
Durante o tempo em que os nobres permaneceram na cidade, o militar  teve o cuidado de cercar a cidade com todo o exército. Diante dos últimos acontecimentos, passou a temer que a cidade fosse invadida por pistoleiros. Daí o cuidado extremo.
Além do mais, quando os nobres se retirassem da cidade, estes, seriam novamente escoltados. Contudo, teriam mais militares para lhes acompanhar, garantindo-lhes a segurança. Por esta razão, o capitão planejou uma rota alternativa para que a comitiva partisse em paz. 
Assim, os militares teriam que passar por diversas cidades até chegarem ao destino, a Corte do Rio de Janeiro.  
E desta forma procederam. Cautelosos, os soldados não poderiam admitir que parte da nobreza do país, fosse alvo novamente da ação de bandidos. Por isso o cuidado para que ao menos ao retornar, estivessem em segurança.
Como se pode imaginar, o caminho ficou mais longo, mas muito embora isto tenha sido inconveniente, ao menos os nobres puderam chegar em segurança até a Capital da Corte.
Nisso ao lá chegarem, os nobres não se cansaram de elogiar a atitude corajosa de todos os soldados. Agradecidos, quiseram homenagear dois dos militares que ali estavam, por sua bravura em defendê-los, mesmo diante de algumas dificuldades. Isso por que, mesmo surpreendidos, os dois tiveram presença de espírito o suficiente para revidarem o ataque e os protegerem.
Agradecidos, os nobres não puderam deixar de cumprimentá-los pelo excelente resultado da escolta. Disseram ainda, que soldados como eles deveriam fazer parte da guarda imperial, visto que seriam primordiais para a mantença da segurança régia.
Por esta razão, os nobres prometeram que se encarregariam pessoalmente de indicá-los ao imperador. Atenciosos insistiram em dizer, que era o mínimo que poderiam fazer por aqueles que os protegeram tanto e por tão longo tempo.
Com isso, depois das devidas homenagens, os valorosos soldados partiram, em direção a cidadezinha onde serviam.
Cautelosos, diferente do caminho que fizeram ao retornar, planejaram um trajeto ainda menos convencional. Isso porque, não pretendiam serem abordados em seu regresso.
E assim, ao retornarem, inúmeros soldados foram destacados para fazer a segurança da cidade. Nas estradas que davam acesso ao município, alguns soldados, à paisana, ficavam de campana, visando a captura dos bandidos que assaltavam naquelas paragens. Por esta razão, ficavam escondidos. Embrenhados nos matos ou em morros. Precisavam encontrar os ladrões.
E assim, a cidade de Serra Azul, empenhou-se de todas as maneiras possíveis em solucionar o caso. Afinal, não seus moradores não poderiam ficar à mercê de bandidos.
Suspeitando que os assaltos ocorriam devido o fato daquela ser a rota de alguns garimpeiros, os militares passaram a fiscalizar a entrada e saída de todos os garimpeiros que trabalhavam na região. Preocupados com a onda de assaltos que assolava a região, os militares e as demais autoridades locais, procuraram fazer de tudo para que aquela questão se resolvesse. 
Por esta razão, os soldados passaram a escoltar todos os visitantes ilustres que atravessavam a cidade. Ciosos, chegaram até a visitarem as cidades vizinhas em busca de pistas sobre os bandoleiros. O capitão do Batalhão, encarregou sua infantaria, de vigiar diuturnamente a entrada da cidade.
Ademais, a título de reforço, os cavalariços foram convocados para atuarem em caso de extrema necessidade.
Em campana, com se fora uma guerra, ficaram os soldados, alertas. Não poderiam deixar que o inimigo os surpreendesse.
E foi por isso, que depois de alguns meses, finalmente os bandoleiros foram pegos. 
Além da pesada vigilância da Cidade de Serra Azul, os municípios e povoados vizinhos, estavam todos unidos com o intuito de destruírem o bando. Por isso, passaram a agir conjuntamente. Com isso, quando havia alguma notícia reveladora, logo alguém avisava os municípios limítrofes.
E assim unidos, logo que souberam através de mensagens, que os bandoleiros estavam indo em direção a cidade de Serra Azul, os municípios começaram a se preparar para o revide. 
Além disso, as autoridades das outras localidades avisaram o capitão do Batalhão da cidade de Serra Azul, sobre o ataque, e este se preparando para o combate o destacou mais soldados para o local. 
Tal pedido, foi atendido de pronto. Além disso, para que a cidade não ficasse desprotegida, o capitão convocou todos os soldados que estavam de folga, bem como mandou recado, para que as cidades mais afastadas se preparassem, caso o inimigo ameaçasse avançar para lá. 
Foi uma luta deveras desigual. 
Apesar de ser um exército contra um bando de marginais, por se tratar de um simples exército de uma pequena cidade, o mesmo não fazia jus a quantidade de bandidos que ali estavam.  
Espantosamente, desde que os bravos soldados enfrentaram o bando, o mesmo possuía agora mais integrantes.
