Nisso Claudionor e o advogado, continuaram a discutir cuidadosamente os termos do acordo.
Sim por que, se o empresário oferecesse uma quantia generosa em dinheiro para a família, facilmente lhe entregariam a garota.
Todavia, Claudionor deveria se prevenir, ou então passaria a ser vítima de chantagem. Assim, logo que pagasse a quantia a família, Anne deveria estar presente e de malas prontas para partir.
Com isso, encerrados os detalhes do acordo, os dois foram negociar com a família.
Porém, não foi nada fácil driblar Carla e fazer com que a mesma cumprisse com o combinado. A mulher, interessada em conseguir um dinheirinho fácil, fez de tudo para impedir a ida da moça para a casa do empresário.
Isso por que, Carla, acreditando que se se comprometesse e passasse a cuidar bem da moça, facilmente convenceria Claudionor a deixá-la ali morando com eles, acabou dificultando as coisas.
Ambiciosa, Carla pensou que arranjaria uma ótima fonte de dinheiro. Sim por que se ele concordasse com isso, todo o mês ela teria uma quantia certa a receber.
Claudionor porém, desconfiado da proposta, recusou-a peremptoriamente. Isso por que, conhecedor dos modos como a família tratava a moça, sabia que seria somente uma questão de tempo, para que tudo voltasse a ser como sempre foi.
Sim. Talvez num primeiro momento, a moça fosse até bem tratada, mas seria questão de tempo para que Anne voltasse a ser humilhada. E pior, se deixasse a moça nas mãos daquela família pérfida, dificilmente conseguiria tirá-la de lá, se isso fosse necessário.
Assim, percebendo a astúcia de Carla, o empresário teve que ser firme.
Com isso, ao levar o dinheiro para a família, o empresário exigiu que os mesmos renunciassem qualquer direito que tinham sobre Anne.
Além disso, para evitar futuros problemas, foi ajuizada uma ação na comarca onde o empresário morava, já que na cidade de Anne não havia fóruns, para que Claudionor obtivesse a guarda, mesmo que provisória da moça. Isso por que, por ser menor de idade, Anne ainda dependia da família Pereira.
E assim, ao levar Anne consigo, Claudionor exigiu que Carla lhe entregasse sua Certidão de Nascimento, bem como demais documentos que a garota tivesse. Não bastasse isso, o empresário teve que brigar muito para tirar Anne da casa de Carla.
Isso porque Carla, a despeito de ter ganho uma boa quantia no acordo, fez questão de ameaçar o empresário, dizendo que a qualquer hora poderia tirar Anne de sua casa.
Mas a mulher, apesar de interesseira, não foi direta em suas ameaças. Ao contrário, por meio de insinuações é que sugeriu essa possibilidade.
Diante disso, Claudionor, prevenido, passou a todos os meses, enquanto o termo de guarda provisória não era concedido, a entregar uma pequena fortuna a megera.
Porém, depois de obter a guarda provisória e depois a definitiva, o empresário nunca mais deu um centavo a família.
Mas, a evolução dessa disputa judicial, é questão para mais tarde. Agora, o que interessa é contar a primeira impressão que Anne teve ao entrar na mansão de Claudionor.
Isso porque a moça, assustada, não conseguia entender o que estava acontecendo. Até porque, nunca tinha visto Claudionor antes.
Foi então que eles, ao chegarem em casa, pararam, e o empresário se explicou.
Claudionor porém, ao comentar que já sabia de sua situação e de tudo o que tinha acontecido, deixou a moça ainda mais assustada.
O empresário então, percebendo o temor nos olhos de Anne procurou acalmá-la dizendo que não lhe faria nada de mal. Todavia, o empresário não revelou a Anne que fora seu filho que a molestara durante aquela fatídica festa. Pelo contrário, omitiu essa informação. Isso por que, ele temia que ao contar, a moça resolvesse fugir.
Não, não ele não queria correr riscos.
E assim, procurando deixar a moça à vontade, Claudionor ofereceu-lhe chá, bolos e tortas.
Mas Anne, ressabiada, recusava tudo que lhe era oferecido.
Claudionor então, sabedor do interesse da moça pelos estudos, deixou-a à vontade para escolher o livro que quisesse ler, em sua biblioteca.
Anne então, ao entrar no ambiente, ficou encantada com a quantidade de livros que havia naquele lugar. De tão deslumbrada com a visão, chegou a comentar que aquela biblioteca, era maior do que a que havia em sua escola.
Claudionor riu da comparação. Percebendo então, a surpresa da moça, o empresário, sugeriu a ela, a leitura de um célebre romance intitulado ‘A Moreninha’. O empresário, alegou que ela iria adorar o livro.
Anne então agradeceu, e mais do que depressa sentou-se num dos sofás que havia no ambiente, e avidamente começou a ler.
Claudionor ao perceber o interesse de Anne pelos livros, ficou encantado. E assim, durante meia hora ficou observando-a ler atentamente o livro.
Depois disso, ao ser informado que um cliente lhe procurava, o empresário saiu da biblioteca discretamente, e recomendou a governanta e as criadas da casa, que a conduzissem ao quarto, assim que ela parasse de ler. Além disso, cuidadoso e preocupado com a estada da moça em sua casa, Claudionor recomendou que pelo menos nos primeiros dias, as empregadas ficassem o tempo todo bem próximas dela e que a deixassem à vontade na casa.
Nisso o empresário, foi até o escritório e atendeu um telefonema. Depois, pegou o carro e foi direto para o escritório.
Enquanto isso, Anne se divertia lendo sobre as reinações de Carolina e Augusto, os heróis do romance. Entretida com a divertida leitura, Anne passou gostosas horas na biblioteca.
Por fim, cansada da leitura, a moça anotou o número da página em que estava e guardou novamente o livro, na estante da biblioteca. Depois, um pouco perdida e ainda confusa com a nova situação, ao ver sua mala no chão, pensou em imediatamente sair da casa.
Porém, ao tencionar pegar a mala, a governanta se aproximou e sugeriu que ela guardasse suas coisas, no quarto de hóspedes.
Anne ao ouvir a expressão ‘quarto de hóspedes’, ficou espantada. Afinal de contas, por que iria dormir na ala dos patrões? A garota, ao ouvir isso, ficou deveras espantada. Tão espantada que já chegou a questionar isso.
Mas a governanta insistiu. Era para lá que Anne deveria ir.
A moça então, ao entrar no quarto, ficou encantada. O quarto, bem arrumado, nem de longe lembrava seu quarto fuleiro. O triste habitáculo em que vivia.
O ambiente, amplo, arejado, bem cuidado e bonito, era um convite ao descanso. Uma beleza só!
Anne então, preocupada, perguntou a criada, se ela tinha certeza do que estava fazendo. Afinal, quando o empresário foi buscá-la em sua casa, imaginava que iria ocupar a ala dos empregados.
A governanta, ao ouvir isso, começou a rir. Simpática comentou:
-- Que bobagem menina. De onde você tirou isso? Você é uma convidada do Doutor Claudionor, não tem nada que dormir em quarto de empregada. Você é hóspede, minha cara. – respondeu fechando a porta. Porém, antes de sair, disse. – Precisando de qualquer coisa, é só chamar, eu estarei na cozinha. Fique à vontade.
Anne então, ficou sozinha no quarto. Ainda confusa com tudo o que estava acontecendo, mal podia acreditar que realmente estava naquela bela casa, ocupando um quarto de princesa como aquele. Era tudo um sonho. Um sonho tão bom, que temia durar pouco. Por isso, tentou o máximo que pôde não se impressionar com o que lhe era oferecido. Isso por que, se tivesse que voltar para sua triste vida, não teria que suportar a perda. Sim, a garota, cansada de sofrer, não queria passar por mais uma tristeza.
No que aliás tinha toda a razão.
Claudionor também se preocupara com isso. Por isso, ao chegar em casa, fez de tudo para dar atenção e acalmá-la.
Mas, desconfiada, Anne não conseguia ficar à vontade. Exemplo disso, é que, sempre que ela se interessava por um livro da biblioteca, pedia ao empresário, licença para lê-lo.
Este, ao ver o comportamento da moça, insistia em dizer que ela não precisava pedir, era só pegar.
Anne contudo, não conseguia se acostumar.
Mas, Claudionor, contando com a ajuda de seus criados e com muita paciência, acabou convencendo-a, com o passar do tempo, que estava sendo sincero quando dizia que aquele era também, o lar dela.
No entanto, para que Anne passasse a se sentir bem na casa, foi preciso muito tempo.
Com isso, enquanto esse tempo passava, Claudionor contratou uma professora de etiqueta para ensinar a moça, tudo o que era necessário para que ela pudesse conviver bem com as pessoas da alta roda.
E assim, dia após dia, além das leituras que sempre gostou de fazer, a moça recebia aulas de como andar, comer, etc. Ademais, continuou a freqüentar a escola da cidade em que vivera. Porém algo tinha mudado. Agora, tanto para ir quanto para voltar, era levada pelo motorista do empresário.
Dessa forma, nas primeiras vezes em que chegou de carro na escola, todos pararam para olhar.
Seus amigos, Rafael, Enrique e Otávio, chegaram até a comentar:
-- Tá chique heim?
Contudo, embora externamente muita coisa tenha mudado, Anne continuava a mesma. Mesmo depois de passar a conviver com o empresário, não esqueceu dos amigos e sempre os tratava bem.
Certa vez, autorizada pelo empresário, até os convidou para passar a tarde na mansão.
Nisso, os garotos, ao lá chegarem, ficaram encantados com o luxo do lugar. Porém, educados, não mexeram, nem quebraram nada. Ao contrário, comportaram-se muito bem. Tão bem que o empresário sugeriu a Anne que convidasse mais vezes os garotos para visitar a casa.
Nisso, Anne, um dia, ao voltar para casa, acabou encontrando com Carla, que mais do que depressa se aproximou para assombrar a garota. Anne, então, ao ver a perversa mulher, ficou deveras abalada. De tão chateada, passou o restante do dia, confinada em seu quarto.
Claudionor ao saber disso, ficou deveras preocupado. Cuidadoso, adentrou seu quarto e pediu para conversar.
Mas Anne não queria saber de conversa. Reservada, não quis saber de comentar o assunto.
O empresário, então, resolver não insistir. Porém, obcecado com a idéia de animá-la, decidiu que a levaria para fazer compras. Isso por que, todas as vezes em que reparou nas roupas de Anne, constatou que ela sempre estava mal vestida. Sua mala, cheia de roupas velhas, surradas e rasgadas era de fazer pena.
Anne, porém, não se importava nem um pouco com isso. Desacostumada a cuidar de sua aparência, nem ligava quando diziam que ela estava esculachada.
Todavia, a despeito da opinião de Anne, o empresário estava decidido a mudar o modo como a garota se vestia. E assim, apesar da resistência da moça, Claudionor acabou levando-a para fazer compras.
Contudo, desacostumado a comprar roupas para mulheres, o empresário pediu para a professora de etiqueta acompanhá-los.
E assim, pacientemente a mulher ajudou Anne a escolher suas roupas.
Durante o passeio, o empresário comprou roupas, sapatos, perfumes, bijuterias, cintos e outros acessórios. Foram horas de gastança.
Anne, desacostumada com esses passeios, perguntou ao empresário se ele não estava gastando demais.
No que ele respondeu que não. Claudionor estava decidido a transformar Anne em uma pessoa elegante. Tão decidido que não economizaria nenhum centavo para isso.
Por fim, quando os três chegaram em casa, foram necessárias várias idas e voltas da garagem para a sala, para descarregarem todas as compras.
A própria professora de etiqueta ficou impressionada com o volume das compras. Isso por que, ao ver ao final, o resultado da farra consumista, ela constatou que a quantidade de roupas e acessórios que fora comprada, era muito grande. Tão grande que a moça poderia ficar três meses usando as roupas que foram compradas e ainda assim, não repetiria nenhuma peça.
Para Claudionor porém, aquilo era só uma pequena amostra do que ele podia fazer para ajudar Anne.
Ademais, como a moça estava grávida, boa parte das roupas que foram compradas eram para gestante. Com isso, mais tarde, eles precisariam ainda, comprar o enxoval da criança. Porém, estava muito cedo para isso.
Nisso, o empresário percebendo que ainda não haviam jantado, pediu as empregadas que servissem o jantar.
Foi então que cansados e famintos, os três se serviram de um saboroso pernil.
Após, Anne pediu licença a Claudionor e a professora e se retirou da sala.
Antes porém, o empresário pediu que a partir do dia seguinte ela começasse a usar as roupas novas e descartasse as roupas velhas.
A moça concordou. E foi assim, que Anne começou a se arrumar. Contudo, como ainda não estava acostumada a fazer isso, foi logo pedir a ajuda de sua professora de etiqueta para se vestir.
Foi assim que Anne com o passar do tempo, aprendeu a como se vestir, se arrumar, a comer comidas refinadas, a andar, etc.
Além disso, durante o tempo, em que pôde contar com a ajuda de uma professora de etiqueta, a moça, além de acompanhar as aulas do colégio que freqüentava, passou a ter aulas particulares de história, geografia, inglês, espanhol, francês, português, entre outras disciplinas, com professores especialmente contratados para tal fim.
Essa preocupação de Claudionor se justificava. Apesar de Anne freqüentar regularmente uma escola, o nível de aprendizagem era baixo. Com isso, preocupado com o futuro da jovem, o empresário, passou a ter o cuidado de se empenhar para que sua educação fosse a melhor possível.
E Claudionor estava tão empenhado nisso, que se comprometeu com a moça, dizendo que enquanto ela não estivesse preparada para freqüentar uma escola melhor, ela teria aulas particulares, visando a isso.
Assim, mesmo depois de encerrado o ano letivo, Anne continuou tendo aulas com os aludidos professores e aprendendo mais e mais.
Sim, a vida de Anne estava mudando. E o que era bom, estava mudando para muito melhor.
Porém, não foi nada fácil para ela chegar a essa evolução. Isso por que, durante o todo esse processo, Cláudio – o rapaz que provocara toda a reviravolta por que estava passando sua vida –, retornou de um longo exílio na fazenda do pai.
Anne então, ao ver o rapaz que a molestara diante de si, ficou deveras transtornada. Chateada e assustada, pediu aos empregados da casa que a deixassem ir embora.
Mas estes, alegando que estavam cumprindo ordens, não a deixaram partir.
E assim, triste, Anne ficou quase uma semana trancada em seu quarto sem querer ver, nem falar com ninguém.
