Poesias

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 14

Curiosos, os quatro homens imaginavam que Ticiano poderia estar disfarçado, vivendo com mendigo ou em outra fazenda, trabalhando como peão.
 No entanto, conforme o tempo foi passando, Mário, Caio, Juvenal e Sérgio começaram a achar incoerente a história que lhes contaram sobre o desaparecimento do rapaz. Afinal, se o rapaz queria realmente enriquecer, como muitos disseram, por que não aproveitara a oportunidade de casar-se com a filha de Seu José, a Senhorita Tereza?
Assim, fugir para evitar o compromisso não fazia sentido. Até porque, se essa era realmente a intenção de Ticiano, ele não se furtaria em assumir publicamente, o compromisso com a moça. Além do mais, como se sabia por ali, Tereza nunca simpatizara com o rapaz. Pelo contrário, a moça, sempre que podia, procurava humilhá-lo. Arrogante, não aceitava que Ticiano fosse tratado com tanto respeito e consideração pelo pai.
Com isso Sérgio disse aos amigos, que diversas vezes, percebeu Tereza cercando Ticiano. Várias vezes a viu na cocheira e entre os peões, observando o trabalho do rapaz:
-- Eu sempre desconfiei que aquilo não poderia dar em boa coisa. – ressaltou Sérgio.
-- Se era como vosmecê falou. – disse Mário.
-- Vosmecês não perceberam os olhares mortiços que ela lançava para ele quando achava que ninguém estava olhando? Aquela ali não é flor que se cheire. Quem sabe toda essa história não passe de uma grande mentira. – insistiu Sérgio.
-- Vosmecê acha que Tereza fez tudo isso de caso pensado? – perguntou Mário.
-- Só fez. – afirmou Sérgio.
Ao constatarem que tudo o que o amigo dizia poderia ser o retrato fiel da realidade, ficaram admirados. Ticiano fugira, para não ter que se envolver com uma bruxa. Uma bruxa que quase conseguiu o que queria.
No entanto, enquanto os peões chegaram a esta conclusão, José, teimou em rejeitar essa possibilidade. Tereza, sua filha, não podia ser tão leviana ao ponto de envolver o rapaz em tão grave mentira. Afinal de contas, por causa dela, chegou a se desentender com Ticiano. Diversas vezes, quando o rapaz tentou se explicar, mandou-o calar-se. Isso porque, os fatos diziam por si mesmos. Segundo, ele não havia escusas para o proceder do jovem.
Muito embora, José gostasse muito do rapaz, não poderia admitir que se portasse com sua filha com se esta fosse uma qualquer. Apesar de conhecer a filha e saber de seu temperamento, jamais poderia imaginar que fosse tão maldosa e intrigante.
Por isso, ao chegar a mesma conclusão que os peões, depois de algum tempo, José disse a si mesmo que isso não poderia ser verdade. Como sua filha, a menina que criara com tanto desvelo, poderia ter uma imaginação tão fértil para maldades como essa? 
Mas, como o tempo ensina, aos poucos o fazendeiro deixou por terra o pouco de resistência que ainda possuía quanto a esta possibilidade. Atento José passou então a ver o comportamento da filha. Freqüentemente, Tereza destratava os escravos, e sempre dizia que estes eram um mal necessário.
Mas a gota d’água mesmo, foi vê-la tentar humilhar um dos peões.
Ao ver a cena, José não pôde mais fingir que não sabia a verdade. Sua filha tramara, tudo. Furtivamente adentrou a casa em o rapaz morava e deitou-se em sua cama. 
Assim, tomado de uma profunda raiva pela filha, arrastou-a até seu escritório. Como a conversa seria definitiva, José pediu a escrava que estava arrumando a sala, que saísse.
E assim, começou dizendo:
-- O pensas que está fazendo? Estas louca? Que direito achas que tem para poder tratar um dos meus melhores peões daquela maneira?
-- Ele me desrespeitou. Eu pedi para que fizesse algo e ele se recusou a fazer.
-- Naturalmente. Ele não é seu empregado, e muito menos uma das mucamas. Para isso, temos escravos.
-- Mas isso não lhe dá o direito de me ofender.
-- É mesmo? E o que foi que ele fez? Diga-me, que se ele realmente te desrespeitou, eu mesmo me encarregarei de castigá-lo. Ande, digas. O que foi que ele fez? – perguntou impaciente.
Surpresa com a atitude do pai, Tereza disse-lhe que não era nada grave. A ofensa não fora tão grande assim.
Mas seu pai, insistiu para que ela revelasse o que se passara. 
Contudo, Tereza parecia titubear e não quis contar. 
No entanto, diante da atitude vacilante da filha, o fazendeiro, irritado, ordenou-lhe que contasse o que havia se passado. De tão furioso, ameaçou-a com uma surra se não contasse a verdade.
Assustada Tereza disse-lhe que ele teimou em dizer que não era escravo e que se queria que alguém fizesse o que pediu, que chamasse uma das escravas da casa. Tereza afirmou ainda, que o empregado praticamente a deixou falando sozinha.
Ao terminar de falar, Tereza se sentiu visivelmente aliviada.
Seu pai, no entanto, não acreditou na história. Como observara toda a cena, pôde perceber que a filha não contara como tudo aconteceu. Sabia que Tereza mentia descaradamente. Por isso, ao ouvir tal inverdade, começou a berrar.
Tamanha foi sua raiva, que mesmo sem perceber, José começou a sacudir a filha e a esbofeteou.
O tapa foi tão forte, que a moça caiu sentada no sofá do escritório.
Transtornado,  José exigiu-lhe, entre gritos e ameaças, que contasse toda a verdade.
Afinal, por que razão, Ticiano criaria uma confusão tão grande, se já fazia um ano que trabalhava como administrador e estava muito bem encaminhado na vida? Por que jogaria tudo isso fora, para se envolver com Tereza e não tirar nenhum proveito disso?
Sem saída, Tereza teve que finalmente revelar que fora ela que urdira toda a trama que envolveu o jovem. Nada acontecera naquela noite, muito embora ela quase tenha apanhado por isso. 
Tereza, amedrontada, revelou que estava há muito, interessada no rapaz. Mas como os dois haviam começado muito mal, não sabia como ganhar-lhe a simpatia. Por isso, tentou muito ser amiga dele. Contudo o moço não lhe dava esperanças. Diante disso sem saber o que fazer, resolveu tentar um último recurso. Mas, ao contrário do que imaginou, o rapaz fugiu. Inúteis foram, as tentativas de tentar prendê-lo.
Ao ouvir tais barbaridades, José ficou ainda mais furioso. 
-- Sua imbecil. Como pôde fazer isso? Sabes que agora todos pensam que vosmecês tiveram alguma coisa? – perguntou José estapeando-a.
Ao final de alguns minutos, atalhou:
-- Com a besteira que fizeste, além de prejudicar o rapaz, prejudicaste a ti mesma. Vosmecê acabou com qualquer possibilidade de se casar.
Realmente, depois de tudo o que aconteceu, dificilmente Tereza arrumaria marido. Além disso, o próprio fazendeiro e sua família estavam implicados em um escândalo. Afinal, como fazer para calar a boca de escravos e empregados?
Isso porque, pelo menos parte da história era de conhecimento de todos. Grande parte dos empregados e dos escravos sabiam que o rapaz estava metido em uma encrenca com a filha do patrão. Alguns dos escravos, chegavam até mesmo a aumentar a história.
Diante disso, José precisava tomar uma atitude.
Por isso, mandou a filha Tereza para longe. Sob a alegação de que a moça precisava estudar, matriculou-a em um colégio interno em Salvador. Isso porque, em razão do ocorrido, não queria correr o risco de que sua filha encontrasse pessoas conhecidas em São Paulo, lugar em que possuía alguns amigos.
Não, não podia correr o risco de deixar a história se espalhar. Daí a razão em mandar a filha para tão longe.
Dessarte, para se certificar de que a moça iria exatamente para o local indicado, José tratou logo de acompanhá-la, levando-a em viagem, até a longínqua paragem.
Ao chegar lá, José imediatamente fez questão de marcar uma entrevista com o responsável pelo colégio. Como possuía conhecidos na região, providenciar um bom colégio para a moça estudar, não era questão das mais difíceis para se resolver.
Além do mais, poderia usar como desculpa para tão repentina decisão, o fato de que tencionava se mudar da região, e havia ouvido notícias, quando em viagem por lá, de que por ali existia um bom internato. Assim, enquanto ele não resolvia as questões administrativas com relação a venda de sua propriedade, sua filha estaria aos cuidados da direção do colégio. 
Cauteloso, José não queria que sua filha aprontasse mais nenhum escândalo. Por isto todo o empenho e cuidado para que ela não ficasse totalmente desacompanhada. Inseguro que estava diante do que ocorrera, achou por bem trazer um parente, para que, mesmo de longe, vigiasse os passos de Tereza.
Assim, enquanto esteve em Salvador, José cuidou de todos os detalhes para que Tereza pudesse fazer parte de um dos tradicionais institutos educacionais da cidade.
E realmente o fez. Em menos de duas semanas, Tereza estava matriculada no colégio. 
Diante disso, não havia mais nada para o fazendeiro fazer na cidade. Com seu objetivo alcançado, José tratou de voltar logo para sua cidade.
Como era de se esperar, levou muito tempo para conseguir retornar. Mas quando chegou, José afirmou peremptoriamente que nunca mais, as coisas voltariam a ser como antes. Mesmo com a surra que dera em alguns escravos e a ameaça de serem vendidos, ainda assim a confusão criada por Tereza não tinha como ser desfeita. 
Aliás esse fora um dos motivos que o incentivou a manter sua filha longe dali. Para evitar mais maledicências, José precisou levar a filha para bem longe, visando inclusive tornar viável, um futuro casamento para ela.
E fez bem, porque, diante das circunstâncias, se ali permanecesse, dificilmente arranjaria marido. Mas com a mudança oportuna de ambiente, poderia facilmente arranjar compromisso. Afinal estava em tempo de se casar.
Além do mais, dado o escândalo em que a moça colocara a família, José decidiu que, além manter a filha afastada, venderia a fazenda. Contudo, não faria tudo apressada e precipitadamente. Utilizando-se de uma idéia criada pelo próprio Ticiano, José organizaria um evento. Um grande evento com leilão de animais, e proposta de venda da propriedade.
José precisava de dinheiro. Apesar do muito que já ganhara administrando a propriedade, precisava, se desfazer dela. Precisava abandonar tudo o que havia construído. Tudo por causa de Tereza. Mas infelizmente, o poderia ser feito? 
Como todo homem da época, um escândalo envolvendo a honra de um ente da família, desmoralizava todos os demais.
Além do que, não poderia ser egoísta. Assim como sua filha precisava casar, seu filho Tiago, também precisava de uma esposa. E por conta de um ato impensado de sua filha, não poderia por tudo a perder.
Daí a decisão de José de vender tudo e mudar-se para outro local.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 13

