Poesias

terça-feira, 30 de março de 2021

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO XIV

O moço, melhor refeito da decepção que sofrera, passou a sair com mulheres.
Contudo, para preocupação de Fátima, o rapaz não se fixava em ninguém.
A mulher certa vez, durante o café da manhã, disse ao filho que ele estava em idade de se casar, e que ninguém era feliz sozinho.
Enquanto isto, Felipe mergulhava no trabalho.
Com o tempo, o moço optou pela criação de uma fábrica de roupas.
Felipe tinha tino comercial.
Epaminondas nunca se cansava de elogiar a habilidade do sobrinho-neto para os negócios.
O moço também não perdera o contato com os colegas de faculdade.
Conforme combinaram durante a formatura, todos os anos a turma se reunia em uma cantina, onde bebiam vinho, comiam uma massa e cantavam celebrando a alegria do reencontro.
Conversavam sobre o trabalho que executavam, os projetos, amenidades.
Muitos se reviam em fóruns e repartições públicas.
Felipe porém, sempre atarefado, quase sempre só os revia nos encontros anuais.
Com o tempo, casados, os moços passaram a mostrar fotos da família, dos filhos.
Um dia porém, saudoso dos colegas dos tempos de faculdade, Felipe combinou um encontro com os amigos mais próximos.
Neste encontro, se deparou com Leila, que conversava animadamente com alguns colegas.
Felipe, ao vê-la, cumprimentou-a.
A moça, ao reconhecê-lo, retribuiu o gesto.
Quando passava por uma das mesas, o moço acabou por esbarrar na jovem.
Imediatamente pediu-lhe desculpas.
Leila respondeu que não fora nada.
O rapaz então, tentando começar uma conversa, comentou:
- Dia bom para confraternizar, reunir os amigos, passear.
Leila concordou.
Disse que estava aproveitando o fechamento da loja para se reunir com seus colegas de trabalho e conversar um pouco.
Felipe sorriu, relatou que também estava acompanhado de amigos. Pessoas que não via há bastante tempo.
Leila sorriu.
Comentou que ás vezes faltava tempo para cuidar de tantas obrigações.
Felipe respondeu que estava em falta com seus amigos.
Leila comentou que também estava.
Argumentou que trabalhar e estudar não era nada fácil.
O moço ao ouvir isto, elogiou-a.
Contou que era raro conhecer pessoas que gostavam de estudar. Mencionou que a dificuldade de acesso ao ensino superior, também contribuía para tanto.
Leila, percebendo que o moço articulava bem as palavras, perguntou-lhe se estudava.
Nisto, o moço foi interrompido.
Eram seus colegas que o chamavam para novamente compor a mesa.
Um deles, já um tanto bêbado gritou instando a todos para um brinde.
Felipe, percebendo a exaltação do amigo, pediu desculpas a moça.
Disse que seus amigos o chamavam.
Leila entendeu.
Antes porém de se afastar, o moço lhe deixou um cartão das Empresas Oliveira.
Felipe pediu o seu número de telefone.
Leila respondeu que não tinha telefone.
Ao ouvir isto, o moço ficou um tanto desapontado.
Leila então, recordando-se do número de telefone de sua vizinha, passou-lhe o número.
Disse que poderia ligar.
Felipe agradeceu.
Com isto, a moça despediu-se do jovem gentil, e voltou a sua mesa.
Suas colegas, curiosas, perguntaram o que ela estava conversando com aquele rapaz simpático.
Leila sorrindo, respondeu que era apenas um conhecido.
- Sei! Sei! – disseram as moças, olhando-se cúmplices.
Felipe por outro turno, permaneceu por mais algum tempo no restaurante, ao lado dos amigos.
Leila e seus amigos por sua vez, depois de cerca de quarenta minutos, se retiraram.
Felipe, ao vê-la se levantando acenou para ela, que retribuiu o gesto.
No dia seguinte, em seu gabinete, o moço aproveitou para ligar para a vizinha de Leila.
Já passava das sete horas da noite.
Felipe havia passado o dia inteiro cogitando ligar para a moça. Mas ciente de que a mesma trabalhava, resolveu esperar o término do expediente comercial, para ligar.
Quem o atendeu foi um vizinho.
Felipe ficou um pouco sem graça, mas dizendo que precisava conversar com Leila, perguntou-lhe se não haveria incomodo em chamá-la.
O homem, um pouco aborrecido, respondeu que iria chamá-la.
Cerca de cinco minutos mais tarde, Leila atendeu.
Ao perceber que se tratava de Felipe, a moça sorriu.
Felipe, que não havia se apresentado, respondeu que era o moço que ela havia atendido outro dia, e no dia anterior, conversara com ela num restaurante.
Leila respondeu que se lembrava dele.
Ao ouvir isto, o moço respondeu que ficava aliviado por saber que não fora esquecido.
Em dado momento, percebendo que ainda não havia dito seu nome, respondeu que se chamava Felipe.
Leila então emendou, dizendo que ele trabalhava de motorista para as Empresas Oliveira.
O jovem, ao ouvir as palavras da moça, ficou perplexo.
Tentando desfazer o engano, comentou que sim, trabalhava na empresa, mas não exatamente como motorista.
Leila por sua vez, comentou que não era vergonha alguma trabalhar como motorista.
Felipe balbuciou algumas palavras, mas Leila não compreendeu o que ele queria dizer.
Constatando que a moça não acreditaria se ele dissesse ser o dono das empresas de tecido, resolveu se calar.
Com isto, combinou um encontro com a moça.
O casal então, se encontrou no Parque da Luz.
Caminhando juntos, conversaram sobre o encontro anterior.
Leila comentou que ultimamente, vinha realizando boas vendas.
Felipe por sua vez, comentou que trabalhava muito, mal tinha tempo para ele mesmo.
Curiosa, Leila perguntou se para trabalhar como motorista a dedicação era integral.
O moço, percebendo o engano da moça, e sem ter como desfazer o equívoco, comentou que qualquer trabalho em uma empresa, demanda dedicação, muita dedicação. Argumentou que sua atividade lhe ocupava quase todo o dia. Era um dos primeiros a entrar na empresa, e um dos últimos a sair.
Leila comentou que ele era um profissional muito dedicado.
Felipe respondeu que procurava realizar seu trabalho da melhor maneira.
Leila sorrindo, comentou que seus pais deviam ter muito orgulho dele.
Felipe respondeu que provavelmente sim.
Leila comentou que morava com seus pais, e que estava pensando em continuar os estudos, e em fazer um curso superior.
Felipe ficou surpreso com o interesse da moça.
Argumentou que normalmente as moças pensariam em um curso de datilografia, secretariado, freqüentariam o normal.
Leila respondeu que gostaria de ir um pouco adiante. Comentou que não lhe agradava a idéia de após se casar, viver como dona de casa. Contou que gostava de trabalhar.
Felipe sorriu.
Leila constrangida, perguntou-lhe se havia falado demais.
- Absolutamente! – respondeu o moço. – Mas suas palavras não são convencionais!
Leila respondeu que sua mãe não concordava com seu modo de pensar e que vivia a censurando por dizer estas coisas.
Segundo ela, sua mãe lhe dizia que assim, nunca arrumaria um bom partido, um bom marido.
Para ela uma tolice.
Felipe riu.
Comentou:
- Menina! Você é fogo na roupa!
Ao ouvir isto, Leila ficou um tanto tímida.
Comentou que apenas lutando pelo direito das mulheres de terem a vida que gostariam. De não dependerem dos homens para tudo.
Felipe de certa forma concordou. Disse que ela não estava de todo errada, mas que deveria tomar cuidado no modo como dizia o que pensava, ou correria o risco de ser mal interpretada.
Leila não compreendeu.
Felipe, tentando se fazer entender melhor, comentou que nem todos os homens, ou melhor, nem todas as pessoas, viam liberdade para as mulheres, com bons olhos. Argumentou que muitos aproveitadores poderiam entender algo totalmente diverso e passar a discriminá-la.
Leila não gostou do que ouviu.
Felipe, percebendo isto, pediu para que ela não o interrompesse. Mencionou que precisava concluir seu pensamento, e que depois a ouviria com toda a atenção.
Nisto, continuou a dizer, que ela poderia dizer o que pensava, sem dizer isto de um modo totalmente claro.
Mencionou que ela poderia dizer que gostaria de voltar a estudar, e até fazer um curso superior, se fosse preciso.
Leila ouviu as palavras do moço, com toda a atenção.
Em seguida respondeu que entendia o que ele quis dizer.
Sorrindo, comentou que às vezes se empolgava com seu próprio discurso, e acabava não medindo as palavras.
Felipe, ao ouvir isto, respondeu que com ele não havia problemas, poderia dizer tudo o que quisesse e do jeito que quisesse. Só pediu para que tivesse cuidado, ao dizer certas coisas para estranhos.
Leila, disse então, que ele era quase um estranho.
Felipe, incomodado com as palavras, respondeu:
- Então, deixe que eu me apresente novamente: Chamo-me Felipe, e gosto muito de garotas que sabem conduzir uma boa conversa.
A moça caiu na risada.
- Do que está rindo? – perguntou Felipe.
- De nada! – respondeu a moça. – Só achei engraçado o modo como você se apresentou.
Nisto, o casal continuou caminhando pelo parque, e conversando.
Em dado momento sentaram-se em um banco, e ficaram a observar os passantes.
Observaram os pássaros, as crianças correndo de um lado para outro.
Ao perceber um fotografo no jardim, Felipe pediu para que o homem tirasse uma foto deles.
Era uma câmera grande, de madeira, com tripé, e câmara. Quando a foto era batida, saia uma fumaça preta da máquina.
Quando o fotografo mostrou a foto ao casal, Felipe ofertou-a a moça.
Disse para que ela guardasse de recordação do passeio que fizeram.
Leila segurou a foto respondendo que a conservaria com todo o cuidado.
Por fim, despediram-se.
Antes, Felipe se prontificou a levá-la de volta para casa.
Leila declinou o oferecimento. Disse que voltaria para casa de bonde.
Felipe intrigado, perguntou-lhe quando lhe deixaria levá-la para casa.
Sorrindo, a moça se afastou e respondeu alto, que o faria, assim que fosse possível.
Com isto, a jovem encaminhou-se para fora do parque e caminhou pelas ruas da região da Luz.
Assim que passou num bonde, subiu no mesmo.
Felipe por sua vez, caminhou apressado até a saída do parque. Tentou descobrir para que lado a moça fora. Sem êxito.
Em seu trabalho, o moço se ocupava de muitas atividades. Na tecelagem, nas confecções, observava balancetes contábeis, participava de reuniões, atendia muitos telefonemas, assinava documentos, recebia correspondências. Além disso, auxiliava seu pai em seu comércio.
Tais tarefas ocupavam boa parte de seu tempo.
Ainda assim, o moço não parava de pensar na moça.
Com isto, quando o relógio sinalizou sete horas, Felipe telefonou novamente para a vizinha de Leila. Contudo, para sua decepção, a moça não estava.
De acordo com o vizinho mal humorado, Leila estava estudando.
Felipe por sua vez, agradeceu a informação. Pediu para que deixasse um recado para a moça, dizendo que ele havia procurado por ela.