Claudionor então, ao voltar do trabalho e se deparar com seu filho dentro de casa, ficou furioso. De tão iracundo, quis logo tomar satisfações com Cláudio. Porém, ao aventar a hipótese de que talvez Anne já o tivesse visto, ficou apavorado. De tão apavorado, esqueceu-se do filho e foi imediatamente conversar com a moça.
Esta, para seu desespero, já havia visto o rapaz, e estava há horas trancada em seu quarto.
Claudionor então, tentando entrar no quarto de hóspedes para conversar com Anne, percebeu que a mesma havia chorado muito. Isso por que, ao responder seus apelos com voz chorosa, Anne já dava a exata dimensão do seu sofrimento. Sim, a moça estava muito triste com o que estava acontecendo.
Porém, apesar de seu empenho, não foi desta vez que Anne resolveu conversar com ele.
Contudo, no dia seguinte, o empresário, sabendo que a moça desceria, decidiu então ir mais tarde para o escritório, só para que tivesse a oportunidade conversar com ela.
Dito e feito. A moça, sem saber que o empresário a aguardava, desceu as escadas. Ao chegar na sala de almoço, deparou-se com Claudionor aguardando-a.
Anne então, percebendo-se acuada, tentou fugir mas não conseguiu. Isso por que, Cláudio descia as escadas justamente no momento em que ela tencionava novamente subi-las.
Sem saída, só restou a Anne, permanecer na sala de almoço e ouvir as explicações do empresário.
Cláudio então, percebendo que a conversa seria difícil, tentou debalde sair de fininho. Mas Claudionor percebendo sua presença, deu-lhe ordem para que terminasse de descer as escadas.
Sem saída, o rapaz comentou:
-- Tô ferrado!
Claudionor ao ouvir o comentário do filho, disse a ele que moderasse sua linguagem. Após, comentou com Anne que não tivera a intenção de enganá-la. Pelo contrário. Ele se omitira quanto a isso, simplesmente para não dificultar a aproximação. Não fora por maldade.
Depois, voltando-se para Cláudio, disse:
-- Não bastasse a canalhice que fizeste, ainda teve coragem de desobedecer minhas ordens! Quem lhe autorizou a voltar para cá?
No que o rapaz respondeu:
-- Ao contrário do que o senhor está dizendo, eu não sou um canalha. Muito menos um irresponsável, sabia? Eu voltei por causa da faculdade.
-- E desde quando você se preocupa com isso?
-- Desde quando o senhor me obrigou a trancar a matrícula. Lembra-se?
-- Se você fosse mais responsável, Cláudio, não precisaria ter trancado a matrícula.
-- Quer saber? Dane-se! Pra você eu vou estar sempre errado. – respondeu Cláudio aborrecido, voltando para seu quarto.
Nisso, o empresário, procurando se desculpar com a moça, ficou toda a manhã lhe fazendo companhia. Depois, percebendo que a moça havia se acalmado, despediu-se dela e foi para o escritório.
Diante disso, vendo-se sozinha naquela casa, Anne resolveu permanecer em seu quarto, esperando quem sabe, o rapaz sair de casa.
Dito e feito. Quando finalmente o rapaz saiu, a moça aproveitou para ir até a biblioteca pegar mais um livro para ler.
Assim, a despeito dos inevitáveis encontros com Cláudio durante o café da manhã e algumas provocações do mesmo – as quais ela sempre ignorava –, tudo estava indo bem.
Todavia, certa vez, enquanto estava tomando banho de sol na piscina, um bando de filhinhos de papais apareceu por ali. Estes, ao verem a garota sozinha na piscina, foram logo chamando-a de jeca e de caipira.
Nessa época, ainda sem suas roupas de grife, a moça estava usando apenas as peças que havia levado para lá.
Por esta razão, com as gozações dos amigos de Cláudio, Anne ficou bastante aborrecida e sem disposição para aturar desaforos, tratou de sair da piscina e ir para seu quarto.
Com isso, Claudionor ao tomar conhecimento do ocorrido, deu ordem ao filho de voltar a fazenda, que furioso, teve de obedecer as ordens do pai. Porém, não sem antes acusar Anne de ser a culpada pelos constantes desentendimentos, entre ele e Claudionor.
Claudionor ao ouvir isso, mandou que o filho se calasse.
Foi assim que mais uma vez Cláudio foi para a fazenda.
Porém, era só passar algum tempo que ele voltava.
Voltava para azucrinar a vida de Anne.
No entanto, na segunda vez, preparada para as agressões de Cláudio, Anne, mais acostumada com o modo de vida dos abastados, passou a se defender de suas brincadeiras.
Amparada pelas aulas de etiqueta, roupas melhores, aulas particulares, e toda a atenção de Claudionor e dos criados da casa, que aliás, a adoravam, Anne não tinha mais por que se sentir acuada diante da presença de Cláudio.
Aliás, o próprio já reconhecia que a mesma havia mudado muito. Tanto que, segundo suas próprias palavras, nem parecia a mesma bobalhona de antes.
Com isso para ajudar, o irmão, Lauro – um seminarista –, que estava de férias, aproveitou o ensejo para passar alguns meses em companhia da família, os quais não via há muito tempo.
E assim, Lauro, dias depois de ter chegado a mansão dos Morais, tomou conhecimento da situação delicada que a família estava vivendo.
Desta maneira, quando finalmente pôde conversar com Anne, apesar de sua desconfiança com a história, Lauro acabou se convencendo de que ela era mais vítima do que algoz.
Isso por que Lauro, constatou que a mesma era muito ingênua para ter urdido um golpe contra o irmão, o qual aliás, ele conhecia muito bem e sabia que não era boa bisca.
Por isso mesmo quando Cláudio insinuou que tudo era uma armação da moça, Lauro tratou logo de desmenti-lo mandando que se calasse, fato esse que deixou-o revoltado.
Porém, conflitos a parte, ao chegar, o noviço foi muito bem recebido por sua família. Seu pai, estava morrendo de saudade.
Com isso, ao ver seu filho em casa, efusivamente Claudionor o cumprimentou e perguntou-lhe com estavam indo as coisas no seminário.
Lauro então comentou sobre as novidades.
E assim, a conversa se manteve por horas.
Já Cláudio, menos efusivo, apenas cumprimentou o irmão, e dizendo ter um compromisso marcado, alegou que precisava sair.
Foi então que Lauro comentou:
--O Cláudio não muda nunca!
Nessa oportunidade, o moço foi apresentado a Anne.
Os dois então, educadamente se cumprimentaram.
Em seguida, depois de pegar um livro na biblioteca, a moça voltou para seu quarto.
Nisso, quando Anne saiu, Claudionor continuou a conversar com filho. Dias depois, o empresário contou detalhes da história de Anne, e Lauro que já sabia algo sobre o assunto, passou a conhecê-la melhor.
Nisso o rapaz, convivendo com a moça, passou a conhecê-la cada vez melhor e percebendo que ela não estava mal intencionada, passou até lhe ajudar, defendendo-a das provocações de Cláudio.
Com isso, os dois ficaram tão próximos que acabaram se tornando grandes amigos. Grandes amigos e confidentes diga-se de passagem. Sinceros um com o outro, jamais mentiam entre si.
Essa proximidade passou a ser alvo de comentários maldosos de Cláudio.
Tais comentários no entanto, não agradavam nem um pouco Lauro, que como seminarista, mantinha sempre uma conduta discreta.
Assim, quando o assunto era amizade entre ele e Anne, o rapaz ficava uma fera. Não admitia que fizesse brincadeiras envolvendo sua pessoa e a de Anne. A quem tinha em alta estima.
Cláudio certa vez, observando a reação do irmão quanto a essas brincadeiras, comentou que o mesmo se enervava demais para uma coisa tão á toa quanto aquilo.
Lauro porém, não entendia da mesma forma. Para ele, era uma questão de respeito evitar as brincadeiras. Respeito não só com ele, mas também com relação a moça, que estava fazendo de tudo para se adaptar a vida da família.
Mas, Cláudio, com seu comportamento, não ajudava em nada.
Todavia, Anne, a despeito de tudo o que Cláudio tentava aprontar com ela, estava cada vez mais, aprendendo a se defender de suas artimanhas.
Anne, agora acostumada com as brincadeiras de Cláudio, passou a responder as provocações a altura. Certa vez, quando o rapaz fez uma insinuação maldosa a respeito de sua amizade com Lauro, a moça fez questão de lhe dizer, que haviam se tornado amigos sim, mas que ao contrário dele, o sentimento era sincero. Além disso, ela comentou que Lauro era digno demais para ser envolvido em uma canalhice como aquela.
Claudionor, ao ver a cena, sentiu até uma ponta de orgulho.
Sim, Anne estava se aprimorando cada vez mais, não só culturalmente mas também como pessoa. Mais segura, a moça estava com a auto-estima nas alturas.
Anne estava tão feliz que nem parecia a moça de antes. Porém, certas características não mudam nunca. Assim, de vez em quando, ela ainda preferia a própria companhia, a de qualquer outra pessoa.
Todavia, a despeito de tudo isso, um acontecimento, muito ruim para todos, acabou por acontecer.
Anne, que já estava grávida de cinco quatro meses, acabou sofrendo um aborto.
Inesperadamente, a moça começou a sentir muita dor. Quando se deu conta do que era, ficou desesperada.
Porém, a despeito de todo o empenho de Claudionor em socorrer a moça a tempo, o inevitável aconteceu.
Anne a despeito de todo o cuidado que passara a ter na gravidez, perdeu a criança que gerava.
Este fato, foi extremamente penoso para ela.
Cláudio, então, sentindo-se penalizado pela situação, chegou até a se desculpar com Anne.
No entanto, a despeito de sua pena pela moça, Cláudio sentiu-se verdadeiramente aliviado, quando soube da notícia. Acreditando que agora que Anne não estava mais grávida, retornaria para sua casa, Cláudio ficou exultante. Todavia, cauteloso, tentou o máximo que pôde, disfarçar sua euforia.
Anne, por sua vez, também ficou preocupada com sua situação dali para a frente. Isso por que, acostumada com a vida boa que passara a levar, demoraria muito para se acostumar novamente com a dura vida que sempre viveu. Porém, certa de que sem a perspectiva de ter um neto, o empresário a devolveria a sua família, Anne tratou de imediatamente, arrumar suas malas.
Claudionor então, percebendo a mudança de comportamento de Anne, ao ver as malas prontas, foi logo perguntando o por quê de tudo aquilo.
Anne então, profundamente abatida pela perda do filho, disse que sentia necessidade de ficar sozinha.
O empresário, contudo, não convencido das explicações da moça, tratou logo de saber o que estava acontecendo. Insistente, pressionou Anne de todas as formas possíveis para que ela lhe contasse o que estava se passando em sua cabeça.
De tão incisivo, o empresário deixou a moça sem saída. Foi assim que ela então confessou, que, depois de ter perdido o filho que estava esperando, fatalmente ele a mandaria embora.
Claudionor, ao ouvir as palavras de Anne, ficou profundamente penalizado. Percebendo então, o quão frágil era a situação da moça naquela família, o empresário se comprometeu a continuar cuidando dela, enquanto ela precisasse. Assim, enquanto a moça estivesse freqüentando a escola, e posteriormente, uma universidade, prontamente ele a ajudaria.
Além disso Claudionor comentou com Anne que, se fosse necessário, até a ajudaria a encontrar um trabalho. Assim, o empresário, deu todas as mostras de que ela não estava desamparada. Além disso, Anne poderia continuar morando na mansão, o tempo que quisesse.
No entanto, a despeito de tudo isso, a moça continuava triste.
Claudionor então percebendo isso, mais do que depressa, convidou a moça para um passeio em sua fazenda.
Anne, porém, ao ouvir a proposta de Claudionor, ficou um tanto quanto ressabiada. Isso por que, privada de sua companhia, ela ficaria sozinha na fazenda.
Lauro então, percebendo o desconforto de Anne, ofereceu-se para acompanhá-la no passeio.
Com isso, a garota mais do que depressa, concordou com o passeio. Porém, depois do ocorrido, o empresário, percebendo que Anne ainda necessitava de roupas, tratou de levá-la novamente para um passeio.
Após, devidamente paramentada, a moça, preparou suas malas e juntamente com Lauro, viajou para a fazenda.
Anne então, precavida, mesmo sem ter a obrigação de estudar, fez questão de levar alguns livros consigo a fim de que pudesse ler quando tivesse vontade.
Lá em companhia de Lauro, a moça teve o raro prazer de conhecer de perto, a estrutura de uma fazenda.
A grande propriedade abrigava uma grande variedade de animais, de plantas e de árvores. No pomar, frutas de todos os tipos eram cultivadas. Quanto a horta, essa era uma imensidão verdejante a se perder de vista. Na fazenda, havia ainda o cultivo de cereais.
Para passear, muitos cavalos á disposição. Aliás, na propriedade, havia um lugar exclusivo para o cuidado e treinamento desses animais.
Além disso, o fazendeiro, em homenagem a memória da falecida esposa, mandou construir um imenso e imponente jardim, na entrada da fazenda. Assim, enquanto o carro do visitante passasse pelo caminho que levava a fazenda, podia apreciar a beleza de lindas flores desabrochando pelo trajeto.
Era uma ampla variedade de flores. Tinha até orquídeas.
Com isso, não bastasse o belo e imenso jardim construído na entrada da fazenda, o fazendeiro, ordenou que se construísse um orquidário. Nesse local, todo fechado em vidro, espécies delicadas de plantas eram cultivadas.
Anne ao ver todas essas maravilhas, ficou encantada.
Todavia, o melhor ainda estava por vir.
A natureza contida na fazenda, conseguia ser ainda mais exuberante que a magnífica horta, o imenso pomar, e a extensa plantação.
Caminhando pela fazenda, ou mesmo cavalgando, podia se chegar a belíssimas cachoeiras e a um imponente lago que havia na região.
Porém, como Anne não sabia andar á cavalo, Lauro providenciou uma charrete para levá-la até o local. A moça então ao se deparar com tão rico cenário, ficou encantada. Tão encantada que agradeceu pelo passeio com um beijo no rosto do rapaz.
O seminarista ficou um tanto quanto desconcertado. Porém, ao ver o encantamento de Anne, percebeu que a moça o beijara sem nenhuma intenção maliciosa. Estava feliz e pronto.
Ao final da tarde, ao retornarem para a sede da fazenda, os dois puderam observar atentamente a imponência da construção. Isso por que, logo em sua entrada, havia um imponente alpendre repleto de cadeiras, alguns sofás, mesas, redes e ao fundo, um bar.
