Poesias

terça-feira, 30 de março de 2021

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO XI

Com o tempo, Fábio comprou um pequeno armazém e passou a investir no local.
Argumentava que não gostaria de viver as custas do filho, e que quando tivesse o retorno financeiro esperado, devolveria o dinheiro que pegara emprestado, a Felipe.
Era um armazém onde se vendia de tudo: ervas, plantas medicinais, alimentos.
Fábio também possuía um funcionário encarregado de entregar as mercadorias aos clientes.
Entregava o leite diariamente na casa dos fregueses, em garrafas de vidro cheias, as quais eram trocadas por litros vazios.
Fábio trabalhava com bons fornecedores e seus produtos eram de qualidade.
Em pouco tempo angariou uma vasta freguesia.
Com isto, em questão de meses, conseguiu devolver o dinheiro investido no estabelecimento, para o filho.
Epaminondas por sua vez, preocupado com o futuro do garoto, recomendou-lhe que diversificasse suas atividades, e que em sendo possível, aumentasse o patrimônio herdado pelo menino.
Fábio argumentou que o Armazém Oliveira lhe tomava muito tempo, e que não teria tempo, e tampouco habilidade, para se dedicar a outras atividades que não fosse locar os imóveis herdados e cobrar eventuais débitos atrasados.
Epaminondas respondeu que nunca fora rico, mas que aprendera alguma coisa ao trabalhar como contador em uma empresa.
Fábio por sua vez, respondeu que seu trabalho era braçal, e que por isto, não tivera oportunidade de aprender filigranas do mundo dos negócios.
Epaminondas sorriu. Respondeu-lhe que não possuía o conhecimento técnico, mas que tinha tino para os negócios.
Diante disto, investido na qualidade de procurador de Fábio, tutor do garoto, Epaminondas resolveu investir em uma fábrica de tecidos.
Com isto, consultou Fábio, que o autorizou a comprar teares, alugar um galpão e contratar mão de obra qualificada.
Começou como uma atividade modesta, mas com o tempo cresceu.
Com o passar do tempo, a Tecelagem Oliveira passou a exportar tecidos.
Começaram com a fiação de lã e algodão, até chegarem ao fabrico de tecidos finos, como seda.
Felipe acompanhava curioso as atividades dos homens.
Fábio também prosperou em suas atividades.
Em dado momento, passou a produzir alguns de seus produtos.
A certa altura o armazém se transformara em um mercado. Amplo, espaçoso.
Fábio passou a exportar bananas em tramas de taboa.
Era um trabalho artesanal, que embelezava o produto, e assegurava que o mesmo seria transportado com todo o cuidado, chegando com toda a qualidade ao seu destino.
O homem passou a ser referência no ramo de alimentos.
Felipe por sua vez, pode estudar em bons colégios.
Fez faculdade, e para felicidade de seus pais, passou a ter um diploma.
Nesta época, passou a tomar maior contato com o trabalho de Fábio, e de seu tio avô Epaminondas.
Assim, quando o moço pode finalmente assumir os negócios da família, estava preparado.
Felipe, com o tempo, passou a acompanhar Epaminondas nas reuniões da empresa.
Também opinava e apresentava sugestões.
Epaminondas estava satisfeito com a dedicação do moço. Dizia-lhe que logo, logo ele poderia assumir as empresas.
Isto por que, o homem estava cansado.
Em quase dezesseis anos de atividades, já havia multiplicado o patrimônio herdado pelo garoto.
Queria descansar.
No tocante a isto, tanto a família de Felipe quanto a de Epaminondas, moravam em casas suntuosas. Palacetes construídos para deleite e conforto das famílias.
Felipe já conhecia a Europa, falava outros idiomas e possuía um bom nível cultural.
Na faculdade e no colégio lera obras clássicas e os grandes escritores humanistas.
Durante um dado momento, chegou a freqüentar aulas de teatro.
Fábio, ao tomar conhecimento disto, encheu-se de preocupação.
Por um momento chegou a pensar que Felipe abandonaria tudo para se dedicar a profissão de ator.
Preocupação boba, já que o menino investiu na profissão apenas por curiosidade, e por que estava acompanhando seus amigos intelectuais.
Felipe adorava os textos teatrais e a densidade dos gestos. Adorava as coxias, e se admirava com o talento e a dedicação dos atores, que se entregavam ao seu papel.
O moço chegou a fazer pequenas figurações.
Mas depois de um certo tempo, ao precisar acompanhar seu tio na administração das fábricas, o moço não teve mais tempo para freqüentar o teatro.
Com efeito, ao tomar posse do cargo de presidente das empresas, com a idade de vinte e cinco anos, o jovem, passou a se dedicar quase que exclusivamente a atividade de empresário.
O moço chegava a ficar doze horas na empresa.
Dedicado, auxiliava seu pai, na importação de seus produtos.
Com o tempo demonstrou ser um exímio empresário.
Nisto, Epaminondas com o passar dos anos, passou a se afastar das atividades empresariais.
Desta forma, passou a se dedicar mais a família.
Felipe por sua vez, não vivia apenas para o trabalho.
Em seus momentos de lazer, gostava de rever os colegas de faculdade.
Foi nesta época que teve o primeiro relacionamento sério com uma garota.
Felipe era um rapaz apresentável, mas o fato de ser um empresário, e de aparecer fotografado nos jornais, fazia com que as moças tivessem um interesse especial nele.
O jovem empresário, por sua vez, não percebia isto.
Para ele o fato de uma moça bonita ter aparecido em sua vida, em meio ao seu círculo de amigos, era garantia de que era uma boa pessoa.
Cíntia parecia sê-lo de fato.
Sempre simpática, cumprimentava a todos.
Quando e seus colegas saíam juntos, ela não se importava em ouvi-los falar de negócios.
Parecia até interessada.
Felipe, entusiasmado com Cíntia, costumava levá-la em boates para dançar.
Certa vez, ao passarem diante de uma joalheria, a moça ficou observando uma jóia. Estava deslumbrada.
Felipe, ao perceber o interesse da jovem, perguntou-lhe se havia gostado da peça.
Cíntia, então, respondeu que estava apenas olhando. Argumentou que se tratava de um presente muito caro para ser dado para alguém que se tinha acabado de conhecer.
Dias depois, o moço adentrou a joalheria e comprou o bracelete que Cíntia havia admirado.
Com isto, convidou-a para um jantar.
A moça estava impecável com um vestido rodado verde.
Felipe, então, dizendo-lhe que tinha algo que combinava com o vestido, sacou uma caixinha, a qual abriu.
Lá dentro estava o bracelete.
Cíntia, ao ver o presente, agradeceu. Disse que não precisava.
Ao ouvir isto, Felipe brincando, respondeu que iria devolver a loja.
A moça por sua vez, retrucou dizendo:
- Não, não é necessário! Eu aceito o presente.
Felipe riu.
Em seguida, o casal saiu para jantar.
Dançaram.
Com efeito, Felipe adorava estar em companhia da moça.
Ultimamente porém, o trabalho tomava muito do seu tempo, e raros eram os momentos em que podia passear com Cíntia.
Desta forma, nos poucos momentos em que passaram a ficar juntos, a moça passou a cobrar sua presença. Dizia que estava cansada de ficar sempre esperando por ele.
Fazendo beicinho, disse que a última vez em que saíram juntos, fora quando ele a presenteara com um bracelete, e eles foram jantar, e em seguida, dançaram em uma boate.
Cíntia argumentou que estava sentindo falta de se divertir um pouco.
Felipe então, segurando seu queixo e olhando em seus olhos, confessou que realmente estava em falta com ela, mas que nos últimos tempos, os negócios se avolumavam e ele precisava dar vazão ao seu trabalho, ou perderia muito dinheiro.
Cíntia, ao ouvir isto, pediu-lhe desculpas.
Dizendo que ele era um homem muito ocupado para pensar em mesquinharias, comentou que não tinha o direito de atrapalhá-lo em seus negócios. Falou que tentaria ter mais paciência e que procuraria entender suas necessidades.
Felipe, ao ouvir estas palavras, sorriu e abraçou a moça.
Respondeu-lhe que nunca havia conhecido uma mulher tão compreensiva.
Nesta época, o moço já freqüentava a casa de Cíntia. Havia sido apresentado aos pais da moça.
Quando o jovem apresentou a namorada aos pais, Fábio e Fátima, estranharam o jeito excessivamente risonho da moça.
Fábio, chegou a dizer ao filho que Cíntia era simpática demais. Sempre tentando agradar a todos, mesmo quando as pessoas a ofendiam.
Felipe ao ouvir estas palavras, ficou contrariado. Argumentou que Cíntia tentava apenas conciliar as pessoas, e que ela não estava errada em fazê-lo, pois viver em pé de guerra com o mundo, é insuportável.
O homem, ao tentar retrucar, foi atalhado pelo filho, que lhe disse que Cíntia era a melhor pessoa que conhecia, e que ninguém tinha o direito de criticá-la antes de conhecê-la melhor.
Fátima percebendo que o filho tomara as dores da moça, fez um pequeno gesto para que Fábio parasse de tentar argumentar com o Felipe.
Nisto o moço, saiu aborrecido da sala, deixando os pais sozinhos.
Fátima, ao se ver a sós com o marido, comentou:
- A situação está pior do que eu imaginava!
Cíntia de fato, ao ser criticada por seus modos excessivamente corteses, respondeu que não sentira agredida pelos comentário.
De fato, uma vizinha da família, que estava na mansão, na ocasião em que Felipe apresentou a moça aos pais, comentou que não conhecia ninguém que fosse tão risonho. A mulher chegou a mencionar que a viram gritando com uma garota em uma festa.
Cíntia negou. Argumentou que a confundiram com outra pessoa.
Fátima por sua vez, não gostou do jeito da moça, além de ter ficado cismada com a história.
Nisto, assim que pode, visitou a vizinha para conhecer mais detalhes da história.
Desta forma, Fátima, ao visitar a vizinha, conversou sobre o assunto.
Em conversa com a mulher, descobriu que Cíntia não era exatamente o que aparentava ser.
Contudo, não poderia comprovar ao filho tal fato.
Conversando com o marido, descobriu que precisavam criar uma situação em que a moça precisasse se expor.
Arquitetaram um plano.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO X

Enquanto isto, quando Fábio e sua família chegaram em São Paulo, foram recebidos por Epaminondas, que convidou a todos para ficarem hospedados em sua casa.
Fábio cumprimentou o tio, que há tempos não via.
Com isto, buscou a família na rodoviária, conduzindo-os até sua casa de carro.
Felipe, que não estava acostumado a andar de carro, ficou entusiasmado com o passeio.
Argumentou que em sua cidade, poucas pessoas possuíam carros, e que quando viam um veículo passar pelas ruas da cidade, todos os garotos corriam para observar.