O homem respondeu então, que assim que a visse, transmitiria o recado.
Felipe agradeceu e pediu desculpas pelo incômodo.
Leila mais tarde, ao tomar conhecimento do recado, tratou de contatar o moço.
Desculpando-se, argumentou que só tomara conhecimento do recado, dias depois do telefonema.
Curiosamente, uma secretaria atendeu o telefonema dizendo que transferiria a ligação para o senhor Felipe.
Leila achou estranho, tanta cerimônia.
Tanto que comentou o fato com o moço, que respondeu na empresa, todos o tratavam por senhor.
Leila perguntou se quem atendera a ligação fora uma secretaria.
O rapaz respondeu que sim.
Leila então, explicou a demora em retornar o contato.
Disse só ter encontrado o vizinho dias depois, vê se pode.
Felipe sorriu ao ouvir a voz da moça.
Leila perguntou se ele estava ocupado.
Felipe respondeu que não.
Neste momento, sua secretaria surgiu em sua sala.
O moço, ao perceber a aproximação, sinalizou que precisava ficar sozinho.
A mulher retirou-se então da sala.
Com isto, o jovem continuou a conversar com Leila.
Disse-lhe que estava aguardando um retorno.
Leila perguntou-lhe então, o que gostaria de lhe falar.
Felipe gaguejou. Disse que gostaria de convidá-la novamente para um passeio. Contudo, desta vez, a buscaria na porta de sua casa.
Leila tentou recusar o oferecimento, mas o rapaz insistiu.
Desta forma, só coube a moça dizer-lhe onde morava.
Com isto, o casal iria ao cinema.
Elegantemente trajados, foram assistir a uma chanchada.
Mais tarde, Felipe conversou com a secretaria.
Recomendou-lhe que sempre que atendesse as ligações de Leila, não lhe dissesse jamais, que ele era o dono da empresa. Mencionou que caso ela lhe perguntasse algo, dissesse que se tratava do motorista.
A secretaria, ao ouvir isto, ficou espantada.
Felipe explicou-lhe que mais tarde explicaria o que estava acontecendo, mas que no momento, era tudo o que podia dizer.
Em outro passeio, o moço passou a pensar em que carro usaria para buscar a moça.
Diante disto, ciente de que a moça pensava que ele era motorista da empresa, pediu a seu pai, que lhe emprestasse um carro antigo.
Fábio estranhou o pedido, mas Felipe disse que não queria chamar a atenção, e que gostaria de dirigir o veículo.
O homem concordou.
Dias depois, o moço foi buscar a moça em um carro antigo.
Quando viu o moço chegando em um carro velho na porta de sua casa, a moça surpreendeu-se. Indagou sobre o proprietário do veículo.
Felipe respondeu que havia pego o veículo emprestado. Afirmou que o carro era de um seu parente.
Nisto, o casal foi novamente até o cinema.
O moço de terno e gravata, Leila em um vestido rodado.
Tempos em que, para se freqüentar os cinemas, era necessário o uso de traje social.
Foram assistir outra chanchada.
A dupla se divertiu com as confusões de Oscarito e Grande Otelo.
Leila comentou que adorava os filmes de Eliana, e de Dercy Gonçalves.
Na saída do cinema, Felipe pagou um saco de pipocas para a moça.
O moço tentou sugerir um jantar, mas Leila, acreditando se tratar de um rapaz pobre, insistiu para que economizassem o dinheiro. Argumentou que poderiam fazer outro passeio.
Mais tarde, o rapaz levou a moça para casa.
Felipe quis se apresentar aos seus pais, mas Leila respondeu que não havia pressa.
O rapaz, estranhando, acabou por concordar.
Quando seus pais lhe perguntaram se havia conhecido alguém, Felipe, tentando desconversar, respondeu que estava aproveitando seus momentos de folga para se distrair um pouco.
Felipe estava adorando a idéia de não precisar dizer que era um homem rico para a moça.
Com o tempo porém, o moço passou a ser alvo de perguntas de Leila.
A jovem tinha curiosidade, queria conhecer os pais do moço.
Felipe estava aflito.
Conversando com Epaminondas, foi aconselhado a contar a verdade para a jovem.
Felipe, aflito, argumentou que se revelasse a ela que era rico, ela provavelmente não acreditaria nele.
Ou pior, se sentiria enganada por um aproveitador.
Epaminondas sorriu.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO XIII

Fátima então, tentando apaziguar os ânimos, respondeu-lhe que poderiam escrever uma carta anônima, mencionando a conduta infiel de Cíntia, e que mais tarde, poderiam mencionar o hotel onde aconteciam os encontros.
Fábio argumentou que Felipe poderia não acreditar nas cartas e mostrá-las a moça.
Fátima retrucou dizendo que este seria um risco que precisariam correr.
Com isto, resolveram arriscar.
E assim, utilizando a caligrafia de uma conhecida, Fátima ditou cartas anônimas ao filho.
Quando Felipe recebeu a primeira carta, estranhou o fato de não ter sido mencionado endereço do remetente, apenas o destinatário.
Curioso, pegou o envelope. Abriu a correspondência no quarto.
Ao ler a missiva, descobriu tratar-se de uma correspondência, colocando em dúvida a honestidade e o caráter de Cíntia.
Fato este que o deixou deveras irritado.
Nervoso, rasgou a carta e jogou-a no lixo.
Resmungando, diziam que eram apenas intrigas, não havendo nada de sério naquelas palavras levianas.
Contudo, conforme os dias passavam, o moço continuava a receber cartas anônimas.
A certa altura, fora colocado na correspondência, o endereço do hotel onde aconteciam os encontros.
Felipe ficou nervoso.
Cíntia, percebendo a mudança de comportamento do moço, passou a lhe perguntar se estava tudo bem na empresa.
No que Felipe, tentando desconversar, dizia que sim.
Com isto, o casal saía para dançar em boates.
Cíntia, acompanhada do moço, chegou até a ser fotografada.
Sua imagem ilustrou uma coluna social.
Com efeito, ao ver sua foto estampada em um jornal, a jovem ficou muito satisfeita.
Envaidecida, recortou a matéria e guardou-a em uma pasta.
Certa vez, ao sair com a moça para jantar, no momento em que dançavam, um dos freqüentadores da casa esbarrou nela e derramou vinho em seu vestido.
Cíntia, ao perceber o descuido, gritou:
- O que você fez com meu vestido, sua desastrada?
Como a mulher se desculpou, Cíntia irritou-se.
Disse que ela não deveria dançar segurando taças de vinhos nas mãos e que queria ser indenizada pelo prejuízo.
Como a mulher se recusasse a efetuar o pagamento do estrago, Cíntia puxou-a pelos cabelos.
Felipe, tentando contornar a situação, tentou dizer que elas não precisavam brigar.
O moço ao perceber que Cíntia esbofeteara a moça, ficou chocado.
Cíntia, ao notar que havia se excedido, tentou contornar a situação, mas Felipe naquele momento, começara a ver como a moça era realmente.
Foi o bastante para se encorajar a se dirigir ao hotel mencionado na epístola apócrifa.
Felipe encaminhou-se para o hotel, relutante.
Custava a acreditar que Cíntia pudesse ser tão leviana.
Em dados momentos, pensou em desistir do intento.
Mas reuniu coragem e se encaminhou para o lugar.
Lá, ficou a aguardar a chegada de Cíntia.
Cerca de meia hora após, eis que a moça surge acompanhada de um rapaz.
Felipe ficou perplexo.
A poucos metros de distância, o casal caminhava de mãos dadas.
Pareciam felizes.
Tentando se controlar, o moço esperou o casal subir.
A seguir, perguntou na recepção, se havia quartos vagos.
Subornando o funcionário, perguntou qual o quarto que o casal que acabara de subir.
O rapaz respondeu:
- Trezentos e seis.
Felipe, oferecendo mais dinheiro, perguntou se havia possibilidade de ficar em um quarto próximo.
Atendido, o moço ficou instalado em dos quartos ao lado.
Tentando expiar o que acontecia no quarto ao lado, encaminhou-se para a janela, de onde viu o casal se abraçando.
Atento a cada ruído, a ansiedade aumentava.
A certa altura, chamou o funcionário que levava comida para o quarto do casal e propondo um acordo, pediu para vestir seu uniforme e ficar em seu lugar.
O sujeito, ressabiado, relutou em concordar, mas ao ver uma gorda soma de dinheiro sendo colocada em cima da bandeja, acabou capitulando.
Felipe argumentou que caso perdesse o emprego, o indicaria para um amigo. Relatou que conhecia alguns comerciantes donos de pequenos hotéis e pensões.
Diante disto, o funcionário vestiu as roupas de Felipe e o moço se fez passar por funcionário do hotel.
Trêmulo, se encaminhou para a porta do quarto onde estava o casal. Apertou a campainha.
Quem o atendeu foi o rapaz, o qual recomendou que depositasse a bandeja em cima da mesa.
Cíntia por sua vez, saiu do banheiro perguntando onde havia colocado seu sapato.
Qual não foi sua surpresa ao se deparar com Felipe vestido de garçom.
A moça estava visivelmente descomposta, ajeitando o vestido, penteando os cabelos, e procurando seu sapato.
Cíntia, ao vê-lo, ficou perplexa.
Gaguejando, perguntou-lhe o que fazia ali.
Felipe furioso, argumentou que era ela, quem devia explicar o que estava fazendo ali.
Cíntia respondeu trêmula que havia sujado seu vestido e que estava tentando arrumá-lo.
Felipe não acreditou na conversa.
Irritado, respondeu que não era idiota e que a vira adentrar o hotel acompanhada do rapaz.
Comentou que já havia visto seus modos grosseiros, e que custou a acreditar que era leviana a este ponto. Furioso, disse que jamais se casaria com uma mulher ordinária e que o compromisso entre os dois, estava desfeito.
Cíntia, ao perceber isto, tentou insinuar um falso arrependimento.
Inicialmente argumentou que fora levada pelas circunstâncias, a se envolver com o rapaz, mas que amava a ele, Felipe. Somente a ele.
Contrariado, o moço respondeu que estava enojado.
Antes de retirar-se do quarto, disse que ela não ousasse procurá-lo, ou ele faria questão de desmoralizá-la publicamente. Argumentou que antes de prejudicá-lo, ela seria a maior prejudicada. Falou que não se importava em ser apontado na rua, se fosse para livrar incautos de uma armadilha.
Com efeito, ao sair, bateu a porta do quarto.
Transtornado, o moço entrou em seu carro, e arrancou a toda a velocidade.
Nervoso, dirigiu por horas, até parar em um parque.
Lá, desceu do carro e ficou caminhando.
Enquanto andava, se recordava do encontro no hotel, da prova da infidelidade de Cíntia, da raiva e da mágoa que estava sentindo.
Triste, em dado momento, sentou-se em um banco e começou a chorar.
Fátima e Fábio, ao notarem a ausência do filho, ficaram cheios de preocupação.
Felipe não tinha o hábito de virar as madrugadas longe de casa.
No tocante a isto, o moço somente retornou ao lar, na tarde do dia seguinte.
Abatido, não contou a ninguém onde havia passado a noite.
Comentou apenas, que descobrira toda a verdade sobre Cíntia, e que não tinha interesse em saber daquela vagabunda por perto.