Mas, a despeito de tudo isso, Ticiano resolveu enfrentar o fazendeiro. Como sentia que algo errado estava por acontecer, mais do que depressa afirmou ao patrão, que não iria assumir algo que não havia feito. 
E assim, mesmo diante das ameaças do patrão, o jovem não se fez de rogado. Determinado, Ticiano disse que, de forma alguma aceitaria se unir a jovem. Aborrecido com a atitude da moça, o jovem respondeu ainda, que não se importava de ser destituído do cargo e até morto. Só não achava justo responder por algo que não havia feito.
Diante disso, mesmo com muito pesar, só restou a José mandar trancá-lo na sede da fazenda. Para que não fugisse, o fazendeiro mandou que alguns escravos o levassem até um dos quartos da casa.
Aprisionado, Ticiano não poderia escapar de solver seu compromisso. 
Em razão disso, o rapaz ao ver-se na clausura, notou que precisava encontrar alguma forma de resolver sua situação. Precisava fugir. Muito embora não soubesse ainda como fazer para escapar, sabia que se quisesse se livrar da enorme confusão em que se metera, precisava sair dali.
E assim, conforme as horas passavam e os dias se seguiam, Ticiano só pensava em uma forma de sair dali. 
Primeiramente, cogitou pular da janela, mas, para sua infelicidade, a casa ficava em um lugar elevado, e assim, se tentasse pular pela janela, acabaria por se arrebentar no solo. Em decorrência disso, precisou pensar em um plano melhor. Como fazer para fugir dali? Como fazer para explicar tudo e resolver a confusão? Afinal, se fosse obrigado a se casar com a moça, todos descobririam a razão pela qual havia permanecido por tanto tempo por lá.
E para ele, isso seria seu fim. Não poderia deixar que descobrissem que era muito mais do que aparentava ser. Não poderia deixar que descobrissem quem ele era. Daí a insistência em planejar uma fuga. 
Além do mais, estava consciente de que, ao tomar tal atitude, e em assim procedendo, não poderia ficar por ali. Teria que sumir. Sem tempo para pegar seus pertences. Ou qualquer outra coisa. 
Ticiano teria simplesmente, que se despedir do mundo que o cercara durante quase três anos. 
Tereza, finalmente, conseguira o que tanto queria. Finalmente conseguiu prejudicá-lo. Agora Ticiano, enredado que estava em sua armadilha, não poderia escapar. Estava completamente encrencado.
Mesmo tentando se explicar, ao dizer que tudo não passava de uma grande confusão, não conseguiu convencer o fazendeiro.
Apesar da grande admiração que José possuía pelo rapaz, nada o demovia da idéia de vê-lo casado com sua filha. Afinal, mesmo que fosse verdade o que o rapaz dizia, a moral de sua filha fora conspurcada. E assim, tal mau não poderia ficar sem a devida reparação. 
Consciente da gravidade do assunto, José não podia ser benevolente com o mancebo. 
E assim, sem alternativas, só restava a Ticiano uma única saída, a fuga.
Por isso, o rapaz planejou cuidadosamente, o que faria para sair dali. Conforme se seguiam os dias, Ticiano passou a se habituar com o horário da criadagem. O rapaz sabia exatamente a hora em que entravam para trazer comida, roupas, entre outras coisas. Zeloso, Ticiano tomou o devido cuidado para que não percebessem que ele reparava em tudo isso.
Diversas vezes, quando os escravos entravam no quarto de hóspedes, fingiu estar dormindo, e assim, pôde constatar com o passar dos dias, que tinham um horário certo para entrarem no quarto. Diante disso, pôde planejar sua fuga. 
Sabedor que era, da inconveniência de se sair a luz do dia da sede da fazenda, decidiu que o faria ao cair da noite. Ademais, agiria silenciosamente, para que ninguém percebesse sua ausência e tivesse tempo de pegar alguns objetos pessoais.
Isso porque, apesar de boa parte de suas coisas ter sido levada até a sede, Ticiano precisava buscar alguns livros. Muito embora fosse tolice pensar em tais coisas em uma fuga, Ticiano não abria mão dos livros. Até por que, muitos deles foram comprados por ele, a custa de muito sacrifício, tendo-se em vista que tais artigos eram extremamente caros.
Ademais, quando se sentira só, eles foram, muitas vezes, a única companhia que tivera. Assim, não poderia deixá-los para trás.
E assim o fez. 
 Ao cair da noite, Ticiano, sorrateiramente, escondeu-se em um dos cantos do quarto de hóspedes. Ansioso, esperava o momento em que um dos criados adentrasse o quarto, para levar-lhe algo.
 Em razão disso, conforme os minutos se seguiam, mais e mais aumentava sua ansiedade. A espera pelo criado, pareceu-lhe uma eternidade.
Contudo, depois de alguns minutos, finalmente o criado entrou no quarto para levar-lhe uma bebida. Como o escravo não percebeu a presença do rapaz nos aposentos, passou a procurá-lo. 
Nisso surpreendentemente, ao ver o escravo, Ticiano, aproveitando-se de um objeto que trazia nas mãos, acertou-lhe a cabeça. 
Contudo, um dos escravos que permanecia junto a entrada do quarto do rapaz, ouviu o barulho e, preocupado, adentrou o aposento para verificar o que teria ocorrido.
Como era de se esperar, Ticiano esperava ansiosamente a entrada do mesmo no quarto. Estando a postos, tratou de também acertar-lhe a cabeça, com um dos inúmeros objetos que enfeitavam o quarto.
E assim, carregando uma pequena trouxa com alguns de seus pertences, Ticiano rapidamente, saiu do ambiente. Cautelosamente, verificou se não havia ninguém na sala. Seguramente não. Diante disso, como todos na casa provavelmente dormiam, o rapaz aproveitou o ensejo e mais que depressa, saiu da sede. 
Contudo, para que ninguém o avistasse saindo da casa-grande, Ticiano procurou sair pela cozinha. O rapaz, caminhando vagarosamente para não acordar os escravos, fugiu, para novamente partir.
Mas antes, Ticiano passou na casa onde morou por um ano. Na casa do antigo administrador da fazenda, pegou os poucos livros que tinha e partiu. 
Ademais, preocupado com a possibilidade de ser pego, o rapaz cavalgou durante toda a madrugada. Para isso, furtou um dos cavalos da fazenda. Infelizmente, não havia outra alternativa. 
Por isso o fez.
Como bom conhecedor de animais, Ticiano procurou pegar um dos que melhor corriam. Afinal, precisava estar bem longe da fazenda, quando finalmente viesse a manhã. Por que ele sabia que provavelmente seria procurado.
Por isso, precisava sumir da região.
E assim, Ticiano cavalgou durante toda a madrugada. 
Durante horas permaneceu acordado.
No entanto, por mais forte que um homem seja, chega um momento em que se necessita de um descanso. E assim, depois de longas horas de cavalgada, Ticiano precisou pensar em um bom lugar para descansar. 
Tal lugar, entretanto, não poderia ser acessível, para que ele não corresse o risco de ser pego. E assim, enquanto não encontrou tal lugar, continuou cavalgando.
Mas, muito embora estivesse determinado a fugir, sabia que tanto ele, quanto seu cavalo, precisavam de repouso. Por isso, ao avistar , depois de algum tempo cavalgando, uma pequena propriedade escondida no meio de um matagal, não se fez de rogado, pois havia finalmente encontrado um lugar para se esconder.
E nisso, enquanto para Ticiano tudo transcorria razoavelmente bem, o mesmo não se poderia dizer quanto a família Viera. Isso porque, logo que descobriram o sumiço do rapaz, ainda durante a madrugada, José mandou que todos os seus peões o procurassem.
E assim, Caio, Mário, Sérgio e Juvenal, embora fossem amigos de Ticiano, tiveram que empreender a tarefa. Penalizados com a situação, vasculharam todos os recantos da fazenda. Mas, como era de se esperar, não encontraram o rapaz.
Contudo, de tanto procurá-lo pelas cercanias, perceberam que um dos cavalos havia sido furtado. Provavelmente Ticiano, para empreender sua fuga, subtraiu o animal. 
O fazendeiro, ao ouvir isso, percebeu que a fuga fora planejada pelo jovem. Por isso, José ficou enraivecido. Afinal, como pôde, o homem em quem depositara tanta confiança, atraiçoá-lo dessa forma? Como pudera ele ser tão atrevido?
Por esta razão, José não podia deixá-lo fugir. Precisava encontrá-lo. Precisava castigá-lo. Afinal que o jovem fizera, fora muito grave e não poderia ser esquecido. 
Diante disso, José ordenou aos peões que vasculhassem toda a região. Que não deixassem pedra sobre pedra. Que esquadrinhassem todos os lugares. Se fosse preciso, que visitassem todas as fazendas da região, muito embora dificilmente Ticiano passasse por lá. Mas cuidadoso, José precisava encontrá-lo, e para isso, não mediria esforços.
Ciente de que os empregados eram amigos do jovem, advertiu-lhes que:
-- Se algum de vós, permitirdes que Ticiano fuja, vosmecês acertarão as contas comigo. Por isso vos aviso. Não tentem me fazer de imbecil. Não o auxiliem.
Com isso, os quatro peões estavam irremediavelmente obrigados a cumprir a ordem. E assim, conforme prometeram ao patrão, muito embora gostassem de Ticiano, não podiam admitir que o que este fizera, ficasse sem punição. Por isso cavalgaram incessantemente.
Procurando em várias direções, partiram obstinados. Só voltariam trazendo o rapaz. 
No entanto, conforme os dias passavam, Mário, Caio, Sérgio e Juvenal não conseguiram encontrá-lo. Preocupados, sabiam que cada dia que passava, era uma possibilidade menor de encontrá-lo. 
Por isso, cada vez mais, deixaram de acreditar que pudessem vir a encontrá-lo.
O homem parecia ter sido engolido pela terra.
Desolados, depois de semanas procurando-o, os quatro homens tiveram que desistir e voltar para a fazenda. 
Ao lá chegarem e contarem sobre o insucesso da busca que empreenderam nos arredores e até em algumas cidades, os quatro homens tiveram que agüentar a fúria de  José. Obcecado que estava com sua vingança, o fazendeiro não aceitou as desculpas dos peões.
Furioso, José voltou a repetir que não admitiria tal procedimento por parte deles. 
Caio, Mário, Sérgio e Juvenal por sua vez, insistiram em dizer que não haviam facilitado a fuga do jovem ladrão. Aliás, depois do que Ticiano fizera, jamais o ajudariam no que fosse. Estavam decepcionados com ele e entendiam a atitude do patrão. Realmente, segundo eles, Ticiano agira como um verdadeiro canalha. 
José, ao ouvir isso, abrandou. Percebendo que os empregados não lhe foram desleais, deixou de lado a admoestação e dado o trabalho que tiveram, o fazendeiro os dispensou do labor por alguns dias.
Agradecidos, os homens aproveitaram para se refazerem. Afinal, durante semanas, cavalgaram por muitas horas pelos caminhos e estradas que encontraram.
Quando se encontravam, os quatro especulavam cogitando onde então Ticiano poderia estar. Mas, por mais que tentassem imaginar um lugar, não sabiam dizer qual. Provavelmente, segundo eles, seria uma cidadezinha interiorana bem longe dali.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria. 

