No entanto, apesar de toda a felicidade que sentia por ter realizado um grande sonho, Marilu, desde que chegara notou que Laura a estava evitando.
Muito embora nunca tivessem tido um bom relacionamento, Maria Lúcia sempre gostou da irmã. Mas Laura, irascível, mal conseguia olhar para ela. Sentia muita raiva de Marilu.
Isso por que sempre achou que irmã tinha melhores oportunidades que ela.
Embora seus pais, tenham sempre lhe explicado que a viagem de Marilu não era um passeio, Laura nunca quis entender. Sentindo-se deixada de lado, ficou morrendo de raiva da irmã, ao saber que ela ficaria por mais de um ano longe de casa.
Isso por que, segundo ela, era ela quem deveria ter viajado e não Marilu.
Por essas e por outras, Marilu, mesmo sentindo que seria repelida pela irmã, resolveu ir atrás dela e conversar.
Mas, antes disso, Marilu foi advertida pela mãe, que Laura havia aprontado muito durante o tempo em que ela esteve fora. Ao contrário do que se imaginava, Laura foi vista em meio a uma multidão de jovens marginais – nas palavras de Rose –, assistindo um racha.
Ao ouvir isso, Marilu ficou horrorizada. Afinal Laura sempre fora rebelde, mas chegar ao ponto de colocar a própria vida em risco... Isso realmente era algo que ela nunca imaginaria que sua irmã fosse capaz de fazer.
A despeito disso, Rose comentou com Maria Lúcia, que estava tomando todas as providências necessárias para que esse tipo de comportamento de Laura não se repetisse.
Nesse momento então, teve que contar a filha mais velha, que Laura estava de castigo desde o malfadado acontecimento. Assim, a garota só podia sair de seu quarto para ir a escola e fazer suas refeições. Até segunda ordem, nem mesmo a televisão ela podia assistir.
Por isso mesmo, ao comentar sobre a gravidade da situação com Marilu, Rose aconselhou-a a não procurar a irmã para conversar. Do jeito que a garota estava, segundo Rose, Marilu estava sujeita mais a ouvir grosserias do que qualquer outra coisa.
Mas, Marilu insistiu com a mãe. Queria por queria conversar com a irmã. Queria entender, por que ela nem ao menos lhe dirigira uma palavra desde que chegou.
Assim, mesmo ante os protestos de sua mãe, Marilu subiu e foi até o quarto da irmã.
Ao entrar, percebeu que a mesma estava deitada sobre a cama, de costas para ela.
Por isso, assim que ouviu o barulho da porta se abrindo, disse:
-- Vá embora. Eu não quero falar com ninguém.
Nisso, Marilu, já entrando no quarto da irmã, respondeu:
-- Mas sou eu.
Laura, ao ouvir a voz da irmã, voltou-se para ela e perguntou:
-- O que é que você veio fazer aqui?
-- Vim só ver como você está. – respondeu com calma.
-- Pois então já viu. Pode voltar. – disse Laura, secamente.
-- O que está acontecendo, heim, Laura?
-- Ah, você não sabe? Curioso!
-- Por que? Eu deveria saber?
-- Quanto cinismo. Como se você não soubesse o que está acontecendo. Não é mesmo? Aposto que Seu Paulo e Dona Rose já contaram direitinho o que está acontecendo. Não é mesmo?
-- Laura. Por que toda essa agressividade? Que mal eu te fiz?
-- O mal de ter nascido. – respondeu ela, agressivamente.
-- Espere um momento. Eu sou a mais velha. Portanto, quem deveria estar incomodada com sua presença, deveria ser eu e não o contrário.
-- Eu sei. Você também me odeia. – respondeu Laura, sentida.
-- Não. Eu não te odeio. Nunca te odiei. Nem mesmo quando você me tira do sério e me dá grandes razões para isso. Não eu não te odeio. Muito pelo contrário. Eu te adoro.
-- Se me adora tanto assim. Por que nunca me defende quando papai briga comigo?
-- Por que eu não tenho que me envolver nas brigas de vocês.
-- Ah, sim. Está certo. Principalmente quando ele me compara a você, você não pode dizer a ele que eu não tenho obrigação nenhuma de ser igualzinha a filhinha do coração. Não é?