Dentro da residência, havia uma ante-sala e logo adiante, uma luxuosa sala de visitas. Ao lado havia uma outra sala, e mais para a frente estava a sala de jantar. Logo a frente da sala de jantar, havia um imponente bar.
Caminhando mais para o interior da casa se via uma sala fechada. Segundo Lauro, era ali que ficava a biblioteca da fazenda e ao seu lado, um pequeno escritório. Ainda na parte social da casa, havia dois lavabos e mais ao fundo ficava a cozinha, a área de serviço, a sala de almoço, e as dependências dos empregados.
E mais, ao lado de biblioteca, ficava a sala lareira, com um magnífico piano de cauda, e mais ao fundo, um jardim de inverno e um átrio.
Lauro então, percebendo o encantamento da moça com a casa, recomendou-lhe que subisse com ele as escadarias que levavam ao segundo pavimento da construção. Era lá que ficavam os quartos. Ao todo, eram doze grandes e luxuosos quartos. Todos com suíte, varanda, closet, saleta, e uma deslumbrante visão para a verdura que se descortinava diante das janelas dos quartos.
Não bastasse isso, no seu corredor, havia ainda uma sala de televisão, com inúmeros equipamentos de última geração.
Foi exatamente num desses quartos que Anne ficou durante toda sua estada na fazenda. Lauro, por sua vez, permaneceu em outro quarto da casa.
No dia seguinte, acompanhada de Lauro, Anne foi conhecer a parte recreativa da sede.
Encantada, Anne conheceu a piscina, o salão de jogos, o salão de festas, a sala de ginástica, a sala de televisão ao lado do deck, a churrasqueira e a capela.
Em seguida, como a temperatura estava convidativa, os dois aproveitaram para tomar banho de sol.
Anne, um pouco desajeitada, não conseguia mergulhar, devido sua falta de familiaridade com a água. Lauro então, prestativo, ofereceu-se para ser seu professor de natação. E assim, conforme os dias foram se passando os dois aproveitaram para passear pela fazenda, nadar e ler.
Anne e Lauro também aproveitavam para conversar.
Enquanto ele comentava sobre seus planos de ser padre, a garota comentava que gostaria de cursar uma universidade e ter uma profissão.
O seminarista então, perguntou se ela já sabia qual era a profissão que ela queria seguir.
Ao ser indagada sobre isso, Anne respondeu:
-- Ainda não sei com certeza. Mas sei que terá que ser alguma coisa relacionada a licenciatura.
-- Então a senhorita quer ser professora?
-- Bem... sim e não.
-- Como assim?
-- É que eu gosto muito de história...
-- De literatura também. – respondeu ele. – Desde você chegou em casa, quantos livros já leu?
-- Não sei. Mas com certeza muitos.
-- Então, por que não se torna escritora? Afinal, com seu interesse pela leitura, deve saber escrever muito bem. – sugeriu ele.
-- Não sei... a profissão é fascinante, mas o país não valoriza os profissionais ligados a cultura. – respondeu ela.
-- Ué! Quem sabe? Quem garante que você não será uma escritora muito famosa? Já estou até imaginando. Anne conquista os leitores brasileiros. Uma grande escritora com uma promissora carreira, heim? Que tal?
Nisso, os dois começaram a rir.
Certa vez, cansados de tanto passear pelos mesmos lugares, Anne, que a essa altura, já havia aprendido a cavalgar, aproveitou para, em companhia de seu amigo, conhecer um pouco melhor a vegetação nativa da fazenda.
Assim, cavalgando em meio a verdejantes campos, os dois aproveitaram para conversar, caminhar, e disputar corridas de cavalo.
Mais tarde, exaustos de tantas peraltices, os dois se deitaram na relva e começaram a conversar.
E entretidos na conversa, os dois permaneceram por horas ali, para só mais tarde se darem conta do quão tarde era, e que já era hora de voltarem para a sede. Algumas vezes, os dois chegaram a voltar quando anoitecia.
Uma das criadas, ao ver isso certa vez, ralhou profundamente com os dois. Dizendo que era muito perigoso permanecer a noite nos campos da fazenda, a mulher advertiu-os para que nunca mais fizesse isso. Isso por que, corriam o risco de se perderem.
Lauro então, responsabilizando-se por tudo, prometeu que nunca mais exporia Anne a um risco desses.
Com isso, a despeito da bronca, os dois, famintos que estavam, trataram logo de cear.
Alguns dias depois, Lauro, depois de muito comentar sobre a cidade vizinha, aproveitou para levar Anne para conhecê-la. Lá, mostrou a moça, todos os lugares pitorescos.
Depois, o rapaz convidou a moça para almoçar em um dos muitos restaurantes do lugar, especializados em comida caseira.
Nesse lugar, os dois se deliciaram com uma comida muito saborosa. Com isso, enquanto Anne e Lauro almoçavam, uma dessas moças, que vendem flores em locais públicos apareceu, e procurando vender sua mercadoria, ofereceu-a a Lauro. Gentil, a vendedora recomendou que o mesmo desse uma flor, para sua namorada.
Lauro e Anne riram. Depois, educadamente, o rapaz comentou que ela não era sua namorada, pois os dois eram só amigos. A vendedora então, constrangida, desculpou-se. Quando estava indo embora porém, Lauro então pediu:
-- Espere! Só um minuto. – disse já tirando dinheiro de sua carteira para comprar uma flor.
A vendedora então, recebendo o dinheiro, escolheu uma linda rosa, que pelo tom claro que tinha, parecia uma pérola.
Lauro então, esperou a vendedora se afastar e delicadamente, ofereceu a rosa a Anne.
Anne então, aceitando o presente, aproximou vagarosamente a flor de suas narinas e sentiu seu delicado perfume. Depois, agradecida pelo gesto, disse:
-- Obrigada.
Nisso, continuaram a almoçar. Depois, pedindo uma sobremesa, Anne se deliciou com uma mouse de maracujá. Já Lauro, preferiu uma fatia de bolo de chocolate.
Mais tarde, ao saírem do restaurante, Lauro ofereceu seu braço para Anne, que prontamente aceitou a oferta. Assim, os dois passearam o resto da tarde, abraçados, pela cidade.
Com isso, ao voltarem para a fazenda, os dois estavam repletos de histórias para contar para os funcionários e agregados. Contudo, como queriam acordar cedo no dia seguinte, ao final das dez horas, os dois se despediram do pessoal e foram dormir.
Assim, logo que raiou o dia, Lauro chamou Anne, que ainda dormia, para fazer um passeio pelos terreiros de café, e ver o tratamento que o mesmo recebia até ser vendido. Também veriam a forma com se acondiciona o arroz, como se tira leite de vaca, e como se produz a farinha.
Enfim, os dois tinham um longo dia pela frente.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Poesias
quarta-feira, 11 de agosto de 2021
VERDES CAMPOS - CAPÍTULO 3
Com isso, o experiente profissional não poupou esforços em seu trabalho. Empenhado em localizar a moça que seu cliente tanto procurava, durante meses ele procurou pela moça.
Nas proximidades da cidadezinha onde a moça foi vista várias vezes, o distinto detetive a procurou, debalde.
Isso por que, durante muito tempo, a moça esteve sumida.
Para ele, estranhamente, parecia que a moça não queria ser encontrada. Mas ele tinha que achá-la, pois isto era muito importante para Claudionor. E muito embora não soubesse qual seria o interesse de Claudionor na moça, ele precisava encontrá-la. Afinal este era seu trabalho e tinha o dever de bem realizá-lo.
E assim o fez.
Com isso, depois de semanas procurando, o detetive acabou por localizar o lugar onde esta morava.
Era em uma pequena cidade, próxima da cidade onde Claudionor vivia e trabalhava. Sim, por que este rico empresário, vivia numa bela e desenvolvida cidade da região. Mas quando ele ouviu do detetive que a moça que tanto procurava vivia muito próxima dele, mal pôde acreditar. Embora suspeitasse disso, ficou um tanto quanto surpreso com a notícia.
Por isso, resolveu dizer:
-- Quer dizer então, que durante todo esse tempo, essa moça esteve do nosso lado e não sabíamos? Que coisa curiosa. O que mais você descobriu?
-- Bom! Pelo jeito. A moça não está nada bem. Investigando, eu descobri que ela foi abandonada na porta da casa de uma família, e que desde então, vem sendo criada por eles.
-- E o que isso tem de ruim? – perguntou Claudionor mal disfarçando sua surpresa.
-- Nada de mais, não fosse o jeito que a tratam.
-- E é tão ruim assim? – perguntou ele, interessado.
-- Sim é bem ruim. Em conversas com vizinhos, descobri que a mãe, uma tal de Carla, não se dá bem com a menina. Além disso ...
-- E qual é seu nome?
-- Anne. – respondeu o detetive.
-- Anne. – repetiu Claudionor.
-- Este é seu nome de batismo. Embora muitos pensem se tratar de um apelido. Mas então, como eu ía dizendo, a garota não se relaciona bem com a família. A mãe adotiva a trata como uma empregada, os irmãos a ignoram, e o pai, apesar de não a hostilizar, se omite sua criação.
-- Então quer dizer que ela vive mal, há muitos anos?
-- Mais ou menos. No início, os irmãos cuidaram dela, mas depois, influenciados pela mãe, passaram a rejeitá-la. Porém, uma coisa me preocupa.
-- Sim, e o que é? – perguntou o empresário.
-- A moça é muito sozinha. Mas o que me deixou preocupado de verdade é o fato de ela estar com problemas. Ultimamente Anne vem tendo alguns problemas de saúde. Isso por que, uma mulher comentou comigo que por duas vezes viu a moça passar pelo hospital. Para ela a moça devia estar com um problema muito sério para precisar ir até lá. Na hora, dado o exagero daquela senhora, não dei muita atenção para o que ela disse. Mas depois, por curiosidade, resolvi ir até o hospital para tentar descobrir alguma coisa.
-- O que você descobriu?
-- Olha, Doutor Claudionor, não consegui descobrir muita coisa não. O senhor sabe, os médicos tem o dever ético de serem sigilosos quanto ao estado clínico de seus pacientes. Por isso, eu tive que arrumar uma outra forma de obter informações.
-- E então, o que é que essa menina tem?
-- Em minhas investigações eu descobri que ela está ...
Nisso a secretária bateu à porta e entrou. Era uma ligação que Claudionor estava esperando há dias.
Com isso, percebendo que o assunto que os dois tratavam era importante, a secretária desculpou-se. Todavia, dizendo que um importante empresário queria falar com ele, a mulher respondeu não havia, como não interromper o assunto dos dois.
Ao ouvir as desculpas da secretária, Claudionor disse então:
-- Imagine. A senhora não tem do que se desculpar.
Dito isso, foi logo atender a ligação. Antes porém, pediu desculpas ao detetive e pediu que aguardasse na sala de espera.
Este o atendeu prontamente.
E assim, depois de mais ou menos vinte minutos de conversa, Claudionor pediu a secretária para que conduzisse novamente o detetive a sua sala.
Ansioso, ao ver o detetive entrar, Claudionor foi logo perguntando:
-- Mas então. O que foi que o senhor descobriu a respeito do estado da menina?
O detetive então, intrigado com o interesse do empresário pela moça, resolveu perguntar:
-- Me desculpe se eu estiver sendo impertinente... Mas qual a razão de tanto interesse nesta moça?
-- Caro Otacílio, o senhor vai me desculpar. – respondeu Claudionor, depois de pensar um pouco – Mas, no momento eu não posso dizer nada além do que já te disse.
-- Sim. Então essa moça, foi uma das mais muitas que seu filho já namorou?
-- Exatamente. Mais do que isso, eu não posso falar.
-- Me desculpe mais uma vez, mas eu preciso insistir. Acaso não pretende fazer nenhuma maldade com esta moça, pretende?
-- Meu caro, o que pensa que eu sou? – respondeu Claudionor, ligeiramente ofendido. – ... Está bem ... Eu vou te contar o que está acontecendo.
Nisso, desconcertado com a situação, o empresário procurou pensar um pouco. Afinal de contas, dadas as circunstâncias, não podia expôr seu filho, mais do que o necessário. Por isso, precisava ser cauteloso. E assim, antes de começar a contar a história, pensou muito no que iria dizer.
Pensou, pensou. E depois de muito tempo em silêncio, começou a falar:
-- O meu filho, um dia desses, aproveitando uma dessas festas que acontecem nos arredores, resolveu que iria aparecer em uma delas. Pois bem, em uma dessas festas, ele conheceu esta moça.
-- Sim. Esta parte da história eu já conheço. O que eu gostaria de saber, é o seguinte: Qual o interesse do senhor na moça? Por acaso acha que ela pode querer tirar algum proveito de seu filho?
-- E ela teria como fazer isso? – perguntou o empresário.
-- Não sei. Mas eu acho que o senhor está preocupado demais com uma história aparentemente tão banal.
-- Sabe o que é Otacílio? É que essa história não é tão banal quanto o senhor pensa... Quer saber, eu estou com delongas. Vamos direto ao assunto. Nessa bendita festa, meu filho acabou metendo os pés pelas mãos. Depois dele voltar completamente bêbado, eu descobri que ele havia ido longe demais.
-- Como assim? Por acaso ele andou fazendo alguma besteira? – perguntou o delegado.
-- Sim, e das grandes. Tão grande que eu achei que em questão de dias, a polícia apareceria batendo na porta da minha casa.
-- Meu Pai Eterno! O que foi que ele fez? – perguntou agora, um espantado detetive.
-- Algo que, se ele tivesse o mínimo de consciência, passaria o resto de sua vida se penitenciando, para tentar diminuir o mal que fez.
-- Então é sério!
-- Sim. Muito sério. Na hora em que eu descobri a barbaridade que ele havia feito, eu tive vontade matá-lo. Eu só não torci o pescoço dele, por que não me deixaram. Senão, eu nem sei se ele estaria vivo para contar história.
-- Então fala logo. O que foi que aconteceu? – perguntou o detetive impaciente.
-- Eu não devia contar, mas como sei que o senhor é de confiança, vou te contar. Meu filho abusou de uma garota nesta festa. E pelo que ele me contou, pela descrição física que me fez, só pode ser ela... Mas pode acreditar. Eu não estou atrás dela para lhe prejudicar. Pelo contrário, eu gostaria de ajudá-la de alguma forma. Mas pelo que o senhor me contou, um simples adjutório, não será o suficiente.
-- Mas meu caro Claudionor! Você por um momento chegou a acreditar que uma ajuda financeira seria o suficiente para reparar o mal causado? Onde o senhor pensa que está?