Deixou o uniforme do hotel jogado em um canto do quarto.
Após sentar-se em um parque, adquiriu novas roupas. Percebeu que havia ficado com o uniforme do funcionário.
Dias depois, o traje foi devolvido ao funcionário.
Quanto a Felipe, o moço passou a se dedicar cada vez mais ao trabalho.
Com isto, passou a ficar mais horas no trabalho.
Mais tarde, procurou conversar com Itamar – primeiro noivo de Cíntia, com Olacir.
Viu fotos da jovem com o amante.
Cauteloso, pediu para guardar as mesmas. Respondeu que em caso de necessidade, poderia fazer uso delas.
Fátima e Fábio, pesarosos com o ocorrido, lamentaram o fato de Cíntia não ser a pessoa certa para ele.
Com o tempo, aparentemente recuperado, o moço, passou a sair com outras garotas, mas não possuía nenhuma namorada.
Tal fato vinha preocupando Fátima, que dizia ao filho que nem todas as mulheres eram levianas com os homens.
Felipe por sua vez, afastou-se da convivência com a família.
Dizia freqüentemente que não tinha hora para voltar.
E assim, o moço seguia vivendo sua vida.
Freqüentava as boates da capital.
Em um desses ambientes, avistou uma moça vestida com um bonito vestido amarelo.
Estava acompanhada de outras jovens e de um grupo de rapazes.
Felipe, acompanhado, ficou admirado com a jovem, mas acreditando que ela já possuía namorado e tendo em vista estar acompanhado, decidiu não se aproximar.
Dias depois, procurando um presente para a mãe, o moço entrou em uma loja de perfumes, onde para sua surpresa, se deparou com a jovem que vira na boate.
Encantado com a moça, ficou conversando com ela.
Perguntou-lhe o que ela sugeriria de presente para uma senhora.
A jovem respondeu que um perfume com aroma marcante, mas sem ser muito forte, poderia combinar com ela.
Nisto, a moça apresentou fragrâncias para o moço apreciar.
Abriu frascos de perfumes expostos, para que pudesse escolher dentre as fragrâncias.
Felipe apresentou-se. Perguntou o nome da atendente simpática.
A jovem respondeu:
- Leila.
- Belo nome! – emendou o rapaz.
Nisto, o moço perguntou-lhe se gostava do trabalho, se gostava de perfumes.
Por fim, agradeceu a sugestão e comprou dois frascos de perfumes diferentes.
Retirou-se.
Leila mais tarde, respondeu que aquele dia estava fazendo boas vendas.
Comentou que até um motorista de madame foi até a loja comprar perfume para uma senhora.
Felipe mais tarde, presenteou sua mãe com dois perfumes diferentes.
Fátima, que fazia anos, adorou os presentes do filho.
Para agradecer a gentileza, ofereceu-lhe uma mouse de sobremesa.
Fábio por sua vez, ofereceu jóias e flores para a esposa.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO XII

Fábio e Fátima combinaram de convidar Felipe e Cíntia para jantarem em sua mansão.
A moça apresentou-se muito bem vestida.
Manuseou corretamente todos os utensílios postos a mesa, copos para água, vinho, talheres para carne, peixe. As entradas.
Fábio e Fátima, ao perceberem os modos refinados da jovem, perceberam que não se tratava de um tola, e sim de alguém com disposição para impressionar a todos os que a cercavam e com isto, angariar simpatia.
Esbanjava simpatia, rindo dos comentários de Felipe.
Fazendo-se de modesta, comentou que trabalhava para custear suas despesas, mas que quando se casasse, se dedicaria única e exclusivamente a sua nova família.
Fátima, aproveitando o ensejo, perguntou-lhe sobre seus pais.
Cíntia, constrangida, comentou que vivia bem com os mesmos, mas que fazia duas semanas que haviam viajado para a casa de parentes.
Curiosa, a mulher perguntou-lhe quando retornariam. Argumentou que gostaria de conhecê-los.
Foi o bastante para que a moça tirasse o sorriso dos lábios.
Incomodada, perguntou onde ficava o toalete.
Fátima indicou-lhe o caminho.
Em seguida, segredou ao marido que estavam no caminho certo.
Com efeito, quando a moça retornou a mesa, Fátima segurando um sino, chamou a empregada.
Desta forma, foi servida a sobremesa.
Mouse de maracujá.
Mais tarde, foi servido um cálice de vinho.
Continuaram as conversações.
Fátima então, retomando o assunto, insistiu na idéia de convidar os pais da moça para um jantar. Argumentou que se Felipe estava tão feliz em sua presença, e fazia tanta questão em trazê-la para o convívio de sua família, era porque ela era muito importante para ele.
Ao ouvir isto, o rapaz sorriu.
Fábio por sua vez, completando as palavras da esposa, ressaltou que em assim sendo, era necessário que as duas famílias se conhecessem, para que assim fossem estreitados os laços. Seria necessário conhecer seus pais.
Cíntia, um tanto surpresa com a insistência, argumentou que nos últimos tempos, estava bastante complicado encontrá-los com disponibilidade de tempo para jantares.
Fátima relatou que aguardaria uma boa oportunidade.
Felipe prometeu que assim que fosse possível, conversaria com os pais da moça para pedi-la em noivado.
Fingindo entusiasmo, Fátima e Fábio parabenizaram o filho.
Mais tarde, Fábio relatou sua preocupação com o interesse de Felipe na jovem.
Fátima, comentou que Cíntia não conseguiria se casar com o moço, a menos que conseguisse convencer seus pais a compactuarem com a farsa que estava promovendo.
Fábio argumentou que era pouco provável que conseguisse o feito, mas que não era de todo impossível. Ressalvou que uma pessoa que quase conseguiu se casar com um dono de boate, não era burra, e que todo cuidado era pouco.
Fátima concordou.
Preocupada, retornou a casa da vizinha, onde descobriu o nome do dono da boate, e do estabelecimento.
Desta forma, usando da desculpa de que queria sair um pouco com o marido, Fátima dirigiu-se a boate, acompanhada de Fábio.
Utilizando-se da desculpa de que tinham negócios a tratar com Itamar, conseguiram conversar com o homem.
Fátima então, usando de franqueza, comentou que seu filho estava noivo de Cíntia.
Foi o bastante para o homem ficar nervoso e ameaçar se levantar da cadeira.
Fábio, segurando-o pelo braço, tentando acalmá-lo, disse:
- Eu imagino o quanto esta moça deva ter te magoado, mas o senhor teve a chance de se desvencilhar da rede de intrigas urdida por ela. Meu filho também precisa ser alertado do caráter desta moça, ou ficará em sérios apuros.
Itamar ao ouvir estas palavras sentou-se.
Perguntou imediatamente o que eles queriam.
Fábio respondeu que gostariam de saber se Cíntia era realmente uma interesseira ou não.
Itamar comentou que se queriam saber do caráter da moça, deveriam apurar os ouvidos, pois o que tinha para dizer não era nada elogioso.
Itamar respondeu-lhe que Cíntia ficou durante semanas freqüentando a boate.
Ao fazer amizade com o segurança da casa e com os garçons, conseguia entrar no estabelecimento sem pagar.
Com a desculpa de que gostaria de realizar um número na boate, conseguiu se aproximar dele e angariar sua simpatia.
Nisto, ao realizar um ensaio para que pudesse apresentar um número musical, Itamar percebeu que a jovem não tinha nenhum pendor para a vida artística.
Passaram então a sair.
Itamar comentou que com o tempo, passou a lhe oferecer presentes caros.
Jóias, vestidos, sapatos, perfumes.
A certa altura, ficaram noivos.
Entusiasmado, Itamar comentou que realizou o anúncio na boate.
Dançaram.
Com o tempo, Cíntia começou a destratar os funcionários.
Dizendo-se dona do estabelecimento, comentou que precisava por ordem no lugar.
Certa vez, o próprio Itamar presenciou uma cena lamentável.
Cíntia jogou whisky no rosto de um dos garçons. Em seguida gritou, chamando-o de incompetente.
Itamar, ao ver a cena, perguntou o que estava acontecendo.
Cíntia ao perceber a aproximação do noivo, ficou pálida.
Trêmula, comentou que o garçom a desrespeitara.
Disse que o funcionário argumentou que ela não era nada ali. Chegou a mencionar que o mesmo vivia lhe fazendo provocações.
Intrigado, o homem tratou de verificar a informação.
Observando melhor o comportamento da moça, começou a perceber que em sua presença, a mulher se comportava de maneira gentil e delicada, mas ao se ver a sós com seus funcionários, era ríspida e grosseira.
Espiando-a sem que ela percebesse, constatou os modos grosseiros dirigido ao garçom, por não havê-la servido primeiro.
Certa vez, ao visitá-la na pensão em que morava, descobriu que ela se encontrava com outro rapaz.
Isto por que, ouviu a conversa de ambos no portão.
Faziam planos com o dinheiro de Itamar.
Nisto, desmascarada, a moça foi humilhada publicamente.
Desta forma, o noivado foi desfeito.
Fábio, ao ouvir todo o relato do homem, ficou perplexo.
Tanto que chegou a comentar:
- É pior do que eu imaginava!
Itamar, percebendo o ar chocado do homem, autorizou-o a conversar com os funcionários.
Mencionou também o endereço da pensão onde a moça morava.
Fábio, agradecido, comentou que ele havia sido deveras generoso.
Fátima então, conversou com os funcionários e perguntou o que eles achavam da moça.
Quase todos reiteraram as palavras do homem, dizendo que inicialmente gentil e polida, a jovem com o tempo, passou a hostilizá-los e ameaçá-los com demissões.
Mais tarde, o casal foi até o endereço da pensão onde a moça morou.
Lá descobriram que a jovem se mudara e que a dona do estabelecimento não tinha um bom conceito da moça.
Considerava-a regateira e oferecida.
Comentou que quando Cíntia se instalara na pensão era discreta e reservada. Quase não conversava com os moradores. Estava quase sempre ausente.
Contudo, com o tempo, passou a ser vista com um rapaz. Ficavam muito tempo conversando no portão.
Para desespero da dona da pensão, que considerava isto, uma imoralidade.
Com efeito, quando soube que a moça ficara noiva de um figurão, pensou logo que se tratava de uma oportunista.
Por fim, respondeu que o tempo lhe deu razão.
Cíntia era inescrupulosa e interesseira.
Fátima, ao descobrir tais fatos, ficou horrorizada.
Aflita, comentou com Fábio que a situação era pior do que imaginava.
Preocupado, Fábio contratou os serviços de um detetive particular.
Foi questão de semanas para que o homem, lhes apresentasse a informação de que a moça se encontrava esporadicamente com um rapaz.
Nisto, lançou fotos na mesa do escritório de Fábio, que ao vê-las, percebeu que o casal caminhava de mãos dadas. Também sorriam, olhando-se afetuosamente.
Para Fábio, era o suficiente para caracterizar uma traição.
Com isto, o homem agradeceu aos trabalhos realizados pelo profissional, recomendando-lhe que continuasse seguindo a moça.
Esperto, o detetive relatou que conseguiu as fotos, auxiliado por um fotografo de praça.
Fábio pagou pelos serviços prestados.