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 12

Quando então retornaram a fazenda, tanto Tício quanto José, estavam cheios de novidades para contar.
Encantado, José não se cansou de comentar sobre o talento do jovem pupilo para realizar bons negócios. Afinal, não era qualquer um que conseguia convencer fazendeiros velhacos a vender algumas de suas melhores mercadorias, a um preço tão razoável. 
Isso porque, apesar de ter pago um bom preço pelos animais, os dois também adquiriram alguns bichos, só para fazer constar. Mas, o que lhes interessava, porém, eram os animais de raça. Todavia, para convencer os fazendeiros a realizarem a venda, os dois acabaram comprando os animais que também, não interessavam de imediato. 
Com isso, como José aceitou comprar até mesmo estes animais, os fazendeiros não tiveram outra alternativa, senão fazerem um pequeno abatimento no preço dos bichos.
E assim, no final da transação saíram lucrando. José, analisando comparativamente o que gastou em relação ao que ganhou, o fazendeiro teve um bom lucro. Muito embora, sem uma análise acurada, pudesse se chegar a uma conclusão contrária.
Mas José, que não era tolo, sabia que o jovem se revelara um talento como administrador.
Zeloso, Ticiano chegava a cuidar da fazenda, melhor do que ele próprio. Observador, José notou que agora que a fazenda estava aos cuidados de Ticiano, tudo estava funcionando melhor. Todos os animais estavam sendo bem tratados e bem treinados.
Dessarte, depois que Ticiano e José retornaram da viagem que empreenderam, mais do que depressa, passaram a pôr em prática a idéia que o jovem lhe dera. Os dois passaram a cuidar dos animais com maior esmero.
Durante tardes inteiras, Ticiano treinava os cavalos para que pudessem percorrer longos trechos. Para que todos aqueles que quisessem cavalgar, notassem que se tratam não só, de belos animais, mas também de excelentes conduções. Enfim, Ticiano queria que tudo estivesse perfeito para que pudesse realizar o evento que seu patrão almejava.
Para isso, o rapaz precisava cuidar dos menores detalhes. Como colaboradores, tinha todos os escravos e peões da fazenda para o ajudarem no trabalho.
Quanto a isso, José o advertira inúmeras vezes que ele não precisava mais realizar o serviço braçal igual aos outros. Afinal, já não era mais um simples peão, e muito menos um escravo.
Mas Ticiano afirmava que para ele não era sacrifício. Sempre gostou de seu trabalho. De maneiras que, para ele era uma grande satisfação trabalhar com os animais. Desde que chegou lá, se encantou com o ambiente da fazenda. 
Além do mais, o rapaz estava deveras interessado que o evento fosse um sucesso. Para isso não media esforços. Diversas vezes, Ticiano permaneceu entre os peões e escravos auxiliando-os em suas tarefas. Cuidadoso, o rapaz explicava minuciosamente como os animais deveriam ser tratados.
Ademais, depois de ficar por horas observando e auxiliando os peões e escravos em seu labor, Ticiano cuidava da contabilidade e de outros serviços relacionados a propriedade. Entusiasmado com seu trabalho, Ticiano aproveitava sempre que podia, para conversar com  José a respeito da organização da festa.
Isso porque, se tudo desse certo, Tício consolidaria sua confiança com a família, e principalmente com o patriarca, José. Por esta razão, o rapaz, empenhou-se o máximo na organização do evento. Nada poderia dar errado.
E assim foi. Enquanto se passavam os dias, mais e mais Ticiano se empenhava na organização do evento.
Determinado, o rapaz ajudou os peões e escravos a treinarem os animais, bem como organizou a fazenda para que se realizasse o evento. Afinal não poderia deixar que os convidados ficassem mal instalados. Por isso Ticiano cuidou para que fossem providenciadas mesas, cadeiras, entre outras coisas.
Contudo, no tocante a decoração e arrumação do local, quem cuidou pessoalmente de todos os detalhes, foi Catarina.
Encantada, diante da possibilidade de organizar uma grande celebração, não poupou esforços. Encomendou diversas peças, criou arranjos de flores, e enfeitou as mesas com eles. Também pensando na fome dos convivas, teve o cuidado de elaborar, juntamente com suas escravas, um cardápio, para que assim, quando quisessem, pudessem pedir algo para comer.
Para tanto, foi preciso chamar mais escravas para cuidarem da cozinha. Afinal, seria muita gente para participar do evento, e assim, nada poderia dar errado. E assim foi feito. 
Quando finalmente o evento aconteceu, foi impecável. Os convidados não se cansavam de elogiar a qualidade do evento. Tudo estava impecável. A disposição do espaço, as comidas, as bebidas, a apresentação do evento – que se deu com um belo desfile de cavalos – e a exposição dos animais – bois, vacas e cavalos.
Entusiasmados, muitos dos convidados adquiriram dos animais em leilão.
Enfim, os convivas não tinham do que reclamar. Tudo estava perfeito. E por esta razão, todos saíram satisfeitos.
Além disso, para a alegria de José, o evento foi tão bem comentado, que chegou até a ser nota de um jornal conhecido na Capital.
Neste jornal, em uma discreta nota, comentava-se que fora realizada há alguns dias, a primeira edição de um evento que deveria prosseguir, na região de Vassouras. Conforme a própria nota expunha, todos os convidados não se cansaram de elogiar a qualidade do evento, digno das melhores menções, e comparável, com os grandes eventos da Capital.
O fazendeiro, ao ler a tal nota elogiosa, se encheu de orgulho. Afinal, não é todo dia que uma bela propriedade como aquela, vira notícia em um jornal. Sem contar que, com tanta divulgação, se houvesse um próximo evento, o mesmo estaria muito mais freqüentado do que o primeiro. 
Tal dar-se conta disso, José ficou mais animado. Contente, o fazendeiro descobriu que isso lhe poderia trazer retorno financeiro, e para  que isso o ocorresse, não mediria esforços. Por esta razão, José cogitava a idéia de organizar um novo evento, no próximo ano. Para tanto, precisava se organizar para que pudesse receber mais pessoas. Com relação a isso, sabia que poderia contar com a ajuda de seu administrador.
Aliás foi dele que partiu a idéia de organizar o evento na fazenda.
Quanto a isso aliás, José teve que admitir. Escolhera muito bem o seu braço direito.
Por esta razão, Ticiano, que era um excelente peão, tornou-se um ótimo administrador. 
Durante o tempo em que exerceu esta função, o fazendeiro não teve do que reclamar. 
Responsável e disciplinado, Ticiano era além disso, uma pessoa de confiança.
Mas, como nada dura eternamente, Ticiano, por uma infelicidade, foi afastado do cargo.
Por conta das intrigas de Tereza, acabou sendo mandado embora.
Isso por que, a maldosa garota, enraivecida com o desprezo do jovem, resolveu se vingar. Como sabia que não conseguiria nada com o rapaz, Tereza tramou um plano contra ele. Por semanas, a moça planejou cuidadosamente sua vingança.
Por esta razão, tentaria mais uma vez, entrar em sua casa. 
E assim, entrando furtivamente na casa do rapaz, Tereza foi logo se escondendo embaixo de sua cama. Assim, quando o rapaz entrasse em casa, não a veria, e quando a visse, já seria tarde. 
Maliciosa, a garota queria mais do que tudo, comprometê-lo. De modos que, para isso, não mediria esforços. De forma alguma o deixaria escapar de tão vexatória situação.
Desta forma, da mesma maneira que tentou seduzi-lo durante a festa, tentando arrumar um encontro furtivo, a moça forçou um encontro entre os dois. 
Destarte, para comprometê-lo mais ainda, Tereza esperou que o rapaz tirasse sua camisa. 
Contudo, diferente do que imaginava, Ticiano, logo que chegou em casa, procurou um lampião que tinha num dos cômodos da nova casa em que estava, e foi para seu quarto. Lá abriu o livro que estava junto à cabeceira de sua bem arrumada cama e pôs-se a ler.
Absorvido por tudo o que estava lendo, nem se deu conta de que uma estranha estava escondida debaixo de sua cama. 
Com isso ao constatar então, que o rapaz estava lendo um livro, Tereza continuou quieta, e esperou pacientemente as horas passarem. Atenta a moça ansiava por encrencá-lo, e para isso, faria o que fosse necessário.
E assim, Tereza por horas ficou esperando.
Nisso o rapaz permaneceu por muito tempo, entretido com sua leitura.
Não obstante isto, ao perceber que já era tarde, Ticiano tratou de preparar-se para o banho. Assim, dirigiu-se até a sede e pediu para uma das escravas que enchesse uma imensa tina que havia na casa, com água.
Dessa forma foi feito. 
Entretanto, ao sair da nova casa de Ticiano, a escrava percebeu que havia um lenço caído no chão. Ao aproximar-se, constatou que o mesmo era da Senhorita Tereza. 
Confusa por isso, a escrava tratou de voltar logo para a sede. Apreensiva precisava contar para Dona Catarina, que sua filha estava visitando a casa de Ticiano. Assim, ao adentrar a sede da fazenda, imediatamente, foi ter com a mãe de Tereza.
Como sempre, a esta hora, sua Sinhá, como costumava chamar, estava na cozinha, dando as últimas instruções para as escravas, sobre o trabalho do dia seguinte. Era um hábito de Catarina, pois antes do dia começar, as escravas já estavam devidamente instruídas sobre o que deveriam fazer no dia seguinte.
Com isso, ao chegar, a escrava foi diretamente para a cozinha, onde com toda a certeza, Dona Catarina estaria. Ao vê-la passando as instruções para os escravos, foi logo puxada por um deles, para que ouvisse tudo o que a senhora estava falando.
Depois, devidamente instruídos sobre os afazeres do dia seguinte, todos se recolheram, com exceção da aludida que escrava – que viu o lenço de Tereza jogado em um dos cantos da casa de Ticiano.
Sem graça, a mulher começou dizendo que não era fofoqueira, e que somente estava preocupada em resguardar a moral da família. Assim, não podia admitir, que a dignidade da família fosse conspurcada com uma atitude inconveniente de Tereza.
Confusa, Catarina passou a admoestar a escrava, dizendo-lhe que não deveria ser tão atrevida, já que estava falando de sua filha.
Diante disso, ao ver-se acuada diante da arrogância da dona da casa, só restou-lhe dizer que vira o lenço da moça jogado no chão, num dos cantos da casa de Ticiano. 
Como prova, a escrava apresentou o lenço.
Diante disto Catarina não tinha como argumentar. 
Por isso, mais que depressa, dirigiu-se ao quarto da filha. No entanto, ao contrário do que imaginava, não encontrou sua filha ali. Desconfiada, dirigiu-se, acompanhada da escrava delatora, até a casa do jovem.
E assim, quando o jovem estava se preparando para dormir, ouviu fortes batidas na porta. 
Como estava descomposto para receber quem quer que fosse, Ticiano pediu um momento.
Mas, furiosa que estava, Catarina começou a falar alto, ordenando-lhe que abrisse a porta.
Com isso, em razão do escândalo que ameaçava se formar, a Ticiano não restou outra alternativa senão abrir a porta, para que a dama, pudesse entrar. 
Desta forma, logo que abriu a porta, Ticiano desculpou-se por estar em trajes tão impróprios, posto que estava se preparando para dormir. 
Desabrida, ao ouvir as palavras do mancebo, Catarina disse-lhe que não precisava se justificar. Contudo, deveria proibir a entrada de Tereza naquela casa.
Atônito, Ticiano respondeu:
-- Eu não sei do que a senhora está falando.
No que esta afirmou, já invadindo a casa:
-- Não sabe é? Mas vai saber logo que eu encontrar minha filha. E dependendo do que eu ver, o senhor vai estar bem encrencado, rapazote.
E assim Catarina passou a procurar em todos os cômodos da casa pela filha. Alvoroçada revistou sala, banheiro e o quarto.
Ao revistar o quarto, Catarina encontrou Tereza, semi despida, deitada na cama do rapaz. 
Ao verem a cena, tanto Ticiano quanto Catarina, ficaram surpresos.
Nenhum dos dois esperava por isso, mas para o rapaz foi pior. Como a moça foi encontrada em sua casa, mais precisamente em sua cama, tanto Catarina, como o pai da moça, – depois de saber do ocorrido – chegaram a conclusão de algo mais, teria acontecido ali.
Tereza, então, conseguiu o queria. Finalmente enredou o rapaz. 