-- Eu sei. Agi mal. Eu como pai, nunca poderia ter acobertado meu filho. Mas eu pretendo corrigir o meu erro. Eu irei até a casa desta moça, e se é como o senhor está falando, eu vou levá-la para minha residência. Eu prometo que ninguém vai encostar um dedo nela. Lá ela estará protegida. Eu vou cuidar dela.
-- E quanto ao seu filho? O que você pretende fazer com ele?
-- Eu ainda não sei. Mas não se preocupe, as coisas não vão ficar por isso mesmo. Eu prometo. Cláudio está merecendo uma lição. Contudo, o senhor não contou uma parte importante desta história.
-- Está bem. Ao vasculhar os achados médicos da moça, eu consegui descobrir qual é o problema.
-- E qual é? O que a moça tem?
-- Ela está grávida.
Claudionor ficou surpreso. Tanto que chegou a falar:
-- Por essa, eu não esperava. Quer dizer então, a situação é pior do que eu imaginava... Então, eu tenho que ir lá o quanto antes. Essa moça deve estar desesperada.
Nas proximidades da cidadezinha onde a moça foi vista várias vezes, o distinto detetive a procurou, debalde.
Isso por que, durante muito tempo, a moça esteve sumida.
Para ele, estranhamente, parecia que a moça não queria ser encontrada. Mas ele tinha que achá-la, pois isto era muito importante para Claudionor. E muito embora não soubesse qual seria o interesse de Claudionor na moça, ele precisava encontrá-la. Afinal este era seu trabalho e tinha o dever de bem realizá-lo.
E assim o fez.
Com isso, depois de semanas procurando, o detetive acabou por localizar o lugar onde esta morava.
Era em uma pequena cidade, próxima da cidade onde Claudionor vivia e trabalhava. Sim, por que este rico empresário, vivia numa bela e desenvolvida cidade da região. Mas quando ele ouviu do detetive que a moça que tanto procurava vivia muito próxima dele, mal pôde acreditar. Embora suspeitasse disso, ficou um tanto quanto surpreso com a notícia.
Por isso, resolveu dizer:
-- Quer dizer então, que durante todo esse tempo, essa moça esteve do nosso lado e não sabíamos? Que coisa curiosa. O que mais você descobriu?
-- Bom! Pelo jeito. A moça não está nada bem. Investigando, eu descobri que ela foi abandonada na porta da casa de uma família, e que desde então, vem sendo criada por eles.
-- E o que isso tem de ruim? – perguntou Claudionor mal disfarçando sua surpresa.
-- Nada de mais, não fosse o jeito que a tratam.
-- E é tão ruim assim? – perguntou ele, interessado.
-- Sim é bem ruim. Em conversas com vizinhos, descobri que a mãe, uma tal de Carla, não se dá bem com a menina. Além disso ...
-- E qual é seu nome?
-- Anne. – respondeu o detetive.
-- Anne. – repetiu Claudionor.
-- Este é seu nome de batismo. Embora muitos pensem se tratar de um apelido. Mas então, como eu ía dizendo, a garota não se relaciona bem com a família. A mãe adotiva a trata como uma empregada, os irmãos a ignoram, e o pai, apesar de não a hostilizar, se omite sua criação.
-- Então quer dizer que ela vive mal, há muitos anos?
-- Mais ou menos. No início, os irmãos cuidaram dela, mas depois, influenciados pela mãe, passaram a rejeitá-la. Porém, uma coisa me preocupa.
-- Sim, e o que é? – perguntou o empresário.
-- A moça é muito sozinha. Mas o que me deixou preocupado de verdade é o fato de ela estar com problemas. Ultimamente Anne vem tendo alguns problemas de saúde. Isso por que, uma mulher comentou comigo que por duas vezes viu a moça passar pelo hospital. Para ela a moça devia estar com um problema muito sério para precisar ir até lá. Na hora, dado o exagero daquela senhora, não dei muita atenção para o que ela disse. Mas depois, por curiosidade, resolvi ir até o hospital para tentar descobrir alguma coisa.
-- O que você descobriu?
-- Olha, Doutor Claudionor, não consegui descobrir muita coisa não. O senhor sabe, os médicos tem o dever ético de serem sigilosos quanto ao estado clínico de seus pacientes. Por isso, eu tive que arrumar uma outra forma de obter informações.
-- E então, o que é que essa menina tem?
-- Em minhas investigações eu descobri que ela está ...
Nisso a secretária bateu à porta e entrou. Era uma ligação que Claudionor estava esperando há dias.
Com isso, percebendo que o assunto que os dois tratavam era importante, a secretária desculpou-se. Todavia, dizendo que um importante empresário queria falar com ele, a mulher respondeu não havia, como não interromper o assunto dos dois.
Ao ouvir as desculpas da secretária, Claudionor disse então:
-- Imagine. A senhora não tem do que se desculpar.
Dito isso, foi logo atender a ligação. Antes porém, pediu desculpas ao detetive e pediu que aguardasse na sala de espera.
Este o atendeu prontamente.
E assim, depois de mais ou menos vinte minutos de conversa, Claudionor pediu a secretária para que conduzisse novamente o detetive a sua sala.
Ansioso, ao ver o detetive entrar, Claudionor foi logo perguntando:
-- Mas então. O que foi que o senhor descobriu a respeito do estado da menina?
O detetive então, intrigado com o interesse do empresário pela moça, resolveu perguntar:
-- Me desculpe se eu estiver sendo impertinente... Mas qual a razão de tanto interesse nesta moça?
-- Caro Otacílio, o senhor vai me desculpar. – respondeu Claudionor, depois de pensar um pouco – Mas, no momento eu não posso dizer nada além do que já te disse.
-- Sim. Então essa moça, foi uma das mais muitas que seu filho já namorou?
-- Exatamente. Mais do que isso, eu não posso falar.
-- Me desculpe mais uma vez, mas eu preciso insistir. Acaso não pretende fazer nenhuma maldade com esta moça, pretende?
-- Meu caro, o que pensa que eu sou? – respondeu Claudionor, ligeiramente ofendido. – ... Está bem ... Eu vou te contar o que está acontecendo.
Nisso, desconcertado com a situação, o empresário procurou pensar um pouco. Afinal de contas, dadas as circunstâncias, não podia expôr seu filho, mais do que o necessário. Por isso, precisava ser cauteloso. E assim, antes de começar a contar a história, pensou muito no que iria dizer.
Pensou, pensou. E depois de muito tempo em silêncio, começou a falar:
-- O meu filho, um dia desses, aproveitando uma dessas festas que acontecem nos arredores, resolveu que iria aparecer em uma delas. Pois bem, em uma dessas festas, ele conheceu esta moça.
-- Sim. Esta parte da história eu já conheço. O que eu gostaria de saber, é o seguinte: Qual o interesse do senhor na moça? Por acaso acha que ela pode querer tirar algum proveito de seu filho?
-- E ela teria como fazer isso? – perguntou o empresário.
-- Não sei. Mas eu acho que o senhor está preocupado demais com uma história aparentemente tão banal.
-- Sabe o que é Otacílio? É que essa história não é tão banal quanto o senhor pensa... Quer saber, eu estou com delongas. Vamos direto ao assunto. Nessa bendita festa, meu filho acabou metendo os pés pelas mãos. Depois dele voltar completamente bêbado, eu descobri que ele havia ido longe demais.
-- Como assim? Por acaso ele andou fazendo alguma besteira? – perguntou o delegado.
-- Sim, e das grandes. Tão grande que eu achei que em questão de dias, a polícia apareceria batendo na porta da minha casa.
-- Meu Pai Eterno! O que foi que ele fez? – perguntou agora, um espantado detetive.
-- Algo que, se ele tivesse o mínimo de consciência, passaria o resto de sua vida se penitenciando, para tentar diminuir o mal que fez.
-- Então é sério!
-- Sim. Muito sério. Na hora em que eu descobri a barbaridade que ele havia feito, eu tive vontade matá-lo. Eu só não torci o pescoço dele, por que não me deixaram. Senão, eu nem sei se ele estaria vivo para contar história.
-- Então fala logo. O que foi que aconteceu? – perguntou o detetive impaciente.
-- Eu não devia contar, mas como sei que o senhor é de confiança, vou te contar. Meu filho abusou de uma garota nesta festa. E pelo que ele me contou, pela descrição física que me fez, só pode ser ela... Mas pode acreditar. Eu não estou atrás dela para lhe prejudicar. Pelo contrário, eu gostaria de ajudá-la de alguma forma. Mas pelo que o senhor me contou, um simples adjutório, não será o suficiente.
-- Mas meu caro Claudionor! Você por um momento chegou a acreditar que uma ajuda financeira seria o suficiente para reparar o mal causado? Onde o senhor pensa que está?
-- Eu sei. Agi mal. Eu como pai, nunca poderia ter acobertado meu filho. Mas eu pretendo corrigir o meu erro. Eu irei até a casa desta moça, e se é como o senhor está falando, eu vou levá-la para minha residência. Eu prometo que ninguém vai encostar um dedo nela. Lá ela estará protegida. Eu vou cuidar dela.
-- E quanto ao seu filho? O que você pretende fazer com ele?
-- Eu ainda não sei. Mas não se preocupe, as coisas não vão ficar por isso mesmo. Eu prometo. Cláudio está merecendo uma lição. Contudo, o senhor não contou uma parte importante desta história.
-- Está bem. Ao vasculhar os achados médicos da moça, eu consegui descobrir qual é o problema.
-- E qual é? O que a moça tem?
-- Ela está grávida.
Claudionor ficou surpreso. Tanto que chegou a falar:
-- Por essa, eu não esperava. Quer dizer então, a situação é pior do que eu imaginava... Então, eu tenho que ir lá o quanto antes. Essa moça deve estar desesperada.
-- Eu não esperava menos de você. – respondeu Otacílio satisfeito com a postura do empresário.
E assim, cioso de suas obrigações, Claudionor, de posse do endereço da moça, ao final da tarde, tratou logo de ir atrás de Anne. Mas esta, para sua surpresa, não estava em casa.
Em razão de uma briga, a moça estava hospitalizada.
Não era nada sério, mas Claudionor, sem conhecer o estado clínico de Anne, ficou muito preocupado ao saber disso. Por isso, tratou logo de ir até o hospital a fim de ver como ela estava.
Quando chegou lá, a primeira pessoa que viu foi Antônio, que aguardava ordem para entrar no quarto.
Claudionor ao ver que a moça não estava sozinha, tratou logo de cumprimentá-lo e perguntou sobre o estado de Anne.
Antônio, ficou desconfiado.
Claudionor então, na tentativa de dissipar qualquer tipo de desconfiança, explicou que era um amigo distante.
Antônio ao ouvir isso, disse:
-- Estranho. Anne nunca disse que conhecia alguém de fora da cidade.
-- Curioso. Por que até onde eu sei, Anne e sua família, não são muito unidos. Não é mesmo?
Ao ouvir isso, Antônio, começou a se irritar.
Claudionor, ao perceber que seu comentário não havia ajudado em nada, resolveu dizer:
-- Sinto muito pelo comentário. A sua relação com a moça, não me interessa de nada. Além disso, eu conheci Anne ainda muito pequena. Provavelmente ela não irá se lembrar de mim.
-- Ah, é mesmo? E quando foi isso, se desde que ela nasceu, ela vive com a gente?
-- Isso foi há muito tempo, quando ela ainda tinha poucos dias de vida. Estela não sabia o que fazer para cuidar da filha.
Antônio então ficou espantado. Como ele podia saber de tantos detalhes da vida de Anne?
Com isso, mesmo sem entender o motivo da aproximação, Antônio resolveu deixá-lo entrar no quarto, para pelo menos para revê-la.
Desta forma, Claudionor entrou no quarto onde Anne estava e percebendo que a mesma dormia, aproximou-se de seu leito e comentou com Antônio:
-- Bom, já que ela está dormindo, é melhor eu voltar outra hora. Assim, nós poderemos conversar.
No que Antônio concordou. Comentando que tudo não passara de um susto, Antônio disse a Claudionor que dentro de poucos dias, a garota voltaria para casa.
Ao ouvir isso Claudionor ofereceu um cartão – com seu endereço e telefone –, para que em caso de necessidade, telefonasse para ele. Diante disso ele informou também, que gostaria de ser avisado, quando Anne retornasse para casa.
Foi então que Antônio, curioso, perguntou ao empresário, qual era seu interesse com relação a Anne. Afinal de contas, se Anne era como sua filha, Antônio não podia deixar que um estranho se aproximasse dela dessa maneira.
Claudionor então, procurando tranqüilizar Antônio, respondeu que só queria ajudar a família. Com isso, para convencê-lo de que estava bem intencionado, Claudionor comentou que esse era um pedido de Estela.
Antônio ao ouvir isso, ficou preocupado. Afinal de contas se ela, que era a mãe da garota não se aproximava, por que cargas d’água resolveu mandar um estranho em seu lugar? Por que ela mesma não aparecia?
Percebendo que Antônio estava intrigado com a estranha aproximação, Claudionor resolveu dizer:
-- Olha, Seu Antônio, eu entendo que o senhor esteja ressabiado com toda essa história. No seu lugar eu também estaria. Isso por que, não é todo dia que um estranho aparece em nossa porta para ajudar. Eu sei disso. Mas a razão de minha presença aqui neste hospital, é que a própria Estela, me pediu para ver como estava sua filha. Sim, por que, ao saber de sua situação delicada, a mesma ficou muito preocupada.
Nisso, Antônio perguntou:
-- Mas então ela sabe sobre a vida de Anne?
-- Sim. Sabe. Há anos que ela observa de longe a vida de Anne. Por isso mesmo ela está muito preocupada.
-- Preocupada, por quê?
-- Seu Antônio, nós sabemos que Anne não vem recebendo o melhor dos tratamentos na casa de sua família.
-- Sim, é verdade. Mas como é que ela sabendo de tudo isso, nunca fez nada? Por que ela não veio buscar a menina?
-- Não sei. Talvez falta de coragem, por a ter abandonado. Quanto a isso, eu não tenho explicações. O que eu posso dizer, é que ela sabe do estado de Anne e me pediu para fazer todo o possível para que tudo fique bem.
-- Todo o possível? Como assim, todo o possível?
-- Entenda isso, como tudo o que for necessário para que Anne passe a ter tranqüilidade em sua vida, daqui para frente. – respondeu Claudionor.
-- Quer dizer? Até tirá-la lá de casa se for preciso?
-- Sim, mas não sei se este é o caso. – comentou Claudionor, tentando ganhar tempo. – Porém, antes de qualquer medida a ser tomada, eu gostaria de te pedir um favor.