-- Calma aí. Quer dizer então, que você está magoada comigo por que você e papai brigaram mais uma vez?
-- Mais uma vez. Mais uma vez – repetia Laura, com rancor. – Mais uma vez, nada. Foram várias brigas. E quer saber por que? Por que ele sempre preferiu você. Você é a mais gentil, a mais educada, a mais dedicada, a mais estudiosa, a mais amorosa, a mais querida ... Enfim, você é o sonho de filha de qualquer pai e mãe. Eu por outro lado, sou o extremo oposto de tudo isso. Sou estúpida, mal-educada, grosseira, desagradável, nojenta ... Heim? O que mais eu sou, heim Marilu?
-- Você não é nada disso. Você é uma garota inteligente. Um tanto quanto mimada, mas não é nenhuma estúpida.
-- Ah, sim! Muito obrigada. – respondeu irônica – Mas, por que será que até os seus elogios parecem bofetadas para mim? Será que é por que eu sei que são falsos?
-- Escute aqui, Laura. Eu nunca fui cínica ou falsa com você. Aliás, muito pelo contrário. Você é que sempre foi injusta comigo. – disse Marilu, já perdendo a paciência.
-- Injusta. Quando é que alguém aqui foi justo comigo?
-- Isso não é verdade Laura. Todo mundo aqui em casa te trata muito bem, até os empregados.
-- É claro. Eu me esqueci. Desculpe. Sempre vai haver uma desculpa para vocês se sentirem menos culpados por fazerem o que fazem comigo. Você está vendo minha situação? Eu estou trancada aqui, por que até mesmo minha mãe resolveu que eu merecia um castigo.
-- E não merecia? – perguntou Marilu.
-- Sinceramente, eu não esperava que você fosse me tratar desse jeito. Até mesmo você, que diz gostar de mim, resolveu me agredir. Se você gostasse tanto assim de mim, não teria me prejudicado tanto.
-- E quando foi que eu te prejudiquei? – perguntou Marilu espantada.
-- Quando por exemplo, você resolve ficar com as melhores coisas, e não deixa espaço para mim. Marilu, você ficou por mais de um ano viajando e se divertindo pela Europa, enquanto eu tive que agüentar todas as comparações e cobranças dos nossos pais, que exigiam tudo o que você dava a eles, de mim.
-- Se você queria viajar pela Europa, por que não pediu a eles, que viajassem nas férias para lá? Dessa forma, a gente poderia até viajar juntas.
-- E você acha que eu não pedi? Mas como sempre, como era um simples desejo de Laura, foi adiado. Se for você pra você, eles mais do que depressa, dariam um jeito para que você viajasse. Afinal, um sonho de Maria Lúcia, é muito mais importante, do que um sonho meu.
-- E por que você não falou que era um sonho seu? Por que não tentou conversar com nosso pai sobre isso? Mesmo mamãe, se ela soubesse que isso era tão importante pra você, aposto que ela teria conseguido convencê-lo.
-- Como se eu não tivesse tentado.
-- Sim, talvez você tenha tentado. Mas já pensou se fez da maneira certa? Afinal, você sabe muito bem, o quanto foi difícil para mim, convencer papai de que estudar por um ano na Inglaterra era muito importante.
-- Mas também, com a ajuda de mamãe, não havia como você não conseguir. Realmente, meus parabéns, mais uma vez, uma estratégia perfeita!
-- Sabe Laura, o que parece tudo isso? Parece que tudo não passa de uma competição para se saber quem pode mais. Desde criança, sempre foi assim, eu ganhava uma boneca, você então queria eu lhe desse essa boneca. Aí, por você ser a caçula, eu sempre tinha que ceder. Depois, quando os nossos pais decidiam me dar um presente melhor, aí você queria também. Ou seja, é sempre muito difícil te agradar. Primeiro: você não sabe o que quer. Segundo: você só quer espicaçar os outros. Com toda a sinceridade, eu acho que você nunca quis viajar pela Europa. O que você queria era chamar a atenção dos nossos pais, para que eles fizessem o que você achava que queria. Que era, viajar pela Europa, no meu lugar. Só tem um porém. Você nunca foi muito afeita aos estudos. Por isso eu lhe digo, se você fosse para lá, em menos de uma semana, voltaria correndo para casa. Ora Laura, se você não consegue conviver nem com suas colegas de escola, vai conseguir conviver com estrangeiros, algumas vezes mais cruéis e arrogantes?