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.  

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 11

A despeito disso, passemos a tratativa. 
Foi assim. Ticiano, juntamente com os fazendeiros, foram fazer uma pequena incursão pela cidade. 
Gentis, os homens se ofereceram para buscá-lo no hotel em que estava hospedado.
Ticiano agradeceu a oferta. 
No caminho, os homens conversaram sobre amenidades. Animados, comentaram sobre o local onde iriam. Um luxuoso restaurante da cidade.
Ao lá chegarem, foram logo convidados para se sentarem num dos melhores lugares do restaurante. E assim, enquanto bebiam, passaram a conversar sobre seus negócios, seus animais e suas fazendas.
Donos de belíssimas propriedades nas proximidades da Capital, não se cansavam de enumerar as belezas que possuíam. Donos de belos palacetes na cidade, não costumavam se hospedar em hotéis. 
Isso por que, a cidade do Rio de Janeiro, era uma espécie de lar para eles. Fora suas fazendas, ali era o lugar em que passavam a maior parte do tempo. 
Alguns deles inclusive, pensavam em investir em indústrias. 
No entanto, não obstante isso, quando os demais fazendeiros – que não consideravam tal atividade, um bom negócio –, ouviram isso, não puderam se conter. Admirados, questionavam os amigos. Incrédulos, achavam que investir na atividade industrial, era muito arriscado. Convencidos de que tal prática resultaria em perda de dinheiro. Não se cansaram de dizer:
-- Isso é uma temeridade.
Mas os interessados nesse ramo, retrucaram:
-- Não seremos loucos de investir todo o nosso patrimônio nisso. Mas queremos investir em indústrias. Podemos começar, plantando os insumos necessários para que possamos abastecer uma tecelagem.
-- Ora, caros amigos. Não seremos loucos. Sabemos o que estamos fazendo. O que não podemos, é apostar tudo na pecuária. Precisamos também da agricultura. – emendou outro dos cavalheiros que estavam à mesa.
-- Então vocês querem seguir os passos do Visconde de Mauá. O progresso do país, em primeiro lugar. – respondeu um dos detratores da idéia. 
-- Ora, deixem de ironias. Indústrias também dão dinheiro. – respondeu um dos defensores da industrialização.
-- Está certo. Não se fala mais nisso. Meus caros visionários, o futuro a Deus pertence. E seja o que Ele quiser. – retrucou um dos fazendeiros céticos quanto a essa questão.
E assim, encerrou-se a discussão. 
Contudo, restavam questões a serem discutidas. Como a venda dos animais por exemplo. 
No tocante a isso, Ticiano já tinha uma proposta, e antes mesmo da ceia chegar, os homens já haviam chegado a um acordo quanto a venda. 
Para a surpresa até mesmo do rapaz, não demorou para que muitos dos que ali estavam, concordassem com a sua proposta.
E realmente, era uma proposta tentadora. 
Ticiano se oferecera para comprar alguns dos animais que os fazendeiros queriam vender, mas que não interessavam a José. Contudo, para comprá-los, os fazendeiros teriam que vender alguns dos belos animais que expuseram em eventos nos ele quais esteve presente. Devido a nobreza dessas raças, lhe interessava deveras a aquisição dos mesmos.
E assim, dada a natureza da oferta, e o preço que ofereceram, os fazendeiros não tiveram dúvidas. Acabaram por concordar em vender boa parte dos animais que estiveram em exposição em vários eventos dos quais participaram.
 O que para o jovem, foi uma ótima oportunidade de mostrar que ele sabia como ninguém, convencer alguém, a fazer alguma coisa.
Com isso, um dos fazendeiros presente à mesa respondeu:
-- Depois de uma boa rodada de negociações, nada melhor do que cearmos, agora.
No que, todos, satisfeitos com a transação, concordaram. 
Em seguida, todos se serviram e provaram das deliciosas iguarias do restaurante. 
Enquanto cearam, os fazendeiros aproveitavam para comentar sobre os mais variados assuntos.
Enfim, depois da tensão dos negócios, o jantar terminou informalmente. 
Curiosamente, todos eles conversavam como velhos amigos. 
Até mesmo o jovem e calado Ticiano, conversou um pouco com eles. Brevemente comentou que estava ali representando um também fazendeiro de nome José Vieira. Isso porque, por ser jovem, todos se espantaram com a possibilidade de que o mesmo pudesse ser proprietário de terras. Assim, para que pudesse negociar com os mesmos, precisou contar que era somente, um administrador. 
Ademais, Ticiano comentou também, que José, era um ilustre e respeitado fazendeiro da região interiorana da província.
Interessados, os integrantes da mesa logo quiseram saber, qual a razão do mesmo não estar ali presente.
Ticiano explicou-lhes então, que o mesmo estava ocupado no momento, e infelizmente, não pudera participar da negociação. Por disso, ele tinha carta branca para negociar. Estava autorizado portanto, a realizar qualquer transação, mesmo sem a presença de José.
Por fim, a ceia transcorreu as mil maravilhas.
No dia seguinte, José, ao saber da tratativa pelo próprio Ticiano, constatou satisfeito, que a negociação ocorreu maravilhosamente bem. 
Demasiadamente feliz, não poupou elogios ao mancebo: 
-- Tício, vosmecê realmente sabe trabalhar. Realmente, eu fiz bem em te escolher como meu administrador. Meus parabéns Tício.
De tão feliz, José nem se deu conta que chamava o rapaz por um apelido. 
Neste momento em diante, José nunca mais deixou de chamá-lo assim. Ticiano, era para ele como um filho. Diferente de Tiago, o rapaz era muito esforçado, dedicado. Mesmo sem professores, sempre que podia, aproveitava o tempo livre para estudar.
Admiravelmente, além de determinação, o rapaz era bastante instruído. O que era curioso, já que, para todos os efeitos, o rapaz tinha origem humilde.
Mas, mesmo assim, José depositava muita confiança no jovem mancebo.
Como já dito anteriormente, Ticiano nunca lhe dera motivos para que desconfiasse de seu caráter. Era um homem bom. 
E além disso, começava a lhe dar lucros.
Como a negociação fora proveitosa, na hora de retornarem para a fazenda, Tício e José tiveram que organizar um comboio para transportar os animais que haviam adquirido durante a estada na cidade do Rio de Janeiro.
Assim, em tendo sido a viagem profícua, os dois voltaram para casa, abarrotados de aquisições. Realmente, não tinham do que reclamar.
Percorreram as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, realizando negócios. 