O que causou espécie. Isto porque, apesar de não serem um grande exército como o da Capital, sempre puderam resolver seus problemas sem a intervenção de outras cidades. Mesmo quando da tentativa de assalto da comitiva dos nobres, os militares, auxiliados pela escolta particular dos nobres, mesmo sendo surpreendidos pelo ataque, puderam se defender, embora com certa dificuldade.
Mas agora, os bandoleiros pareciam um exército.
Como os vários comerciantes da cidade diziam, foi um erro deixar que este grupo se fortalecesse. As autoridades não podiam ter deixado isso começar.
Contudo, agora já era tarde, e a única solução era enfrentar a situação. 
Valorosos, os soldados não poderiam permitir que os bandoleiros invadissem a cidade. 
E assim, lutaram bravamente. 
Diante da situação adversa, tiveram que criar algumas táticas para confundir o inimigo. Criativos trataram logo de causar a impressão de serem muitos, bem como só atiraram quando necessário. Habilidosos os militares chegaram a improvisar armas, e as lançaram contra os bandidos.
Os cavalariços, chegaram a perseguir alguns homens, mata adentro, visando a captura dos mesmos.
Muito embora isso fosse arriscado, não poderiam deixar os ladrões fugir. E assim, tiveram um longo trabalho para capturar e trazer consigo, alguns dos membros do bando.
E assim, conseguiram capturar alguns deles.
Entre socos, tiros, pontapés e arriscando-se, muitos deles conseguiram alcançar o objetivo.
Dispersos, os bandidos não seguiam acompanhados, o que de fato facilitou a perseguição, pois percebendo isso, os militares constataram que não se tratava de uma armadilha. Em assim sendo, os soldados lançaram-se ao desafio.
Resultado da luta, muitos bandidos fugiram, mas muitos deles, também foram pegos.
Soldados foram feridos na luta, mas bandidos também. 
Além do mais, os militares conseguiram livrar a região, dos ataques constantes de bandoleiros.
Isso porque, em pouco tempo, todos os demais bandidos foram pegos. A quadrilha foi desmontada, e mesmo não tendo todos sido enforcados, seus líderes o foram. Tal fato, tornaria menos viável a outro bando atacar a região.
Além do que, se isso tornasse a ocorrer, tal abordagem seria menos freqüente, e logo as autoridades locais tomariam providências para coibir tais práticas.
Como a cidade dava acesso a inúmeros municípios, e a diversos povoados, que traziam pessoas, e estas, dinheiro para a cidade, as autoridades de Serra Azul não poderiam perder dinheiro, deixando que a canalha tomasse conta do lugar. Daí por diante todos passariam a agir, para que tais bandidos, não tomassem conta da cidade.    
E assim, depois do problema resolvido, os bravos soldados, bem como os cavalariços, todos eles foram homenageados.
Ticiano e Josué, pela coragem que tiveram em enfrentar os bandidos que ameaçaram os visitantes, foram condecorados e promovidos. Por esta razão, passariam a integrar a guarda real na Cidade do Rio de Janeiro.
Com eles, pela brilhante participação na luta, seguiriam também para a Corte, mais outros dez soldados e oficiais, bem como alguns cadetes – jovens que, filhos dos comerciantes locais, entraram para o exército –, rumariam para outra cidade.
Ticiano no entanto, ao saber disso, ficou desapontado. Isso por que, gostava do lugar, das pessoas, do seu posto, bem como nunca demonstrara interesse em sair dali. Por isso, ao saber da promoção e da convocação, argumentou que não poderia ir. Sentia-se bem em permanecer no local.
O capital ao ouvir isso, não ficou nada satisfeito. Afirmando de Ticiano era integrante dos quadros do exército, o militar respondeu que não era de sua alçada discutir as ordens de um seu superior hierárquico. 
Assim, sem alternativa, mais uma vez, Ticiano teve que concordar com os propósitos alheios e seguir viagem para a Corte.  
Contrariado, o rapaz seguiu juntamente com os colegas de farda, rumo a Capital da Corte.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria. 

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 15

Com isso, durante os meses que se seguiram, Ticiano viveu como pôde. Ora escondendo-se de José e dos peões que partiram em seu encalço, ora prestando alguns serviços para os homens ilustres dos locais por onde passava.
Por todo esse tempo, trabalhou em muitas coisas, como em lojas, tratando de animais, etc. 
Em sua vida incerta, Ticiano chegou até ficar algumas vezes em pequenas propriedades de sitiantes. Mas ressabiado, nunca se hospedou em fazendas. Temia ser reconhecido por algum dos inúmeros amigos de José Vieira.
Além do mais, o rapaz possuía um bom dinheiro guardado. Dinheiro este que amealhou durante os anos em que trabalhou para o referido fazendeiro. Afinal de contas, independente da fuga, tencionava um dia, sair dali.
Não pretendia ficar ali por muito tempo. Aliás, dada a quantidade de anos em que por lá viveu, passou tempo demais por lá. Exceto por sua primeira casa, nunca havia passado tanto tempo em um mesmo lugar. 
E, apesar de tudo, gostou de ter vivido por lá. Na Fazenda Passárgada, era respeitado, tinha amigos, bem como tinha um belo futuro pela frente. Mas, ainda assim, inesperadamente tudo isso lhe foi arrancado. 