-- Então quer dizer que você sofreu muito na Europa? – perguntou Laura, irônica.
-- Não, por que lá eu tive a sorte de conhecer pessoas maravilhosas. Mas, nem sempre é assim.
-- E segundo você, eu não conseguiria fazer amigos por lá?
-- Se realmente quisesse, conseguiria. Mas esse não é o ponto. Eu não duvido da sua capacidade de fazer amizades. A questão é: Realmente era isso que você queria, ou era só vontade de chamar a atenção? Tem mais um detalhe, se aqui no Brasil, você sofre com os estudos, lá na Inglaterra, as coisas iriam piorar um pouco. Isso por que, só pra começar, você não fala inglês.
-- Isso não me impede de aprender. E aprender a falar tão bem, que mais pareceria uma inglesa falando. Melhor do que você.
Ao ouvir isso, Marilu não pode conter o riso.
-- Está rindo de que? Duvida?
-- Não. Eu não duvido. Eu só acho que não é isso que você quer.
-- E segundo o seu entendimento, eu sou uma inútil que não serve pra nada. Não é isso?
-- É claro que não. Você é uma garota incrível. Você é esperta, viva, animada, agitada. O que te falta é um pouco de juízo e menos egoísmo. Não fossem essas duas coisas, você teria todas as qualidades que se esperam das pessoas.
-- De pessoas como você. Não é isso?
-- Mas é claro que não. As pessoas são diferentes. Você não tem que ser igual a mim.
-- Alvissaras! Eu pensei que para ser uma boa pessoa, eu teria que ser uma cópia sua.
-- Alvissaras. Então você conhece esta palavra?
-- Sim, eu conheço. Ao contrário do que você pensa, eu não sou nenhuma ignorante. E sei muito mais do que isso.
-- Que bom! Isso prova que você é uma pessoa de valor.
-- De valor. E de que me adianta todo esse valor, se ninguém percebe isso? Eu já não agüento mais tentar agradar as pessoas e não ter o reconhecimento disso.
-- Pois se você continuar assim, logo logo as pessoas irão perceber.
-- Por que as pessoas iriam se importar com uma pessoa sem valor como eu?
Ao ouvir isso, Marilu ficou espantada. Como pode ela se referir a si mesma, de uma maneira tão depreciativa? Por isso, tomando cuidado com as palavras, ela respondeu assim:
-- Nunca mais repita uma coisa dessas. Você é uma garota de muito valor, sim. Eu vou dizer só uma vez, mas eu quero que você nunca mais se esqueça do que eu vou te dizer agora. Você é muito inteligente, o que te mata é a preguiça. Se você se dedicasse mais aquilo que deseja, fatalmente acabaria conseguindo o que quer.
-- Bobagem.
-- Bobagem nada. Eu estou falando a verdade.
-- Mentira. Você só está falando isso para posar de boa samaritana. Pare com isso, eu não gosto que brinquem comigo. – respondeu agressiva.
-- Por que? As pessoas tem brincado com você?
-- Isso não é de sua conta. – disse ela. – Realmente, vai ser sempre assim. Você reunindo todas as qualidades de uma filha dileta, e eu vou ficar sempre com as suas sobras. Até quando você me elogia, tem um senão.
-- Sabe por que? Por que você trata muito mal as pessoas.
-- E as pessoas gostam mais de você ... – disse ela, quase chorando.
-- Laura. Isso não é verdade. Você sabe muito bem, quem é que afasta as pessoas. E eu não entendo por que.
-- Mas eu entendo. Afinal, quem é que vai querer ficar longe de uma pessoa tão maravilhosa quanto você? De tão perfeita que é, parece que um anjo que foi trazido do céu. – comentou Laura, irônica, e emendou. – De tão linda, com esses cabelos bonitos que você tem, que mais parece que saiu de uma revista, você parece uma princesa. E eu, mais pareço uma bruxa. Até nisso você é injusta comigo. Quem mandou você ser tão bonita? Por que você até nisso, tem que ser melhor que eu?