-- E qual seria?
-- Gostaria que o que foi conversado aqui, permanecesse entre nós. Não comente nem com sua esposa, sobre a conversa que tivemos. É para o bem de Anne.
Ao ouvir isso, Antônio concordou com o pedido:
-- Se é para o bem da Anne eu concordo.
Nisso Claudionor se despediu e comentou que no dia seguinte, logo cedo passaria no hospital, para visitá-la. E assim, saiu.
Ao retornar a sua casa, Claudionor comentou com seu filho que traria a moça para morar com eles.
Cláudio, ao ouvir as palavras do pai, não ficou nada satisfeito. Irônico, chegou a comentar:
-- Quer dizer que isso aqui vai virar um abrigo para mendigos? Por que se for, me avise, para que eu possa fazer as malas.
Ao ouvir isso, Claudionor se irritou profundamente. Tanto que chegou a dizer:
-- Como é que é? Por acaso eu ouvi direito? Quer dizer então que o senhor diz uma asneira como essa! O que você fez é algo que pelo qual poderia pegar anos de cadeia, rapazinho! Mesmo assim, você se acha no direito de ironizar e fazer deboche com a moça? Meu rapaz, se olhe no espelho. Por acaso acha que é muito melhor do que ela? De onde você tirou isso?
No que Cláudio, ao ouvir as duras palavras do pai, na tentativa de responder, balbuciou algo assim:
-- Mas o senhor não tem o direito de falar assim comigo ...
-- Não tenho o direito? Curioso, eu julguei que fosse seu pai. Ora, não me faça rir. Ou acha que foi pouco o que fizeste àquela moça?
-- Mas ... não foi tão sério assim. O senhor está fazendo uma idéia errada do que realmente aconteceu.
-- Pare com isso! Eu sei o que aconteceu. Pouco me importa os detalhes. E tem mais. Já que você falou em sair daqui, eu quero que o faça o quanto antes. Se possível, antes dela vir para cá. Não quero que ela encontre você circulando pela casa. Ouviu bem?
Foi a vez de Cláudio então responder:
-- Mas por que é que eu tenho que sair de minha própria casa, para que uma estranha fique mais a vontade?
-- Por que você criou esta situação difícil. Olha Cláudio, eu sempre soube que você era um grande irresponsável. Mas eu nunca poderia imaginar, nem nos meus piores pesadelos, que você seria capaz de cometer um ato tão ignóbil.
Ao ouvir isso, Cláudio deu-se por vencido. Finalmente concordou com o pai. Mas não sem antes, fazer uma sugestão:
-- Por que ao invés de trazê-la para casa, o senhor não a leva para a fazenda? Aposto que lá, ela ficaria bem melhor.
-- Por que? Provavelmente você pensa que ela, por viver no interior não freqüenta escola, não estuda. Pra você Anne só estava naquela festa para se divertir, não é mesmo? Pois você está redondamente enganado. Até por que, para você ficar sabendo meu filho, a moça gosta muito da escola.
-- Que bom para ela. – respondeu Cláudio com desdém.
-- Muito bom. E é uma pena que você não tenha o mesmo interesse. E tem mais, a moça fica aqui. Não quero curiosos comentando sobre sua vida. Além do mais, lá eu não vou poder cuidar dela. Meus trabalhos estão todos aqui, e é aqui que ela vai ficar. Você é que vai para a fazenda. Portanto, trate de arrumar suas malas agora mesmo.
Cláudio então saiu da sala, pisando duro. Estava morrendo de raiva do pai.
Mas obedeceu suas ordens, afinal de contas, conhecendo Claudionor como conhecia, sabia que não seria nada agradável, provocá-lo. E assim, na manhã do dia seguinte, Cláudio foi levado pelo chofer, até a fazenda da família.
Enquanto isso Claudionor aproveitou para visitar novamente Anne.
Porém, ao chegar ao hospital, foi informado que a moça não estava mais lá. Com isso, ao sair do hospital, Claudionor tratou de se dirigir até a casa de Anne.
Lá como era de se imaginar, foi recebido por Carla, que o tratou rispidamente. Julgando se tratar de um assistente social, Carla fez tudo o que pôde para afastá-lo.
Quando então Claudionor pediu para ver Anne, Carla não o deixou ver a jovem. Alegando que a mesma dormia, não o deixou entrar.
Claudionor aborrecido, ao ver a resistência da mulher em deixá-lo entrar, resolveu voltar outro dia.
Aborrecido, ao chegar na empresa resolveu que no dia seguinte, passaria na casa da moça, mas desta vez, não faria as coisas atabalhoadamente. Por isso, resolveu consultar um dos advogados da empresa.
E assim, diante dos fatos apresentados, o advogado, ciente do interesse de Claudionor em levar a moça para sua casa, explicou-lhe que seria extremamente complicado resolver a questão. Isso por que, se o empresário resolvesse entrar com uma medida judicial, teria primeiro que provar que a moça está sendo maltratada para assim, pleitear sua guarda, já que se trata de uma menor.
Com isso, o advogado, devidamente prevenido do sigilo do caso, aconselhou-o a tentar um acordo com a família, já que este parecia ser o caminho mais curto para resolver o assunto. Além disso, percebendo que nenhum laço de afeto unia a adotada a família, concluiu ele que um belo acordo financeiro resolveria facilmente as coisas. Por fim, o causídico explicou que, Claudionor poderia usar a desculpa de demandá-los judicialmente para pressioná-los a fazer o acordo.
Claudionor ao ouvir atentamente a orientação do advogado, ficou muito satisfeito. Pois então! Era só seguir a risca sua orientação e tudo estaria resolvido.
Mesmo o advogado assim, se ofereceu para acompanhá-lo.
No entanto, para que o pudesse ajudar de verdade, o causídico precisava saber exatamente sobre o que se tratava.
Foi então que Claudionor lhe contou toda a história.
Nisso, quando o advogado descobriu que a moça fora molestada por Cláudio – filho de Claudionor –, ficou verdadeiramente espantado. Ao ouvir toda a história, comentou impressionado:
-- Doutor Claudionor, me desculpe a franqueza. Mas que mancada! Seu filho não podia ter feito isso.
-- Pois é. Mas fez, e não adianta chorar sobre o leite derramado.
-- Sim. Agora o mal já está feito. Mas ao menos podemos remediar a situação. Porém, com a história que o senhor me contou, a coisa se complicou.
-- Se complicou? Como assim?
-- Se ela resolver processar criminalmente o Cláudio, nós não poderemos impedir. Além disso, sabendo que o senhor é bem sucedido, a família pode também pedir uma indenização pelos danos causados.
-- Quer dizer, não tem solução para o problema.
-- Absolutamente. Mas é claro que tem. Não se preocupe. Porém, dadas as circunstâncias, temos que ser cautelosos quanto aos termos do acordo. Além disso, precisamos convencê-los de que não será de nenhuma valia processar o Cláudio.
-- Mas de qualquer forma, o que ele fez não tem perdão. Eu preciso dar uma lição nele. Uma lição para ele nunca mais esquecer.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
E assim, cioso de suas obrigações, Claudionor, de posse do endereço da moça, ao final da tarde, tratou logo de ir atrás de Anne. Mas esta, para sua surpresa, não estava em casa.
Em razão de uma briga, a moça estava hospitalizada.
Não era nada sério, mas Claudionor, sem conhecer o estado clínico de Anne, ficou muito preocupado ao saber disso. Por isso, tratou logo de ir até o hospital a fim de ver como ela estava.
Quando chegou lá, a primeira pessoa que viu foi Antônio, que aguardava ordem para entrar no quarto.
Claudionor ao ver que a moça não estava sozinha, tratou logo de cumprimentá-lo e perguntou sobre o estado de Anne.
Antônio, ficou desconfiado.
Claudionor então, na tentativa de dissipar qualquer tipo de desconfiança, explicou que era um amigo distante.
Antônio ao ouvir isso, disse:
-- Estranho. Anne nunca disse que conhecia alguém de fora da cidade.
-- Curioso. Por que até onde eu sei, Anne e sua família, não são muito unidos. Não é mesmo?
Ao ouvir isso, Antônio, começou a se irritar.
Claudionor, ao perceber que seu comentário não havia ajudado em nada, resolveu dizer:
-- Sinto muito pelo comentário. A sua relação com a moça, não me interessa de nada. Além disso, eu conheci Anne ainda muito pequena. Provavelmente ela não irá se lembrar de mim.
-- Ah, é mesmo? E quando foi isso, se desde que ela nasceu, ela vive com a gente?
-- Isso foi há muito tempo, quando ela ainda tinha poucos dias de vida. Estela não sabia o que fazer para cuidar da filha.
Antônio então ficou espantado. Como ele podia saber de tantos detalhes da vida de Anne?
Com isso, mesmo sem entender o motivo da aproximação, Antônio resolveu deixá-lo entrar no quarto, para pelo menos para revê-la.
Desta forma, Claudionor entrou no quarto onde Anne estava e percebendo que a mesma dormia, aproximou-se de seu leito e comentou com Antônio:
-- Bom, já que ela está dormindo, é melhor eu voltar outra hora. Assim, nós poderemos conversar.
No que Antônio concordou. Comentando que tudo não passara de um susto, Antônio disse a Claudionor que dentro de poucos dias, a garota voltaria para casa.
Ao ouvir isso Claudionor ofereceu um cartão – com seu endereço e telefone –, para que em caso de necessidade, telefonasse para ele. Diante disso ele informou também, que gostaria de ser avisado, quando Anne retornasse para casa.
Foi então que Antônio, curioso, perguntou ao empresário, qual era seu interesse com relação a Anne. Afinal de contas, se Anne era como sua filha, Antônio não podia deixar que um estranho se aproximasse dela dessa maneira.
Claudionor então, procurando tranqüilizar Antônio, respondeu que só queria ajudar a família. Com isso, para convencê-lo de que estava bem intencionado, Claudionor comentou que esse era um pedido de Estela.
Antônio ao ouvir isso, ficou preocupado. Afinal de contas se ela, que era a mãe da garota não se aproximava, por que cargas d’água resolveu mandar um estranho em seu lugar? Por que ela mesma não aparecia?
Percebendo que Antônio estava intrigado com a estranha aproximação, Claudionor resolveu dizer:
-- Olha, Seu Antônio, eu entendo que o senhor esteja ressabiado com toda essa história. No seu lugar eu também estaria. Isso por que, não é todo dia que um estranho aparece em nossa porta para ajudar. Eu sei disso. Mas a razão de minha presença aqui neste hospital, é que a própria Estela, me pediu para ver como estava sua filha. Sim, por que, ao saber de sua situação delicada, a mesma ficou muito preocupada.
Nisso, Antônio perguntou:
-- Mas então ela sabe sobre a vida de Anne?
-- Sim. Sabe. Há anos que ela observa de longe a vida de Anne. Por isso mesmo ela está muito preocupada.
-- Preocupada, por quê?
-- Seu Antônio, nós sabemos que Anne não vem recebendo o melhor dos tratamentos na casa de sua família.
-- Sim, é verdade. Mas como é que ela sabendo de tudo isso, nunca fez nada? Por que ela não veio buscar a menina?
-- Não sei. Talvez falta de coragem, por a ter abandonado. Quanto a isso, eu não tenho explicações. O que eu posso dizer, é que ela sabe do estado de Anne e me pediu para fazer todo o possível para que tudo fique bem.
-- Todo o possível? Como assim, todo o possível?
-- Entenda isso, como tudo o que for necessário para que Anne passe a ter tranqüilidade em sua vida, daqui para frente. – respondeu Claudionor.
-- Quer dizer? Até tirá-la lá de casa se for preciso?
-- Sim, mas não sei se este é o caso. – comentou Claudionor, tentando ganhar tempo. – Porém, antes de qualquer medida a ser tomada, eu gostaria de te pedir um favor.
-- E qual seria?
-- Gostaria que o que foi conversado aqui, permanecesse entre nós. Não comente nem com sua esposa, sobre a conversa que tivemos. É para o bem de Anne.
Ao ouvir isso, Antônio concordou com o pedido:
-- Se é para o bem da Anne eu concordo.
Nisso Claudionor se despediu e comentou que no dia seguinte, logo cedo passaria no hospital, para visitá-la. E assim, saiu.
Ao retornar a sua casa, Claudionor comentou com seu filho que traria a moça para morar com eles.
Cláudio, ao ouvir as palavras do pai, não ficou nada satisfeito. Irônico, chegou a comentar:
-- Quer dizer que isso aqui vai virar um abrigo para mendigos? Por que se for, me avise, para que eu possa fazer as malas.
Ao ouvir isso, Claudionor se irritou profundamente. Tanto que chegou a dizer:
-- Como é que é? Por acaso eu ouvi direito? Quer dizer então que o senhor diz uma asneira como essa! O que você fez é algo que pelo qual poderia pegar anos de cadeia, rapazinho! Mesmo assim, você se acha no direito de ironizar e fazer deboche com a moça? Meu rapaz, se olhe no espelho. Por acaso acha que é muito melhor do que ela? De onde você tirou isso?
No que Cláudio, ao ouvir as duras palavras do pai, na tentativa de responder, balbuciou algo assim:
-- Mas o senhor não tem o direito de falar assim comigo ...
-- Não tenho o direito? Curioso, eu julguei que fosse seu pai. Ora, não me faça rir. Ou acha que foi pouco o que fizeste àquela moça?
-- Mas ... não foi tão sério assim. O senhor está fazendo uma idéia errada do que realmente aconteceu.
-- Pare com isso! Eu sei o que aconteceu. Pouco me importa os detalhes. E tem mais. Já que você falou em sair daqui, eu quero que o faça o quanto antes. Se possível, antes dela vir para cá. Não quero que ela encontre você circulando pela casa. Ouviu bem?
Foi a vez de Cláudio então responder:
-- Mas por que é que eu tenho que sair de minha própria casa, para que uma estranha fique mais a vontade?
-- Por que você criou esta situação difícil. Olha Cláudio, eu sempre soube que você era um grande irresponsável. Mas eu nunca poderia imaginar, nem nos meus piores pesadelos, que você seria capaz de cometer um ato tão ignóbil.
Ao ouvir isso, Cláudio deu-se por vencido. Finalmente concordou com o pai. Mas não sem antes, fazer uma sugestão:
-- Por que ao invés de trazê-la para casa, o senhor não a leva para a fazenda? Aposto que lá, ela ficaria bem melhor.