Tal fato o magoou deveras. Nunca esperou por isso. Nunca imaginou que pudesse mais uma vez, ser atraiçoado pela vida.
Realmente estava cansado. Cansado de tudo. Cansado da vida. 
Muitas coisas aconteceram em sua vida, e já há muito estava só. Desolado, sentia a falta de um simples amigo. Alguém com quem pudesse conversar.
Um dia, finalmente, depois de muitas andanças, Ticiano acabou por chegar em um bom lugar para se viver. Nesse lugar arrumou um trabalho definitivo, e novamente voltou a fazer o que gostava. 
Como já havia trabalhado com animais, e dada a destreza com que realizava seu trabalho, passou logo a chamar a atenção de fazendeiros de cidades da região, e até mesmo de alguns militares que o viam trabalhar.
Todos diziam a ele, que dada sua habilidade para o trabalho pesado, deveria tentar fazer algo mais nobre do que ser um simples cavalariço. Afirmavam ainda, que com seu jeito com animais, poderia facilmente entrar no exército como um cavalariano. Assim se nota que estes, não se cansavam de elogiar o rapaz.
E assim, de tanto lhe falarem isso, acabaram convencendo Ticiano. 
Isso por que, depois de muito falarem, finalmente o rapaz  capitulou e foi com os soldados, se inscrever para servir no exército. Como condição para que o fizesse, Ticiano disse que queria que continuar cuidando dos animais. Com isso, todos concordaram, pois seria um erro não deixá-lo fazer tal coisa. 
 E assim, três deles acompanharam o rapaz até lá.
Ao chegar no quartel, Ticiano foi logo informando que queria se alistar visando pertencer os quadros do exército. Como era esperado, tencionava servir como oficial cavalariano. Contudo, como também era de se imaginar, teria que esperar o momento certo para ser chamado. Aí realizaria alguns testes, e, em sendo aprovado, passaria a fazer parte do exército.
Por esta razão, Ticiano teve que esperar pacientemente para ser chamado.
Com isso, depois de alguns meses, o rapaz realizou alguns testes, inclusive de aptidão física e foi aprovado. 
Pronto, finalmente Ticiano possuía um trabalho certo. 
A partir daí, passou a ser treinado para desempenhar suas funções. Além de treinar sua montaria, o rapaz precisava também cuidar dos animais. Não bastasse isso, como era novato, Ticiano teve que se submeter a uma espécie de batismo. 
Seus colegas de farda exigiam que ele executasse algumas tarefas a mais. Assim, além de ter de realizar seu trabalho, ainda era obrigado a desempenhar as funções alheias. Por esta razão, era ele quem cuidava de boa parte dos animais do estábulo. 
Zeloso com animais, Tício cuidava de sua alimentação, os lavava, enfim, cumpria com suas funções. 
Mas como tudo muda, depois de alguns meses trabalhando muito, finalmente foi liberado do ‘batismo’. Agora seriam os novos soldados que executariam parte do seu trabalho.
Dessarte, apesar do batismo e de todo o seu trabalho, Ticiano estava gostando de ter um emprego definitivo. Gostava de seus companheiros de quarto, e não tinha nenhuma queixa com relação ao trabalho. 
Pela primeira vez na vida, o rapaz tinha um emprego em que podia permanecer por um longo tempo se quisesse.
E assim, conforme o tempo passava, Ticiano passou a conhecer melhor seus companheiros de quarto, e seus colegas de profissão. Durante esse tempo, o rapaz chegou a participar de alguns atos solenes nas festividades da cidade.
Em um deles, enquanto o cortejo dos militares passava, lá estava ele, montado em seu cavalo, usando o melhor traje dos oficiais, e participando da celebração. Nestes desfiles cívicos, todos os militares, oficiais, cadetes, enfim, todos aqueles que serviam o exército, estavam presentes a cerimônia. Com seus trajes de gala, caminhavam pelas principais ruas da cidade. 
Tais desfiles, eram sempre em datas comemorativas oficiais. Sete de Setembro, Quinze de Outubro, no dia do aniversário da cidade, e em comemorações relativas ao exército. 
Mas eram sempre um acontecimento na cidade. Todo mundo ia as ruas, admirar a marcha dos militares. Animados, os moradores observavam atentos, cada detalhe do desfile, muito embora já tivessem visto a cena, algumas centenas de vezes. Mas não se cansavam de admirar. 
Para muitos, tal exibição era um encantamento, e o exército, era uma possibilidade de melhorarem de vida, tendo-se em vista que a região, além de abrigar muitos homens de posses, abrigava também os desvalidos, e os que sonhavam com uma vida com menos miséria. O cortejo dos militares, era uma forma de se esquecerem um pouco da dura vida que levavam. Era uma das poucas oportunidades em que lhes era permitido sonhar. 
Enfim, para muitas crianças, era o sonho que acalentariam por anos a fio. O sonho de servirem no exército.
Além disso, Ticiano também, passou a executar a função, assim como outros cavalariços, de inspecionar as ruas da cidade. Eram uma espécie de segurança pública.