-- E quem disse que você não é bonita? Tem cabelos castanhos. Lindos também. Podem não ser negros e lisos como os meus, mas são bonitos também. Esses cachos são encantadores. São tão lindos que parecem feitos de seda.
-- É ... e para ajudar, você tem os olhos negros, mais misteriosos que eu já vi. – falou Laura, visivelmente aborrecida.
-- Ah, é mesmo? Pois eu te digo que você tem olhos amendoados tão lindos que mais parecem um lago repleto de mel. Aposto, que você fosse um pouquinho menos rude com os garotos, provavelmente algum deles já teria tentado mergulhar nestes lagos.
-- E por que mergulhar num lago de mel, se eles podem ter a noite dentro dos olhos da namorada?
-- Não sei. Talvez por que eles tenham vontade de um pouco de doçura. – respondeu ela rindo.
Laura a perceber o riso, acreditando que Maria Lúcia estava ali para humilhá-la, respondeu:
-- Se pensa que pode vir aqui e rir de mim, está muito enganada ...
Prontamente, Maria Lúcia interrompeu a irmão, dizendo-lhe:
-- Me desculpe a brincadeira. Não foi minha intenção rir de você. Muito pelo contrário, eu realmente acho que você tem muitas qualidades. Além disso, um pouco de picardia, não faz mal a ninguém.
-- Você acha?
-- Acho sim. Vê se pensa um pouco no eu te falei. Afinal, eu não estou aqui para brigar.
Nisso, Rose bateu na porta perguntando se estava tudo bem.
Ao ouvir como resposta que tudo transcorria bem, aquietou-se e avisou as duas para não se atrasarem, já que em breve, o jantar estaria na mesa.
Com isso, as duas encerraram a conversa.
Mas não sem antes Laura pedir a irmã, que convencesse a mãe a liberá-la do castigo. Afinal, já estava cansada de ficar tanto tempo trancafiada em seu quarto.
Como resposta, Maria Lúcia prometeu, diante da insistência da irmã, em tentar convencer Rose, a liberá-la do castigo.
Com isso, as duas foram juntas jantar.
Muito embora nunca tivessem tido um bom relacionamento, Maria Lúcia sempre gostou da irmã. Mas Laura, irascível, mal conseguia olhar para ela. Sentia muita raiva de Marilu.
Isso por que sempre achou que irmã tinha melhores oportunidades que ela.
Embora seus pais, tenham sempre lhe explicado que a viagem de Marilu não era um passeio, Laura nunca quis entender. Sentindo-se deixada de lado, ficou morrendo de raiva da irmã, ao saber que ela ficaria por mais de um ano longe de casa.
Isso por que, segundo ela, era ela quem deveria ter viajado e não Marilu.
Por essas e por outras, Marilu, mesmo sentindo que seria repelida pela irmã, resolveu ir atrás dela e conversar.
Mas, antes disso, Marilu foi advertida pela mãe, que Laura havia aprontado muito durante o tempo em que ela esteve fora. Ao contrário do que se imaginava, Laura foi vista em meio a uma multidão de jovens marginais – nas palavras de Rose –, assistindo um racha.
Ao ouvir isso, Marilu ficou horrorizada. Afinal Laura sempre fora rebelde, mas chegar ao ponto de colocar a própria vida em risco... Isso realmente era algo que ela nunca imaginaria que sua irmã fosse capaz de fazer.
A despeito disso, Rose comentou com Maria Lúcia, que estava tomando todas as providências necessárias para que esse tipo de comportamento de Laura não se repetisse.
Nesse momento então, teve que contar a filha mais velha, que Laura estava de castigo desde o malfadado acontecimento. Assim, a garota só podia sair de seu quarto para ir a escola e fazer suas refeições. Até segunda ordem, nem mesmo a televisão ela podia assistir.
Por isso mesmo, ao comentar sobre a gravidade da situação com Marilu, Rose aconselhou-a a não procurar a irmã para conversar. Do jeito que a garota estava, segundo Rose, Marilu estava sujeita mais a ouvir grosserias do que qualquer outra coisa.