Fábio rindo, comentou que o trafegar de alguns poucos veículos, era atração na pequena cidade.
Assim, ao chegarem a casa do homem, Fábio, Fátima e Felipe, foram levados para um dos quartos da casa.
O ambiente estava limpo e arrumado.
Lá a família deixou as malas.
A esposa de Epaminondas recebeu a família de Fábio com todo o cuidado.
Mais tarde, o tio chamou o sobrinho para conversar em um canto.
Epaminondas comentou então com o sobrinho, que Adolfo estava a pajear Irina.
Fábio respondeu curioso, que não conhecia este Adolfo.
Epaminondas contou que se tratava de um outro sobrinho seu.
Disse que se tratava de uma pessoa egoísta e interesseira. Acreditava que o rapaz só estava interessado em uma hipotética herança da senhora.
Nisto, o homem explicou que Irina estava muito doente. Há tempos estava acamada. Não reunia condições nem para cuidar de seus bichos de estimação.
Seu tio lhe contou que soube pelos vizinhos, que Adolfo colocava os animais para fora da casa. Razão pela qual os animais foram recolhidos e cuidados pela vizinhança.
Epaminondas relatou também, que certa vez, ao visitar Irina, achou-a muito abatida e debilitada. E, muito embora estivesse aparentemente bem cuidada, estranhou o nervosismo de Adolfo ao vê-lo visitando a senhora. Estranhou ainda mais o interesse do rapaz em sugerir-lhe para que não mais visitasse a senhora. Argumentou que as visitas a deixavam muito agitada e nervosa.
Epaminondas retrucou dizendo que Irina parecia deveras cansada para tanto.
Nisto, o homem mencionou ao sobrinho que levaria um médico até a casa de Irina para examiná-la.
Desta feita, mais tarde, tio e sobrinho foram visitar a mulher, que morava em uma ampla residência.
Fábio, ao adentrar a casa, percebeu cômodos imensos, e pouca mobília.
Adolfo ao recebê-los, ficou tomado de surpresa.
- Titio? O senhor por aqui?
Epaminondas respondeu-lhe que o rapaz que o acompanhava era Fábio, e que gostaria de apresentá-lo a Irina.
No que Adolfo retrucou dizendo que Irina devia estar dormindo, e que não seria oportuno despertá-la.
Epaminondas, incomodado com tanta cerimônia, respondeu que não iria incomodá-la.
Apenas gostaria de vê-la.
Adolfo, argumentou que Irina estava bem, em franca recuperação, e que assim que pudesse, os receberia.
O homem então, respondeu que se a mulher estava se recuperando, não haveria óbice em receber uma visita.
Adolfo ao ouvir isto, ficou visivelmente irritado.
Contudo, sem argumentos para obstar a visita, deixou-os entrar.
Com isto, passaram pela sala, por um imenso corredor, e finalmente chegaram a um quarto amplo.
Lá estava Irina repousando.
Quando as visitas chegaram, a mulher tinha acordado de despertar.
Ficou feliz ao ver Epaminondas.
Respondeu-lhe que ultimamente vinha sentindo falta de visitas.
Epaminondas sorriu.
Brincou com a senhora dizendo que ela realmente não estava bem. Afinal de contas, estava até sentindo saudades das visitas.
Irina riu do comentário, para espanto de Adolfo que estava mais do que acostumado a sempre vê-la taciturna e carrancuda.
Para ele, parecia outra pessoa.
Fábio foi então, apresentado a mulher.
Irina cumprimentou-o formalmente.
Epaminondas respondeu-lhe que Fábio era muito trabalhador e que vivia no interior do estado, em uma pequena cidadezinha, onde morava com a mulher e seu único filho, garoto de cerca de nove anos.
Irina, ao ouvir a palavra filho, respondeu que nunca fora muito benquista pelas crianças.
Ao ouvir isto, Epaminondas contou que Felipe era um garoto. Criança bastante imaginativa.
A senhora, redargüiu dizendo que imaginação demais, faz a pessoa se afastar em demasia da realidade. Comentou que um pouco de pé no chão era importante, ou se perdia a noção da realidade.
Epaminondas respondeu-lhe então, que noção da realidade, era algo necessário, mas que excesso de realidade, faz mal.
- Eu que o diga! – emendou Irina. – Eu que o diga!
Ao fim, da visita, Epaminondas cochichou-lhe no ouvido, que voltaria, mas que ela não deveria dizer nada a Adolfo. O homem respondeu que aquilo seria um segredo de ambos.
Em seguida despediu-se.
Aproveitou para segredar o ajuste, quando Adolfo se afastou do quarto.
Fábio cumplíciou o tio.
Com efeito, ao saírem da casa de Irina, a dupla riu muito dos modos insolentes e arrogantes de Adolfo.
Fábio concordou que se tratava de uma pessoa presunçosa.
Felipe, distante destas preocupações, se ocupava de brincar de carrinho de madeira, e de bolinha de gude.
Em pouco tempo se enturmou com os garotos que moravam na região, e passou a brincar de jogar bola com eles.
Felipe também gostava de comer as frutas que havia no pequeno pomar existente na casa de seu tio avô.
Adorava.
Tanto que chegou a comentar com o homem que em sua casa, também havia um pomar, mas com muito menos frutas.
Pesaroso, respondeu que isto era uma lástima.
Fato este que fez com todos rissem dos modos graves do garoto.
Felipe e Epaminondas ficaram amigos.
Certa vez, levando o sobrinho para passear, o home disse-lhe que precisaria conhecer uma tia, que apesar dos modos estranhos, era uma boa pessoa.
Felipe ficou curioso.
O tio percebendo isto, disse-lhe que as pessoas poderiam ser um pouco estranhas, mas que isto não significava que fossem más, apenas haviam se fechado para o mundo.
Felipe não compreendia.
Epaminondas então, tentando ser mais claro, explicou ao garoto que Irina foi uma pessoa que sofrera muito na vida e que perdera a confiança nas pessoas. Comentou que ela se casou com um homem a quem muito amara, mas que em pouco tempo de casados, o mesmo veio a falecer. Não teve filhos, perdeu todo o patrimônio deixado pelo marido, e ao ser vítima de golpes, resolveu se afastar das pessoas.
Felipe comentou que se ela não gostava de se aproximar das pessoas, poderia não gostar dele.
No que Epaminondas retrucou:
- É, de fato existe este risco! Não vou lhe mentir! Mas você é uma criança tão adorável, que considero esta possibilidade remota. Com seu jeito esperto, eu acho que é mais fácil ela cair de encantos por você, do que o contrário, rapazinho!
Enquanto proferia estas palavras, segurou o queixo do garoto.
Epaminondas levou o garoto para um parque, onde caminharam, avistaram aves.
Ao fim da tarde, fizeram um pequenique, e ao fim do dia, retornaram para casa.
Epaminondas chegou até a jogar bola com o sobrinho.
Era um tio muito animado.
Com isto, ao fim de alguns dias, Epaminondas levou os sobrinhos para visitarem Irina.
Adolfo, ao vê-los chegando com um médio, assustou-se.
Tentou de diversas maneiras, afastá-los, sob o argumento de que Irina não aceitaria ser examinada pelo médico.
Argumentou que tentou levá-la a um bom profissional, mas que ela se recusara.
Aparentemente pesaroso, argumentou que não sabia mais o que fazer.
Epaminondas enérgico, exigiu que ele autorizasse a entrada do médico, ou então, requisitaria a força policial.
Adolfo, ao ouvir a palavra polícia, deixou de oferecer resistência, e mesmo contrariado, autorizou a entrada do doutor.
Nisto, o homem examinou a senhora, que contrariada, autorizou o exame.
Contrariada, Irina confirmou que não gostava de médicos.
Ao fim do exame, o médico lhe disse que os remédios que vinha tomando, não eram os mais adequados para ela. Razão pela qual prescreveu um novo receituário.
Ao ouvir isto, Irina resmungou. Disse que não suportava tomar remédio,
Fábio então respondeu-lhe que ela não deveria se preocupar, posto que dentro de pouco tempo, estaria de pé novamente.
Irina agradeceu os votos de recuperação, mas argumentou que estava muito velha, e que não acreditava mais que voltaria a ficar de pé.
Felipe, ao ouvir isto, respondeu que ela não poderia desanimar. Disse que precisaria ficar boa logo para pôr Adolfo para correr.
Irina e todos no quarto riram, ao ouvir o comentário espontâneo do garoto.
A velha senhora simpatizou-se com o garoto.
Tanto que o chamou para junto de si e o abraçou, carinhosamente.
Irina acariciou os cabelos da criança, e disse que ele era um menino esperto.
Epaminondas concordou.
Mais tarde, Epaminondas, Fábio, Felipe e o médico se retiraram da residência.
Não sem antes Epaminondas dizer que acompanharia o tratamento da irmã.
Disse puxando a Adolfo a um canto, que não tentasse mais impedi-lo de ver Irina.
Em seguida, como se quisesse que todos participassem da conversa, disse que iria cuidar pessoalmente de ministrar os remédios a mulher.
Adolfo ficou deveras contrariado.
Epaminondas casara-se deveras maduro com Leocádia.
Razão pela qual possuía filhos com a idade aproximada de Fábio.
Conversando certa tarde na casa do tio, Fábio comentou que adorava as tardes divertidas que passava em companhia dos primos.
Epaminondas respondeu a certa altura, que sentia falta dos meninos.
Ambos haviam se casado e tinham as próprias famílias.
Fátima e Leocádia brincavam dizendo que Epaminondas estava carente.
Felipe por sua vez, pedia ao tio avô para lhe contar histórias.
E o homem, lhe contava histórias de príncipes aventureiros e de moçinhas encantadoras.
Felipe sempre que ouvia falar de moçinhas e heroínas, imaginava a doce Miriam como protagonista de todas as histórias.
Miriam fora seu primeiro amor, recordaria com saudades, anos mais tarde.
Neste momento, estava curtindo férias de última hora, ao lado de seus pais e de parentes distantes.
Mais tarde, o menino comentou com o tio, que Irina não era a bruxa que imaginava.
Sorrindo, Epaminondas respondeu:
- Decerto que não!
Com efeito, conforme se comprometera, Epaminondas se encaminhava todos os dias para a casa da irmã.
Ministrava-lhe os remédios receitados pelo médico, e que ele mesmo se encarregara de comprar.
Adolfo ficava deveras contrariado com a interferência de Epaminondas, mas não podia se opor.
Com o tempo, a mulher passou a melhorar e a caminhar com passos lentos e contidos em seu quarto.
Adolfo, ao perceber a melhora da mulher, passou a bajulá-la dizendo-lhe que estava pronta para outra.