Contudo, como se tratava de um lugar pacato, acabavam não tendo muita coisa para fazer.
Realmente, para a maioria dos militares que lá atuavam, trabalhar naquela pequena cidade não era muito empolgante. Raramente havia uma ocorrência, e muito embora, não existisse sequer uma delegacia no lugar, era pouco comum haver algum problema.
Nesse aspecto, os problemas mais comuns eram brigas de vizinhos e alguns roubos de animais.
Em razão disso, o sonho de boa parte dos militares que lá serviam, era serem convocados para alguma guerra, ou então, transferidos para uma cidade maior. O que era muito freqüente. Vários militares da região, por seu bom desempenho em determinadas tarefas, eram chamados para integrarem o exército, inclusive da Capital da Província, onde poderiam com sorte, fazer parte da guarda real. O que era o sonho de boa parte dos jovens que ali estavam.
Ambiciosos, todos eles almejavam seguir carreira. Alguns deles, filhos de ricos comerciantes do lugar, freqüentavam desde cedo, os bancos do colégio militar. Desde meninos, eram preparados para servirem como oficiais. E desde cedo, alimentavam o sonho de conhecer o imperador.
Muitos queriam ser também, grandes estrategistas militares e participarem o quanto antes, de guerras e batalhas.
Mas havia aqueles também, que estavam satisfeitos com o posto que galgaram. Muito embora fossem exceção, alguns militares não pretendiam sair dali. Não sonhavam com grandes cargos. Estavam satisfeitos com seu trabalho.
No entanto, se surgisse uma guerra, estavam prontos para entrar em combate. Não temiam a morte em campo de batalha. Não temiam as guerras, só não ambicionavam serem grandes estrategistas. Só queriam fazer bem o seu trabalho.
Mas como já foi dito, eram poucos. E entre esses poucos, estava Ticiano, que como há muitos anos não se via, estava realmente contente com seu trabalho.
Pois bem, depois de meses vagando, procurando se fixar em algum lugar, finalmente havia arrumado um bom emprego.
Ticiano estava realmente satisfeito. 
Também, tudo estava correndo da maneira mais perfeita possível para ele. Assim, não tinha do que reclamar. 
 Durante a visita de alguns nobres à região, Ticiano e mais alguns colegas de farda, foram encarregados de acompanhá-los em viagem até a cidade, servindo-lhes de escolta. 
Por esta razão, eles tiveram que se deslocar até a Capital da Corte, para assim, acompanhar os nobres durante toda a viagem até a região. Depois os cavalarianos deveriam retornar com eles até a Capital. 
Isso porque, alguns viajantes, rumando em direção à região, passaram, nos últimos tempos, a serem alvo de constantes assaltos. 
Muito embora isso não fosse comum na época, nos últimos tempos, tal procedimento tornou-se bastante freqüente. Vários viajantes, rumando pela cidade, passaram a reclamar com as autoridades locais sobre isso.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria. 

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 14

Curiosos, os quatro homens imaginavam que Ticiano poderia estar disfarçado, vivendo com mendigo ou em outra fazenda, trabalhando como peão.
 No entanto, conforme o tempo foi passando, Mário, Caio, Juvenal e Sérgio começaram a achar incoerente a história que lhes contaram sobre o desaparecimento do rapaz. Afinal, se o rapaz queria realmente enriquecer, como muitos disseram, por que não aproveitara a oportunidade de casar-se com a filha de Seu José, a Senhorita Tereza?
Assim, fugir para evitar o compromisso não fazia sentido. Até porque, se essa era realmente a intenção de Ticiano, ele não se furtaria em assumir publicamente, o compromisso com a moça. Além do mais, como se sabia por ali, Tereza nunca simpatizara com o rapaz. Pelo contrário, a moça, sempre que podia, procurava humilhá-lo. Arrogante, não aceitava que Ticiano fosse tratado com tanto respeito e consideração pelo pai.
Com isso Sérgio disse aos amigos, que diversas vezes, percebeu Tereza cercando Ticiano. Várias vezes a viu na cocheira e entre os peões, observando o trabalho do rapaz:
-- Eu sempre desconfiei que aquilo não poderia dar em boa coisa. – ressaltou Sérgio.
-- Se era como vosmecê falou. – disse Mário.
-- Vosmecês não perceberam os olhares mortiços que ela lançava para ele quando achava que ninguém estava olhando? Aquela ali não é flor que se cheire. Quem sabe toda essa história não passe de uma grande mentira. – insistiu Sérgio.
-- Vosmecê acha que Tereza fez tudo isso de caso pensado? – perguntou Mário.
-- Só fez. – afirmou Sérgio.
Ao constatarem que tudo o que o amigo dizia poderia ser o retrato fiel da realidade, ficaram admirados. Ticiano fugira, para não ter que se envolver com uma bruxa. Uma bruxa que quase conseguiu o que queria.
No entanto, enquanto os peões chegaram a esta conclusão, José, teimou em rejeitar essa possibilidade. Tereza, sua filha, não podia ser tão leviana ao ponto de envolver o rapaz em tão grave mentira. Afinal de contas, por causa dela, chegou a se desentender com Ticiano. Diversas vezes, quando o rapaz tentou se explicar, mandou-o calar-se. Isso porque, os fatos diziam por si mesmos. Segundo, ele não havia escusas para o proceder do jovem.