Mas, Marilu insistiu com a mãe. Queria por queria conversar com a irmã. Queria entender, por que ela nem ao menos lhe dirigira uma palavra desde que chegou.
Assim, mesmo ante os protestos de sua mãe, Marilu subiu e foi até o quarto da irmã.
Ao entrar, percebeu que a mesma estava deitada sobre a cama, de costas para ela.
Por isso, assim que ouviu o barulho da porta se abrindo, disse:
-- Vá embora. Eu não quero falar com ninguém.
Nisso, Marilu, já entrando no quarto da irmã, respondeu:
-- Mas sou eu.
Laura, ao ouvir a voz da irmã, voltou-se para ela e perguntou:
-- O que é que você veio fazer aqui?
-- Vim só ver como você está. – respondeu com calma.
-- Pois então já viu. Pode voltar. – disse Laura, secamente.
-- O que está acontecendo, heim, Laura?
-- Ah, você não sabe? Curioso!
-- Por que? Eu deveria saber?
-- Quanto cinismo. Como se você não soubesse o que está acontecendo. Não é mesmo? Aposto que Seu Paulo e Dona Rose já contaram direitinho o que está acontecendo. Não é mesmo?
-- Laura. Por que toda essa agressividade? Que mal eu te fiz?
-- O mal de ter nascido. – respondeu ela, agressivamente.
-- Espere um momento. Eu sou a mais velha. Portanto, quem deveria estar incomodada com sua presença, deveria ser eu e não o contrário.
-- Eu sei. Você também me odeia. – respondeu Laura, sentida.
-- Não. Eu não te odeio. Nunca te odiei. Nem mesmo quando você me tira do sério e me dá grandes razões para isso. Não eu não te odeio. Muito pelo contrário. Eu te adoro.
-- Se me adora tanto assim. Por que nunca me defende quando papai briga comigo?
-- Por que eu não tenho que me envolver nas brigas de vocês.
-- Ah, sim. Está certo. Principalmente quando ele me compara a você, você não pode dizer a ele que eu não tenho obrigação nenhuma de ser igualzinha a filhinha do coração. Não é?
-- Calma aí. Quer dizer então, que você está magoada comigo por que você e papai brigaram mais uma vez?
-- Mais uma vez. Mais uma vez – repetia Laura, com rancor. – Mais uma vez, nada. Foram várias brigas. E quer saber por que? Por que ele sempre preferiu você. Você é a mais gentil, a mais educada, a mais dedicada, a mais estudiosa, a mais amorosa, a mais querida ... Enfim, você é o sonho de filha de qualquer pai e mãe. Eu por outro lado, sou o extremo oposto de tudo isso. Sou estúpida, mal-educada, grosseira, desagradável, nojenta ... Heim? O que mais eu sou, heim Marilu?
-- Você não é nada disso. Você é uma garota inteligente. Um tanto quanto mimada, mas não é nenhuma estúpida.
-- Ah, sim! Muito obrigada. – respondeu irônica – Mas, por que será que até os seus elogios parecem bofetadas para mim? Será que é por que eu sei que são falsos?
-- Escute aqui, Laura. Eu nunca fui cínica ou falsa com você. Aliás, muito pelo contrário. Você é que sempre foi injusta comigo. – disse Marilu, já perdendo a paciência.
-- Injusta. Quando é que alguém aqui foi justo comigo?
-- Isso não é verdade Laura. Todo mundo aqui em casa te trata muito bem, até os empregados.
-- É claro. Eu me esqueci. Desculpe. Sempre vai haver uma desculpa para vocês se sentirem menos culpados por fazerem o que fazem comigo. Você está vendo minha situação? Eu estou trancada aqui, por que até mesmo minha mãe resolveu que eu merecia um castigo.
-- E não merecia? – perguntou Marilu.
-- Sinceramente, eu não esperava que você fosse me tratar desse jeito. Até mesmo você, que diz gostar de mim, resolveu me agredir. Se você gostasse tanto assim de mim, não teria me prejudicado tanto.
-- E quando foi que eu te prejudiquei? – perguntou Marilu espantada.