Foi o bastante para Irina ficar irritada e mandá-lo cuidar da casa.
Ao passar os dedos na cômoda que havia no quarto, impregnou o dedo com uma grossa camada de poeira.
Ao perceber isto, chamou-o de lambão e preguiçoso. Disse que a casa estava imunda e que precisava urgentemente de limpeza. Argumentou que se ele não estava interessado em trabalhar, deveria deixar quem estava interessado, em fazê-lo.
Adolfo sorriu constrangido e retirou-se.
Furioso, ficou resmungando.
Ao se ver a sós na cozinha, começou a chamá-la de velha miserável e avarenta.
Em seguida, pegou uma vassoura e começou a varrer a sala.
Quando Epaminondas viu o sobrinho passando o pó em alguns móveis, elogiou-o. Disse-lhe que estava de parabéns, e que agora ele conheceria o verdadeiro valor do trabalho. Brincando relatou que trabalhar, apesar de cansativo, fazia bem.
Nisto, despediu-se.
Adolfo fingiu boa vontade, conduzindo Epaminondas até a porta.
Por fim, ao entrar na casa, começou a dizer que ele era um velho intrometido.
Irina, que neste momento caminhava pelo corredor, ao ouvir o comentário, perguntou-lhe se estava tudo bem limpo.
Adolfo respondeu-lhe que em alguns minutos tudo estaria arrumado.
A casa estava uma imensa bagunça com almofadas e coisas espalhadas.
Fato este que horrorizou a mulher.
O rapaz, percebendo isto, recomendou-lhe que voltasse para o quarto. Disse-lhe que um poucos minutos, tudo estaria arrumado.
Irina contrariada, concordou em permanecer em seu quarto.
Não sem antes lhe dizer que ele estava muito enganado se achava que iria angariar sua simpatia com adulações. Comentou que conhecia seu caráter, e que sabia que tudo o que vinha dele era premeditado e calculado.
Adolfo sorriu desconversando. Disse que somente estava tentando ser útil a quem precisava.
Irina fitou-o severamente.
Com isto, o moço se encaminhou a sala arrumando o parco mobiliário do ambiente.
Mais tarde, serviu um jantar a velha senhora, que reclamou que a comida não tinha tempero, e que a sopa estava fria e horrível de tragar.
Adolfo fitou-a com ar furioso, mas tentando se controlar, procurou demonstrar paciência.
Levantou-se e disse que iria esquentar a sopa.
Nos dias que se seguiram, Irina continuou a receber visitas do irmão, bem como a provocar Adolfo.
Mas para seu desespero, o sobrinho parecia resignado.
Mais tarde, Fábio e família voltaram para a cidadezinha onde moravam.
Felipe voltou a freqüentar a escola.
Fábio retomou seu trabalho.
Fátima continuava a cuidar da casa.
Cerca de um ano mais tarde, a família foi informada por Epaminondas que Irina havia falecido.
Felipe ficou surpreso com a notícia.
Decepcionado, disse que a senhora não colocou Adolfo para correr. Não ficou boa.
Fábio respondeu-lhe que segundo Epaminondas, Irina hostilizou Adolfo durante todo o tempo em que ele permaneceu na casa.
Felipe retrucou então, dizendo que Adolfo era uma peste.
Fátima o censurou.
Fábio por sua vez, ao conversar a sós com a esposa, comentou que Adolfo era um péssimo caráter e que não tinha uma boa impressão do sujeito.
Dias depois, Fábio recebeu um novo telegrama, informando que Irina havia deixado um testamento. Na correspondência, Epaminondas recomendava que a família se dirigisse novamente para São Paulo.
Fábio, assim que pode, solicitou alguns dias de licença do trabalho, mediante compensação de horas, e de malas prontas, se encaminhou com toda a família para São Paulo.
Ao lá chegar, descobriu que Irina, semanas antes de falecer, havia deixado escrita uma disposição de suas últimas vontades, um testamento. Instrumento particular, que ficara escondido entre seus pertences na casa.
Epaminondas comentou pesaroso, que após o falecimento da irmã, Adolfo tentou novamente dificultar seu acesso a casa. Dizendo-lhe que não havia mais nada que lhe interessasse no lugar, argumentou que não o deixaria entrar.
Foi o bastante para Epaminondas se dirigir a uma delegacia de polícia. Lá, mencionou que o sobrinho não era o proprietário do imóvel, e que a dona da propriedade falecera.
Um dos policiais, ao ouvir a historia, recomendou-lhe que ingressasse com uma ação judicial, e que tentasse descobrir se ela havia deixado algum testamento.
Com isto, o homem contratou um advogado, e através de ordem judicial, conseguiu autorização para entrar na casa.
Lá, acompanhado por um oficial de justiça, mostrou a ordem judicial e adentrou o imóvel.
Não sem antes se deparar com a resistência de Adolfo, que questionou a validade do documento.
Epaminondas por sua vez, impaciente, respondeu que com aquele documento poderia requisitar reforço policial, e que aquilo configurava crime de resistência.
Informação confirmada pelo oficial de justiça.
Nisto, ao finalmente adentrar a casa, verificou armários e gavetas revirados, móveis retirados do lugar.
Ao perceber a bagunça, olhou furioso para o sobrinho.
Epaminondas então, auxiliado pelo oficial de justiça, passou a vasculhar gavetas, armários, os móveis.
Prevenido contra Adolfo, tentou afastá-lo da casa.
Adolfo porém, resistiu.
Epaminondas por sua vez, mostrou-lhe novamente a ordem judicial, na qual constava que ele tinha autorização para entrar e vistoriar toda a casa, e demais bens de Irina.
Adolfo insistiu em ficar.
Nisto Epaminondas respirou fundo e continuou a vasculhar a casa.
Procurando nichos e fundos falsos, tentou descobrir um testamento.
Até que, ao procurar na lavanderia do imóvel, descobriu atrás de um pesado armário, um nicho no assoalho. Ao abri-lo, descobriu um buraco tapado com um pedaço de madeira. Tocando no pedaço de madeira, descobriu uma nova fenda.
Espaço estreito, o qual somente conseguiu alcançar com o auxilio de um arame.
Torcendo-o, conseguiu alcançar um rolo, o qual puxou.
Nisto, ao abrir o documento, auxiliado pelo oficial de justiça, percebeu que se tratava de um testamento que datava de semanas antes.
Neste momento, Adolfo demonstrou interesse em segurar o documento.
No que foi impedido pelo tio, que argumentou que o documento ficaria à disposição da justiça, para instrução da ação de inventário que iria promover.
No documento, para desgosto de Adolfo, Irina havia deixado bens para Epaminondas e para Felipe.
Fábio, com efeito, ao ouvir a história, ficou impressionado.
- Para Felipe? Uma pessoa que ela mal conhecia?
Ao ouvir isto, Epaminondas argumentou dizendo que Irina havia se encantado com o garoto. Tão sincero e espontâneo.
Felipe ao tomar conhecimento do fato, ficou surpreso. Logo queria saber o que havia herdado.
Epaminondas respondeu-lhe que pelo que lera no testamento particular, Felipe receberia alguns imóveis e algum dinheiro, de herança.
E assim, foi dado início a ação de inventário.
Irina, para surpresa de muitos, havia deixado vultoso espólio, com muitos bens.
E Felipe e Epaminondas eram seus principais beneficiários.
Adolfo por sua vez, bem que tentou dificultar o recebimento da herança. Argumentou que este tipo de disposição, requisitava a presença de testemunhas.
Isto, devidamente instruído por um advogado.
O que ele não esperava porém, era que no próprio instrumento, constassem as testemunhas necessárias para a realização do testamento.
Epaminondas comentou, que o juiz ao ver o documento relatou que Irina provavelmente se consultou com um causídico, ou não teria conhecimento das formalidades necessárias para a feitura do documento.
O homem concordou. Argumentou que Irina fora astuta. Conseguiu enganar o próprio sobrinho.
Com isto, meses mais tarde, Epaminondas e Felipe receberam suas respectivas partes na herança.
O fato virou notícia do jornal.
A manchete: Velhinha simplória, dona de um vasto patrimônio.
Rindo, Epaminondas comentou que depois de morta, sua irmã havia virado notícia.
O enterro contou com a presença de poucos familiares, entre eles Epaminondas e família, Fátima, Fábio e Felipe; além de Adolfo; um advogado; e alguns vizinhos curiosos.
Quando Adolfo percebeu que não herdara nem uma agulha, rebelou-se. Disse que aquilo não estava certo, que iria contestar. Mais tarde, percebendo que não teria como invalidar o testamento, começou a bajular Epaminondas, Fábio e Felipe.
Estratégia na qual não obteve êxito, pois nenhum deles confiava nele.
Com isto, Epaminondas, inventariante, recebeu seus bens e Fábio foi nomeado tutor do filho, na administração dos bens.
Fábio então, instruído pelo tio, pediu demissão no emprego e vendeu o imóvel que possuía no interior do estado.
A família mudou-se para São Paulo.
Fabio, devidamente orientado pelo tio, passou a administrar os bens do filho.
A família passou a residir num dos imóveis deixados de herança.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO IX

Quando o circo finalmente se apresentou, o garoto já havia lavado o chão do picadeiro, ajeitado os bancos para as pessoas sentarem. Acompanhado por Mirtes fazia a propaganda do circo dizendo:
- Venham conhecer o maior espetáculo da terra! O circo chegou.
Curioso, perguntava a Mirtes sobre o valor do ingresso, quantas entradas deveriam ser vendidas para que um espetáculo pudesse ser considerado um sucesso, etc.
Fez tantas perguntas, que a certa altura, Mirtes pediu para que ele se calasse.
Felipe atendeu prontamente.
Quando o espetáculo circense estava prestes a começar, o som de uma trombeta ecoou invadindo toda a lona.
Os palhaços Feliz, Alegre e Contente, disseram que o espetáculo iria começar.
Com isto, o som da trombeta foi substituído por uma buzina que fazia um ruído muito engraçado, mais parecido com uma flatulência.
Todos riram.
O espetáculo foi belo.
Mas para Felipe, o mais inesquecível momento, foi quando Miriam surgiu em um bonito colant apresentando seu número de trapézio.
A moça dava piruetas no ar, antes de ser amparada por Olegário.
Felipe chegava a se deitar em sua cama, e de olhos abertos se recordar de cada detalhe do número.
Miriam havia se tornado uma amiga.
Com o tempo, o menino passou a fazer pequenos truques de mágica.
Truques ensinados por Alencar em sua maioria.
Alguns porém, foram passados por Miriam que contou-lhe que durante algum tempo, foi assistente de Alencar.
Tal fato causou admiração no garoto.
Felipe adorava ouvir as histórias de Miriam, a qual sempre tinha algo interessante para contar.