-- Por que? Provavelmente você pensa que ela, por viver no interior não freqüenta escola, não estuda. Pra você Anne só estava naquela festa para se divertir, não é mesmo? Pois você está redondamente enganado. Até por que, para você ficar sabendo meu filho, a moça gosta muito da escola.
-- Que bom para ela. – respondeu Cláudio com desdém.
-- Muito bom. E é uma pena que você não tenha o mesmo interesse. E tem mais, a moça fica aqui. Não quero curiosos comentando sobre sua vida. Além do mais, lá eu não vou poder cuidar dela. Meus trabalhos estão todos aqui, e é aqui que ela vai ficar. Você é que vai para a fazenda. Portanto, trate de arrumar suas malas agora mesmo.
Cláudio então saiu da sala, pisando duro. Estava morrendo de raiva do pai.
Mas obedeceu suas ordens, afinal de contas, conhecendo Claudionor como conhecia, sabia que não seria nada agradável, provocá-lo. E assim, na manhã do dia seguinte, Cláudio foi levado pelo chofer, até a fazenda da família.
Enquanto isso Claudionor aproveitou para visitar novamente Anne.
Porém, ao chegar ao hospital, foi informado que a moça não estava mais lá. Com isso, ao sair do hospital, Claudionor tratou de se dirigir até a casa de Anne.
Lá como era de se imaginar, foi recebido por Carla, que o tratou rispidamente. Julgando se tratar de um assistente social, Carla fez tudo o que pôde para afastá-lo.
Quando então Claudionor pediu para ver Anne, Carla não o deixou ver a jovem. Alegando que a mesma dormia, não o deixou entrar.
Claudionor aborrecido, ao ver a resistência da mulher em deixá-lo entrar, resolveu voltar outro dia.
Aborrecido, ao chegar na empresa resolveu que no dia seguinte, passaria na casa da moça, mas desta vez, não faria as coisas atabalhoadamente. Por isso, resolveu consultar um dos advogados da empresa.
E assim, diante dos fatos apresentados, o advogado, ciente do interesse de Claudionor em levar a moça para sua casa, explicou-lhe que seria extremamente complicado resolver a questão. Isso por que, se o empresário resolvesse entrar com uma medida judicial, teria primeiro que provar que a moça está sendo maltratada para assim, pleitear sua guarda, já que se trata de uma menor.
Com isso, o advogado, devidamente prevenido do sigilo do caso, aconselhou-o a tentar um acordo com a família, já que este parecia ser o caminho mais curto para resolver o assunto. Além disso, percebendo que nenhum laço de afeto unia a adotada a família, concluiu ele que um belo acordo financeiro resolveria facilmente as coisas. Por fim, o causídico explicou que, Claudionor poderia usar a desculpa de demandá-los judicialmente para pressioná-los a fazer o acordo.
Claudionor ao ouvir atentamente a orientação do advogado, ficou muito satisfeito. Pois então! Era só seguir a risca sua orientação e tudo estaria resolvido.
Mesmo o advogado assim, se ofereceu para acompanhá-lo.
No entanto, para que o pudesse ajudar de verdade, o causídico precisava saber exatamente sobre o que se tratava.
Foi então que Claudionor lhe contou toda a história.
Nisso, quando o advogado descobriu que a moça fora molestada por Cláudio – filho de Claudionor –, ficou verdadeiramente espantado. Ao ouvir toda a história, comentou impressionado:
-- Doutor Claudionor, me desculpe a franqueza. Mas que mancada! Seu filho não podia ter feito isso.
-- Pois é. Mas fez, e não adianta chorar sobre o leite derramado.
-- Sim. Agora o mal já está feito. Mas ao menos podemos remediar a situação. Porém, com a história que o senhor me contou, a coisa se complicou.
-- Se complicou? Como assim?
-- Se ela resolver processar criminalmente o Cláudio, nós não poderemos impedir. Além disso, sabendo que o senhor é bem sucedido, a família pode também pedir uma indenização pelos danos causados.
-- Quer dizer, não tem solução para o problema.
-- Absolutamente. Mas é claro que tem. Não se preocupe. Porém, dadas as circunstâncias, temos que ser cautelosos quanto aos termos do acordo. Além disso, precisamos convencê-los de que não será de nenhuma valia processar o Cláudio.
-- Mas de qualquer forma, o que ele fez não tem perdão. Eu preciso dar uma lição nele. Uma lição para ele nunca mais esquecer.
Luciana Celestino dos Santos
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VERDES CAMPOS - CAPÍTULO 2
Dessa forma, diante da insistência da mãe, só restou aos três, concordarem com a idéia dela.
Contudo, Elena, Carlos e Érica não estavam muito entusiasmados com a idéia. Por isso, sempre que surgia uma oportunidade de saírem de casa, os três não se faziam de rogados.
Diante disso, Carla começou a ficar irritada com os filhos. Afinal de contas, os três não haviam se comprometido em ajudá-la a vigiar Anne?
Com isso, diversas vezes, Érica, Elena e Carlos perderam boas oportunidades de seguir Anne.
Carla, ao perceber que os filhos não estavam nem um pouco interessados em ajudá-la, ficou irritadíssima.
Acostumada a lhes dar ordens, Carla não havia se dado conta ainda, de que os mesmos haviam crescido e que dentro em breve, estariam cuidando de suas vidas em outro lugar.
Para ela, eles ainda tinham a obrigação de lhe obedecer.
Contudo, eles não estavam nem um pouco preocupados com a ira dela.
E assim, Érica e Elena, sempre que podiam, aproveitavam para sair e curtir a noite. Adultas, já possuíam até companhia para suas saídas noturnas.
Já Carlos, menos interessado em compromissos sérios, aproveitava para ficar cada vez que saía, com uma pessoa diferente.
E assim, Carla, aborrecida, percebeu então que não podia contar com os filhos. Diante disso, decidiu que ela mesma iria ficar de olho em Anne e vigiar seus passos.
No entanto, nos últimos tempos, a garota parecia não estar interessada em sair de casa.
Isso por que, Anne, percebendo que era vigiada por Carla, resolveu se acalmar um pouco e esperar o momento certo de voltar para a cabana.
Com isso já sem o gesso, que já havia sido tirado, Anne precisava fazer fisioterapia para fortalecer o braço esquerdo. E assim, teria que esperar mais um pouco para voltar para sua cabana.
Foi assim que Anne procedeu.
De tão calma, Carla até se espantou.
Ademais, cansada de esperar que a moça saísse de casa, a mulher acabou desistindo de segui-la.
E assim, mesmo depois de flagrá-la pegando comida escondida. Como já fazia muito tempo que isto havia ocorrido, Carla se esqueceu do assunto. Isso por que provavelmente Anne desistira da idéia de voltar para a cabana. Ressabiada, a moça demoraria para voltar a agir.
Nisso, certa vez, ao voltar do trabalho, um de seus filhos perguntou:
-- E como é que estão indo as coisas? Está dando tudo certo?
-- Não. Essa infeliz não se mexe. Parece que faz isso de propósito. – respondeu Carla, aborrecida.
E com isso, os dias foram se passando. Até que chegou a notícia de que haveria uma festa na escola.
Anne, discreta, nem chegou a comentar o assunto em casa. Mas Érica e Elena, ao saberem da novidade, trataram logo de contar a mãe.
Essa ao ouvir a novidade, percebendo a aproximação de Anne, perguntou:
-- E você, mocinha, por acaso pretende ir a esta festa? – perguntou Carla, diretamente a Anne.
-- Não. É claro que não. Por que eu iria?
-- Talvez por que quisesse encontrar seus colegas de escola. – respondeu Elena com ironia.
-- Não, não pretendo. – respondeu ela.
E assim, os dias foram se passando.
Érica, Elena e Carlos, estavam muito interessados na festa. Tanto que, em sendo convidados, não se fizeram de rogados. E assim, no dia da festa, momentos antes de irem até lá, já estavam devidamente trajados.
Anne por sua vez, fez de tudo para convencê-los de que não iria até a festa.
Porém, quando Carla comentou se ela iria ficar em casa, a moça decidiu repentinamente, dar uma passada na escola.
E assim o fez.
Carla porém, ao ver Anne sair, percebendo que a moça estava por demasiado simples, desconfiou. Afinal, quem em sã consciência iria a uma festa de gala, usando um jeans surrado, camiseta e um sapato velho?
Não, algo estava errado. Por isso, logo que a moça saiu de casa, Carla partiu em seu encalço. A mulher, estava deveras interessada em descobrir onde a moça ía quando sumia de casa. E assim, apesar de sua desistência inicial, Carla, notando o comportamento estranho de Anne, resolveu partir em seu encalço.
Mas, qual não foi sua surpresa ao descobrir que a moça caminhava em direção a escola e lá entrou, não se sabe por que.
Mas sim, Anne entrou na escola e foi até o salão.
Ao lá entrar, devido os trajes em desacordo com o clima da festa, Anne foi alvo de muitos comentários irônicos.
Mas ela não se incomodou com isso. Acostumada a ser esnobada pelos filhinhos de papai que freqüentavam a escola, Anne já estava até acostumada a ouvir esse tipo de comentário maldoso. Sim, por que as pessoas que diziam isso, não se preocupavam nem um pouco em disfarçar suas palavras, quando ela se aproximava.
Mas enfim, Anne estava escolada quanto a isso. E assim, não se intimidou com os comentários e continuou andando pelo salão.
Nisso, em dado momento, a moça acabou encontrando com alguns de seus colegas de classe. Estavam todos reunidos em uma mesa, estrategicamente posicionada em frente a pista de dança.
Mas Anne não estava nem um pouco interessada em dançar. Por isso, foi logo dizendo aos colegas que só estava lá para lhes cumprimentar e ver um pouco da festa. Portanto, não daria ficar muito tempo ali.
Mas, Rafael, Enrique e Otávio, insistiram para que ela ficasse mais um pouco por lá. Insistiram tanto, que não restou a Anne, senão concordar e ficar mais um pouco por ali.
E assim ficou.
Em dado momento da festa, Anne pediu licença e foi até ao banheiro. Ao retornar, foi surpreendida por um sujeito estranho.
Sem esperar por isso, Anne resolveu se defender do jeito que podia e assim, começou a bater no estranho.
Contudo, este não intimidou com sua reação e continuou a investir contra ela.
Nisso, as horas se passaram e os três garotos começaram a se preocupar com o sumiço de Anne. Tanto que ao término da festa, eles resolveram passar na casa dela para saber o que havia acontecido.
Ao lá chegarem, descobriram que a moça, não havia voltado para casa.
Carla estava furiosa. Ao sair para tentar descobrir o esconderijo de Anne, acabou se perdendo da moça, quando ela resolveu entrar na escola e participar da festa. Ainda, na vã tentativa de descobrir alguma coisa, resolveu ficar por algum tempo escondida, próxima a entrada da escola, aguardando que Anne saísse de lá.
Mas as horas se passaram e nada da moça aparecer por ali.
Carla então, começou a se irritar com o comportamento de Anne.
Como a garota havia sumido, não restou outra alternativa a ela senão voltar para a casa e esperar Anne por lá.
Contudo, conforme as horas foram se passando e nada da moça aparecer, Carla então descobriu que Anne havia sumido de casa.
Com isso, quando os três rapazes ouviram de Carla que Anne não havia voltado da festa, ficaram preocupados.
Carla, porém, conhecendo o comportamento habitual da moça, respondeu-lhes que não precisavam ficar preocupados, pois Anne sempre fazia isso.
Diante disso, só restou a eles pedirem, para que se ela aparecesse, avisá-los. Assim, eles se despediram e voltaram para casa.
Nisso, os dias se passaram.
Anne continuava sumida.
Porém, ao contrário do que havia acontecido nas outras vezes, Anne não apareceu na escola. Sim por que, mesmo quando sumia de casa, a moça nunca se ausentava da escola.
Contudo, dessa vez, Anne não estava procedendo dessa forma.
Tal fato fez seus colegas ficarem preocupados. Afinal de contas, um sumiço de tantos dias, não era normal.
Cismados, Enrique, Rafael e Otávio resolveram voltar a casa de Anne, na tentativa de descobrirem juntos o que estava acontecendo.
Assim, ao término da aula, os três foram logo para a casa da moça. Lá, foram novamente recebidos por Carla, que sem paciência, foi lhes dizendo que tinha muito o que fazer, e não tinha tempo para conversas.
Foi então que Rafael e Enrique, comentaram que Anne não costumava faltar na escola.
Carla intrigada perguntou:
-- Ela nunca faltou na escola?
-- Nunca.
-- Nem quando ela sumia de casa? Nem assim?
-- Sumia? Como assim? – perguntou Otávio, espantado.
Meio sem jeito, Carla respondeu:
-- É que às vezes ela some.
Nisso Otávio respondeu:
-- Olha Dona Carla. Nós não sabemos quando foi que ela sumiu de casa. Mas uma coisa podemos dizer. Anne nunca faltou na escola.
-- Porém, desde o sumiço dela na festa ... até agora ela não apareceu na escola. – comentou Enrique.
-- Então, é sério? – perguntou Carla espantada.
-- Pelo jeito, é sim. Talvez ela esteja em apuros e não tenha tido coragem de nos contar. – disse Rafael.
-- E o que nós fazemos? – perguntaram os três.
-- Por enquanto nada. – respondeu Carla. – Mas se ela não aparecer nos próximos dias, devemos chamar a polícia.
Nisso, os quatro concordaram.
Com isso, conforme os dias foram se seguindo, Anne não deu nenhuma notícia.
Diante isso, insistindo com a idéia de chamar a polícia, os três garotos, acabaram convencendo Carla a assim proceder.
Nesse meio tempo, até mesmo Antônio, já manifestava preocupação pelo sumiço de Anne.
Por conta disso, reiteradas vezes, Antônio insistiu com a esposa, para que eles chamassem a polícia. Até por que, mesmo quando ela sumia, não ficava afastada de casa por tanto tempo.
Ademais, dada as circunstâncias em que se deu o seu sumiço, seria bom que eles verificassem o que poderia ter acontecido a ela.
E assim, de tanto Antônio e os amigos de Anne, insistirem com ela para que tomasse providências a respeito do assunto, Carla acabou por se convencer de que chamando a polícia, agiria da melhor forma.
Antônio seu marido, já tinha lhe dito inclusive, que se ela não fosse logo a polícia, ele mesmo iria.
E nisso, Carla viu-se sem saída. Dessa forma, acabou por contatar a polícia e relatar a eles que Anne, uma garota que fora criada por ela, havia sumido de casa.
Os policiais então, ao tomarem conhecimento do sumiço de Anne, passaram a lhe procurar em todos os lugares.