-- Quando por exemplo, você resolve ficar com as melhores coisas, e não deixa espaço para mim. Marilu, você ficou por mais de um ano viajando e se divertindo pela Europa, enquanto eu tive que agüentar todas as comparações e cobranças dos nossos pais, que exigiam tudo o que você dava a eles, de mim.
-- Se você queria viajar pela Europa, por que não pediu a eles, que viajassem nas férias para lá? Dessa forma, a gente poderia até viajar juntas.
-- E você acha que eu não pedi? Mas como sempre, como era um simples desejo de Laura, foi adiado. Se for você pra você, eles mais do que depressa, dariam um jeito para que você viajasse. Afinal, um sonho de Maria Lúcia, é muito mais importante, do que um sonho meu.
-- E por que você não falou que era um sonho seu? Por que não tentou conversar com nosso pai sobre isso? Mesmo mamãe, se ela soubesse que isso era tão importante pra você, aposto que ela teria conseguido convencê-lo.
-- Como se eu não tivesse tentado.
-- Sim, talvez você tenha tentado. Mas já pensou se fez da maneira certa? Afinal, você sabe muito bem, o quanto foi difícil para mim, convencer papai de que estudar por um ano na Inglaterra era muito importante.
-- Mas também, com a ajuda de mamãe, não havia como você não conseguir. Realmente, meus parabéns, mais uma vez, uma estratégia perfeita!
-- Sabe Laura, o que parece tudo isso? Parece que tudo não passa de uma competição para se saber quem pode mais. Desde criança, sempre foi assim, eu ganhava uma boneca, você então queria eu lhe desse essa boneca. Aí, por você ser a caçula, eu sempre tinha que ceder. Depois, quando os nossos pais decidiam me dar um presente melhor, aí você queria também. Ou seja, é sempre muito difícil te agradar. Primeiro: você não sabe o que quer. Segundo: você só quer espicaçar os outros. Com toda a sinceridade, eu acho que você nunca quis viajar pela Europa. O que você queria era chamar a atenção dos nossos pais, para que eles fizessem o que você achava que queria. Que era, viajar pela Europa, no meu lugar. Só tem um porém. Você nunca foi muito afeita aos estudos. Por isso eu lhe digo, se você fosse para lá, em menos de uma semana, voltaria correndo para casa. Ora Laura, se você não consegue conviver nem com suas colegas de escola, vai conseguir conviver com estrangeiros, algumas vezes mais cruéis e arrogantes?
-- Então quer dizer que você sofreu muito na Europa? – perguntou Laura, irônica.
-- Não, por que lá eu tive a sorte de conhecer pessoas maravilhosas. Mas, nem sempre é assim.
-- E segundo você, eu não conseguiria fazer amigos por lá?
-- Se realmente quisesse, conseguiria. Mas esse não é o ponto. Eu não duvido da sua capacidade de fazer amizades. A questão é: Realmente era isso que você queria, ou era só vontade de chamar a atenção? Tem mais um detalhe, se aqui no Brasil, você sofre com os estudos, lá na Inglaterra, as coisas iriam piorar um pouco. Isso por que, só pra começar, você não fala inglês.
-- Isso não me impede de aprender. E aprender a falar tão bem, que mais pareceria uma inglesa falando. Melhor do que você.
Ao ouvir isso, Marilu não pode conter o riso.
-- Está rindo de que? Duvida?
-- Não. Eu não duvido. Eu só acho que não é isso que você quer.
-- E segundo o seu entendimento, eu sou uma inútil que não serve pra nada. Não é isso?
-- É claro que não. Você é uma garota incrível. Você é esperta, viva, animada, agitada. O que te falta é um pouco de juízo e menos egoísmo. Não fossem essas duas coisas, você teria todas as qualidades que se esperam das pessoas.
-- De pessoas como você. Não é isso?
-- Mas é claro que não. As pessoas são diferentes. Você não tem que ser igual a mim.
-- Alvissaras! Eu pensei que para ser uma boa pessoa, eu teria que ser uma cópia sua.
-- Alvissaras. Então você conhece esta palavra?
-- Sim, eu conheço. Ao contrário do que você pensa, eu não sou nenhuma ignorante. E sei muito mais do que isso.
-- Que bom! Isso prova que você é uma pessoa de valor.