Mirtes também se afeiçoara ao garoto, cuidando do menino como se fora um filho.
Enquanto isto, Fátima e Fábio desesperados, não sabiam o que fazer.
Já haviam acionado a polícia da região, que estava realizando buscas.
Como Felipe não aparecia, a procura diminuiu, muito embora a angústia dos pais não tenha diminuído nem um pouco.
Fátima não parava de chorar, aflita.
A mulher, chegou até a realizar uma promessa.
Caso a criança aparecesse, acenderia uma vela do tamanho do garoto, e distribuiria alimentos por um ano, para famílias carentes do lugar.
Fábio por sua vez, estava arrasado.
Sentia-se culpado pelo sumiço de Felipe.
O garoto por sua vez, também sentia saudades de casa, mas feliz por trabalhar no circo, alegrava-se com os números de mágica que realizava.
Odair, também simpatizava com o garoto, dizendo-lhe que era muito esperto e original.
Felipe ficava todo prosa com os comentários.
E assim, aprendia lições que eram tomadas por Miriam, que insistia em corrigir sua caligrafia horrível.
A tarde, o garoto ensaiava números de mágica, além de observar os ensaios da jovem.
A noite, nas apresentações, exibia suas habilidades de mágico.
Tirava pombas e coelhos da cartola, fazia objetos sumirem, outros objetos apareciam. Números de adivinhação.
Felipe estava irremediavelmente fascinado pelo mundo do circo.
Quando começaram novas incursões pelo interior do estado, o menino conheceu novas cidades.
Para o garoto, era um encantamento.
O coreto das praças, as igrejinhas, os moradores do lugar.
Em algumas cidades havia cinema, e Felipe pode ver algumas fitas.
Adorava filmes de aventura, como os de Tarzan, os quais já acompanhava em sua cidade.
No entanto agora, ia ao cinema acompanhado de Miriam, a melhor companhia que poderia ter.
Felipe adorava passear perto dos garotos e mostrar que estava ao lado de uma bela moça.
Nisto, um estranho, ciente do sumiço de uma criança da região, ao observar o garoto ao lado da moça, verificou que o mesmo se assemelhava a descrição física feita por policiais.
Acreditando se tratar de uma simples coincidência, o moço deixou a suspeita de lado.
Dias mais tarde, ao ouvir uma conversa da dupla, percebeu que o menino se chamava Felipe e que Miriam tentava descobrir onde estavam seus pais.
Foi o bastante para o homem contatar a polícia e relatar o ocorrido.
Na mesma tarde, policiais se dirigiram ao circo, onde conversaram com Odair.
Perplexo, o homem respondeu que há alguns meses, surgira um menino com ar assustadiço, encontrado no circo.
Com isto, Odair explicou a história do garoto, a qual lhe pareceu relativamente crível.
Só não pode esconder o ar de perplexidade ao perceber que fora enganado.
Chegou a dizer que Felipe era um excelente contador de histórias, e que seu talento, bem direcionado, poderia encaminhá-lo para a literatura.
Custava a crer que um menino de aparência tão ingênua, poderia enganar adultos experimentados como eles.
Quando Mirtes tomou conhecimento do fato, ficou chocada.
Desapontada, disse a Felipe que ele a decepcionou muito.
Ao ouvir isto, o garoto chorou.
Tentando explicar-se, disse que mentira por que seu sonho era trabalhar no circo. Contou que sempre sonhou em ser um grande domador, e que ao ver o circo novamente em sua cidade, percebeu que se tratava de uma grande oportunidade.
Os policiais disseram-lhe que ele vivera uma grande aventura.
Felipe perguntou então, onde estavam seus pais.
Os policiais explicaram a todos, que o garoto seria levado para a cidadezinha onde morava.
Miriam, perguntou a Felipe, por que havia deixado os pais tão preocupados.
Chorando, Felipe comentou que precisa fugir, ou não conseguiria realizar seu sonho. Argumentou que seus pais não entenderiam seu gesto.
Odair, ao ver o garoto triste, pagou o ordenado pelo período em que trabalhou no circo. Disse-lhe que aquele dinheiro era dele e poderia utilizá-lo como bem entendesse.
Felipe agradeceu e tentou desculpar-se pela confusão que havia causado.
Mais tarde, ao encontrar os pais, abraçou-os e pediu-lhe desculpas por haver fugido de casa.
Contou que durante o tempo em que ficou fora de casa, viveu em meio a gente honesta.
Para Fábio, contou que começou a trabalhar como mágico do circo, que se deparou com leões, tigres e elefantes.
Sorrindo, comentou que se sentia como Livingstone. Um desbravador da selva africana.
Fátima ao vê-lo depois de meses de ausência, abraçou-o chorando e pediu-lhe para que não mais fugisse de casa.
Com o tempo o garoto retomou suas atividades.
Voltou a freqüentar a escola.
Para surpresa de Fátima e dos professores, Felipe conseguiu acompanhar as aulas, mesmo depois de meses.
Felipe contou a mãe, que Miriam tomava-lhe as lições diariamente.
O garoto contou-lhe que a moça descreveu inúmeros lugares, e disse-lhe que o mundo era muito maior do que ele imaginava.
Sorrindo, o garoto contou que gostaria de conhecer os lugares que a moça descreveu.
Exibido, mencionou que precisava ampliar seus horizontes.
Fátima percebeu uma melhora em seu vocabulário.
Tempos mais tarde Fábio recebeu uma correspondência, na qual era informado que sua tia Irina, encontrava-se muito doente, e que ele precisava fazer-lhe uma última visita.
Na correspondência, estava indicado o endereço onde a senhora residia.
Surpreso, Fábio comentou que não conhecia ninguém com o nome de Irina.
Ao observar o endereço indicado na carta, constatou que se tratava da cidade de São Paulo.
Acreditando se tratar de um equívoco, o homem cogitou desfazer-se da missiva.
No que foi impedido por Fátima que argumentou sobre a possibilidade de se tratar de um parente distante.
Dias depois, o moço recebeu um telegrama de um seu parente, orientando a visitá-la.
Telegrama assinado por um tio de Fábio.
Epaminondas era um velho conhecido de Fábio.
O moço recordou-se que adorava brincar com os primos, filhos do tal tio.
Com isto, ao término da semana, de malas prontas, a família foi visitar a tal tia.
Irina era uma velha avarenta, somente preocupada em amealhar bens.
Andava pelas ruas de São Paulo com roupas puídas, e era sempre rude com todos os que se aproximavam.
A velha avara, possuía vários animais entre cães e gatos.
Para eles, oferecia todo o seu afeto.
Não confiava nas pessoas.
Para ela, todos se aproximam por causa de seu dinheiro.
Adolfo, seu sobrinho, adorava adulá-la.
Era o bastante para atiçar a ira de Irina, que ficava incomodada com tanta bajulação.
Adolfo estava sempre por perto, procurando chamar sua atenção.
Ajeitava sua almofada para melhor se acomodar.
Servia-lhe chás e pães.
Adolfo não a deixava sozinha por muito tempo. Isto era o bastante para irritar a mulher.
Irina costumava chamá-lo de bajulador. Argumentava que não lhe daria dinheiro algum.
Reclamava que era muito pobre e que não agüentava mais ser explorada pelas pessoas. Dizia que iria por fogo em tudo, para que ninguém ficasse com nada.
Irascível, certa vez, chegou a enxotar o sobrinho com uma vassoura.
A vizinhança não a suportava.
Consideravam-na esquisita e louca.
Diziam que fora casada com um homem de posses, vindo a ficar viúva, pouco tempo depois de casada.
Fato este não confirmado, mas que atraiu a atenção de Adolfo, que acreditava que a velha avara possuía um rico patrimônio escondido.
Todavia, os modos austeros de Irina, demonstravam justamente o contrário.
Seca no trato com as pessoas, só saia de casa para passear com seus cães, e comprar comida.
Era alvo de escárnio das crianças, contra as quais vociferava e rogava pragas.
Irina era irascível.
Mas Adolfo estava sempre por perto.
Oferecia-se para ministrar-lhe remédios, fazer compras.
Quando ele se ofereceu para arrumar a casa, Irina não se fez de rogada.
Deixou-o fazê-lo, para desespero de Adolfo.
Certa vez, o moço deixou escapar que detestava aquela velha miserável.
Diante de Irina porém, Adolfo era sempre afetuoso e gentil.
Mesmo quando a velha o ofendia, chamando-lhe de mandrião e dizendo que a arrumação da casa não havia sido bem feita, que a casa não estava limpa.
Irina por sua vez, fazia questão de esfregar o dedo em algum móvel para mostrar que este permanecia coberto de poeira. Dizia-lhe que se era para fazer o serviço mal feito, era melhor não fazer.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO VIII

Carmen Miranda e as famosas marchinhas de carnaval, eram ouvidas antes das apresentações.
Quando as crianças puderam apreciar a apresentação do circo, colocaram sua melhor roupa.
Felipe, um desses garotos, ficou encantado com a beleza da trapezista.
Empolgado, chegou a dizer aos amigos, que se tornaria trapezista de circo.
Os garotos riam do comentário.
Fato este que o deixava deveras aborrecido.
Não gostava que fizessem pouco de seus sonhos.
Sonhador, o garoto brincava de domador de circo. Imaginava-se enfrentando terríveis feras. Leões ferozes, tigres.
Em suas brincadeiras, era admirado por sua coragem e bravura.
Imaginava-se usando um bonito fraque, e dizia frases de efeito como esta:
- Agora, diante de seus olhos, um dos desafios mais impressionantes que se tem notícia. O desafio de um domador diante de inúmeras feras, preso em uma jaula.
Imaginativo, ficava a pensar em inúmeras estratégias para enfrentar as feras.
Seus amigos adoravam suas histórias.
Também adorava brincar de Tarzan, e de desbravador de segredos das florestas.
Em um das brincadeiras, denominou-se Livingstone.
Desbravador e aventureiro.
Fátima se preocupava com o temperamento excessivamente sonhador do filho. Dizia para Fábio que o filho deveria ter os pés mais calcados no chão.
No que Fábio retrucava que Felipe era apenas uma criança e que era natural este talento para exercitar a imaginação.
Dizia que o filho seria uma pessoa mais feliz, se pudesse vivenciar esta fase da infância, coisa que ele nunca pode fazer, posto que teve a necessidade de trabalhar desde cedo.
E assim o menino vivia uma infância despreocupada e feliz.
Ao colocar o garoto para dormir, Fátima costumava contar-lhes histórias de aventuras maravilhosas, que povoavam a imaginação do garoto, que se imaginava Peter Pan, desbravador, aventureiro.
Também das histórias do folclore brasileiro.
Quando o circo despediu-se da cidadezinha, o garoto ficou inconsolável.