Mais tarde, conversando com a esposa, indagou se aquelas fotos deveriam ser apresentadas ao moço ou
deveriam aguardar mais um pouco.
Fátima respondeu que ainda não era o momento de apresentar as fotos, ou tecer qualquer comentário sobre a honestidade da moça. Relatou que mesmo diante das fotos, sem uma confrontação cabal de Felipe com os modos de Cíntia, sua falta de caráter nunca ficaria totalmente comprovada.
Completando, Fátima argumentou que precisava restar claro sem nenhuma sombra de dúvida, que a jovem só estava interessada no dinheiro dele.
Fábio destacou que o filho precisava ver com os próprios olhos, o comportamento escandaloso da moça.
Fátima concordou.
Porém, como fariam para que Felipe presenciasse o encontro dos dois, ou visse os modos escandalosos e grosseiros da moça?
Fábio argumentou que o detetive continuava trabalhando para ele, e que assim, poderiam descobrir a rotina da moça, seus horários. Desta forma ficaria fácil desmascará-la.
Felipe por sua vez, continuava a se encontrar com a jovem.
Cintia e ele, freqüentavam o cinema juntos, assistiam a musicais, comédias românticas, filmes de guerra, e cinema nacional.
Para isto, as pessoas usavam suas melhores roupas.
Mulheres com lindas roupas, casacos, vestidos, sapatos de salto, maquiagem, perfume.
Homens de terno e chapéu.
Fábio adorava os filmes dos Estúdios Vera Cruz, em São Bernardo do Campo.
Entusiasmado, dizia que era a Hollywood Brasileira.
Pena que o estúdio funcionou por poucos anos.
Cíntia ouvia a tudo, demonstrando bastante interesse.
A cada dia que passava, o moço falava com mais entusiasmo da moça.
Fátima e Fábio por sua vez, ficavam cada vez mais apreensivos.
Com o tempo, descobriram que a moça se encontrava em um hotel com o rapaz.
Cautelosa, olhava para os lados, antes de entrar com suas saias rodadas, no estabelecimento.
Olacir alugou um quarto próximo no hotel.
Utilizando uma imensa câmera fotográfica, o detetive conseguiu algumas imagens do casal se abraçando, e até se beijando.
Quanto Fábio tomou conhecimento destes encontros, ameaçou contar tudo ao filho. Irritado, dizia que não admitiria que o filho fizesse papel de bobo.
Fátima, ao perceber o destempero do marido aconselhou-o a esperar mais um pouco.
Tal fato causou indignação ao homem.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO XI

Com o tempo, Fábio comprou um pequeno armazém e passou a investir no local.
Argumentava que não gostaria de viver as custas do filho, e que quando tivesse o retorno financeiro esperado, devolveria o dinheiro que pegara emprestado, a Felipe.
Era um armazém onde se vendia de tudo: ervas, plantas medicinais, alimentos.
Fábio também possuía um funcionário encarregado de entregar as mercadorias aos clientes.
Entregava o leite diariamente na casa dos fregueses, em garrafas de vidro cheias, as quais eram trocadas por litros vazios.
Fábio trabalhava com bons fornecedores e seus produtos eram de qualidade.
Em pouco tempo angariou uma vasta freguesia.
Com isto, em questão de meses, conseguiu devolver o dinheiro investido no estabelecimento, para o filho.
Epaminondas por sua vez, preocupado com o futuro do garoto, recomendou-lhe que diversificasse suas atividades, e que em sendo possível, aumentasse o patrimônio herdado pelo menino.
Fábio argumentou que o Armazém Oliveira lhe tomava muito tempo, e que não teria tempo, e tampouco habilidade, para se dedicar a outras atividades que não fosse locar os imóveis herdados e cobrar eventuais débitos atrasados.
Epaminondas respondeu que nunca fora rico, mas que aprendera alguma coisa ao trabalhar como contador em uma empresa.
Fábio por sua vez, respondeu que seu trabalho era braçal, e que por isto, não tivera oportunidade de aprender filigranas do mundo dos negócios.
Epaminondas sorriu. Respondeu-lhe que não possuía o conhecimento técnico, mas que tinha tino para os negócios.
Diante disto, investido na qualidade de procurador de Fábio, tutor do garoto, Epaminondas resolveu investir em uma fábrica de tecidos.
Com isto, consultou Fábio, que o autorizou a comprar teares, alugar um galpão e contratar mão de obra qualificada.
Começou como uma atividade modesta, mas com o tempo cresceu.
Com o passar do tempo, a Tecelagem Oliveira passou a exportar tecidos.
Começaram com a fiação de lã e algodão, até chegarem ao fabrico de tecidos finos, como seda.
Felipe acompanhava curioso as atividades dos homens.
Fábio também prosperou em suas atividades.
Em dado momento, passou a produzir alguns de seus produtos.
A certa altura o armazém se transformara em um mercado. Amplo, espaçoso.
Fábio passou a exportar bananas em tramas de taboa.
Era um trabalho artesanal, que embelezava o produto, e assegurava que o mesmo seria transportado com todo o cuidado, chegando com toda a qualidade ao seu destino.
O homem passou a ser referência no ramo de alimentos.
Felipe por sua vez, pode estudar em bons colégios.
Fez faculdade, e para felicidade de seus pais, passou a ter um diploma.
Nesta época, passou a tomar maior contato com o trabalho de Fábio, e de seu tio avô Epaminondas.
Assim, quando o moço pode finalmente assumir os negócios da família, estava preparado.
Felipe, com o tempo, passou a acompanhar Epaminondas nas reuniões da empresa.
Também opinava e apresentava sugestões.
Epaminondas estava satisfeito com a dedicação do moço. Dizia-lhe que logo, logo ele poderia assumir as empresas.
Isto por que, o homem estava cansado.
Em quase dezesseis anos de atividades, já havia multiplicado o patrimônio herdado pelo garoto.
Queria descansar.
No tocante a isto, tanto a família de Felipe quanto a de Epaminondas, moravam em casas suntuosas. Palacetes construídos para deleite e conforto das famílias.
Felipe já conhecia a Europa, falava outros idiomas e possuía um bom nível cultural.
Na faculdade e no colégio lera obras clássicas e os grandes escritores humanistas.
Durante um dado momento, chegou a freqüentar aulas de teatro.
Fábio, ao tomar conhecimento disto, encheu-se de preocupação.
Por um momento chegou a pensar que Felipe abandonaria tudo para se dedicar a profissão de ator.
Preocupação boba, já que o menino investiu na profissão apenas por curiosidade, e por que estava acompanhando seus amigos intelectuais.
Felipe adorava os textos teatrais e a densidade dos gestos. Adorava as coxias, e se admirava com o talento e a dedicação dos atores, que se entregavam ao seu papel.
O moço chegou a fazer pequenas figurações.
Mas depois de um certo tempo, ao precisar acompanhar seu tio na administração das fábricas, o moço não teve mais tempo para freqüentar o teatro.
Com efeito, ao tomar posse do cargo de presidente das empresas, com a idade de vinte e cinco anos, o jovem, passou a se dedicar quase que exclusivamente a atividade de empresário.
O moço chegava a ficar doze horas na empresa.
Dedicado, auxiliava seu pai, na importação de seus produtos.
Com o tempo demonstrou ser um exímio empresário.
Nisto, Epaminondas com o passar dos anos, passou a se afastar das atividades empresariais.
Desta forma, passou a se dedicar mais a família.
Felipe por sua vez, não vivia apenas para o trabalho.
Em seus momentos de lazer, gostava de rever os colegas de faculdade.
Foi nesta época que teve o primeiro relacionamento sério com uma garota.
Felipe era um rapaz apresentável, mas o fato de ser um empresário, e de aparecer fotografado nos jornais, fazia com que as moças tivessem um interesse especial nele.
O jovem empresário, por sua vez, não percebia isto.
Para ele o fato de uma moça bonita ter aparecido em sua vida, em meio ao seu círculo de amigos, era garantia de que era uma boa pessoa.
Cíntia parecia sê-lo de fato.
Sempre simpática, cumprimentava a todos.
Quando e seus colegas saíam juntos, ela não se importava em ouvi-los falar de negócios.
Parecia até interessada.
Felipe, entusiasmado com Cíntia, costumava levá-la em boates para dançar.
Certa vez, ao passarem diante de uma joalheria, a moça ficou observando uma jóia. Estava deslumbrada.
Felipe, ao perceber o interesse da jovem, perguntou-lhe se havia gostado da peça.
Cíntia, então, respondeu que estava apenas olhando. Argumentou que se tratava de um presente muito caro para ser dado para alguém que se tinha acabado de conhecer.
Dias depois, o moço adentrou a joalheria e comprou o bracelete que Cíntia havia admirado.
Com isto, convidou-a para um jantar.
A moça estava impecável com um vestido rodado verde.
Felipe, então, dizendo-lhe que tinha algo que combinava com o vestido, sacou uma caixinha, a qual abriu.
Lá dentro estava o bracelete.
Cíntia, ao ver o presente, agradeceu. Disse que não precisava.
Ao ouvir isto, Felipe brincando, respondeu que iria devolver a loja.
A moça por sua vez, retrucou dizendo:
- Não, não é necessário! Eu aceito o presente.
Felipe riu.
Em seguida, o casal saiu para jantar.
Dançaram.
Com efeito, Felipe adorava estar em companhia da moça.
Ultimamente porém, o trabalho tomava muito do seu tempo, e raros eram os momentos em que podia passear com Cíntia.
Desta forma, nos poucos momentos em que passaram a ficar juntos, a moça passou a cobrar sua presença. Dizia que estava cansada de ficar sempre esperando por ele.
Fazendo beicinho, disse que a última vez em que saíram juntos, fora quando ele a presenteara com um bracelete, e eles foram jantar, e em seguida, dançaram em uma boate.
Cíntia argumentou que estava sentindo falta de se divertir um pouco.
Felipe então, segurando seu queixo e olhando em seus olhos, confessou que realmente estava em falta com ela, mas que nos últimos tempos, os negócios se avolumavam e ele precisava dar vazão ao seu trabalho, ou perderia muito dinheiro.
Cíntia, ao ouvir isto, pediu-lhe desculpas.
Dizendo que ele era um homem muito ocupado para pensar em mesquinharias, comentou que não tinha o direito de atrapalhá-lo em seus negócios. Falou que tentaria ter mais paciência e que procuraria entender suas necessidades.
Felipe, ao ouvir estas palavras, sorriu e abraçou a moça.
Respondeu-lhe que nunca havia conhecido uma mulher tão compreensiva.
Nesta época, o moço já freqüentava a casa de Cíntia. Havia sido apresentado aos pais da moça.
Quando o jovem apresentou a namorada aos pais, Fábio e Fátima, estranharam o jeito excessivamente risonho da moça.
Fábio, chegou a dizer ao filho que Cíntia era simpática demais. Sempre tentando agradar a todos, mesmo quando as pessoas a ofendiam.
Felipe ao ouvir estas palavras, ficou contrariado. Argumentou que Cíntia tentava apenas conciliar as pessoas, e que ela não estava errada em fazê-lo, pois viver em pé de guerra com o mundo, é insuportável.