Muito embora, José gostasse muito do rapaz, não poderia admitir que se portasse com sua filha com se esta fosse uma qualquer. Apesar de conhecer a filha e saber de seu temperamento, jamais poderia imaginar que fosse tão maldosa e intrigante.
Por isso, ao chegar a mesma conclusão que os peões, depois de algum tempo, José disse a si mesmo que isso não poderia ser verdade. Como sua filha, a menina que criara com tanto desvelo, poderia ter uma imaginação tão fértil para maldades como essa? 
Mas, como o tempo ensina, aos poucos o fazendeiro deixou por terra o pouco de resistência que ainda possuía quanto a esta possibilidade. Atento José passou então a ver o comportamento da filha. Freqüentemente, Tereza destratava os escravos, e sempre dizia que estes eram um mal necessário.
Mas a gota d’água mesmo, foi vê-la tentar humilhar um dos peões.
Ao ver a cena, José não pôde mais fingir que não sabia a verdade. Sua filha tramara, tudo. Furtivamente adentrou a casa em o rapaz morava e deitou-se em sua cama. 
Assim, tomado de uma profunda raiva pela filha, arrastou-a até seu escritório. Como a conversa seria definitiva, José pediu a escrava que estava arrumando a sala, que saísse.
E assim, começou dizendo:
-- O pensas que está fazendo? Estas louca? Que direito achas que tem para poder tratar um dos meus melhores peões daquela maneira?
-- Ele me desrespeitou. Eu pedi para que fizesse algo e ele se recusou a fazer.
-- Naturalmente. Ele não é seu empregado, e muito menos uma das mucamas. Para isso, temos escravos.
-- Mas isso não lhe dá o direito de me ofender.
-- É mesmo? E o que foi que ele fez? Diga-me, que se ele realmente te desrespeitou, eu mesmo me encarregarei de castigá-lo. Ande, digas. O que foi que ele fez? – perguntou impaciente.
Surpresa com a atitude do pai, Tereza disse-lhe que não era nada grave. A ofensa não fora tão grande assim.
Mas seu pai, insistiu para que ela revelasse o que se passara. 
Contudo, Tereza parecia titubear e não quis contar. 
No entanto, diante da atitude vacilante da filha, o fazendeiro, irritado, ordenou-lhe que contasse o que havia se passado. De tão furioso, ameaçou-a com uma surra se não contasse a verdade.
Assustada Tereza disse-lhe que ele teimou em dizer que não era escravo e que se queria que alguém fizesse o que pediu, que chamasse uma das escravas da casa. Tereza afirmou ainda, que o empregado praticamente a deixou falando sozinha.
Ao terminar de falar, Tereza se sentiu visivelmente aliviada.
Seu pai, no entanto, não acreditou na história. Como observara toda a cena, pôde perceber que a filha não contara como tudo aconteceu. Sabia que Tereza mentia descaradamente. Por isso, ao ouvir tal inverdade, começou a berrar.
Tamanha foi sua raiva, que mesmo sem perceber, José começou a sacudir a filha e a esbofeteou.
O tapa foi tão forte, que a moça caiu sentada no sofá do escritório.
Transtornado,  José exigiu-lhe, entre gritos e ameaças, que contasse toda a verdade.
Afinal, por que razão, Ticiano criaria uma confusão tão grande, se já fazia um ano que trabalhava como administrador e estava muito bem encaminhado na vida? Por que jogaria tudo isso fora, para se envolver com Tereza e não tirar nenhum proveito disso?
Sem saída, Tereza teve que finalmente revelar que fora ela que urdira toda a trama que envolveu o jovem. Nada acontecera naquela noite, muito embora ela quase tenha apanhado por isso. 
Tereza, amedrontada, revelou que estava há muito, interessada no rapaz. Mas como os dois haviam começado muito mal, não sabia como ganhar-lhe a simpatia. Por isso, tentou muito ser amiga dele. Contudo o moço não lhe dava esperanças. Diante disso sem saber o que fazer, resolveu tentar um último recurso. Mas, ao contrário do que imaginou, o rapaz fugiu. Inúteis foram, as tentativas de tentar prendê-lo.
Ao ouvir tais barbaridades, José ficou ainda mais furioso. 
-- Sua imbecil. Como pôde fazer isso? Sabes que agora todos pensam que vosmecês tiveram alguma coisa? – perguntou José estapeando-a.
Ao final de alguns minutos, atalhou:
-- Com a besteira que fizeste, além de prejudicar o rapaz, prejudicaste a ti mesma. Vosmecê acabou com qualquer possibilidade de se casar.
Realmente, depois de tudo o que aconteceu, dificilmente Tereza arrumaria marido. Além disso, o próprio fazendeiro e sua família estavam implicados em um escândalo. Afinal, como fazer para calar a boca de escravos e empregados?