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 10

E juntos, seguiram para a Capital da Província. Ao lá chegarem, ficaram hospedados em dos luxuosos hotéis que existiam na região. Tratados como reis, José e Ticiano, logo foram verificar os eventos que estavam acontecendo na cidade. 
Assim, entre passeios e diversão, os dois foram se informando sobre os principais eventos que estavam por acontecer. De posse dessas informações, Tício e José passaram então a freqüentar esses eventos. Ticiano então, teve uma idéia.
Animado Ticiano comentou com José, se quem sabe, o segredo não fosse ele também organizar eventos como aqueles da região. Assim José poderia atrair investidores da Capital, para o interior da Província, para a localidade onde viviam.
Interessado, José quis saber mais sobre as idéias de Ticiano. E assim, os dois ficaram conversando. Enquanto José adquiria novos animais para sua fazenda, Ticiano lhe expunha suas idéias sobre como criar um evento desses na localidade em que viviam.
Observador, Ticiano perguntou ao fazendeiro, se este também não tinha interesse em vender alguns animais. 
No que José respondeu:
-- No momento, não estou interessado em me desfazer dos meus animais. Ainda mais agora, que estou pensando seriamente em comprar sua idéia e realizar um evento desses em minha fazenda. Diante disso, acho melhor não me desfazer dos animais.
-- Então, o senhor pretende colocar em prática a idéia? – perguntou encantado.
-- E por que não? É uma ótima idéia.
Realmente, a idéia era muito boa.
Mas, no entanto, enquanto estivessem por lá, o que interessava a José, era somente seu trabalho. 
Como bom fazendeiro que era, logo adquiriu bons animais para sua fazenda. Ambicioso, intencionava ampliar seus negócios. Para isso no entanto, precisava aumentar sua criação de animais, comprar mais terras, e ter alguém de confiança, para ajudá-lo a administrar tudo isso.
Ademais, com a idéia de Ticiano, José passou a pensar também, em criar um evento de grande porte na região, para que pudesse tornar o lugar conhecido e ali mesmo se realizassem bons negócios.
Assim, cada vez mais, José ficava satisfeito com a escolha. Ticiano era o homem certo para ajudá-lo a pôr em prática os seus projetos. Por essa razão, tencionava investir no jovem.
Por isto, durante a estada na cidade, os dois foram visitar museus, teatros. Conheceram o Teatro Municipal, visitaram algumas lojas. Aliás, no tocante as lojas, José, ao avistá-las, tratou logo de entrar em várias delas. Precisava comprar alguns presentes para a esposa e os filhos.
Gentil, apesar das inúmeras roupas que mandara fazer para Ticiano, comprou-lhe ainda uma bela capa, para o rapaz.
No que o mesmo, agradecido, respondeu-lhe que não precisava se incomodar.
Mas ele, satisfeito que estava com o desempenho do rapaz, que demonstrava ser um bom administrador, não se fez de rogado, e comprou-lhe logo um belo presente.
Encantado com a cidade, Ticiano pediu licença ao patrão, para que pudesse visitar o Jardim Botânico.
Ao ouvir isso, o fazendeiro ficou admirado. Então Ticiano conhecia a cidade?
O rapaz então, ao perceber o olhar curioso do patrão, tratou logo de explicar.
A despeito da desconfiança do patrão, não era nada daquilo do que ele estava pensando.
Ticiano somente queria conhecer um dos lugares famosos da Capital. Afinal, desde que era criança, já ouvira falar do famoso Jardim Botânico. Em muito dos livros que lera inclusive, havia inúmeros comentários sobre a tão famosa cidade.
José, então, ao ouvir isso, tranqüilizou-se. Gentil, até ofereceu-se para acompanhar o jovem.
Contudo, Tício recusou educadamente a companhia. Disse que preferia ir sozinho, se o fazendeiro não se incomodasse. Pois somente queria visitar alguns lugares.
Calmamente Ticiano disse-lhe que queria apenas conhecer os detalhes dos pontos turísticos da cidade. Além do mais, queria dar uma boa caminhada. 
Dessarte, também queria ficar um pouco sozinho. Gostava dessa solidão. 
E, apesar de não ter contado ao patrão, queria matar as saudades de um tempo que já passou.  
E assim o fez. Passeou pelas ruas da cidade, reviu lojas, construções, casas. Lindos lugares. De charrete, chegou ao Jardim Botânico. 
Ao adentrar o imponente lugar, veio a lembrança, cenas de um tempo antigo, de coisas acontecidas, não se sabe com quem.
O rapaz então, passou a lembrar-se do jardim, das crianças brincando felizes, no amplo quintal que eram as terras do lugar. Veio-lhe a imagem de uma carruagem se aproximando, um homem descendo.
Lembrou-se da mulher se recusando a atender o estranho homem. 
Lembrou-se dos sonhos, dos momentos em que torturado, só queria deixar de sonhar com isso. Mas, seu esforço era inútil.
Triste, sentou-se em um canto, e taciturno, lembrou-se que já estivera ali. Foi então que veio a memória uma imagem curiosa. Uma jovem mulher, a segurar um ramalhete de flores, e ao seu lado, um homem que parecia ser o seu marido. Estavam felizes. De longe se percebia que estavam rindo.
Foi então que, incontido, Ticiano se pôs a chorar. 
Mesmo sem entender direito por que, o rapaz sentia uma necessidade quase desesperada de chorar. Contudo, não poderia fazê-lo diante de José, pois o fazendeiro estranharia.
Daí a necessidade imensa e urgente de ficar sozinho. Precisava por em ordem seus pensamentos. Precisava também encontrar um jeito de voltar para a fazenda, o mais depressa possível. Queria fugir daquelas imagens. 
Mas sabia também, que só poderia retornar, quando José resolvesse todos os seus problemas. Assim, por mais que quisesse, não poderia sair da cidade, enquanto o fazendeiro, não participasse de todos os eventos que o interessavam.
Com isso, Ticiano não poderia chamar a atenção. Não queria que José lhe fizesse perguntas embaraçosas. 
Em razão disso, permaneceu silente durante os dias que se passaram. Não comentou com ninguém sobre o que sucedera no parque. Simplesmente disse ao fazendeiro, que o lugar era realmente tão lindo quanto lhe contaram. Uma beleza.
Mas, José observador que era, percebeu que algo estranho acontecera.
O rapaz parecia mais taciturno do que antes. Estranhamente, desde o dia da visita no parque, o moço ficara esquisito. Isso porque, apesar de Ticiano não ser muito de conversas, nos últimos tempos, estava realmente muito calado.
Muito calado e tristonho, nem parecia o mesmo rapaz interessado em conhecer melhor o mundo dos eventos com animais. 
Muitas vezes, embora se esforçasse para demonstrar interesse, em alguns momentos, se distanciava de tudo o cercava, e ficava com o olhar parado. Distraído, Ticiano estava com os pensamentos em outro lugar.
Diante disso, José, preocupado, perguntou ao jovem:
-- O te preocupa Ticiano? Algum problema?
-- Não. – respondeu lacônico.
-- Mas então, se não é um problema, o que te deixou tão casmurro?
-- Nada.
-- Alguma coisa te aborreceu?
-- Não. Nada. Só estou com um pouco de dor de cabeça. – disse desculpando-se.
-- Realmente, esta dor de cabeça deve ser muito forte. Há dias que vosmecê quase não fala. Mal repara no que acontece a sua volta.
-- Me desculpe Seu José. Não havia me dado conta de estava tão desconcentrado. Mas prometo que a partir de hoje isso não vai mais se repetir.
-- Ticiano, você não tem que me pedir desculpas. Mas estou deveras preocupado com vosmecê. Não pareces nada bem.
-- Não Seu José. Não se preocupe, vou melhorar.
-- Espero que sim. Se não tiver melhoras, procure um médico.
-- Assim o farei, se isto for necessário. – disse e então se afastou.
E assim, muito embora não tivesse convencido de que se tratava apenas de uma dor de cabeça, José não tocou mais no assunto. Ocupado que estava com seus negócios, precisava visitar alguns eventos. De formas que, certo dia não chegou nem a ver o rapaz. 
Isso por que, conforme o combinado, enquanto ele resolvia assuntos particulares, Ticiano tentaria negociar a compra de mais alguns animais. 
Com isso José, passara a testar a habilidade do empregado em realizar bons negócios.
Mais tarde, José soube por conhecidos, que o jovem passara a tarde inteira com alguns fazendeiros, fechando o negócio. Ademais, interessado, Ticiano ofereceu-se para acompanhá-los em suas incursões noite afora. 
Ao ouvir notícia tão alvissareira, José ficou satisfeito. Sim, o jovem Tício estava correspondendo suas expectativas.
Curiosamente, desde que o vira pela primeira vez, sujo, maltratado, e depois, ao conversar com ele, José sempre tivera a sensação de que o rapaz era diferente dos demais. Foi então que o fazendeiro se lembrou, da desconfiança que sentira, quando conversou com o rapaz. Parecia que ele tinha bem mais a dizer do que realmente falou.
Mas, ao ver-se novamente intrigado com o misterioso mancebo, José tratou de dissipar suas dúvidas. Afinal nesses dois anos o rapaz não lhe dera trabalho. Aliás, ao contrário, desde que pôs os pés na fazenda, Tício nunca deu motivos para que José lhe chamasse a atenção. Sempre foi um bom empregado. 
José, não tinha queixas portanto, a seu respeito. Mas curioso, gostaria de saber mais sobre sua vida.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.  