O homem, ao tentar retrucar, foi atalhado pelo filho, que lhe disse que Cíntia era a melhor pessoa que conhecia, e que ninguém tinha o direito de criticá-la antes de conhecê-la melhor.
Fátima percebendo que o filho tomara as dores da moça, fez um pequeno gesto para que Fábio parasse de tentar argumentar com o Felipe.
Nisto o moço, saiu aborrecido da sala, deixando os pais sozinhos.
Fátima, ao se ver a sós com o marido, comentou:
- A situação está pior do que eu imaginava!
Cíntia de fato, ao ser criticada por seus modos excessivamente corteses, respondeu que não sentira agredida pelos comentário.
De fato, uma vizinha da família, que estava na mansão, na ocasião em que Felipe apresentou a moça aos pais, comentou que não conhecia ninguém que fosse tão risonho. A mulher chegou a mencionar que a viram gritando com uma garota em uma festa.
Cíntia negou. Argumentou que a confundiram com outra pessoa.
Fátima por sua vez, não gostou do jeito da moça, além de ter ficado cismada com a história.
Nisto, assim que pode, visitou a vizinha para conhecer mais detalhes da história.
Desta forma, Fátima, ao visitar a vizinha, conversou sobre o assunto.
Em conversa com a mulher, descobriu que Cíntia não era exatamente o que aparentava ser.
Contudo, não poderia comprovar ao filho tal fato.
Conversando com o marido, descobriu que precisavam criar uma situação em que a moça precisasse se expor.
Arquitetaram um plano.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO X

Enquanto isto, quando Fábio e sua família chegaram em São Paulo, foram recebidos por Epaminondas, que convidou a todos para ficarem hospedados em sua casa.
Fábio cumprimentou o tio, que há tempos não via.
Com isto, buscou a família na rodoviária, conduzindo-os até sua casa de carro.
Felipe, que não estava acostumado a andar de carro, ficou entusiasmado com o passeio.
Argumentou que em sua cidade, poucas pessoas possuíam carros, e que quando viam um veículo passar pelas ruas da cidade, todos os garotos corriam para observar.
Fábio rindo, comentou que o trafegar de alguns poucos veículos, era atração na pequena cidade.
Assim, ao chegarem a casa do homem, Fábio, Fátima e Felipe, foram levados para um dos quartos da casa.
O ambiente estava limpo e arrumado.
Lá a família deixou as malas.
A esposa de Epaminondas recebeu a família de Fábio com todo o cuidado.
Mais tarde, o tio chamou o sobrinho para conversar em um canto.
Epaminondas comentou então com o sobrinho, que Adolfo estava a pajear Irina.
Fábio respondeu curioso, que não conhecia este Adolfo.
Epaminondas contou que se tratava de um outro sobrinho seu.
Disse que se tratava de uma pessoa egoísta e interesseira. Acreditava que o rapaz só estava interessado em uma hipotética herança da senhora.
Nisto, o homem explicou que Irina estava muito doente. Há tempos estava acamada. Não reunia condições nem para cuidar de seus bichos de estimação.
Seu tio lhe contou que soube pelos vizinhos, que Adolfo colocava os animais para fora da casa. Razão pela qual os animais foram recolhidos e cuidados pela vizinhança.
Epaminondas relatou também, que certa vez, ao visitar Irina, achou-a muito abatida e debilitada. E, muito embora estivesse aparentemente bem cuidada, estranhou o nervosismo de Adolfo ao vê-lo visitando a senhora. Estranhou ainda mais o interesse do rapaz em sugerir-lhe para que não mais visitasse a senhora. Argumentou que as visitas a deixavam muito agitada e nervosa.
Epaminondas retrucou dizendo que Irina parecia deveras cansada para tanto.
Nisto, o homem mencionou ao sobrinho que levaria um médico até a casa de Irina para examiná-la.
Desta feita, mais tarde, tio e sobrinho foram visitar a mulher, que morava em uma ampla residência.
Fábio, ao adentrar a casa, percebeu cômodos imensos, e pouca mobília.
Adolfo ao recebê-los, ficou tomado de surpresa.
- Titio? O senhor por aqui?
Epaminondas respondeu-lhe que o rapaz que o acompanhava era Fábio, e que gostaria de apresentá-lo a Irina.
No que Adolfo retrucou dizendo que Irina devia estar dormindo, e que não seria oportuno despertá-la.
Epaminondas, incomodado com tanta cerimônia, respondeu que não iria incomodá-la.
Apenas gostaria de vê-la.
Adolfo, argumentou que Irina estava bem, em franca recuperação, e que assim que pudesse, os receberia.
O homem então, respondeu que se a mulher estava se recuperando, não haveria óbice em receber uma visita.
Adolfo ao ouvir isto, ficou visivelmente irritado.
Contudo, sem argumentos para obstar a visita, deixou-os entrar.
Com isto, passaram pela sala, por um imenso corredor, e finalmente chegaram a um quarto amplo.
Lá estava Irina repousando.
Quando as visitas chegaram, a mulher tinha acordado de despertar.
Ficou feliz ao ver Epaminondas.
Respondeu-lhe que ultimamente vinha sentindo falta de visitas.
Epaminondas sorriu.
Brincou com a senhora dizendo que ela realmente não estava bem. Afinal de contas, estava até sentindo saudades das visitas.
Irina riu do comentário, para espanto de Adolfo que estava mais do que acostumado a sempre vê-la taciturna e carrancuda.
Para ele, parecia outra pessoa.
Fábio foi então, apresentado a mulher.
Irina cumprimentou-o formalmente.
Epaminondas respondeu-lhe que Fábio era muito trabalhador e que vivia no interior do estado, em uma pequena cidadezinha, onde morava com a mulher e seu único filho, garoto de cerca de nove anos.
Irina, ao ouvir a palavra filho, respondeu que nunca fora muito benquista pelas crianças.
Ao ouvir isto, Epaminondas contou que Felipe era um garoto. Criança bastante imaginativa.
A senhora, redargüiu dizendo que imaginação demais, faz a pessoa se afastar em demasia da realidade. Comentou que um pouco de pé no chão era importante, ou se perdia a noção da realidade.
Epaminondas respondeu-lhe então, que noção da realidade, era algo necessário, mas que excesso de realidade, faz mal.
- Eu que o diga! – emendou Irina. – Eu que o diga!
Ao fim, da visita, Epaminondas cochichou-lhe no ouvido, que voltaria, mas que ela não deveria dizer nada a Adolfo. O homem respondeu que aquilo seria um segredo de ambos.
Em seguida despediu-se.
Aproveitou para segredar o ajuste, quando Adolfo se afastou do quarto.
Fábio cumplíciou o tio.
Com efeito, ao saírem da casa de Irina, a dupla riu muito dos modos insolentes e arrogantes de Adolfo.
Fábio concordou que se tratava de uma pessoa presunçosa.
Felipe, distante destas preocupações, se ocupava de brincar de carrinho de madeira, e de bolinha de gude.
Em pouco tempo se enturmou com os garotos que moravam na região, e passou a brincar de jogar bola com eles.
Felipe também gostava de comer as frutas que havia no pequeno pomar existente na casa de seu tio avô.
Adorava.
Tanto que chegou a comentar com o homem que em sua casa, também havia um pomar, mas com muito menos frutas.
Pesaroso, respondeu que isto era uma lástima.
Fato este que fez com todos rissem dos modos graves do garoto.
Felipe e Epaminondas ficaram amigos.
Certa vez, levando o sobrinho para passear, o home disse-lhe que precisaria conhecer uma tia, que apesar dos modos estranhos, era uma boa pessoa.
Felipe ficou curioso.
O tio percebendo isto, disse-lhe que as pessoas poderiam ser um pouco estranhas, mas que isto não significava que fossem más, apenas haviam se fechado para o mundo.
Felipe não compreendia.
Epaminondas então, tentando ser mais claro, explicou ao garoto que Irina foi uma pessoa que sofrera muito na vida e que perdera a confiança nas pessoas. Comentou que ela se casou com um homem a quem muito amara, mas que em pouco tempo de casados, o mesmo veio a falecer. Não teve filhos, perdeu todo o patrimônio deixado pelo marido, e ao ser vítima de golpes, resolveu se afastar das pessoas.
Felipe comentou que se ela não gostava de se aproximar das pessoas, poderia não gostar dele.
No que Epaminondas retrucou:
- É, de fato existe este risco! Não vou lhe mentir! Mas você é uma criança tão adorável, que considero esta possibilidade remota. Com seu jeito esperto, eu acho que é mais fácil ela cair de encantos por você, do que o contrário, rapazinho!
Enquanto proferia estas palavras, segurou o queixo do garoto.
Epaminondas levou o garoto para um parque, onde caminharam, avistaram aves.
Ao fim da tarde, fizeram um pequenique, e ao fim do dia, retornaram para casa.
Epaminondas chegou até a jogar bola com o sobrinho.
Era um tio muito animado.
Com isto, ao fim de alguns dias, Epaminondas levou os sobrinhos para visitarem Irina.
Adolfo, ao vê-los chegando com um médio, assustou-se.
Tentou de diversas maneiras, afastá-los, sob o argumento de que Irina não aceitaria ser examinada pelo médico.
Argumentou que tentou levá-la a um bom profissional, mas que ela se recusara.
Aparentemente pesaroso, argumentou que não sabia mais o que fazer.
Epaminondas enérgico, exigiu que ele autorizasse a entrada do médico, ou então, requisitaria a força policial.
Adolfo, ao ouvir a palavra polícia, deixou de oferecer resistência, e mesmo contrariado, autorizou a entrada do doutor.
Nisto, o homem examinou a senhora, que contrariada, autorizou o exame.
Contrariada, Irina confirmou que não gostava de médicos.
Ao fim do exame, o médico lhe disse que os remédios que vinha tomando, não eram os mais adequados para ela. Razão pela qual prescreveu um novo receituário.
Ao ouvir isto, Irina resmungou. Disse que não suportava tomar remédio,
Fábio então respondeu-lhe que ela não deveria se preocupar, posto que dentro de pouco tempo, estaria de pé novamente.
Irina agradeceu os votos de recuperação, mas argumentou que estava muito velha, e que não acreditava mais que voltaria a ficar de pé.
Felipe, ao ouvir isto, respondeu que ela não poderia desanimar. Disse que precisaria ficar boa logo para pôr Adolfo para correr.
Irina e todos no quarto riram, ao ouvir o comentário espontâneo do garoto.
A velha senhora simpatizou-se com o garoto.
Tanto que o chamou para junto de si e o abraçou, carinhosamente.
Irina acariciou os cabelos da criança, e disse que ele era um menino esperto.
Epaminondas concordou.
Mais tarde, Epaminondas, Fábio, Felipe e o médico se retiraram da residência.
Não sem antes Epaminondas dizer que acompanharia o tratamento da irmã.
Disse puxando a Adolfo a um canto, que não tentasse mais impedi-lo de ver Irina.
Em seguida, como se quisesse que todos participassem da conversa, disse que iria cuidar pessoalmente de ministrar os remédios a mulher.
Adolfo ficou deveras contrariado.
Epaminondas casara-se deveras maduro com Leocádia.
Razão pela qual possuía filhos com a idade aproximada de Fábio.