Isso porque, pelo menos parte da história era de conhecimento de todos. Grande parte dos empregados e dos escravos sabiam que o rapaz estava metido em uma encrenca com a filha do patrão. Alguns dos escravos, chegavam até mesmo a aumentar a história.
Diante disso, José precisava tomar uma atitude.
Por isso, mandou a filha Tereza para longe. Sob a alegação de que a moça precisava estudar, matriculou-a em um colégio interno em Salvador. Isso porque, em razão do ocorrido, não queria correr o risco de que sua filha encontrasse pessoas conhecidas em São Paulo, lugar em que possuía alguns amigos.
Não, não podia correr o risco de deixar a história se espalhar. Daí a razão em mandar a filha para tão longe.
Dessarte, para se certificar de que a moça iria exatamente para o local indicado, José tratou logo de acompanhá-la, levando-a em viagem, até a longínqua paragem.
Ao chegar lá, José imediatamente fez questão de marcar uma entrevista com o responsável pelo colégio. Como possuía conhecidos na região, providenciar um bom colégio para a moça estudar, não era questão das mais difíceis para se resolver.
Além do mais, poderia usar como desculpa para tão repentina decisão, o fato de que tencionava se mudar da região, e havia ouvido notícias, quando em viagem por lá, de que por ali existia um bom internato. Assim, enquanto ele não resolvia as questões administrativas com relação a venda de sua propriedade, sua filha estaria aos cuidados da direção do colégio. 
Cauteloso, José não queria que sua filha aprontasse mais nenhum escândalo. Por isto todo o empenho e cuidado para que ela não ficasse totalmente desacompanhada. Inseguro que estava diante do que ocorrera, achou por bem trazer um parente, para que, mesmo de longe, vigiasse os passos de Tereza.
Assim, enquanto esteve em Salvador, José cuidou de todos os detalhes para que Tereza pudesse fazer parte de um dos tradicionais institutos educacionais da cidade.
E realmente o fez. Em menos de duas semanas, Tereza estava matriculada no colégio. 
Diante disso, não havia mais nada para o fazendeiro fazer na cidade. Com seu objetivo alcançado, José tratou de voltar logo para sua cidade.
Como era de se esperar, levou muito tempo para conseguir retornar. Mas quando chegou, José afirmou peremptoriamente que nunca mais, as coisas voltariam a ser como antes. Mesmo com a surra que dera em alguns escravos e a ameaça de serem vendidos, ainda assim a confusão criada por Tereza não tinha como ser desfeita. 
Aliás esse fora um dos motivos que o incentivou a manter sua filha longe dali. Para evitar mais maledicências, José precisou levar a filha para bem longe, visando inclusive tornar viável, um futuro casamento para ela.
E fez bem, porque, diante das circunstâncias, se ali permanecesse, dificilmente arranjaria marido. Mas com a mudança oportuna de ambiente, poderia facilmente arranjar compromisso. Afinal estava em tempo de se casar.
Além do mais, dado o escândalo em que a moça colocara a família, José decidiu que, além manter a filha afastada, venderia a fazenda. Contudo, não faria tudo apressada e precipitadamente. Utilizando-se de uma idéia criada pelo próprio Ticiano, José organizaria um evento. Um grande evento com leilão de animais, e proposta de venda da propriedade.
José precisava de dinheiro. Apesar do muito que já ganhara administrando a propriedade, precisava, se desfazer dela. Precisava abandonar tudo o que havia construído. Tudo por causa de Tereza. Mas infelizmente, o poderia ser feito? 
Como todo homem da época, um escândalo envolvendo a honra de um ente da família, desmoralizava todos os demais.
Além do que, não poderia ser egoísta. Assim como sua filha precisava casar, seu filho Tiago, também precisava de uma esposa. E por conta de um ato impensado de sua filha, não poderia por tudo a perder.
Daí a decisão de José de vender tudo e mudar-se para outro local.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 13

Mas, a despeito de tudo isso, Ticiano resolveu enfrentar o fazendeiro. Como sentia que algo errado estava por acontecer, mais do que depressa afirmou ao patrão, que não iria assumir algo que não havia feito. 
E assim, mesmo diante das ameaças do patrão, o jovem não se fez de rogado. Determinado, Ticiano disse que, de forma alguma aceitaria se unir a jovem. Aborrecido com a atitude da moça, o jovem respondeu ainda, que não se importava de ser destituído do cargo e até morto. Só não achava justo responder por algo que não havia feito.
Diante disso, mesmo com muito pesar, só restou a José mandar trancá-lo na sede da fazenda. Para que não fugisse, o fazendeiro mandou que alguns escravos o levassem até um dos quartos da casa.
Aprisionado, Ticiano não poderia escapar de solver seu compromisso. 
Em razão disso, o rapaz ao ver-se na clausura, notou que precisava encontrar alguma forma de resolver sua situação. Precisava fugir. Muito embora não soubesse ainda como fazer para escapar, sabia que se quisesse se livrar da enorme confusão em que se metera, precisava sair dali.
E assim, conforme as horas passavam e os dias se seguiam, Ticiano só pensava em uma forma de sair dali. 