-- De valor. E de que me adianta todo esse valor, se ninguém percebe isso? Eu já não agüento mais tentar agradar as pessoas e não ter o reconhecimento disso.
-- Pois se você continuar assim, logo logo as pessoas irão perceber.
-- Por que as pessoas iriam se importar com uma pessoa sem valor como eu?
Ao ouvir isso, Marilu ficou espantada. Como pode ela se referir a si mesma, de uma maneira tão depreciativa? Por isso, tomando cuidado com as palavras, ela respondeu assim:
-- Nunca mais repita uma coisa dessas. Você é uma garota de muito valor, sim. Eu vou dizer só uma vez, mas eu quero que você nunca mais se esqueça do que eu vou te dizer agora. Você é muito inteligente, o que te mata é a preguiça. Se você se dedicasse mais aquilo que deseja, fatalmente acabaria conseguindo o que quer.
-- Bobagem.
-- Bobagem nada. Eu estou falando a verdade.
-- Mentira. Você só está falando isso para posar de boa samaritana. Pare com isso, eu não gosto que brinquem comigo. – respondeu agressiva.
-- Por que? As pessoas tem brincado com você?
-- Isso não é de sua conta. – disse ela. – Realmente, vai ser sempre assim. Você reunindo todas as qualidades de uma filha dileta, e eu vou ficar sempre com as suas sobras. Até quando você me elogia, tem um senão.
-- Sabe por que? Por que você trata muito mal as pessoas.
-- E as pessoas gostam mais de você ... – disse ela, quase chorando.
-- Laura. Isso não é verdade. Você sabe muito bem, quem é que afasta as pessoas. E eu não entendo por que.
-- Mas eu entendo. Afinal, quem é que vai querer ficar longe de uma pessoa tão maravilhosa quanto você? De tão perfeita que é, parece que um anjo que foi trazido do céu. – comentou Laura, irônica, e emendou. – De tão linda, com esses cabelos bonitos que você tem, que mais parece que saiu de uma revista, você parece uma princesa. E eu, mais pareço uma bruxa. Até nisso você é injusta comigo. Quem mandou você ser tão bonita? Por que você até nisso, tem que ser melhor que eu?
-- E quem disse que você não é bonita? Tem cabelos castanhos. Lindos também. Podem não ser negros e lisos como os meus, mas são bonitos também. Esses cachos são encantadores. São tão lindos que parecem feitos de seda.
-- É ... e para ajudar, você tem os olhos negros, mais misteriosos que eu já vi. – falou Laura, visivelmente aborrecida.
-- Ah, é mesmo? Pois eu te digo que você tem olhos amendoados tão lindos que mais parecem um lago repleto de mel. Aposto, que você fosse um pouquinho menos rude com os garotos, provavelmente algum deles já teria tentado mergulhar nestes lagos.
-- E por que mergulhar num lago de mel, se eles podem ter a noite dentro dos olhos da namorada?
-- Não sei. Talvez por que eles tenham vontade de um pouco de doçura. – respondeu ela rindo.
Laura a perceber o riso, acreditando que Maria Lúcia estava ali para humilhá-la, respondeu:
-- Se pensa que pode vir aqui e rir de mim, está muito enganada ...
Prontamente, Maria Lúcia interrompeu a irmão, dizendo-lhe:
-- Me desculpe a brincadeira. Não foi minha intenção rir de você. Muito pelo contrário, eu realmente acho que você tem muitas qualidades. Além disso, um pouco de picardia, não faz mal a ninguém.
-- Você acha?
-- Acho sim. Vê se pensa um pouco no eu te falei. Afinal, eu não estou aqui para brigar.
Nisso, Rose bateu na porta perguntando se estava tudo bem.
Ao ouvir como resposta que tudo transcorria bem, aquietou-se e avisou as duas para não se atrasarem, já que em breve, o jantar estaria na mesa.
Com isso, as duas encerraram a conversa.
Mas não sem antes Laura pedir a irmã, que convencesse a mãe a liberá-la do castigo. Afinal, já estava cansada de ficar tanto tempo trancafiada em seu quarto.
Como resposta, Maria Lúcia prometeu, diante da insistência da irmã, em tentar convencer Rose, a liberá-la do castigo.
Com isso, as duas foram juntas jantar.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
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