Conversando certa tarde na casa do tio, Fábio comentou que adorava as tardes divertidas que passava em companhia dos primos.
Epaminondas respondeu a certa altura, que sentia falta dos meninos.
Ambos haviam se casado e tinham as próprias famílias.
Fátima e Leocádia brincavam dizendo que Epaminondas estava carente.
Felipe por sua vez, pedia ao tio avô para lhe contar histórias.
E o homem, lhe contava histórias de príncipes aventureiros e de moçinhas encantadoras.
Felipe sempre que ouvia falar de moçinhas e heroínas, imaginava a doce Miriam como protagonista de todas as histórias.
Miriam fora seu primeiro amor, recordaria com saudades, anos mais tarde.
Neste momento, estava curtindo férias de última hora, ao lado de seus pais e de parentes distantes.
Mais tarde, o menino comentou com o tio, que Irina não era a bruxa que imaginava.
Sorrindo, Epaminondas respondeu:
- Decerto que não!
Com efeito, conforme se comprometera, Epaminondas se encaminhava todos os dias para a casa da irmã.
Ministrava-lhe os remédios receitados pelo médico, e que ele mesmo se encarregara de comprar.
Adolfo ficava deveras contrariado com a interferência de Epaminondas, mas não podia se opor.
Com o tempo, a mulher passou a melhorar e a caminhar com passos lentos e contidos em seu quarto.
Adolfo, ao perceber a melhora da mulher, passou a bajulá-la dizendo-lhe que estava pronta para outra.
Foi o bastante para Irina ficar irritada e mandá-lo cuidar da casa.
Ao passar os dedos na cômoda que havia no quarto, impregnou o dedo com uma grossa camada de poeira.
Ao perceber isto, chamou-o de lambão e preguiçoso. Disse que a casa estava imunda e que precisava urgentemente de limpeza. Argumentou que se ele não estava interessado em trabalhar, deveria deixar quem estava interessado, em fazê-lo.
Adolfo sorriu constrangido e retirou-se.
Furioso, ficou resmungando.
Ao se ver a sós na cozinha, começou a chamá-la de velha miserável e avarenta.
Em seguida, pegou uma vassoura e começou a varrer a sala.
Quando Epaminondas viu o sobrinho passando o pó em alguns móveis, elogiou-o. Disse-lhe que estava de parabéns, e que agora ele conheceria o verdadeiro valor do trabalho. Brincando relatou que trabalhar, apesar de cansativo, fazia bem.
Nisto, despediu-se.
Adolfo fingiu boa vontade, conduzindo Epaminondas até a porta.
Por fim, ao entrar na casa, começou a dizer que ele era um velho intrometido.
Irina, que neste momento caminhava pelo corredor, ao ouvir o comentário, perguntou-lhe se estava tudo bem limpo.
Adolfo respondeu-lhe que em alguns minutos tudo estaria arrumado.
A casa estava uma imensa bagunça com almofadas e coisas espalhadas.
Fato este que horrorizou a mulher.
O rapaz, percebendo isto, recomendou-lhe que voltasse para o quarto. Disse-lhe que um poucos minutos, tudo estaria arrumado.
Irina contrariada, concordou em permanecer em seu quarto.
Não sem antes lhe dizer que ele estava muito enganado se achava que iria angariar sua simpatia com adulações. Comentou que conhecia seu caráter, e que sabia que tudo o que vinha dele era premeditado e calculado.
Adolfo sorriu desconversando. Disse que somente estava tentando ser útil a quem precisava.
Irina fitou-o severamente.
Com isto, o moço se encaminhou a sala arrumando o parco mobiliário do ambiente.
Mais tarde, serviu um jantar a velha senhora, que reclamou que a comida não tinha tempero, e que a sopa estava fria e horrível de tragar.
Adolfo fitou-a com ar furioso, mas tentando se controlar, procurou demonstrar paciência.
Levantou-se e disse que iria esquentar a sopa.
Nos dias que se seguiram, Irina continuou a receber visitas do irmão, bem como a provocar Adolfo.
Mas para seu desespero, o sobrinho parecia resignado.
Mais tarde, Fábio e família voltaram para a cidadezinha onde moravam.
Felipe voltou a freqüentar a escola.
Fábio retomou seu trabalho.
Fátima continuava a cuidar da casa.
Cerca de um ano mais tarde, a família foi informada por Epaminondas que Irina havia falecido.
Felipe ficou surpreso com a notícia.
Decepcionado, disse que a senhora não colocou Adolfo para correr. Não ficou boa.
Fábio respondeu-lhe que segundo Epaminondas, Irina hostilizou Adolfo durante todo o tempo em que ele permaneceu na casa.
Felipe retrucou então, dizendo que Adolfo era uma peste.
Fátima o censurou.
Fábio por sua vez, ao conversar a sós com a esposa, comentou que Adolfo era um péssimo caráter e que não tinha uma boa impressão do sujeito.
Dias depois, Fábio recebeu um novo telegrama, informando que Irina havia deixado um testamento. Na correspondência, Epaminondas recomendava que a família se dirigisse novamente para São Paulo.
Fábio, assim que pode, solicitou alguns dias de licença do trabalho, mediante compensação de horas, e de malas prontas, se encaminhou com toda a família para São Paulo.
Ao lá chegar, descobriu que Irina, semanas antes de falecer, havia deixado escrita uma disposição de suas últimas vontades, um testamento. Instrumento particular, que ficara escondido entre seus pertences na casa.
Epaminondas comentou pesaroso, que após o falecimento da irmã, Adolfo tentou novamente dificultar seu acesso a casa. Dizendo-lhe que não havia mais nada que lhe interessasse no lugar, argumentou que não o deixaria entrar.
Foi o bastante para Epaminondas se dirigir a uma delegacia de polícia. Lá, mencionou que o sobrinho não era o proprietário do imóvel, e que a dona da propriedade falecera.
Um dos policiais, ao ouvir a historia, recomendou-lhe que ingressasse com uma ação judicial, e que tentasse descobrir se ela havia deixado algum testamento.
Com isto, o homem contratou um advogado, e através de ordem judicial, conseguiu autorização para entrar na casa.
Lá, acompanhado por um oficial de justiça, mostrou a ordem judicial e adentrou o imóvel.
Não sem antes se deparar com a resistência de Adolfo, que questionou a validade do documento.
Epaminondas por sua vez, impaciente, respondeu que com aquele documento poderia requisitar reforço policial, e que aquilo configurava crime de resistência.
Informação confirmada pelo oficial de justiça.
Nisto, ao finalmente adentrar a casa, verificou armários e gavetas revirados, móveis retirados do lugar.
Ao perceber a bagunça, olhou furioso para o sobrinho.
Epaminondas então, auxiliado pelo oficial de justiça, passou a vasculhar gavetas, armários, os móveis.
Prevenido contra Adolfo, tentou afastá-lo da casa.
Adolfo porém, resistiu.
Epaminondas por sua vez, mostrou-lhe novamente a ordem judicial, na qual constava que ele tinha autorização para entrar e vistoriar toda a casa, e demais bens de Irina.
Adolfo insistiu em ficar.
Nisto Epaminondas respirou fundo e continuou a vasculhar a casa.
Procurando nichos e fundos falsos, tentou descobrir um testamento.
Até que, ao procurar na lavanderia do imóvel, descobriu atrás de um pesado armário, um nicho no assoalho. Ao abri-lo, descobriu um buraco tapado com um pedaço de madeira. Tocando no pedaço de madeira, descobriu uma nova fenda.
Espaço estreito, o qual somente conseguiu alcançar com o auxilio de um arame.
Torcendo-o, conseguiu alcançar um rolo, o qual puxou.
Nisto, ao abrir o documento, auxiliado pelo oficial de justiça, percebeu que se tratava de um testamento que datava de semanas antes.
Neste momento, Adolfo demonstrou interesse em segurar o documento.
No que foi impedido pelo tio, que argumentou que o documento ficaria à disposição da justiça, para instrução da ação de inventário que iria promover.
No documento, para desgosto de Adolfo, Irina havia deixado bens para Epaminondas e para Felipe.
Fábio, com efeito, ao ouvir a história, ficou impressionado.
- Para Felipe? Uma pessoa que ela mal conhecia?
Ao ouvir isto, Epaminondas argumentou dizendo que Irina havia se encantado com o garoto. Tão sincero e espontâneo.
Felipe ao tomar conhecimento do fato, ficou surpreso. Logo queria saber o que havia herdado.
Epaminondas respondeu-lhe que pelo que lera no testamento particular, Felipe receberia alguns imóveis e algum dinheiro, de herança.
E assim, foi dado início a ação de inventário.
Irina, para surpresa de muitos, havia deixado vultoso espólio, com muitos bens.
E Felipe e Epaminondas eram seus principais beneficiários.
Adolfo por sua vez, bem que tentou dificultar o recebimento da herança. Argumentou que este tipo de disposição, requisitava a presença de testemunhas.
Isto, devidamente instruído por um advogado.
O que ele não esperava porém, era que no próprio instrumento, constassem as testemunhas necessárias para a realização do testamento.
Epaminondas comentou, que o juiz ao ver o documento relatou que Irina provavelmente se consultou com um causídico, ou não teria conhecimento das formalidades necessárias para a feitura do documento.
O homem concordou. Argumentou que Irina fora astuta. Conseguiu enganar o próprio sobrinho.
Com isto, meses mais tarde, Epaminondas e Felipe receberam suas respectivas partes na herança.
O fato virou notícia do jornal.
A manchete: Velhinha simplória, dona de um vasto patrimônio.
Rindo, Epaminondas comentou que depois de morta, sua irmã havia virado notícia.
O enterro contou com a presença de poucos familiares, entre eles Epaminondas e família, Fátima, Fábio e Felipe; além de Adolfo; um advogado; e alguns vizinhos curiosos.
Quando Adolfo percebeu que não herdara nem uma agulha, rebelou-se. Disse que aquilo não estava certo, que iria contestar. Mais tarde, percebendo que não teria como invalidar o testamento, começou a bajular Epaminondas, Fábio e Felipe.
Estratégia na qual não obteve êxito, pois nenhum deles confiava nele.
Com isto, Epaminondas, inventariante, recebeu seus bens e Fábio foi nomeado tutor do filho, na administração dos bens.
Fábio então, instruído pelo tio, pediu demissão no emprego e vendeu o imóvel que possuía no interior do estado.
A família mudou-se para São Paulo.
Fabio, devidamente orientado pelo tio, passou a administrar os bens do filho.
A família passou a residir num dos imóveis deixados de herança.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO IX

Quando o circo finalmente se apresentou, o garoto já havia lavado o chão do picadeiro, ajeitado os bancos para as pessoas sentarem. Acompanhado por Mirtes fazia a propaganda do circo dizendo:
- Venham conhecer o maior espetáculo da terra! O circo chegou.
Curioso, perguntava a Mirtes sobre o valor do ingresso, quantas entradas deveriam ser vendidas para que um espetáculo pudesse ser considerado um sucesso, etc.
Fez tantas perguntas, que a certa altura, Mirtes pediu para que ele se calasse.
Felipe atendeu prontamente.
Quando o espetáculo circense estava prestes a começar, o som de uma trombeta ecoou invadindo toda a lona.