Primeiramente, cogitou pular da janela, mas, para sua infelicidade, a casa ficava em um lugar elevado, e assim, se tentasse pular pela janela, acabaria por se arrebentar no solo. Em decorrência disso, precisou pensar em um plano melhor. Como fazer para fugir dali? Como fazer para explicar tudo e resolver a confusão? Afinal, se fosse obrigado a se casar com a moça, todos descobririam a razão pela qual havia permanecido por tanto tempo por lá.
E para ele, isso seria seu fim. Não poderia deixar que descobrissem que era muito mais do que aparentava ser. Não poderia deixar que descobrissem quem ele era. Daí a insistência em planejar uma fuga. 
Além do mais, estava consciente de que, ao tomar tal atitude, e em assim procedendo, não poderia ficar por ali. Teria que sumir. Sem tempo para pegar seus pertences. Ou qualquer outra coisa. 
Ticiano teria simplesmente, que se despedir do mundo que o cercara durante quase três anos. 
Tereza, finalmente, conseguira o que tanto queria. Finalmente conseguiu prejudicá-lo. Agora Ticiano, enredado que estava em sua armadilha, não poderia escapar. Estava completamente encrencado.
Mesmo tentando se explicar, ao dizer que tudo não passava de uma grande confusão, não conseguiu convencer o fazendeiro.
Apesar da grande admiração que José possuía pelo rapaz, nada o demovia da idéia de vê-lo casado com sua filha. Afinal, mesmo que fosse verdade o que o rapaz dizia, a moral de sua filha fora conspurcada. E assim, tal mau não poderia ficar sem a devida reparação. 
Consciente da gravidade do assunto, José não podia ser benevolente com o mancebo. 
E assim, sem alternativas, só restava a Ticiano uma única saída, a fuga.
Por isso, o rapaz planejou cuidadosamente, o que faria para sair dali. Conforme se seguiam os dias, Ticiano passou a se habituar com o horário da criadagem. O rapaz sabia exatamente a hora em que entravam para trazer comida, roupas, entre outras coisas. Zeloso, Ticiano tomou o devido cuidado para que não percebessem que ele reparava em tudo isso.
Diversas vezes, quando os escravos entravam no quarto de hóspedes, fingiu estar dormindo, e assim, pôde constatar com o passar dos dias, que tinham um horário certo para entrarem no quarto. Diante disso, pôde planejar sua fuga. 
Sabedor que era, da inconveniência de se sair a luz do dia da sede da fazenda, decidiu que o faria ao cair da noite. Ademais, agiria silenciosamente, para que ninguém percebesse sua ausência e tivesse tempo de pegar alguns objetos pessoais.
Isso porque, apesar de boa parte de suas coisas ter sido levada até a sede, Ticiano precisava buscar alguns livros. Muito embora fosse tolice pensar em tais coisas em uma fuga, Ticiano não abria mão dos livros. Até por que, muitos deles foram comprados por ele, a custa de muito sacrifício, tendo-se em vista que tais artigos eram extremamente caros.
Ademais, quando se sentira só, eles foram, muitas vezes, a única companhia que tivera. Assim, não poderia deixá-los para trás.
E assim o fez. 
 Ao cair da noite, Ticiano, sorrateiramente, escondeu-se em um dos cantos do quarto de hóspedes. Ansioso, esperava o momento em que um dos criados adentrasse o quarto, para levar-lhe algo.
 Em razão disso, conforme os minutos se seguiam, mais e mais aumentava sua ansiedade. A espera pelo criado, pareceu-lhe uma eternidade.
Contudo, depois de alguns minutos, finalmente o criado entrou no quarto para levar-lhe uma bebida. Como o escravo não percebeu a presença do rapaz nos aposentos, passou a procurá-lo. 
Nisso surpreendentemente, ao ver o escravo, Ticiano, aproveitando-se de um objeto que trazia nas mãos, acertou-lhe a cabeça. 
Contudo, um dos escravos que permanecia junto a entrada do quarto do rapaz, ouviu o barulho e, preocupado, adentrou o aposento para verificar o que teria ocorrido.
Como era de se esperar, Ticiano esperava ansiosamente a entrada do mesmo no quarto. Estando a postos, tratou de também acertar-lhe a cabeça, com um dos inúmeros objetos que enfeitavam o quarto.
E assim, carregando uma pequena trouxa com alguns de seus pertences, Ticiano rapidamente, saiu do ambiente. Cautelosamente, verificou se não havia ninguém na sala. Seguramente não. Diante disso, como todos na casa provavelmente dormiam, o rapaz aproveitou o ensejo e mais que depressa, saiu da sede. 
Contudo, para que ninguém o avistasse saindo da casa-grande, Ticiano procurou sair pela cozinha. O rapaz, caminhando vagarosamente para não acordar os escravos, fugiu, para novamente partir.
Mas antes, Ticiano passou na casa onde morou por um ano. Na casa do antigo administrador da fazenda, pegou os poucos livros que tinha e partiu. 
Ademais, preocupado com a possibilidade de ser pego, o rapaz cavalgou durante toda a madrugada. Para isso, furtou um dos cavalos da fazenda. Infelizmente, não havia outra alternativa. 