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 9

Quanto a Tereza, enquanto o jovem trabalhou na fazenda, esta não perdeu a oportunidade de se aproximar dele, de vê-lo trabalhar.
Maliciosa, começou a criar incidentes envolvendo o jovem. Alegava que ele vinha conversar com ela, que a procurava na sede, e que constrangida, não sabia mais como dizer-lhe que não estava interessada em seu assédio.
Sobre tais mentiras, perguntou com a mãe, Catarina, sobre o que fazer para se livrar do assédio de Ticiano.
Ao ouvir isso, Dona Catarina ficou chocada. Surpresa, nunca imaginou que o rapaz, fosse capaz de tamanha desconsideração com seu marido. Afinal, ele havia lhe promovido de função. Demonstração inequívoca de confiança. 
Como poderia então, Ticiano, aprontar uma coisa dessas? Pensava ela.
E assim, prevenida contra o jovem, que não havia feito nada de errado, foi ter com o marido. Afinal de contas, não poderia deixar de lado, as preocupações da filha.
José, contudo, ao ouvir tal história, ficou admirado. Isso por que, já havia pedido a todos, que vigiassem sua filha. 
Diante disso, José exigiu da esposa, que passasse a ser mais vigilante.
Abismada, Catarina, ao ver o pouco caso do marido, exigiu que o mesmo tomasse providências a respeito do assunto. 
E assim, José, prevenido sobre o interesse da filha pelo rapaz, pediu a Ticiano que realizasse um trabalho na Capital da Província. 
Surpreso, Ticiano lhe perguntou se outra pessoa não poderia realizar a tarefa, já que havia tanta coisa a se fazer na fazenda.
No que José, ao perceber a reticência de Tício, a aceitar o encargo, perguntou:
-- O que tem na Capital, que tem aflige tanto? Por um acaso, vosmecê é de lá?
-- Não, não sou. É que eu estou me acostumando ainda com o novo trabalho. Assim, gostaria de me inteirar mais sobre os assuntos da fazenda. Com isso, conhecendo melhor o meu trabalho, poderia desempenhar melhor minhas funções. Quem sabe até viajar, e realizar negócios para o senhor.
Diante disso, José, ao perceber que a preocupação do jovem tinha fundamento, deixou suas desconfianças de lado. No entanto, continuou a insistir com Ticiano, para que empreendesse a viagem.
Diante disso, o fazendeiro ao perceber que o jovem ainda não se sentia seguro para realizar o trabalho, comprometeu-se dizendo que iria acompanhá-lo em tal jornada.
Com isso, não restou ao jovem, senão concordar com o oferecimento do patrão, e viajar.

Luciana Celestino dos Santos 
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.  