Os palhaços Feliz, Alegre e Contente, disseram que o espetáculo iria começar.
Com isto, o som da trombeta foi substituído por uma buzina que fazia um ruído muito engraçado, mais parecido com uma flatulência.
Todos riram.
O espetáculo foi belo.
Mas para Felipe, o mais inesquecível momento, foi quando Miriam surgiu em um bonito colant apresentando seu número de trapézio.
A moça dava piruetas no ar, antes de ser amparada por Olegário.
Felipe chegava a se deitar em sua cama, e de olhos abertos se recordar de cada detalhe do número.
Miriam havia se tornado uma amiga.
Com o tempo, o menino passou a fazer pequenos truques de mágica.
Truques ensinados por Alencar em sua maioria.
Alguns porém, foram passados por Miriam que contou-lhe que durante algum tempo, foi assistente de Alencar.
Tal fato causou admiração no garoto.
Felipe adorava ouvir as histórias de Miriam, a qual sempre tinha algo interessante para contar.
Mirtes também se afeiçoara ao garoto, cuidando do menino como se fora um filho.
Enquanto isto, Fátima e Fábio desesperados, não sabiam o que fazer.
Já haviam acionado a polícia da região, que estava realizando buscas.
Como Felipe não aparecia, a procura diminuiu, muito embora a angústia dos pais não tenha diminuído nem um pouco.
Fátima não parava de chorar, aflita.
A mulher, chegou até a realizar uma promessa.
Caso a criança aparecesse, acenderia uma vela do tamanho do garoto, e distribuiria alimentos por um ano, para famílias carentes do lugar.
Fábio por sua vez, estava arrasado.
Sentia-se culpado pelo sumiço de Felipe.
O garoto por sua vez, também sentia saudades de casa, mas feliz por trabalhar no circo, alegrava-se com os números de mágica que realizava.
Odair, também simpatizava com o garoto, dizendo-lhe que era muito esperto e original.
Felipe ficava todo prosa com os comentários.
E assim, aprendia lições que eram tomadas por Miriam, que insistia em corrigir sua caligrafia horrível.
A tarde, o garoto ensaiava números de mágica, além de observar os ensaios da jovem.
A noite, nas apresentações, exibia suas habilidades de mágico.
Tirava pombas e coelhos da cartola, fazia objetos sumirem, outros objetos apareciam. Números de adivinhação.
Felipe estava irremediavelmente fascinado pelo mundo do circo.
Quando começaram novas incursões pelo interior do estado, o menino conheceu novas cidades.
Para o garoto, era um encantamento.
O coreto das praças, as igrejinhas, os moradores do lugar.
Em algumas cidades havia cinema, e Felipe pode ver algumas fitas.
Adorava filmes de aventura, como os de Tarzan, os quais já acompanhava em sua cidade.
No entanto agora, ia ao cinema acompanhado de Miriam, a melhor companhia que poderia ter.
Felipe adorava passear perto dos garotos e mostrar que estava ao lado de uma bela moça.
Nisto, um estranho, ciente do sumiço de uma criança da região, ao observar o garoto ao lado da moça, verificou que o mesmo se assemelhava a descrição física feita por policiais.
Acreditando se tratar de uma simples coincidência, o moço deixou a suspeita de lado.
Dias mais tarde, ao ouvir uma conversa da dupla, percebeu que o menino se chamava Felipe e que Miriam tentava descobrir onde estavam seus pais.
Foi o bastante para o homem contatar a polícia e relatar o ocorrido.
Na mesma tarde, policiais se dirigiram ao circo, onde conversaram com Odair.
Perplexo, o homem respondeu que há alguns meses, surgira um menino com ar assustadiço, encontrado no circo.
Com isto, Odair explicou a história do garoto, a qual lhe pareceu relativamente crível.
Só não pode esconder o ar de perplexidade ao perceber que fora enganado.
Chegou a dizer que Felipe era um excelente contador de histórias, e que seu talento, bem direcionado, poderia encaminhá-lo para a literatura.
Custava a crer que um menino de aparência tão ingênua, poderia enganar adultos experimentados como eles.
Quando Mirtes tomou conhecimento do fato, ficou chocada.
Desapontada, disse a Felipe que ele a decepcionou muito.
Ao ouvir isto, o garoto chorou.
Tentando explicar-se, disse que mentira por que seu sonho era trabalhar no circo. Contou que sempre sonhou em ser um grande domador, e que ao ver o circo novamente em sua cidade, percebeu que se tratava de uma grande oportunidade.
Os policiais disseram-lhe que ele vivera uma grande aventura.
Felipe perguntou então, onde estavam seus pais.
Os policiais explicaram a todos, que o garoto seria levado para a cidadezinha onde morava.
Miriam, perguntou a Felipe, por que havia deixado os pais tão preocupados.
Chorando, Felipe comentou que precisa fugir, ou não conseguiria realizar seu sonho. Argumentou que seus pais não entenderiam seu gesto.
Odair, ao ver o garoto triste, pagou o ordenado pelo período em que trabalhou no circo. Disse-lhe que aquele dinheiro era dele e poderia utilizá-lo como bem entendesse.
Felipe agradeceu e tentou desculpar-se pela confusão que havia causado.
Mais tarde, ao encontrar os pais, abraçou-os e pediu-lhe desculpas por haver fugido de casa.
Contou que durante o tempo em que ficou fora de casa, viveu em meio a gente honesta.
Para Fábio, contou que começou a trabalhar como mágico do circo, que se deparou com leões, tigres e elefantes.
Sorrindo, comentou que se sentia como Livingstone. Um desbravador da selva africana.
Fátima ao vê-lo depois de meses de ausência, abraçou-o chorando e pediu-lhe para que não mais fugisse de casa.
Com o tempo o garoto retomou suas atividades.
Voltou a freqüentar a escola.
Para surpresa de Fátima e dos professores, Felipe conseguiu acompanhar as aulas, mesmo depois de meses.
Felipe contou a mãe, que Miriam tomava-lhe as lições diariamente.
O garoto contou-lhe que a moça descreveu inúmeros lugares, e disse-lhe que o mundo era muito maior do que ele imaginava.
Sorrindo, o garoto contou que gostaria de conhecer os lugares que a moça descreveu.
Exibido, mencionou que precisava ampliar seus horizontes.
Fátima percebeu uma melhora em seu vocabulário.
Tempos mais tarde Fábio recebeu uma correspondência, na qual era informado que sua tia Irina, encontrava-se muito doente, e que ele precisava fazer-lhe uma última visita.
Na correspondência, estava indicado o endereço onde a senhora residia.
Surpreso, Fábio comentou que não conhecia ninguém com o nome de Irina.
Ao observar o endereço indicado na carta, constatou que se tratava da cidade de São Paulo.
Acreditando se tratar de um equívoco, o homem cogitou desfazer-se da missiva.
No que foi impedido por Fátima que argumentou sobre a possibilidade de se tratar de um parente distante.
Dias depois, o moço recebeu um telegrama de um seu parente, orientando a visitá-la.
Telegrama assinado por um tio de Fábio.
Epaminondas era um velho conhecido de Fábio.
O moço recordou-se que adorava brincar com os primos, filhos do tal tio.
Com isto, ao término da semana, de malas prontas, a família foi visitar a tal tia.
Irina era uma velha avarenta, somente preocupada em amealhar bens.
Andava pelas ruas de São Paulo com roupas puídas, e era sempre rude com todos os que se aproximavam.
A velha avara, possuía vários animais entre cães e gatos.
Para eles, oferecia todo o seu afeto.
Não confiava nas pessoas.
Para ela, todos se aproximam por causa de seu dinheiro.
Adolfo, seu sobrinho, adorava adulá-la.
Era o bastante para atiçar a ira de Irina, que ficava incomodada com tanta bajulação.
Adolfo estava sempre por perto, procurando chamar sua atenção.
Ajeitava sua almofada para melhor se acomodar.
Servia-lhe chás e pães.
Adolfo não a deixava sozinha por muito tempo. Isto era o bastante para irritar a mulher.
Irina costumava chamá-lo de bajulador. Argumentava que não lhe daria dinheiro algum.
Reclamava que era muito pobre e que não agüentava mais ser explorada pelas pessoas. Dizia que iria por fogo em tudo, para que ninguém ficasse com nada.
Irascível, certa vez, chegou a enxotar o sobrinho com uma vassoura.
A vizinhança não a suportava.
Consideravam-na esquisita e louca.
Diziam que fora casada com um homem de posses, vindo a ficar viúva, pouco tempo depois de casada.
Fato este não confirmado, mas que atraiu a atenção de Adolfo, que acreditava que a velha avara possuía um rico patrimônio escondido.
Todavia, os modos austeros de Irina, demonstravam justamente o contrário.
Seca no trato com as pessoas, só saia de casa para passear com seus cães, e comprar comida.
Era alvo de escárnio das crianças, contra as quais vociferava e rogava pragas.
Irina era irascível.
Mas Adolfo estava sempre por perto.
Oferecia-se para ministrar-lhe remédios, fazer compras.
Quando ele se ofereceu para arrumar a casa, Irina não se fez de rogada.
Deixou-o fazê-lo, para desespero de Adolfo.
Certa vez, o moço deixou escapar que detestava aquela velha miserável.
Diante de Irina porém, Adolfo era sempre afetuoso e gentil.
Mesmo quando a velha o ofendia, chamando-lhe de mandrião e dizendo que a arrumação da casa não havia sido bem feita, que a casa não estava limpa.
Irina por sua vez, fazia questão de esfregar o dedo em algum móvel para mostrar que este permanecia coberto de poeira. Dizia-lhe que se era para fazer o serviço mal feito, era melhor não fazer.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

CARINHOSO - PARTE I - CAPÍTULO VIII

Carmen Miranda e as famosas marchinhas de carnaval, eram ouvidas antes das apresentações.
Quando as crianças puderam apreciar a apresentação do circo, colocaram sua melhor roupa.
Felipe, um desses garotos, ficou encantado com a beleza da trapezista.
Empolgado, chegou a dizer aos amigos, que se tornaria trapezista de circo.
Os garotos riam do comentário.
Fato este que o deixava deveras aborrecido.
Não gostava que fizessem pouco de seus sonhos.
Sonhador, o garoto brincava de domador de circo. Imaginava-se enfrentando terríveis feras. Leões ferozes, tigres.
Em suas brincadeiras, era admirado por sua coragem e bravura.
Imaginava-se usando um bonito fraque, e dizia frases de efeito como esta:
- Agora, diante de seus olhos, um dos desafios mais impressionantes que se tem notícia. O desafio de um domador diante de inúmeras feras, preso em uma jaula.
Imaginativo, ficava a pensar em inúmeras estratégias para enfrentar as feras.
Seus amigos adoravam suas histórias.
Também adorava brincar de Tarzan, e de desbravador de segredos das florestas.
Em um das brincadeiras, denominou-se Livingstone.
Desbravador e aventureiro.
Fátima se preocupava com o temperamento excessivamente sonhador do filho. Dizia para Fábio que o filho deveria ter os pés mais calcados no chão.
No que Fábio retrucava que Felipe era apenas uma criança e que era natural este talento para exercitar a imaginação.