Em casas de conhecidos, logradouros públicos, estradas, construções abandonadas e nada. Anne com certeza, não estava nas proximidades do município.
Ao descobrir isso, Carla exclamou intrigada:
-- Mas então, onde raios se menina foi se meter?
No entanto a despeito disso, a polícia continuou procurando-a.
Foi então, que depois de algum tempo, Anne finalmente resolveu aparecer. Cansada e abatida, os que a viram, mal puderam acreditar que fosse ela que estivesse voltando depois de quase três semanas sumida.
Carla então, vendo o estado de Anne, ainda assim, insistiu com ela, para que contasse onde havia estado e o que teria acontecido.
Mas Anne, mesmo em sendo pressionada por Carla, nada comentou sobre o assunto.
Isso fez com que Carla ficasse ainda mais furiosa com ela. Contudo, por um momento, lembrou-se de avisar a polícia de que Anne havia voltado para casa sã e salva.
Porém, os policiais, ciosos do cumprimento de seus deveres, resolveram continuar a cuidar do caso, já que não parecia ter havido rapto. Todavia, para eles, havia ainda, muita coisa para ser descoberta.
E assim, para desespero de Carla, reiteradas vezes os policiais apareceram em sua porta, fazendo-lhe perguntas e procurando saber o teria acontecido. Insistentes, faziam questão de conversar com Anne, que procurava se esconder a todo custo deles. Em vão.
Isso por que, Anne fora intimada para comparecer a delegacia. Mas, por ser menor de idade, deveria ser acompanhada de um responsável.
Antônio então, penalizado com a situação, ofereceu-se para acompanhar Anne até lá. Carla, já aborrecida com a história, fez questão de deixar bem claro que não iria acompanhá-la.
Érica, Elena e Carlos, ocupados com seus respectivos trabalhos, alegaram que não teriam tempo de levá-la até a delegacia.
No entanto, a despeito disso, Antônio já havia se prontificado a acompanhá-la até a delegacia.
E assim o fez.
Ao lá chegar, Anne foi imediatamente inquirida pelo delegado. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, nada de novo foi descoberto por ele. Anne, ressabiada, não explicou claramente os motivos de seu sumiço.
Contudo, o delegado, ciente de que eram constantes os seus sumiços, perguntou então a Antônio, o por que de tanta preocupação, já que a moça sempre fazia isso.
No que ele respondeu:
-- Estranhamente, ao contrário das outras vezes, Anne demorou muito para voltar para casa. Além disso, como eu mesmo já expliquei ao senhor, Anne sumiu de uma festa. Sem se despedir de seus amigos, ela simplesmente desapareceu. E isso não é de seu feitio. Ademais, em meio a tanta gente, como ela faria para sair desapercebida?
O delegado teve então que concordar.
Mas, por hora, resolveu dispensar Anne. Ciente de que a moça nada lhe falaria no momento, o delegado achou por bem deixá-la ir. Mais tarde voltaria a chamá-la.
E assim, Anne e Antônio voltaram para casa.
Ao retornar, Anne voltou ao borralho. Acostumada a cuidar da casa desde de cedo, para evitar mais comentários, a moça resolveu continuar sua rotina de trabalho.
Carla, satisfeita com a novidade, comentou irônica:
-- Até que enfim. Pensei que eu fosse ter que cuidar de tudo sozinha daqui por diante. Depois de tantos dias sumida, nem esperava mais que voltasse. Mas já que voltou, não faz mais do que sua obrigação retomar os serviços domésticos.
Anne ouviu tudo sem nada dizer. Aborrecida com o interrogatório do delegado, Anne não estava nem um pouco interessada em conversar, com quem quer que fosse.
Assim, mais do que depressa, a moça foi cuidar dos serviços domésticos. Primeiramente, vendo a quantidade de panelas e pratos sujos, Anne resolveu lavar e guardar toda a louça. Depois, passou um pano no piso da cozinha e foi cuidar das roupas.
Nem parecia que Carla havia cuidado de alguma coisa em sua ausência.
Isso por que, todos pareciam estar insatisfeitos com seus serviços domésticos.
Seus filhos, principalmente Érica e Elena, não gostaram nada de sua comida. Mas eles não podiam fazer nada, já que não ajudavam em casa.
Quando Anne retornou porém, todos ficaram satisfeitos. Finalmente teriam uma comida decente para comer.
Mas Anne estava estranha. Mantendo uma postura de distanciamento da família, Anne parecia cada vez mais indiferente a todos eles.
E assim, freqüentemente, ficava fechada em seu quarto. Triste e amuada.
Com isso, apesar de não ser de muito falar, Anne parecia muda agora. Isso por que passou a raramente falar com eles. Para dizer um simples oi ou bom dia, era um custo.
Anne realmente estava demudada.
Nunca fora um exemplo de alegria e entusiasmo, mas agora, as coisas estavam indo longe demais.
Para complicar ainda mais a situação, ultimamente a moça vinha perdendo o apetite.
Freqüentemente indisposta, Antonio já estava começando a se preocupar com Anne. Só ele, por que o restante da família, nem sequer havia reparado na mudança de comportamento da garota.
Sempre preocupados demais consigo mesmos, eles mal tinham tempo de olhar em volta e perceber o quanto de mal já haviam impingido a pobre garota. Isso por que, nos últimos anos, os filhos de Carla, mal perguntavam por ela. Apesar de terem sido eles os responsáveis por ela permanecer com eles, agora não queriam mais saber dela.
No início, animados com a presença de um bebê em casa, mal podiam esperar para terminarem o serviço, e poderem brincar com ela.
Agora, a total e completa indiferença.
Isso quando não tentavam prejudicá-la, criando atritos com ela.
Carla quando via as discussões dos filhos com ela, sempre tomava partido dos filhos. Mesmo quando eles estavam errados, ainda assim, ela fazia questão de defendê-los de Anne. Como se realmente qualquer um dos três precisasse de algum tipo de ajuda para se defender.
Mesmo assim, Carla não se cansava de protegê-los e encobrir seus erros.
Quantas vezes eles não quebraram objetos dentro de casa e puseram a culpa em Anne?
Quantas vezes Anne apanhou de Carla e Antonio por algo que não havia feito?
Em sua infância, incontáveis vezes, Anne foi surrada pelos dois.
Com o passar dos anos, Érica, Elena e Carlos, outrora gentis e atenciosos com ela, passaram a lhe ser hostis e cruéis.
Sim, com Carla constantemente tentando os convencer de que não havia sido uma boa idéia deixá-la ficar, estimulou-os a desprezarem Anne.
Com isso, Anne foi pouco a pouco sendo abandonada por todos da família.
Sem apoio e sem poder contar com o carinho de ninguém, ela teve que passar a cuidar da casa da família.
E assim, os anos foram se passando. E Anne foi ficando cada vez mais só.
Com isso, os únicos momentos em que podia se divertir um pouco era quando em companhia dos colegas da escola, Anne podia esquecer um pouco a sua vida.
Mas eram apenas instantes. Quando ela voltava para casa, o martírio continuava.
Tanto que quando se via a sós dentro de casa, achava até bom. Pelo menos assim, ninguém a incomodaria.
Contudo, mesmo a escola nos últimos tempos, não lhe causava interesse.
Antônio percebendo isso, resolveu conversar com Anne para saber o que estava acontecendo. Assim, no fim do dia, bateu na porta de seu quarto e perguntou-lhe:
-- Está tudo bem?
-- Sim. Está. – respondeu ela laconicamente.
-- Tem certeza de que não está precisando de nada?
-- Tenho. – respondeu.
-- Pois não parece. Está tão abatida! Tem certeza de que não quer me contar o que foi que aconteceu?
-- Não aconteceu nada. – disse ela, impaciente. – Estou bem. Não precisa se preocupar comigo. Só estou com um pouco de dor de cabeça. Já vai melhorar.
-- Olhe Anne. Eu não estou querendo invadir sua vida. A única coisa que eu quero saber é o que está acontecendo. Por acaso Carla tem implicado com você? O que está acontecendo? Você está muito estranha.
-- Não estou não. – insistiu em dizer.
-- Me desculpe, mas está sim. Nunca tinha te visto tão amuada.
Mas de nada adiantou sua insistência. Não seria desta vez que a moça iria lhe contar o que estava acontecendo.
Contudo, Antônio, desde o incidente com o braço quebrado, sabia que o relacionamento de Anne com Carla não era dos melhores. Porém, por não conviver com a moça, não sabia exatamente em que pé estavam as coisas. Por isso, resolvera ser cauteloso ao abordar Anne, pois não queria espantá-la.
Sim, Antônio estava muito preocupado com Anne. Muito mais do que jamais esteve. Até mesmo Carla, sua esposa, admirou-se do inesperado interesse dele por Anne.
Afinal de contas, por que tanta preocupação? Não estava tudo bem com ela?
Mas, Antônio sabia que não. Observando-a melhor, percebeu que a moça não era benquista na família.
Pior! Constatou que ele próprio a vinha negligenciando dia após dia. Logo ele, que criticou o comportamento da esposa, quando esta derrubou Anne e a fez quebrar o braço.
Sim, por que ele, com sua omissão, estava agindo igual ou pior do que ela.
Triste e desapontado, Antônio descobriu que mesmo seus filhos, que no início insistiram muito para que ele e Carla ficassem com Anne, agora mal olhavam para ela.
Surpreso chegou a perguntar a esposa:
-- Quando foi que eles começaram a ignorar a Anne?
-- Do que é que você está falando? Não sabe como são as crianças? Logo que elas conseguem alguma coisa, elas se desinteressam. Além do mais, por cinco anos, elas cuidaram muito bem de Anne. Mesmo reclamando que ela dava trabalho.
-- Quer dizer ... faz tanto tempo assim? Quando foi que passamos a ser tão cruéis com ela?
-- Cruéis? Desde quando? E quando foi que você passou a se preocupar com esta moça? Nunca demonstrou o menor interesse! As únicas pessoas que cuidaram dela fomos nós! Você nunca se importou com ela. Por que está tão penalizado agora?
-- Não é verdade. Posso não ter sido muito presente, mas sempre me preocupei com ela.
-- Realmente! Se preocupou tanto, que deixou a criação dela na mão de todos nós. E nunca se preocupou em trocar uma fralda dela. – respondeu irônica.
-- Mas isso não me torna menos interessado... Será que eu fui tão cruel assim também? – perguntou espantado.
-- Sim. Foi omisso sim, e muito. – respondeu ela.
Desapontado, depois da dura conversa com a esposa, Antônio passou a pensar nos anos de convivência com Anne.
Ao se lembrar do início e perceber como tudo estava no presente, não tinha como negar. Indubitavelmente, as coisas haviam mudado muito. E para sua tristeza, não haviam mudado para melhor. Ao contrário, a convivência da família Pereira com Anne, era a pior possível. Nem parecia que a garota fazia parte daquela família!
Tanto que mesmo depois de anos, a garota continuava a tratar ele e Carla como dois estranhos. Em todos esses anos de convivência, Antônio nunca a ouvira chamá-los de pai e de mãe.
Isso era deveras estranho.
Foi então que ele chegou a seguinte conclusão:
-- Oh, céus! O que foi que fizemos a ela?
Mas já era tarde para arrependimentos. O mal já havia sido feito. A única coisa a ser feita agora, era tentar ajudá-la.
Sim, ajudá-la. Por que algo de muito sério havia acontecido.
Culpado, Antônio percebeu que descobrir o que havia acontecido e ajudá-la, era a única coisa digna a ser feita. Uma verdadeira questão de honra.
Para ele, essa era a única forma de se redimir por todo o mal que eles fizeram a ela.
Mas por mais que estivesse disposto a ajudar a moça, Antônio sabia que não seria fácil convencê-la a se abrir com ele. Afinal de contas, a moça, em razão do tratamento que lhe era dispensado, passou durante anos, a ficar na defensiva.
Por isso, seria preciso muita paciência para remover a resistência da moça em se abrir com ele.
E assim, somente dois meses depois do ocorrido, foi que Antonio finalmente pôde ajudar a moça.
Isso por que, depois de passar o dia todo fazendo serviços pesados, e estando indisposta, Anne acabou passando mal.
Antônio que a essa hora já estava em casa, vendo a moça desfalecer, logo acorreu ao seu encontro para ampará-la. Atencioso, depois de acudir e impedir que ela batesse com a cabeça, ele tratou levá-la para seu quarto e ajudou-a a se deitar.
Preocupado, Antônio, perguntou-lhe se poderia levar o jantar até seu quarto, mas Anne respondeu que não estava com fome. Alegando que estava enjoada, disse que o simples cheiro de comida lhe embrulhava o estômago.
Foi então que Antônio, surpreso com as palavras de Anne perguntou a moça se ela estava com algum problema.
Ao ouvir isso, Anne disse prontamente que não.
Mas depois de muitas horas, quando todos já haviam se recolhido, Anne, percebendo que Antônio a observava, pediu para que ele entrasse em seu quarto.
Aflita, Anne então disse que algo de muito errado estava acontecendo com ela, já que fazia muito tempo que vinha se sentindo mal.
Desconfiado do que pudesse ser, Antônio disse-lhe que no dia seguinte a levaria até o hospital, para que ela fizesse exames e descobrisse o que era.
Dito e feito.
No dia seguinte, antes de todos acordarem, os dois foram até o hospital.
Lá, Anne fez todos os exames que lhe foram pedidos.
Depois, os dois voltaram para casa.
Isso por que, a moça precisaria ainda, esperar alguns dias pelo resultado dos exames.
Este fato, foi o bastante para deixar Antônio ainda mais ansioso. Mas fazer o que? Tinha que esperar.
E assim, aguardando ansiosamente, ao final de alguns dias, os dois voltaram ao hospital para saber o resultado do exame.
Nisso, ao abrir o envelope, Anne, procurando entender o que estava escrito no papel, ficou confusa. Afinal, o que significava aquela profusão de palavras técnicas e complicadas?
Por esta razão, para que lhe fosse explicado o resultado do exame, Antônio resolveu levar Anne para conversar com o médico.
E assim, enquanto o médico lhes explicava o resultado do exame, Anne e Antônio ficaram deveras apreensivos.
Anne, assim que entendeu do que se tratava, ficou desesperada. De tão nervosa, chegou até a chorar.
Pobre menina. Não conseguia entender por que isto tudo tinha acontecido justamente com ela. Decepcionada, durante todo o trajeto de volta para casa, chorou.
Com isso, ao ver estado da moça, Antônio, igualmente desapontado, mesmo assim, fez de tudo para consolá-la. Afinal, se isso tinha acontecido, a culpa não era somente dela.