Por isso o fez.
Como bom conhecedor de animais, Ticiano procurou pegar um dos que melhor corriam. Afinal, precisava estar bem longe da fazenda, quando finalmente viesse a manhã. Por que ele sabia que provavelmente seria procurado.
Por isso, precisava sumir da região.
E assim, Ticiano cavalgou durante toda a madrugada. 
Durante horas permaneceu acordado.
No entanto, por mais forte que um homem seja, chega um momento em que se necessita de um descanso. E assim, depois de longas horas de cavalgada, Ticiano precisou pensar em um bom lugar para descansar. 
Tal lugar, entretanto, não poderia ser acessível, para que ele não corresse o risco de ser pego. E assim, enquanto não encontrou tal lugar, continuou cavalgando.
Mas, muito embora estivesse determinado a fugir, sabia que tanto ele, quanto seu cavalo, precisavam de repouso. Por isso, ao avistar , depois de algum tempo cavalgando, uma pequena propriedade escondida no meio de um matagal, não se fez de rogado, pois havia finalmente encontrado um lugar para se esconder.
E nisso, enquanto para Ticiano tudo transcorria razoavelmente bem, o mesmo não se poderia dizer quanto a família Viera. Isso porque, logo que descobriram o sumiço do rapaz, ainda durante a madrugada, José mandou que todos os seus peões o procurassem.
E assim, Caio, Mário, Sérgio e Juvenal, embora fossem amigos de Ticiano, tiveram que empreender a tarefa. Penalizados com a situação, vasculharam todos os recantos da fazenda. Mas, como era de se esperar, não encontraram o rapaz.
Contudo, de tanto procurá-lo pelas cercanias, perceberam que um dos cavalos havia sido furtado. Provavelmente Ticiano, para empreender sua fuga, subtraiu o animal. 
O fazendeiro, ao ouvir isso, percebeu que a fuga fora planejada pelo jovem. Por isso, José ficou enraivecido. Afinal, como pôde, o homem em quem depositara tanta confiança, atraiçoá-lo dessa forma? Como pudera ele ser tão atrevido?
Por esta razão, José não podia deixá-lo fugir. Precisava encontrá-lo. Precisava castigá-lo. Afinal que o jovem fizera, fora muito grave e não poderia ser esquecido. 
Diante disso, José ordenou aos peões que vasculhassem toda a região. Que não deixassem pedra sobre pedra. Que esquadrinhassem todos os lugares. Se fosse preciso, que visitassem todas as fazendas da região, muito embora dificilmente Ticiano passasse por lá. Mas cuidadoso, José precisava encontrá-lo, e para isso, não mediria esforços.
Ciente de que os empregados eram amigos do jovem, advertiu-lhes que:
-- Se algum de vós, permitirdes que Ticiano fuja, vosmecês acertarão as contas comigo. Por isso vos aviso. Não tentem me fazer de imbecil. Não o auxiliem.
Com isso, os quatro peões estavam irremediavelmente obrigados a cumprir a ordem. E assim, conforme prometeram ao patrão, muito embora gostassem de Ticiano, não podiam admitir que o que este fizera, ficasse sem punição. Por isso cavalgaram incessantemente.
Procurando em várias direções, partiram obstinados. Só voltariam trazendo o rapaz. 
No entanto, conforme os dias passavam, Mário, Caio, Sérgio e Juvenal não conseguiram encontrá-lo. Preocupados, sabiam que cada dia que passava, era uma possibilidade menor de encontrá-lo. 
Por isso, cada vez mais, deixaram de acreditar que pudessem vir a encontrá-lo.
O homem parecia ter sido engolido pela terra.
Desolados, depois de semanas procurando-o, os quatro homens tiveram que desistir e voltar para a fazenda. 
Ao lá chegarem e contarem sobre o insucesso da busca que empreenderam nos arredores e até em algumas cidades, os quatro homens tiveram que agüentar a fúria de  José. Obcecado que estava com sua vingança, o fazendeiro não aceitou as desculpas dos peões.
Furioso, José voltou a repetir que não admitiria tal procedimento por parte deles. 
Caio, Mário, Sérgio e Juvenal por sua vez, insistiram em dizer que não haviam facilitado a fuga do jovem ladrão. Aliás, depois do que Ticiano fizera, jamais o ajudariam no que fosse. Estavam decepcionados com ele e entendiam a atitude do patrão. Realmente, segundo eles, Ticiano agira como um verdadeiro canalha. 
José, ao ouvir isso, abrandou. Percebendo que os empregados não lhe foram desleais, deixou de lado a admoestação e dado o trabalho que tiveram, o fazendeiro os dispensou do labor por alguns dias.
Agradecidos, os homens aproveitaram para se refazerem. Afinal, durante semanas, cavalgaram por muitas horas pelos caminhos e estradas que encontraram.
Quando se encontravam, os quatro especulavam cogitando onde então Ticiano poderia estar. Mas, por mais que tentassem imaginar um lugar, não sabiam dizer qual. Provavelmente, segundo eles, seria uma cidadezinha interiorana bem longe dali.

Luciana Celestino dos Santos 
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