TEMPOS DE OUTRORA - CAPÍTULO 8

Com isso como bom cumpridor de seus deveres, Ticiano chegou a sede da fazenda, prontamente, às sete horas da manhã. 
Ao adentrar a propriedade o rapaz foi saudado pelo fazendeiro e agora amigo, José.
Ao vê-lo em pé, ao lado da porta, o fazendeiro tratou logo de convidá-lo para tomar café com ele.
Ao sentar-se, Ticiano percebeu que Tereza se aproximava da mesa. Com isso, mais que depressa o rapaz se levantou e ajeitou uma das cadeiras da mesa para que ela pudesse se sentar. No que a moça agradeceu e se sentou.
José, ao ver a cena, estranhou a atitude da filha. Mas não a advertiu, dado que precisava conversar  com Tício. E assim, passou a tratar dos assuntos da fazenda. 
Enquanto José e sua filha se deliciavam com os quitutes, comendo ambos, regaladamente, Ticiano, timidamente comia as porções de um bolo de fubá. 
José, estranhou o pouco apetite do rapaz. Muito embora fosse ainda muito cedo, sabia que trabalhadores como ele se alimentavam muito bem. Por isso insistiu para que ele comesse um pouco mais. E assim, colocou um pedaço de torta no prato do rapaz, mais um pouco de café em sua xícara, e pediu para que as escravas providenciassem mais frutas. E assim, continuaram o café.
Com isso ao terminarem o café da manhã, a conversa continuou. Ticiano e José, passaram a tarde toda conversando sobre a fazenda. O fazendeiro queria inteirá-lo de tudo. 
Por isso José passou a explicar detalhadamente os seus planos. Desta forma o fazendeiro falou da criação de animais, de seus cuidados, e do preparo para competições.
No tocante a isso, Tício afirmou que já estava mais do que acostumado com o trabalho. Desde que lá chegara, era só o que fazia.
Quanto a isso, José concordou. 
Contudo o fazendeiro também precisava inteirá-lo da contabilidade. Dos gastos com produtos com animais, dos salários dos peões, enfim de tudo o que dizia respeito ao bom andamento da fazenda. Cuidadoso, não se furtou nos menores detalhes. Chegou até a mostrar os livros com os lançamentos contábeis. 
Por essa razão, Ticiano precisava apresentar-se condignamente. Para exercer uma função com tantas responsabilidades, precisava se trajar à altura do encargo.
Assim, ao longo de três semanas, os trajes ficaram prontos. 
Magníficos trajes. Vestido com eles, Ticiano pareceria um rei. Com seu porte elegante e boas maneiras, nem de longe daria a impressão de um rude peão.
Para tanto, o jovem precisava experimentar as roupas. 
E assim foi feito. Para isso José indicou-lhe o quarto dos hóspedes, para que lá o rapaz se vestisse. Assim que estivesse pronto, Ticiano deveria apresentar-se na sala. 
Diante disso, Ticiano tratou de colocar umas das roupas que lhe deram. Uma calça marrom, camisa branca, e uma capa escura. 
Ticiano ao vestir-se com as roupas feitas pela serviçal, mais parecia um nobre. 
Mas, desacostumado que estava com as roupas, ficou um pouco constrangido em usá-las. Portanto, tratou de tirar a roupa nova e em seu lugar, colocar a sua velha roupa surrada. Alegando de que não era necessário o incômodo, Ticiano quis devolvê-las ao patrão. 
No que este, recusou-se veementemente a aceitá-las. Bravo, respondeu que não teria o fazer com as roupas, já que estas eram um presente seu para ele.  José afirmou ainda, que, se houvesse recusa em aceitá-las, se sentiria deveras ofendido. E ainda, ao vê-lo com seus trajes simplórios, José imediatamente mandou-o se desfazer deles e passar a usar as roupas que havia ganho.
Foi quando Ticiano novamente retornou ao quarto de hóspede e se vestiu. 
Apresentando-se para o patrão com os novos trajes, este falou:
-- Finalmente. Roupas dignas e elegantes. 
Nisso, Tereza apareceu na sala e disse:
-- Realmente meu pai, nem parece um rude peão. Se assemelha a um perfeito cavalheiro.
Tício, ao ouvir isso, ficou espantado. Não esperava encontrá-la naquele momento. 
Em razão disso, não disse uma só palavra.
No entanto, não obstante o silêncio que se fez na sala, José aproximou-se da filha e lhe segredou algo no ouvido.
Com isso, depois que o mais novo administrador da fazenda se retirou, o fazendeiro foi ter com a filha. Preocupado com o inesperado interesse da moça pelo rapaz, imediatamente a advertiu:
-- Tereza, escute bem. Eu não quero ver você de conversinhas com Ticiano. Ele é meu empregado. Não um amigo seu. E eu exijo que vosmecê o respeite.
-- Mas, meu pai. Quem foi que disse que eu o estava desrespeitando?
-- Tereza, não me provoque. Eu sei muito bem que você está aprontando alguma coisa. Mas eu lhe aviso. Não faça nada com que vá se arrepender. Por que se você aprontar alguma coisa, eu não vou ser condescendente com vosmecê, mesmo sendo minha filha. Ouvistes?
Sem ter argumentos, Tereza concordou:
-- Sim, meu pai. Eu ouvi. Não se preocupe.
Ao ouvir estas palavras, o fazendeiro se tranqüilizou. Ao menos por enquanto, sua filha não iria fazer nada para prejudicar o rapaz. Mas atento, alertou a esposa, para que tomasse conta da filha, assim como as escravas.
Assim, se tornaria inviável, qualquer tipo de aproximação dela com o rapaz.
Contudo, a despeito dos cuidados que passou a ter em vigiar a filha, isso não impediu que diversas vezes, Tereza, tentando aproximar-se do mancebo, se insinuasse para ele.
Provocadora, Tereza chegou a interpelar-lhe diversas vezes, procurando saber o que este sentia em relação a ela.
Insistente, sempre que se livrava da vigilância dos pais, a moça aproveitava para ver o rapaz.
Durante a festa que seu pai organizou, na qual foram convidados diversos fazendeiros da região, Tereza não perdeu a oportunidade, e encontrando o rapaz, passou a novamente se insinuar para ele. 
Como o rapaz não lhe dava confiança, Tereza passou a interpelar-lhe cada vez mais agressivamente. Rude, ainda na festa, não perdeu a oportunidade e passou a provocá-lo.
Disse-lhe para que se retirasse da festa. Devia se retirar dado o fato de que não era da família, e sim um simples empregado. 
No que José, ao perceber a atitude da filha, imediatamente a repreendeu e mandou que se recolhesse. Jamais admitiria que mesmo um filho seu, ofendesse algum empregado.
Além do mais, o fazendeiro gostava muito do rapaz, e conhecendo Tereza como conhecia, sabia que era mais uma de suas provocações. Daí a admoestação. 
Contudo, Ticiano, constrangido com a cena, mais do depressa, pediu para se retirar da festa. Não queria permanecer ali.