Dizia que o filho seria uma pessoa mais feliz, se pudesse vivenciar esta fase da infância, coisa que ele nunca pode fazer, posto que teve a necessidade de trabalhar desde cedo.
E assim o menino vivia uma infância despreocupada e feliz.
Ao colocar o garoto para dormir, Fátima costumava contar-lhes histórias de aventuras maravilhosas, que povoavam a imaginação do garoto, que se imaginava Peter Pan, desbravador, aventureiro.
Também das histórias do folclore brasileiro.
Quando o circo despediu-se da cidadezinha, o garoto ficou inconsolável.
Aborrecido, dizia que uma das poucas diversões que possuía, havia se acabado.
Fátima achava graça nisto.
Na escola, o menino tinha um desempenho mediano.
Fato este, que preocupava a mulher, que gostaria que o filho se tornasse advogado. Mas com notas assim, como isto seria possível? Pensava.
Nestes momentos, Fábio tentava tranqüilizar a esposa, dizendo que ainda era muito cedo para o garoto se preocupasse com um futuro de advogado.
Felipe, após a volta do colégio, se reunia com os coleguinhas de sua rua, para brincar de bolinha de gude, de futebol, de aventuras.
Decepcionado com a partida do circo, o garoto deixou um pouco de brincar de integrante do circo.
Contudo, quando o circo “Palácio dos Sonhos”, retornou a cidade, Felipe novamente se entusiasmou.
Animado, pediu aos pais para que o deixassem ir ao circo.
Insistiu tanto, que Fátima, para se ver livre da insistência do garoto, autorizou sua ida.
Feliz, o menino, tomou um banho demorado, penteou os cabelos passando-lhes brilhantina. Colocou um terninho, meia e sapatos lustrados.
Quando sua mãe o viu tão bem composto. Elogiou-lhe.
Disse-lhe que estava muito bonito.
Fábio, brincando, disse-lhe que parecia o próprio dono do circo.
Ao ouvir isto, Felipe encheu-se de orgulho.
Com efeito, usando suas melhores roupas, a família toda foi ao circo.
Lá, Felipe encontrou seus colegas de escolas, e os vizinhos.
Antes de entrarem no circo, ficaram a fantasiar o evento.
Todos estavam cheios de expectativas.
Mais tarde, entraram no circo.
Quando a atração finalmente iniciou-se, encantaram-se com o número do domador, enfrentando leões e tigres, bem como apresentando números com um elefante.
O domador foi entusiasticamente aplaudido.
A apresentação com os palhaços Feliz, Alegre e Contente, também foi muito aplaudida.
Em dado momento da apresentação os cômicos cantaram:
- Chegou, chegou, tá na hora da alegria. O circo tem palhaço. Tem, tem todo dia. O circo tem palhaço. Tem, tem todo o dia. Chegou, chegou, tá na hora da alegria.
As crianças gargalhavam.
Os garotos e as meninas se maravilhavam com um mundo de alegria e encantamento, mas os adultos também se maravilhavam com as apresentações.
O circo povoava a imaginação de todos.
Mais uma vez, a garotada se maravilhou com a apresentação da trapezista.
Miriam estava cada dia melhor.
De tão encantado com a apresentação do circo, Felipe não conseguia mais, prestar atenção nas aulas. Tornou-se disperso.
Certo dia, ao ver um dos garotos comentando sobre a beleza da trapezista, chamou-o para a briga.
Por esta razão os dois moleques rolaram pelo pátio da escola.
Razão pela qual foram advertidos e suspensos.
Quando Fátima tomou conhecimento deste fato, repreendeu o filho dizendo-lhe que estava de castigo e proibido de brincar com seus coleguinhas quando voltasse da escola.
Aborrecido, Felipe trancou-se no quarto.
Irritado, disse em voz bem baixa:
- Se a senhora pensa que vou ficar trancado aqui, está muito enganada. Eu vou ver o circo.
Com isto, o garoto pegou uma maleta e começou a colocar alguns brinquedos e roupas.
Quando Fátima surgia abrindo a porta do quarto, o garoto se jogava na cama e fingia dormir.
Vendo Felipe deitado na cama, de olhos fechados, acreditava que o garoto estava realmente dormindo.
Tanto que aproveitou para ajeitar o cobertor, e dar-lhe um beijo de boa noite, em seu rosto.
Ao sair do quarto, Fátima aproveitou para apagar a luz, a qual estava acesa.
Ao encontrar o marido na sala, após retornar de um dia de trabalho, comentou que Felipe estava de castigo.
Surpreso, o homem perguntou a razão de tamanha repreensão.
Fátima respondeu-lhe então, que Felipe havia sido suspenso em virtude de uma briga.
Fábio ficou espantado. Isto por que o menino era dócil.
A mulher respondeu-lhe que também não entendia.
Comentou que Felipe estava agindo de forma estranha, e que não conseguia entender o porquê.
Fábio, tentando tranqüilizá-la, disse que era apenas uma fase que iria passar com o tempo.
Nisto, o homem entrou no quarto de Felipe e lhe deu um beijo de boa noite.
Mais tarde, aproveitando que o casal se recolheu, o menino levantou-se, pegou sua maleta. Abriu a janela e depositou a mala em uma cadeira que utilizou para pular a janela.
Com a mala nas mãos, caminhou lentamente pelo quintal, e pulando o muro da casa, ganhou o mundo.
Caminhando pelas ruas da pequena cidadezinha, conseguiu chegar no circo.
Com efeito, quase todos os funcionários dormiam naquele momento.
Circulando pelo lugar, o menino tratou logo de se esconder, ao ouvir o barulho de pessoas conversando.
Refugiou-se num baú.
Cansado adormeceu.
Nisto, era providenciada uma nova mudança no circo.
Iriam todos ao amanhecer, para outra cidadezinha da região.
E assim, com o passar das horas, o dia amanheceu.
Com isto, de malas prontas, todos seguiram viagem.
Tempos depois, chegaram na nova cidade.
Quando Felipe despertou, tratou logo de sair do baú.
Sorrateiro, esgueirava-se para caminhar.
De longe, percebeu que os homens se organizavam para montar o circo. Ao olhar em volta, percebeu que nada ali lhe era familiar.
Foi quando notou que não estava mais em sua cidade natal.
Tal fato o deixou nervoso.
Nisto, quando se preparava para continuar vistoriando o local, sentiu uma mão em seu ombro.
Assustou-se.
Ao virar-se, deparou-se com um homem, que imediatamente perguntou-lhe o que estava fazendo ali.
Felipe, não conseguiu pronunciar uma só palavra. Apenas gaguejava.
Com isto, o homem insistiu na pergunta.
Felipe, trêmulo, disse que havia se perdido, e que não sabia onde estava.
Quando o homem o viu segurando uma maleta, perguntou-lhe se estava certo do que dizia.
Para ele, Felipe parecia confuso.
Diante disto, o homem conduziu o menor diante do dono do circo.
Odair surpreendeu-se ao ver o garotinho sendo conduzindo pelo funcionário.
Tanto que também perguntou-lhe o que fazia por ali.
No que o menino, articulando melhor as palavras, respondeu que havia se perdido e que não sabia onde estava.
Odair então, ao notar a maleta que trazia, perguntou-lhe o que estava fazendo com aquilo.
Felipe respondeu sua tia havia feito sua mala, e recomendado para que pegasse uma carona na estrada. Argumentou que seguiu o referido conselho, vindo a parar em uma estrada por onde caminhou por algum tempo, até chegar naquele lugar.
Ao ouvir o relato do garoto, o dono do circo não ficou muito convencido da história.
Mas como Felipe insistisse naquele relato, comentou com o homem que não poderia abandonar o garoto.
Como não existisse delegacia cidade, e como o garoto implorasse dizendo que queria ficar, pois não tinha para onde ir; Odair então, resolveu lhe dar hospedagem.
Felipe agradeceu e prometeu ajudar em tudo para o que fosse mandado.
Com isto, o menino ficou sob os cuidados de Mirtes e Miriam.
Odair, contou a mulher que o garoto havia se perdido e não sabia como voltar para casa.
Mirtes, um tanto desconfiada da história, argumentou que eles poderiam ter problemas com a polícia se os pais do garoto denunciassem seu sumiço.
Odair argumentou que o menino não sabia onde morava.
Comentou que Felipe lhe dissera que morava em um sítio com uma tia, e não sabia o nome da cidade que era mais próxima. Disse que esta tia o maltratava, e que não queria voltar.
Mirtes pediu para conversar com o garoto e Felipe lhe repetiu a mesma história triste que contara a Odair.
A mulher ficou comovida com a história.
Com isto, passou a cuidar do garoto.
Levou-o para sua barraca.
Com isto, logo que o menino entrou em sua barraca, Mirtes perguntou-lhe se estava com fome.
O menino respondeu-lhe que sim.
Mirtes serviu-lhe um pouco de arroz com carne e salada.
Felipe comeu avidamente.
Mais tarde, o garoto foi apresentado a sua filha Miriam.
Ao vê-la, ficou emudecido.
Mirtes ao perceber o deslumbramento de Felipe por sua filha, comentou que Miriam era uma moça muito bonita e muito mais velha do que ele.
Felipe ficou ruborizado.
Com o tempo, o garoto passou a cuidar da ração dos animais.
Admirava os leões, tigres e elefante à distância, admirado com a imponência dos animais.
Curioso, o menino perguntava ao tratador dos animais do que eles gostavam.
O homem explicou-lhe que o elefante gostava de esguichar água no próprio corpo para se refrescar.
Comentou que os leões e os tigres gostavam de comida fresca.
Felipe queria se aproximar dos animais.
No que foi impedido pelo tratador que lhe disse ser muito perigoso.
Tentando assustá-lo, contou que os dois últimos treinadores dos leões e dos tigres, ao tentarem se aproximar dos animais, tiveram um de seus braços decepado.
Ao ouvir isto, Felipe ficou chocado.
Mais tarde, perguntou ao domador, como poderia fazer para se aproximar dos animais com segurança.
Sorrindo, o domador dos bichos comentou que somente conhecendo um pouco os animais, saberia como se aproximar com segurança.
O menino, ao ouvir isto, ficou coçando a orelha.
Caminhando sozinho pelo circo, ficou a resmungar dizendo que para conhecer os animais, precisava se aproximar deles, e assim, se precisava se aproximar para conhecê-los, como poderia conhecê-los para poder finalmente se aproximar?
Distraído, acabou por quase esbarrar em Miriam, que vinha no sentido oposto.
Felipe, ao se ver diante da moça, olhando no chão, pediu-lhe desculpas.
Miriam sorrindo, perguntou-lhe se não gostaria de entrar no circo, e conhecer o picadeiro. Disse que estava treinando seu número.
O garoto concordou.
O menino, ao adentrar a lona, percebeu se tratar de um ensaio geral.
Encantado, observou o número de malabarismo, o trio de palhaços, o número do atirador de facas, o mágico, o domador e o treinamento com as feras.
Quando chegou a vez de Miriam ensaiar, o menino ficou encantado com jeito com que a moça deslizava pelo ar, sendo amparada por seu companheiro de trapézio.
Aquele parecia ser um momento de pura magia para o garoto.
Momento que se prolongou com sua gostosa sensação, por vários dias.
Felipe era puro encantamento por Miriam.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.