Aborrecido, dizia que uma das poucas diversões que possuía, havia se acabado.
Fátima achava graça nisto.
Na escola, o menino tinha um desempenho mediano.
Fato este, que preocupava a mulher, que gostaria que o filho se tornasse advogado. Mas com notas assim, como isto seria possível? Pensava.
Nestes momentos, Fábio tentava tranqüilizar a esposa, dizendo que ainda era muito cedo para o garoto se preocupasse com um futuro de advogado.
Felipe, após a volta do colégio, se reunia com os coleguinhas de sua rua, para brincar de bolinha de gude, de futebol, de aventuras.
Decepcionado com a partida do circo, o garoto deixou um pouco de brincar de integrante do circo.
Contudo, quando o circo “Palácio dos Sonhos”, retornou a cidade, Felipe novamente se entusiasmou.
Animado, pediu aos pais para que o deixassem ir ao circo.
Insistiu tanto, que Fátima, para se ver livre da insistência do garoto, autorizou sua ida.
Feliz, o menino, tomou um banho demorado, penteou os cabelos passando-lhes brilhantina. Colocou um terninho, meia e sapatos lustrados.
Quando sua mãe o viu tão bem composto. Elogiou-lhe.
Disse-lhe que estava muito bonito.
Fábio, brincando, disse-lhe que parecia o próprio dono do circo.
Ao ouvir isto, Felipe encheu-se de orgulho.
Com efeito, usando suas melhores roupas, a família toda foi ao circo.
Lá, Felipe encontrou seus colegas de escolas, e os vizinhos.
Antes de entrarem no circo, ficaram a fantasiar o evento.
Todos estavam cheios de expectativas.
Mais tarde, entraram no circo.
Quando a atração finalmente iniciou-se, encantaram-se com o número do domador, enfrentando leões e tigres, bem como apresentando números com um elefante.
O domador foi entusiasticamente aplaudido.
A apresentação com os palhaços Feliz, Alegre e Contente, também foi muito aplaudida.
Em dado momento da apresentação os cômicos cantaram:
- Chegou, chegou, tá na hora da alegria. O circo tem palhaço. Tem, tem todo dia. O circo tem palhaço. Tem, tem todo o dia. Chegou, chegou, tá na hora da alegria.
As crianças gargalhavam.
Os garotos e as meninas se maravilhavam com um mundo de alegria e encantamento, mas os adultos também se maravilhavam com as apresentações.
O circo povoava a imaginação de todos.
Mais uma vez, a garotada se maravilhou com a apresentação da trapezista.
Miriam estava cada dia melhor.
De tão encantado com a apresentação do circo, Felipe não conseguia mais, prestar atenção nas aulas. Tornou-se disperso.
Certo dia, ao ver um dos garotos comentando sobre a beleza da trapezista, chamou-o para a briga.
Por esta razão os dois moleques rolaram pelo pátio da escola.
Razão pela qual foram advertidos e suspensos.
Quando Fátima tomou conhecimento deste fato, repreendeu o filho dizendo-lhe que estava de castigo e proibido de brincar com seus coleguinhas quando voltasse da escola.
Aborrecido, Felipe trancou-se no quarto.
Irritado, disse em voz bem baixa:
- Se a senhora pensa que vou ficar trancado aqui, está muito enganada. Eu vou ver o circo.
Com isto, o garoto pegou uma maleta e começou a colocar alguns brinquedos e roupas.
Quando Fátima surgia abrindo a porta do quarto, o garoto se jogava na cama e fingia dormir.
Vendo Felipe deitado na cama, de olhos fechados, acreditava que o garoto estava realmente dormindo.
Tanto que aproveitou para ajeitar o cobertor, e dar-lhe um beijo de boa noite, em seu rosto.
Ao sair do quarto, Fátima aproveitou para apagar a luz, a qual estava acesa.
Ao encontrar o marido na sala, após retornar de um dia de trabalho, comentou que Felipe estava de castigo.
Surpreso, o homem perguntou a razão de tamanha repreensão.
Fátima respondeu-lhe então, que Felipe havia sido suspenso em virtude de uma briga.
Fábio ficou espantado. Isto por que o menino era dócil.
A mulher respondeu-lhe que também não entendia.
Comentou que Felipe estava agindo de forma estranha, e que não conseguia entender o porquê.
Fábio, tentando tranqüilizá-la, disse que era apenas uma fase que iria passar com o tempo.
Nisto, o homem entrou no quarto de Felipe e lhe deu um beijo de boa noite.
Mais tarde, aproveitando que o casal se recolheu, o menino levantou-se, pegou sua maleta. Abriu a janela e depositou a mala em uma cadeira que utilizou para pular a janela.
Com a mala nas mãos, caminhou lentamente pelo quintal, e pulando o muro da casa, ganhou o mundo.
Caminhando pelas ruas da pequena cidadezinha, conseguiu chegar no circo.
Com efeito, quase todos os funcionários dormiam naquele momento.
Circulando pelo lugar, o menino tratou logo de se esconder, ao ouvir o barulho de pessoas conversando.
Refugiou-se num baú.
Cansado adormeceu.
Nisto, era providenciada uma nova mudança no circo.
Iriam todos ao amanhecer, para outra cidadezinha da região.
E assim, com o passar das horas, o dia amanheceu.
Com isto, de malas prontas, todos seguiram viagem.
Tempos depois, chegaram na nova cidade.
Quando Felipe despertou, tratou logo de sair do baú.
Sorrateiro, esgueirava-se para caminhar.
De longe, percebeu que os homens se organizavam para montar o circo. Ao olhar em volta, percebeu que nada ali lhe era familiar.
Foi quando notou que não estava mais em sua cidade natal.
Tal fato o deixou nervoso.
Nisto, quando se preparava para continuar vistoriando o local, sentiu uma mão em seu ombro.
Assustou-se.
Ao virar-se, deparou-se com um homem, que imediatamente perguntou-lhe o que estava fazendo ali.
Felipe, não conseguiu pronunciar uma só palavra. Apenas gaguejava.
Com isto, o homem insistiu na pergunta.
Felipe, trêmulo, disse que havia se perdido, e que não sabia onde estava.
Quando o homem o viu segurando uma maleta, perguntou-lhe se estava certo do que dizia.
Para ele, Felipe parecia confuso.
Diante disto, o homem conduziu o menor diante do dono do circo.
Odair surpreendeu-se ao ver o garotinho sendo conduzindo pelo funcionário.
Tanto que também perguntou-lhe o que fazia por ali.
No que o menino, articulando melhor as palavras, respondeu que havia se perdido e que não sabia onde estava.
Odair então, ao notar a maleta que trazia, perguntou-lhe o que estava fazendo com aquilo.
Felipe respondeu sua tia havia feito sua mala, e recomendado para que pegasse uma carona na estrada. Argumentou que seguiu o referido conselho, vindo a parar em uma estrada por onde caminhou por algum tempo, até chegar naquele lugar.
Ao ouvir o relato do garoto, o dono do circo não ficou muito convencido da história.
Mas como Felipe insistisse naquele relato, comentou com o homem que não poderia abandonar o garoto.
Como não existisse delegacia cidade, e como o garoto implorasse dizendo que queria ficar, pois não tinha para onde ir; Odair então, resolveu lhe dar hospedagem.
Felipe agradeceu e prometeu ajudar em tudo para o que fosse mandado.
Com isto, o menino ficou sob os cuidados de Mirtes e Miriam.
Odair, contou a mulher que o garoto havia se perdido e não sabia como voltar para casa.
Mirtes, um tanto desconfiada da história, argumentou que eles poderiam ter problemas com a polícia se os pais do garoto denunciassem seu sumiço.
Odair argumentou que o menino não sabia onde morava.
Comentou que Felipe lhe dissera que morava em um sítio com uma tia, e não sabia o nome da cidade que era mais próxima. Disse que esta tia o maltratava, e que não queria voltar.
Mirtes pediu para conversar com o garoto e Felipe lhe repetiu a mesma história triste que contara a Odair.
A mulher ficou comovida com a história.
Com isto, passou a cuidar do garoto.
Levou-o para sua barraca.
Com isto, logo que o menino entrou em sua barraca, Mirtes perguntou-lhe se estava com fome.
O menino respondeu-lhe que sim.
Mirtes serviu-lhe um pouco de arroz com carne e salada.
Felipe comeu avidamente.
Mais tarde, o garoto foi apresentado a sua filha Miriam.
Ao vê-la, ficou emudecido.
Mirtes ao perceber o deslumbramento de Felipe por sua filha, comentou que Miriam era uma moça muito bonita e muito mais velha do que ele.
Felipe ficou ruborizado.
Com o tempo, o garoto passou a cuidar da ração dos animais.
Admirava os leões, tigres e elefante à distância, admirado com a imponência dos animais.
Curioso, o menino perguntava ao tratador dos animais do que eles gostavam.
O homem explicou-lhe que o elefante gostava de esguichar água no próprio corpo para se refrescar.
Comentou que os leões e os tigres gostavam de comida fresca.
Felipe queria se aproximar dos animais.
No que foi impedido pelo tratador que lhe disse ser muito perigoso.
Tentando assustá-lo, contou que os dois últimos treinadores dos leões e dos tigres, ao tentarem se aproximar dos animais, tiveram um de seus braços decepado.
Ao ouvir isto, Felipe ficou chocado.
Mais tarde, perguntou ao domador, como poderia fazer para se aproximar dos animais com segurança.
Sorrindo, o domador dos bichos comentou que somente conhecendo um pouco os animais, saberia como se aproximar com segurança.
O menino, ao ouvir isto, ficou coçando a orelha.
Caminhando sozinho pelo circo, ficou a resmungar dizendo que para conhecer os animais, precisava se aproximar deles, e assim, se precisava se aproximar para conhecê-los, como poderia conhecê-los para poder finalmente se aproximar?
Distraído, acabou por quase esbarrar em Miriam, que vinha no sentido oposto.
Felipe, ao se ver diante da moça, olhando no chão, pediu-lhe desculpas.
Miriam sorrindo, perguntou-lhe se não gostaria de entrar no circo, e conhecer o picadeiro. Disse que estava treinando seu número.
O garoto concordou.
O menino, ao adentrar a lona, percebeu se tratar de um ensaio geral.
Encantado, observou o número de malabarismo, o trio de palhaços, o número do atirador de facas, o mágico, o domador e o treinamento com as feras.
Quando chegou a vez de Miriam ensaiar, o menino ficou encantado com jeito com que a moça deslizava pelo ar, sendo amparada por seu companheiro de trapézio.
Aquele parecia ser um momento de pura magia para o garoto.
Momento que se prolongou com sua gostosa sensação, por vários dias.