Mas José, consciente de que o jovem fora gravemente ofendido, pediu-lhe desculpas e insistiu para que o mesmo permanecesse na festa. Isso porque, gostaria muito de apresentá-lo para seus colegas fazendeiros. Até porque, como passara a ser um administrador, Ticiano precisava ser conhecido pelos outros fazendeiros. Provavelmente em seu novo trabalho, passaria a freqüentar a casa de muitos deles. Daí a necessidade de ser conhecido por todos.
E assim, José não se fez de rogado. Conforme os convivas chegavam a festa, logo iam sendo apresentados ao mancebo. 
Educado, Ticiano não fez feio. Cumprimentou a todos. Cortês, conversou um pouco com todos os presentes.
Enquanto isso, José o observava extremamente satisfeito. Ao vê-lo tão a vontade conversando com os outros fazendeiros da região, começou a ser dar conta de que tinha feito uma ótima escolha ao nomeá-lo seu administrador.
Hábil, Ticiano captou boa parte da atenção dos convidados.
Na hora da ceia, comportou-se muito bem a mesa. Parecia até um nobre.
A despeito da sofisticação das iguarias que eram servidas, não demonstrou nenhum nervosismo ao ter de sentar-se à mesa com outros convidados de renome. Realmente, foi impecável. Parecia ser até, o dono da casa, tamanha intimidade com as regras de etiqueta.
Ademais, conforme conversava com os convivas, Ticiano mostrou-se ainda, uma pessoa ilustrada. Isso por que, enquanto conversava com os convidados, demonstrou ter um grande conhecimento de arte.
Em razão de seu nome ser o mesmo de um renomado pintor italiano, logo que os convivas lhe eram apresentados, estes, imediatamente lhes perguntava se havia alguma relação que ligasse o seu nome ao do pintor.
Foi então que o jovem explicou que sua mãe era uma grande admiradora da obra deste pintor, daí seu nome.
Ao ouvir isso, José ficou intrigado. Como a mãe do jovem poderia ser uma admiradora de grandes artistas, em especial pintores, e ele a viver em tão lastimável estado?
Isso era realmente estranho. 
Cismado com a história, assim que acabou a festa, o fazendeiro mandou chamá-lo, para que fosse até seu escritório.
Embora estranhasse o pedido, Ticiano não se furtou a cumpri-lo. Assim que pôde foi ter com o patrão.
Ao adentrar a sede, assim que passou pela sala, o jovem Tício logo foi chamado pelo fazendeiro.
Foi então que ele entrou em seu escritório e fechou as portas.
José, incontido, foi logo interpelando-o:
-- Caro Ticiano. Que história é essa, de que sua mãe é uma amante das artes? 
Surpreendido, só restou a Ticiano dizer:
-- É que ... Seu José. Ocorre que minha mãe era de origem nobre, e ... muito embora tivesse se casado com um simples artesão, nunca deixou de lado, seu gosto pelas artes. Por isso, sabendo que sua irmã tinha posses, preocupada com meu futuro, antes de morrer, pediu para que ela me criasse.  E ela me criou. Todavia muito embora ela tivesse sido muito boa comigo, seu marido não me suportava. Não bastasse isso, após algum tempo ela também acabou falecendo e sem dinheiro, e amparo já que seu esposo vivia me hostilizando, eu tive que sair por aí, tentando reconstruir minha vida.
O fazendeiro, diante de tal explicação, não outra alternativa senão aceitá-la e dar o assunto por encerrado. Por esta razão, desculpando-se, propôs ao jovem que tomassem uma taça de vinho, para finalmente encerrarem com chave de ouro a festa.
Mas Tício, cansado que estava, recusou gentilmente o oferecimento, e voltou para sua casa. Precisava dormir.
No dia seguinte, ao se levantar e se dirigir a cocheira, foi logo abordado por seus amigos, Caio, Mário, Sérgio e Juvenal. Estes, encantados com a festa, não pouparam palavras para descrevê-la.
Animados comentaram com o amigo que tudo estivera uma beleza. Mesmo estando do lado de fora da casa, onde o mais interessante acontecia, todos puderam regalar-se com as boas comidas que foram servidas. 
Simples, os peões festejaram a seu modo.
Além disso, os quatro homens disseram que a noite estava linda lá fora, um céu estrelado de fazer inveja aos poetas.
Realmente uma beleza, insistiram.
Mas, movidos por uma grande curiosidade, não perderam a oportunidade de esgueirando-se, adentrarem a cozinha da sede, e discretamente olharem o que acontecia no salão da casa-grande.
Encantados, disseram ao amigo que tudo estava muito lindo. A mesa posta, parecia uma pintura de tão bonita. Mas para eles, a mesa apesar de muito bem adornada, não estava tão bonita assim, pois não havia nenhuma refeição depositada sobre ela. O que era estranho para eles, já que mesa é um lugar onde se põe comida. 
Ticiano então, ao perceber que todos estranharam a disposição da mesa, foi logo explicando:
-- Caríssimos, um jantar é feito daquela forma. São os criados que servem os convidados. Além do mais, com a quantidade de comida que foi servida naquele jantar, mesmo que os donos da casa quisessem, não haveria possibilidade de se colocar tudo em cima da mesa, sob pena de os convidados não terem onde cear.
-- É aquela tal de etiqueta. Não é? – perguntou Mário.
No que Ticiano assentiu com a cabeça, concordando.
Contudo, ao saber que os amigos foram espiar a festa da família, Ticiano passou então a repreendê-los. Argumentando que os amigos não deveriam ter feito o que fizeram, disse-lhes que tal ato poderia justificar uma demissão. Portanto não deveriam nem sequer comentar sobre isso.
Os quatro homens, vendo-se sem saída para explicarem isso, procurando desculpar-se, comentaram que o viram dançando com algumas das senhoritas, filhas dos fazendeiros. Disseram ainda, que o viram conversando e depois ceando com os demais convidados.
Diante disso, tendo-se em vista a impecável conduta do mancebo, só lhes restavam os elogios, que vieram rasgados.
-- Ticiano, o senhor estava impecável. – elogiou Sérgio.
-- É verdade. Estava até melhor que o patrão. – ressaltou Mário.
-- Estava parecendo uma daquelas pinturas que estavam na parede. – emendou Caio.
-- Realmente, Ticiano, o senhor estava uma beleza. – continuou Sérgio.
Ao perceber que os quatro não iriam parar com os elogios, Ticiano tratou de dispersá-los dizendo que estavam ali para trabalhar, e não simplesmente, jogar conversa fora.
Foi então que Mário, Caio, Sérgio e Juvenal saíram apressados da cocheira. Atarefados, precisavam cuidar dos animais. Como sempre, tinham muito o que fazer.

Luciana Celestino dos Santos 
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