Felipe era puro encantamento por Miriam.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO VII

A apresentação foi emocionante.
Homero foi impecável e Miriam demonstrava muita tranqüilidade.
Mirtes por sua vez, ao acompanhar o desempenho da filha, ficou assaz orgulhosa.
Com o tempo, passou a dizer aos freqüentadores do circo que a moça era sua filha.
E assim, em cada apresentação, a moça demonstrava mais tranqüilidade.
Com o passar do tempo, não sentia mais medo.
Confiava plenamente na habilidade de seu parceiro.
Odair - o dono do circo -, percebendo na moça certa habilidade no trato social, chegou a lhe perguntar certa vez, o que uma menina tão educada e de modos tão refinados, estaria fazendo trabalhando em um humilde circo, como simples parceira em um número de atirador de facas.
Miriam, tentando desconversar, respondeu que gostava do mundo do circo. Considerava-o mágico.
Nisto, com o passar do tempo, Odair sugeriu-lhe acompanhar o número do mágico do circo.
Miriam aprendeu a fazer truques, bem como anunciar os números de Alencar.
E a jovem, com todo o seu donaire, usando uma roupa mais decotada, passou a participar do número de magia.
Mirtes ao ver o traje que a filha usaria para participar do número, ficou chocada.
Considerou-o inadequado.
Tanto que argumentou com Odair que a atração era o número de magia e não a plástica de sua filha.
Odair, ao ouvir estas palavras, argumentou que a roupa serviria apenas para tornar o espetáculo mais interessante, e que não adviriam danos a sua filha.
Mirtes por sua vez, não concordou com os argumentos apresentados.
Odair porém, dizendo se tratar de uma situação transitória, prometeu que assim que fosse possível, a designaria para um trabalho ainda melhor.
Mirtes então, calou-se.
Percebendo que precisava do emprego, resolveu aceitar as condições do trabalho.
O traje, pomo da discórdia, nada mais era que um corpete, chapéu com plumas e uma pequena saia de tule.
Bem diferente do discreto traje do número das facas.
Miriam também estranhou a roupa, mas com o tempo se acostumou.
O mais difícil para ela no entanto, era vencer sua inibição natural e anunciar as atrações do mágico.
Tinha que anunciar o número do coelho tirado da cartola, da pomba, das cartas de baralho. Também participava de um número em que ficava dentro de uma caixa e a mesma era serrada e ela ficava como que dividida em várias partes.
Todos aplaudiam o número.
Alencar também fazia apresentações com lenços e objetos que surgiam aparentemente do nada.
Em dado momento, solicitava a sua assistente Miriam que o amarrasse fortemente.
O mágico em questão de segundos, se soltava.
Miriam auxiliava-o com os números.
E Alencar, com seu terno bem cortado, fazia a alegria das crianças, que ficavam encantadas com os números.
Consideravam-no um excelente mágico.
Miriam por sua vez, ficou encantada com o ritual que envolvia a apresentação.
Razão pela qual aprendeu inúmeros truques de magia.
Alencar por sua vez, pedia a todo o momento que a moça não comentasse os truques, sob pena de ferir a ética profissional.
Os segredos da profissão só competiam aos mágicos, dizia.
Com efeito, Miriam não comentava os segredos dos truques com ninguém.
Mirtes, pouco sabia do trabalho da filha, além do que podia ver nas apresentações.
A moça silenciava a respeito do assunto.
Para decepção de Mirtes que adoraria conhecer alguns truques.
Nisto, enquanto não ensaiava os números de magia, a moça aproveitava para acompanhar a dupla de palhaços do circo.
Era pura diversão.
A dupla vestida com os trajes do ensaio, parcialmente maquiados, brincavam um com o outro.
Era um cheirando uma flor que jorrava água, outro cutucando o ombro do outro para fazê-lo olhar para a direção do toque e o parceiro, tomar seu pequeno baú.
Baú que segundo o palhaço, apesar de pequeno, era desajeitado e pesado, o que fazia com que despendesse muita força para carregá-lo. Quando finalmente o palhaço conseguia desajeitadamente arrastar o baú, o mesmo empinava para um lado e caia, para desespero do mesmo.
O outro por sua vez, ficava olhando na direção em que fora cutucado e aproximava-se da platéia, como que para procurar quem tocara em seu ombro.
A platéia por sua vez, ficava a todo o momento a indicar onde se encontrava o outro palhaço, o qual ficava o tempo todo tentando desesperadamente, esconder o baú.
Finalmente, depois de algumas trapalhadas, o palhaço finalmente se depara com o parceiro arrastando seu baú.
A descoberta é cômica.
O palhaço furtado, coloca as mãos na cintura e reclama da conduta do outro palhaço.
O mesmo continua tentando empurrar a mala.
Ao perceber que foi descoberto, tenta desajeitadamente se evadir, mas seu companheiro o segura pelo braço, fazendo-o parar.
Através de pantomimas, os palhaços discutem.
Miriam chega a chorar de tanto rir. Aplaude entusiasticamente o espetáculo.
Neste momento, eis que surge um terceiro palhaço, que aparta os contendores, e por conta disto, leva um sopapo, e tonto, fica girando, girando.
Por fim, o último palhaço chama a atenção dos brigões e tudo acaba bem.
Nisto, os três se juntam as mãos e se curvam para as cadeiras.
Mais aplausos de Miriam que elogia o espetáculo.
É o Trio da Alegria, com os palhaços Feliz, Alegre e Contente.
Com o passar do tempo, Miriam já conhecedora dos números de mágica, passou a fazer pequenos números ao lado de Alencar.
O número dos lenços passou a ser executado com sua participação.
Mirtes não se cabia de contentamento.
A esta altura, a mulher além de anunciar as atrações do circo ao lado de Odair, passou a cuidar da bilheteria.
Neste tempo, já fazia quase dois anos que Mirtes e Miriam haviam chegado ao circo.
Com toda a trupe e animais, circulavam pelas cidades interioranas, levando alegria e diversão para as crianças.
A certa altura, Miriam passou a fazer exercícios no trapézio.
Mirtes, ao ouvir inicialmente a proposta, chegou a questionar a idéia, mas Miriam parecia interessada no número.
Desta forma, percebendo o interesse da filha no número, coube a mulher acostumar-se com a idéia.
Miriam subia uma escada até chegar ao trapézio, onde havia uma rede de proteção.
A moça senta-se no banco de madeira e se balançava.
Auxiliada por um parceiro, começou a exercitar-se realizando pequenos movimentos.
Certa vez, ao tentar um movimento mais brusco, perdeu o equilíbrio caindo na rede de proteção.
Foi o suficiente para Mirtes se assustar e exigir o afastamento da filha do número.
Odair, ao tomar conhecimento do incidente, procurou conversar com a mulher. Disse-lhe que fora um pequeno acidente, e que Miriam não havia se ferido.
Miriam por sua vez, assustou-se com a queda, mas pouco tempo depois retomou a preparação.
Mirtes então, sempre que via a filha se arrumando para o treino no trapézio, tentava convencê-la a desistir da idéia.
A moça porém, não estava disposta a desistir de seu intento.
E assim prosseguiu com os ensaios.
Com o tempo, passou a fazer acrobacias no trapézio, auxiliada por seu parceiro Olegário.
Lançava-se para as mãos seguras de Olegário.
Quando finalmente chegou o dia da apresentação, a moça usava um colant vermelho com lantejoulas e brilhos, meia calça e sapatilhas. Cabelos presos e enfeitados com plumas.
Olegário, também usava roupas justas no corpo.
A apresentação ocorreu de forma impecável.
Miriam dominava o trapézio.
Em que pese este fato, a jovem estava ansiosa em sua primeira apresentação.
Depois de árduos meses de preparação, a moça estava tensa.
Olegário, parceiro mais experiente, tratou de acalmá-la. Disse-lhe que faria a apresentação de forma perfeita, e que não ocorreriam problemas, pois haviam ensaiado muito.
E assim, no dia da apresentação, os palhaços em seu número, diziam:
- Hoje tem goiabada? Tem sim senhor. E o palhaço o que é? É ladrão de mulher.
A platéia respondia e ria.
Palhaços com roupas coloridas, chapéu coco que levantava sozinho, sapatos compridos, gravata larga.
Miriam acompanhava tudo através da cortina.
Mirtes, momentos antes da filha se apresentar, desejou-lhe sorte.
Disse-lhe que estava bem preparada, e que a apresentação seria um sucesso.
Em seguida, abraçou a filha e desejou-lhe novamente sorte.
Miriam agradeceu e a seguir, dirigiu-se ao picadeiro.
Auxiliada por Olegário, subiu os degraus da escadaria, e posicionou-se no trapézio.
Este por sua vez, também subiu a escadaria e posicionou-se no trapézio oposto.
Começou o espetáculo.
A dupla se movimentava no ar.
Pulavam, faziam movimentos circulares e seguravam o trapézio anteriormente impulsionado.
Em alguns momentos da apresentação, Miriam saltava de seu trapézio, sendo segurada por seu parceiro.
A cada salto, a cada pirueta, aplausos da platéia.
Por fim, ao término da apresentação, o senhor Odair cumprimentou a moça pessoalmente.
Parabenizou-a, dizendo que para quem havia começado apenas anunciando as atrações circenses, havia progredido bastante.
Miriam agradeceu.
Mirtes por sua vez, foi elogiada pelo fato de ser mãe de uma jovem bonita e valorosa.
Com isto, o espetáculo prosseguiu.
Mais palhaçadas, números de magia, a apresentação do domador com seus animais.
Ao término do espetáculo, Odair passou a contabilizar o valor das entradas e a arrecadação.
Ficou satisfeito com o resultado.
Nas apresentações seguintes, providenciou uma tabuleta onde ficou exposto o nome de Miriam como atração do circo.
Tal fato tornou-se alvo da apreensão de Miriam, que temerosa de que descobrissem o paradeiro de ambas, sugeriu que ela criasse um nome artístico.
Miriam sugeriu chamar-se Amarante.
E assim foi escrito na tabuleta.
Tamanho prestígio porém, não era bem visto por alguns empregados do circo.
Algumas pessoas ficavam enciumadas com tanta atenção.
Mirtes e Miriam, perceberam isto.
Razão pela qual procuravam se manter discretas no local.
Homero, Alencar e Olegário, amigos de Miriam, estavam sempre juntos em conversas animadas.
Odair por sua vez, passava as tardes tomando o café de Dona Mirtes.
E as viagens pelo Brasil continuavam.
Incursões pelo interior do estado de São Paulo, Rio de Janeiro, e outros estados, traziam o conhecimento de outras realidades para as mulheres.
Mirtes e Miriam, adoravam passear pelos lugares e conhecerem a igrejinha, as praças, o comércio, e os lugares aprazíveis das cidades.
Viagens geralmente realizadas para cidadezinhas do interior.
Nestes locais, o circo costuma ser a única, ou uma das poucas diversões da cidade.
Atração que fazia o encantamento das crianças, que sonhavam com este universo.
Muitas nutriam o desejo de fugirem de casa para viverem no circo.
Felipe foi um desses garotos sonhadores.
Quando o circo “Palácio dos Sonhos”, chegou na cidadezinha, foi um alvoroço só.
As atrações do circo eram anunciadas enquanto os carros atravessavam a cidade.
Ao finalmente encontraram um lugar para se instalar, os homens trataram de se reunir para montarem a lona.
Era um trabalho de horas.
Alguns moradores acompanhavam a montagem.
No circo, momentos antes da apresentação, a platéia ouvia músicas.
Década de trinta.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO VI

O casal foi habitar o palacete construído pelo moço.
Maria Rosa foi muito feliz ao lado de Mário.
Juntos, criaram a filha que tiveram, Mirtes.
A menina foi criada conhecendo a origem da mãe, a história de Carina.
Para desespero dos avós, Dona Alaíde e Antenor que tentavam a todo custo encobrir a origem de Maria Rosa, a qual consideravam espúria.
Alaíde ficava inconformada em ver o modo com que a criança era criada.
Achava a criança, atrevida e solta demais.
E assim, Mirtes foi criada com o mesmo temperamento livre da mãe.
Estudou em colégio interno, aprendeu a tocar piano. Falava francês e inglês e lia diversas obras nos referidos idiomas.
Dona Alaíde dizia a Maria Rosa e Mário, que a menina deveria aprender a cozinhar, a lavar, passar, engomar, bordar. Enfim ofícios do lar, e não coisas endereçadas aos homens.
Maria Rosa ria. Dizia que ela também recebera esta criação.
Todavia a vida que sorria próspera para a família, se declinou com a crise do café.
Dona Alaíde e Antenor perderam as propriedades que tinham, posto que viviam exclusivamente da monocultura cafeeira.
Razão pela qual foram morar no palacete do filho, na capital.
Mário também perdeu bens, mas por exercer atividades outras, conseguiu manter parte do patrimônio.
A despeito da crise, o rapaz resolveu criar uma linha mais popular de suas porcelanas.
Resolveu também, se dedicar a tecelagem, plantando algodão em uma das fazendas que restara do rico patrimônio da família Oliveira Prates.
Mirtes realizou um bom casamento com um rico moço da região.
A moça usava os cabelos curtos, e penteados de forma ondulada.
Ousada, a jovem sabia até dirigir.
Para desespero de Alaíde que não conformava com os modos livres de Mirtes.
Modos estes os quais considerava escandalosos.
O casamento da moça foi realizado no campo, sendo convidada toda a ilustre sociedade da época.
Com o tempo porém, o fausto e a opulência se findaram.
A falta de tino comercial do marido de Mirtes, fez com que o patrimônio conquistado por Mário se reduzisse ao palacete e a fábrica de tecidos.
Henrique era mulherengo e perdulário. Jogador contumaz.
Mirtes por sua vez, ao ver a situação da família, as dívidas se avolumando, tentou de todas as formas assumir as rédeas dos negócios. No que foi impedida por Henrique.
A moça ao perceber que o marido era um péssimo administrador, passou a se preocupar.
Contudo, não podia retirá-lo da administração das fábricas. Não possuía poderes para tanto.
Nisto, já maduros, com uma filha crescida, se viram implicados em uma denúncia de desvio de dinheiro.
Henrique havia sumido com o dinheiro para pagar dívidas da família.
Mirtes e Miriam, ao se verem a todo o momento sendo importunadas por credores, trataram de arrumar os poucos pertences que ainda possuíam, e rumaram para outras paragens.
Sem nunca dizer que outrora foram ricas.
Para sobreviverem, passaram a trabalhar em um circo.
Inicialmente, mãe e filha anunciavam as atrações do circo: as apresentações dos palhaços; o número no trapézio, o domador e suas feras.
O dono do circo, ao perceber a beleza da jovem Miriam, sugeriu que a moça passasse a trabalhar nas atrações do circo.
Com isto, a moça passou a se apresentar juntamente com o atirador de facas.
Era um número arriscado e que exigiu muito treinamento e preparo da moça.
Mirtes tentou argumentar, se opondo a idéia, mas Miriam a demoveu da idéia dizendo-lhe que precisavam se manter e que apenas anunciar as atrações do circo não era o suficiente para garantir a subsistência de ambas.
Ademais, Miriam dizia estar cansada de ouvir gracejos dos freqüentadores do circo.
Com isto, Mirtes acabou concordando com a idéia da filha participar, de uma das atrações do lugar.
Contudo, ao ver o homem, atirando facas contra uma tábua, a mulher ficou horrorizada.
Por um instante chegou a pensar em conversar com a filha e fazê-la desistir da idéia de fazer dupla com Homero.
Homero ao perceber o ar assustadiço da mulher procurou conversar com ela.
Disse-lhe que o número não oferecia riscos, e que Miriam não sofreria nenhuma lesão. Isto porque, só passaria a treinar com a moça, quando estivesse seguro de sua pontaria.
E assim, o homem permaneceu por semanas treinando sua pontaria, até Miriam ser chamada para um ensaio.
Mirtes ao ouvir o convite, chegou a pedir a filha para que não participasse.
Miriam porém, resistiu aos apelos da mãe. Relatou que se sentia preparada para o desafio, e que não seria uma pequena dificuldade que a faria desistir do intento.
E assim, a moça se encaminhou para o picadeiro do circo para a realização do ensaio.
Estava ansiosa e trêmula.
Ao se posicionar na tábua, em cima do desenho no qual seu parceiro treinara por semanas, sentiu um arrepio.
Lívida, ameaçou desmaiar.
Homero, ao perceber o semblante pálido da moça, acorreu em sua direção para segurá-la.
Aflito, perguntou a jovem se estava tudo bem, como estava se sentindo.
Nisto, pediu para que uma assistente providenciasse um copo com água.
Miriam bebeu com sofreguidão.
Aos poucos, a jovem foi se recompondo, e depois de alguns minutos, a moça se levantou e insistiu com Homero, para que ensaiassem o número.
Ao ouvir isto, o homem ficou como que tomado de espanto.
Admirado, perguntou se ela realmente se sentia preparada para o número, se não precisava descansar, respirar um pouco...
Miriam, ao perceber o ar vacilante do moço, insistiu.
Disse que não sairia dali enquanto não ensaiasse o número. Argumentou que não desmaiaria novamente, e que caso se sentisse incapaz de realizar o ensaio, ela própria pediria para parar.
Com isto, insistiu mais uma vez para fazer o ensaio.
Desta feita, a dupla realizou o número.
Miriam posicionou-se na tábua, e Homero auxiliou-a a ajeitar-se.
Após, disse que iria atirar algumas facas a uma boa distância, e que ela não poderia se mexer, sob pena de se ferir.
Miriam respirou fundo e prometeu que não iria se mexer.
Nisto Homero pediu a ela que prendesse a respiração.
Começou a lançar facas.
Ao término do ensaio, Miriam estava com as pernas bambas.
Homero então, autorizou-a a se mexer.
Mirtes ao ver a filha caminhando pelo picadeiro com ar espantado, perguntou-lhe o que havia acontecido.
A moça respondeu-lhe que havia realizado o primeiro ensaio, do número com as facas.
Com o tempo, e os ensaios, a jovem foi ganhando mais confiança.
Aprendeu a se posicionar na tábua.
Homero por sua vez, passou a atirar facas, a uma distância menor da moça.
Quando finalmente foi realizada a primeira apresentação, Miriam usava um traje com uma saia longa de tule, corpete, e cabelos presos e enfeitados de flores e algumas penas. O rosto, pintado de branco, com bastante maquiagem.
Homero por sua vez, usava um traje semelhante a um fraque, com algumas flores, e cartola.
Mirtes acompanhou o número, enquanto, convidava todos a entrarem e ocuparem seus lugares, nos bancos colocados ao redor do picadeiro.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO V

Com o tempo a moça casou-se. O jovem objeto de seus afetos chamava-se Mário.
Com ele, teve uma filha de nome Mirtes.
Durante longo tempo viveram na capital.
Maria Rosa passou a gozar de um bom conceito junto aos moradores do local.
A jovem professorinha havia se casado com um dos melhores partidos da cidade.
Com o casamento, realizado com todo o cerimonial necessário a um casamento com uma pessoa ilustre, a moça deixou de lecionar, dedicando-se exclusivamente ao lar, aos afazeres domésticos.
Passou a viver em um palacete, vestindo-se com os melhores tecidos, roupas bem cortadas, sapatos.
Para adornar os cabelos cuidadosamente presos, sofisticados chapéus.
Cumpre salientar que o casal se conheceu na saída de uma das inúmeras celebrações eucarísticas acompanhadas por ela, conduzidas por Padre Josias.
Mário, adorava o jeito com que Maria Rosa se abanava com seu leque.
O jovem considerava um charme, o modo como a jovem abria e fechava o leque, golpeando delicadamente o ar. Achava-a parecida com uma borboleta sobranceira e misteriosa.
Quando soube se tratar da suposta filha de uma famosa cortesã da cidade, admirou-se. Espantou-se com a origem de sua mãe, com o fato de ter a moça se apresentado com filha de Carina, e com o fato da famosa cortesã ter abandonado uma vida de luxos e desregramentos e passado a viver uma vida discreta.
Admirou-se com a sinceridade da moça.
E assim, em que pese a oposição de seus parentes e familiares, o jovem mancebo pediu a moça em casamento.
Ofereceu-lhe um imponente anel de brilhantes, o qual foi assunto por mais de uma semana na cidade.
Tereza e Roberto diziam-lhe que era uma moça de sorte.
Outros moradores da cidade diziam-lhe o mesmo, quando a viam saindo da igreja.
Desta feita a moça casou-se.
A cerimônia realizou-se na matriz da cidade.
Maria Rosa trajava um exuberante vestido branco, todo bordado, várias anáguas, um longo véu. Cabelos presos, envoltos em flores de laranjeiras. Nas mãos, um buquê de flores.
Mário trajava calça, paletó, tendo na lapela um cravo.
No imenso salão da fazenda, um bolo imenso, bonito, decorado. Doces, bebidas como vinhos e licores.
Um lauto jantar seria servido para os convidados.
Na igreja, empresários, industriais, cafeicultores. Figuras ilustres da sociedade.
A cerimônia foi celebrada pelo sacerdote de escolha de Maria Rosa.
A moça escolheu seu confessor e conselheiro, Padre Josias.
Ester e seus filhos, acompanharam a cerimônia.
Durante o tempo em que a moça lecionou, os meninos tiveram aulas ministradas pela jovem.
Após a cerimônia, na saída da igreja, a moça foi cumprimentada pelos convidados e familiares de Mário.
Para muitos, tratava-se de uma jovem valorosa, de origem espúria, a qual alcançara sua redenção vivendo de forma digna.
Maria Rosa por sua vez, fazia questão de ressaltar que sua mãe também alcançara sua redenção, dedicando-se a ações de caridade, as quais dizia que daria continuidade.
Com efeito, os próprios familiares de Mário, com o passar do tempo reconheceram o valor da moça.
Seus pais diziam que Maria Rosa era uma jovem de valor.
Ao descobrirem que a moça se sustentava e que possuía um pecúlio em seu nome, herança de sua suposta mãe Carina, o casal percebeu que não se tratava de uma interesseira.
Como Mário também trabalhasse e tivesse seu próprio patrimônio, Dona Alaíde e Seu Antenor não tiveram como se opor ao casamento.
O jovem mancebo, empregando dinheiro de seu pai, investiu certa quantia, em uma fábrica de porcelanas.
Como o rapaz tivesse talento e tino comercial, a empreitada prosperou, e o moço se tornou proprietário da fábrica, ampliando-a.
E assim, quando se enamorou da jovem, possuía patrimônio próprio. Quais sejam: dois palacetes na capital, a fábrica, e uma fazenda no interior da província.
Percebendo que não poderiam controlar o filho ameaçando-o deserdá-lo, Antenor decidiu não mais fazer oposição direta ao relacionamento.
Aceitou o casamento do filho.
Maria Rosa era a princesa do coração de Mário.
O casamento, conforme já mencionado, foi uma festa de raro esplendor.
Muita música tocada por uma orquestra devidamente contratada para a celebração. Muitas valsas.
Em dado momento, a noiva, envolta em seu vestido branco, sentou-se diante de um piano e começou a tocar algumas músicas, modinhas, para deleite dos convivas.
Foi uma surpresa geral, afinal de contas, nem mesmo Mário conhecia os pendores musicais da moça.
Maria Rosa teve ímpetos de contar que desenvolvera tal talento, instigada por sua saudosa mãe, a inesquecível Carina. Mas ciente do poder que tais palavras teriam, resolveu se calar, demostrando apenas um sorriso.
A moça valsou ao lado do então marido.
Durante a cerimônia, diante de Padre Josias, prometeu fidelidade.
Roberto e Tereza parabenizaram a moça.
Segredaram-lhe no ouvido que Carina devia estar muito feliz.
Maria Rosa emocionou-se com o comentário.
Tanto que precisou pedir licença ao então marido, para se dirigir ao toalete.
Lá, sentada em uma cadeira confortável, começou a lacrimar.
Recordou-se dos poucos momentos em que pode desfrutar de alguma convivência com sua mãe.
Carina, engravidara de um de seus inúmeros clientes, para desespero de Leonor, que sempre lhe recomendara cuidado, quanto ao risco de engravidar.
Ainda assim, a moça, ao se descobrir grávida, a despeito dos conselhos de Madame Leonor e de Violeta, para que abortasse, decidiu levar a gravidez adiante.
Chegou até a se encaminhar a casa de uma mulher, denominada Lucrécia, com vistas a realização do fatídico ato, mas arrependida, desistiu em meio a muitas lágrimas.
Desculpando-se com Madame Leonor, disse que não poderia cometer tamanho crime contra a vida.
A mulher, percebendo o desespero da moça, conduziu-a de volta ao castelo.
Violeta estava inconformada.
Leonor então, pedindo para ficar a sós com Carina, encaminhou-a para uma sala reservada.
Aborrecida, comentou que aquela gravidez poderia atrapalhar sua vida, e que ela ainda não reunia condições de se manter sozinha, nem tampouco de sustentar uma criança.
Chorando, Carina pediu, implorou para que a mulher não a obrigasse a cometer tal pecado.
Disse que tinha consciência de que tão cedo não poderia abandonar aquela vida, mas que ainda assim, não poderia ceifar uma vida que não havia pedido para nascer.
E assim, Leonor, condoída com o desespero da jovem, acabou auxiliando-a.
Violeta ao tomar conhecimento de que Carina ficaria algumas meses afastada da casa, ficou furiosa. Enciumada, comentou que nenhuma das meninas teve direito a este privilégio.
Foi o bastante para a mulher puxá-la pelo braço e dizer-lhe que estava se excedendo. Argumentou que tratava-se de uma situação excepcional, e que para situações como aquela, as regras seriam outras.
Violeta ao ouvir isto, comentou que ela estava abrindo um precedente muito grave, estimulando que as outras moças a fazerem o mesmo.
Ao ouvir isto, Madame Leonor respondeu:
- Mas isto é que não! Isto é uma casa de tolerância não um educandário, tampouco a Roda da Santa Casa.
Violeta sorriu, irônica.
Com isto, Carina foi levada para a fazenda de um amigo da mulher.
Por lá ficou durante alguns meses.
Durante sua estada na fazenda, a moça passeou de charrete, caminhou por entre as plantações de café. Sempre acompanhada pelo dono da propriedade que lhe contava causos divertidos.
A moça deu a luz uma criança, a qual dedicou o nome de Maria Rosa.
Leonor, sempre dedicada a moça, acompanhou-a durante o parto, realizado com a ajuda de uma parteira da região.
Curiosa, depois da criança ser limpa e de Carina se recompor do parto, a mulher perguntou-lhe o porquê do nome.
Carina respondeu:
- Era o nome de minha falecida mãe.
Neste momento, Madame Leonor perguntou-lhe se ainda tinha mágoa de seus tios.
Carina respondeu então, e que diante da situação que estava vivenciando, sentia-se capaz de entender um pouco o gesto dos tios, os quais não reuniam condições financeiras para cuidar dela.
Pensando um pouco, Carina respondeu que sim, já tivera muita mágoa deles, mas, ciente de que deveria proceder de forma parecida com sua filha, comentou que sim, os entendia um pouco.
Com isto, a jovem passou a cuidar da filha.
A brincar com ela, a embalá-la para dormir.
Conforme os dias se passavam, mais apegada ficava a filha.
Leonor, ao se aperceber disto, ficou preocupada.
Tanto que por diversas vezes conversou com a moça, dizendo-lhe que sua profissão era incompatível com as funções de mãe.
Isto era o bastante para que Carina se debulhasse em lágrimas.
Com ar comovido, a jovem cortesã, acabou por convencer a mulher a não entregar a criança para adoção.
E assim, a menina foi criada na fazenda, onde era esporadicamente visitada por Carina.
No castelo, poucos sabiam da gravidez de Carina, e assim, a existência de Maria Rosa, foi mantida em segredo.
Somente Violeta sabia da gravidez de Carina.
Não sabia porém, do paradeiro da criança, embora desconfiasse, em razão dos sumiços de Carina, que esta iria se encontrar com a criança.
Era o bastante para se desentender com Madame Leonor, por achar que ela protegia demais a moça.
Violeta no entanto, era pessoa de confiança de Leonor, a qual, sempre que precisava ausentar-se, ficava a cuidar da casa.
Em dado momento chegou a dizer que quando faltasse, o castelo ficaria em boas mãos.
Ao ouvir isto, Violeta se emocionou. Chorando, chegou a agradecer a confiança.
Madame Leonor respondeu-lhe então que às vezes era dura com ela, por sabê-la suficientemente forte para agüentar os trancos que a vida tantas vezes lhe dera. Disse-lhe que era uma mulher de fibra, em que pese ser um pouco dura demais, para com as pessoas que faziam parte de sua vida.
Violeta ao ouvir tais comentários, tentou retrucar, no que foi impedida por Leonor, que respondeu-lhe que não estava lhe criticando, apenas lhe dando um conselho.
Disse-lhe que para substituí-la na direção da casa, deveria agir com docilidade.
Ressaltou que em sua longa vida de cortesã, conseguiu obter mais coisas com doçura que com azedume. Argumentava que o vinagre afasta as abelhas, ao passo que o mel as atraí.
E assim, de vez em quando, Carina se ausentava.
Ia visitar a pequena Maria Rosa.
Visitando-a, ouvi-a chamar-lhe de mãe, ajudava-a a andar.
Viu a criança engatinhar.
Carina lamentava não poder acompanhar todos os passos da filha.
Contudo, ao sabê-la bem cuidada, se acalmou.
A menina teve uma educação esmerada.
A própria Carina ensinou Maria Rosa a dedilhar as teclas de um piano de cauda existente na fazenda.
A criança adorava o jeito misterioso da mulher, que adorava se abanar com um bonito leque, e estava sempre tão bem arrumada e composta.
Dizia que ela parecia uma sinhazinha.
Seu Eustáquio – o dono da fazenda – achava graça.
Cumpre destacar que nesta época, a menina acreditava que era filha do ilustre fazendeiro e de sua falecida esposa, a qual concordara em manter o segredo quando Carina surgiu grávida na fazenda.
Somente quando Carina se despediu daquela vida desregrada, é que ela confessou a menina que ela era sua mãe.
Foi o bastante para Maria Rosa, chocada, recusar-se a receber visitas da mulher.
A criança chamava-lhe de mentirosa.
Argumentava que sua mãe se chamava Ana Carolina, e que ela não devia dizer mentiras.
Carina ficou magoada com a atitude da filha, mas compreendeu-a.
Enquanto isto, passou a viver uma vida casta e discreta. Angariou a simpatia e confiança de todos.
Meses antes de Carina ser morta, Maria Rosa estava se entendendo com a mulher.
Já havia aceitado-a como mãe.
Mas as circunstâncias não permitiram que elas passassem a viver juntas em outra cidade.
Isto por que, quando Carina passou a fazer planos neste sentido, foi assassinada, interrompendo peremptoriamente uma relação que estava apenas começando.
Com efeito, em que pese a morte da mãe, a menina permaneceu na fazenda.
Carina tinha perfeita consciência de que Eustáquio continuaria cuidando de sua filha, como sempre fizera.
E assim, Maria Rosa freqüentou um colégio interno na capital da província.
Mais tarde retornaria ao local, para se anunciar como filha da famosa cortesã, e causar comoção na cidade.
Desejava ardentemente ser aceita.
Para tanto, não poderia esconder a verdade, ou revelar apenas meia verdade.
Tal fato encantou Mário.
O moço dizia que nunca havia visto uma pessoa tão honesta e sincera. Argumentava que nunca conhecera ninguém parecido com ela, nem mesmo homem.
Mas voltando a festa, depois de chorar e se recordar emocionada de sua vida, Maria Rosa enxugou as lágrimas e recompondo-se, retornou ao salão.
Sorrindo, cumprimentou os convidados.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.