Mas isso não diminuía a tristeza de Anne.
Nisso, temendo que Antônio contasse para o restante da família o que estava acontecendo, Anne resolveu novamente, sumir de casa.
Voltando para sua cabana, Anne resolveu que não voltaria tão cedo para casa. Talvez, não voltasse nunca mais.
Porém, com o passar dos dias, as coisas foram se complicando.
Isso por que, um dia, ao retornar para sua cabana, depois da ida a escola, Anne acabou se encontrando com dois garotos.
Eles, ansiando por arrumar confusão, começaram a provocá-la.
Anne então, enfurecida com a provocação dos dois, começou a bater em um deles.
Foi então que o outro avançou contra ela. Tentando segurar seu braço, só não a agrediu por que um rapaz que passava ali no momento o impediu, e ameaçando lhe dar uma surra, colocou-o pra correr.
O outro já esbofeteado por ela, também correu.
Com isso, agradecida com o gesto de gentileza, Anne disse-lhe um obrigada e continuou caminhando. Porém, alguns passos depois, começou a passar mal.
O rapaz, vendo que Anne não estava bem, resolveu levá-la até o hospital.
Lá, visto que foi prontamente socorrida, Anne foi instada a permanecer no hospital por alguns dias.
Antônio preocupado, logo que soube do ocorrido, tratou logo de ir até o hospital.
Nisso, um senhor, procurando por uma pessoa, perguntava em toda a cidade, onde a mesma morava. Fazia tempos que ele a procurava.
Contudo, encontrá-la seria um desafio.
Isso por que, apesar de toda sua dedicação e interesse em encontrá-la toda vez que perguntava a alguém sobre esta, ninguém sabia responder.
Com isso, cansado de procurar em vão, ele resolveu contratar os serviços de um profissional para encontrar a pessoa que tanto procurava.
E assim, apesar de ser extremamente caro os serviços de um detetive, Claudionor não media esforços para que a tal pessoa fosse localizada.
Tamanho interesse, no entanto, poderia significar muita coisa. Porém, não era da conta de ninguém.
E assim, o detetive passou a fazer seu trabalho.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Contudo, Elena, Carlos e Érica não estavam muito entusiasmados com a idéia. Por isso, sempre que surgia uma oportunidade de saírem de casa, os três não se faziam de rogados.
Diante disso, Carla começou a ficar irritada com os filhos. Afinal de contas, os três não haviam se comprometido em ajudá-la a vigiar Anne?
Com isso, diversas vezes, Érica, Elena e Carlos perderam boas oportunidades de seguir Anne.
Carla, ao perceber que os filhos não estavam nem um pouco interessados em ajudá-la, ficou irritadíssima.
Acostumada a lhes dar ordens, Carla não havia se dado conta ainda, de que os mesmos haviam crescido e que dentro em breve, estariam cuidando de suas vidas em outro lugar.
Para ela, eles ainda tinham a obrigação de lhe obedecer.
Contudo, eles não estavam nem um pouco preocupados com a ira dela.
E assim, Érica e Elena, sempre que podiam, aproveitavam para sair e curtir a noite. Adultas, já possuíam até companhia para suas saídas noturnas.
Já Carlos, menos interessado em compromissos sérios, aproveitava para ficar cada vez que saía, com uma pessoa diferente.
E assim, Carla, aborrecida, percebeu então que não podia contar com os filhos. Diante disso, decidiu que ela mesma iria ficar de olho em Anne e vigiar seus passos.
No entanto, nos últimos tempos, a garota parecia não estar interessada em sair de casa.
Isso por que, Anne, percebendo que era vigiada por Carla, resolveu se acalmar um pouco e esperar o momento certo de voltar para a cabana.
Com isso já sem o gesso, que já havia sido tirado, Anne precisava fazer fisioterapia para fortalecer o braço esquerdo. E assim, teria que esperar mais um pouco para voltar para sua cabana.
Foi assim que Anne procedeu.
De tão calma, Carla até se espantou.
Ademais, cansada de esperar que a moça saísse de casa, a mulher acabou desistindo de segui-la.
E assim, mesmo depois de flagrá-la pegando comida escondida. Como já fazia muito tempo que isto havia ocorrido, Carla se esqueceu do assunto. Isso por que provavelmente Anne desistira da idéia de voltar para a cabana. Ressabiada, a moça demoraria para voltar a agir.
Nisso, certa vez, ao voltar do trabalho, um de seus filhos perguntou:
-- E como é que estão indo as coisas? Está dando tudo certo?
-- Não. Essa infeliz não se mexe. Parece que faz isso de propósito. – respondeu Carla, aborrecida.
E com isso, os dias foram se passando. Até que chegou a notícia de que haveria uma festa na escola.
Anne, discreta, nem chegou a comentar o assunto em casa. Mas Érica e Elena, ao saberem da novidade, trataram logo de contar a mãe.
Essa ao ouvir a novidade, percebendo a aproximação de Anne, perguntou:
-- E você, mocinha, por acaso pretende ir a esta festa? – perguntou Carla, diretamente a Anne.
-- Não. É claro que não. Por que eu iria?
-- Talvez por que quisesse encontrar seus colegas de escola. – respondeu Elena com ironia.
-- Não, não pretendo. – respondeu ela.
E assim, os dias foram se passando.
Érica, Elena e Carlos, estavam muito interessados na festa. Tanto que, em sendo convidados, não se fizeram de rogados. E assim, no dia da festa, momentos antes de irem até lá, já estavam devidamente trajados.
Anne por sua vez, fez de tudo para convencê-los de que não iria até a festa.
Porém, quando Carla comentou se ela iria ficar em casa, a moça decidiu repentinamente, dar uma passada na escola.
E assim o fez.
Carla porém, ao ver Anne sair, percebendo que a moça estava por demasiado simples, desconfiou. Afinal, quem em sã consciência iria a uma festa de gala, usando um jeans surrado, camiseta e um sapato velho?
Não, algo estava errado. Por isso, logo que a moça saiu de casa, Carla partiu em seu encalço. A mulher, estava deveras interessada em descobrir onde a moça ía quando sumia de casa. E assim, apesar de sua desistência inicial, Carla, notando o comportamento estranho de Anne, resolveu partir em seu encalço.
Mas, qual não foi sua surpresa ao descobrir que a moça caminhava em direção a escola e lá entrou, não se sabe por que.
Mas sim, Anne entrou na escola e foi até o salão.
Ao lá entrar, devido os trajes em desacordo com o clima da festa, Anne foi alvo de muitos comentários irônicos.
Mas ela não se incomodou com isso. Acostumada a ser esnobada pelos filhinhos de papai que freqüentavam a escola, Anne já estava até acostumada a ouvir esse tipo de comentário maldoso. Sim, por que as pessoas que diziam isso, não se preocupavam nem um pouco em disfarçar suas palavras, quando ela se aproximava.
Mas enfim, Anne estava escolada quanto a isso. E assim, não se intimidou com os comentários e continuou andando pelo salão.
Nisso, em dado momento, a moça acabou encontrando com alguns de seus colegas de classe. Estavam todos reunidos em uma mesa, estrategicamente posicionada em frente a pista de dança.
Mas Anne não estava nem um pouco interessada em dançar. Por isso, foi logo dizendo aos colegas que só estava lá para lhes cumprimentar e ver um pouco da festa. Portanto, não daria ficar muito tempo ali.
Mas, Rafael, Enrique e Otávio, insistiram para que ela ficasse mais um pouco por lá. Insistiram tanto, que não restou a Anne, senão concordar e ficar mais um pouco por ali.
E assim ficou.
Em dado momento da festa, Anne pediu licença e foi até ao banheiro. Ao retornar, foi surpreendida por um sujeito estranho.
Sem esperar por isso, Anne resolveu se defender do jeito que podia e assim, começou a bater no estranho.
Contudo, este não intimidou com sua reação e continuou a investir contra ela.
Nisso, as horas se passaram e os três garotos começaram a se preocupar com o sumiço de Anne. Tanto que ao término da festa, eles resolveram passar na casa dela para saber o que havia acontecido.
Ao lá chegarem, descobriram que a moça, não havia voltado para casa.
Carla estava furiosa. Ao sair para tentar descobrir o esconderijo de Anne, acabou se perdendo da moça, quando ela resolveu entrar na escola e participar da festa. Ainda, na vã tentativa de descobrir alguma coisa, resolveu ficar por algum tempo escondida, próxima a entrada da escola, aguardando que Anne saísse de lá.
Mas as horas se passaram e nada da moça aparecer por ali.
Carla então, começou a se irritar com o comportamento de Anne.
Como a garota havia sumido, não restou outra alternativa a ela senão voltar para a casa e esperar Anne por lá.
Contudo, conforme as horas foram se passando e nada da moça aparecer, Carla então descobriu que Anne havia sumido de casa.
Com isso, quando os três rapazes ouviram de Carla que Anne não havia voltado da festa, ficaram preocupados.
Carla, porém, conhecendo o comportamento habitual da moça, respondeu-lhes que não precisavam ficar preocupados, pois Anne sempre fazia isso.
Diante disso, só restou a eles pedirem, para que se ela aparecesse, avisá-los. Assim, eles se despediram e voltaram para casa.
Nisso, os dias se passaram.
Anne continuava sumida.
Porém, ao contrário do que havia acontecido nas outras vezes, Anne não apareceu na escola. Sim por que, mesmo quando sumia de casa, a moça nunca se ausentava da escola.
Contudo, dessa vez, Anne não estava procedendo dessa forma.
Tal fato fez seus colegas ficarem preocupados. Afinal de contas, um sumiço de tantos dias, não era normal.
Cismados, Enrique, Rafael e Otávio resolveram voltar a casa de Anne, na tentativa de descobrirem juntos o que estava acontecendo.
Assim, ao término da aula, os três foram logo para a casa da moça. Lá, foram novamente recebidos por Carla, que sem paciência, foi lhes dizendo que tinha muito o que fazer, e não tinha tempo para conversas.
Foi então que Rafael e Enrique, comentaram que Anne não costumava faltar na escola.
Carla intrigada perguntou:
-- Ela nunca faltou na escola?
-- Nunca.
-- Nem quando ela sumia de casa? Nem assim?
-- Sumia? Como assim? – perguntou Otávio, espantado.
Meio sem jeito, Carla respondeu:
-- É que às vezes ela some.
Nisso Otávio respondeu:
-- Olha Dona Carla. Nós não sabemos quando foi que ela sumiu de casa. Mas uma coisa podemos dizer. Anne nunca faltou na escola.
-- Porém, desde o sumiço dela na festa ... até agora ela não apareceu na escola. – comentou Enrique.
-- Então, é sério? – perguntou Carla espantada.
-- Pelo jeito, é sim. Talvez ela esteja em apuros e não tenha tido coragem de nos contar. – disse Rafael.
-- E o que nós fazemos? – perguntaram os três.
-- Por enquanto nada. – respondeu Carla. – Mas se ela não aparecer nos próximos dias, devemos chamar a polícia.
Nisso, os quatro concordaram.
Com isso, conforme os dias foram se seguindo, Anne não deu nenhuma notícia.
Diante isso, insistindo com a idéia de chamar a polícia, os três garotos, acabaram convencendo Carla a assim proceder.
Nesse meio tempo, até mesmo Antônio, já manifestava preocupação pelo sumiço de Anne.
Por conta disso, reiteradas vezes, Antônio insistiu com a esposa, para que eles chamassem a polícia. Até por que, mesmo quando ela sumia, não ficava afastada de casa por tanto tempo.
Ademais, dada as circunstâncias em que se deu o seu sumiço, seria bom que eles verificassem o que poderia ter acontecido a ela.
E assim, de tanto Antônio e os amigos de Anne, insistirem com ela para que tomasse providências a respeito do assunto, Carla acabou por se convencer de que chamando a polícia, agiria da melhor forma.
Antônio seu marido, já tinha lhe dito inclusive, que se ela não fosse logo a polícia, ele mesmo iria.
E nisso, Carla viu-se sem saída. Dessa forma, acabou por contatar a polícia e relatar a eles que Anne, uma garota que fora criada por ela, havia sumido de casa.
Os policiais então, ao tomarem conhecimento do sumiço de Anne, passaram a lhe procurar em todos os lugares.
Em casas de conhecidos, logradouros públicos, estradas, construções abandonadas e nada. Anne com certeza, não estava nas proximidades do município.
Ao descobrir isso, Carla exclamou intrigada:
-- Mas então, onde raios se menina foi se meter?
No entanto a despeito disso, a polícia continuou procurando-a.
Foi então, que depois de algum tempo, Anne finalmente resolveu aparecer. Cansada e abatida, os que a viram, mal puderam acreditar que fosse ela que estivesse voltando depois de quase três semanas sumida.
Carla então, vendo o estado de Anne, ainda assim, insistiu com ela, para que contasse onde havia estado e o que teria acontecido.
Mas Anne, mesmo em sendo pressionada por Carla, nada comentou sobre o assunto.
Isso fez com que Carla ficasse ainda mais furiosa com ela. Contudo, por um momento, lembrou-se de avisar a polícia de que Anne havia voltado para casa sã e salva.
Porém, os policiais, ciosos do cumprimento de seus deveres, resolveram continuar a cuidar do caso, já que não parecia ter havido rapto. Todavia, para eles, havia ainda, muita coisa para ser descoberta.
E assim, para desespero de Carla, reiteradas vezes os policiais apareceram em sua porta, fazendo-lhe perguntas e procurando saber o teria acontecido. Insistentes, faziam questão de conversar com Anne, que procurava se esconder a todo custo deles. Em vão.
Isso por que, Anne fora intimada para comparecer a delegacia. Mas, por ser menor de idade, deveria ser acompanhada de um responsável.
Antônio então, penalizado com a situação, ofereceu-se para acompanhar Anne até lá. Carla, já aborrecida com a história, fez questão de deixar bem claro que não iria acompanhá-la.
Érica, Elena e Carlos, ocupados com seus respectivos trabalhos, alegaram que não teriam tempo de levá-la até a delegacia.
No entanto, a despeito disso, Antônio já havia se prontificado a acompanhá-la até a delegacia.
E assim o fez.
Ao lá chegar, Anne foi imediatamente inquirida pelo delegado. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, nada de novo foi descoberto por ele. Anne, ressabiada, não explicou claramente os motivos de seu sumiço.
Contudo, o delegado, ciente de que eram constantes os seus sumiços, perguntou então a Antônio, o por que de tanta preocupação, já que a moça sempre fazia isso.
No que ele respondeu:
-- Estranhamente, ao contrário das outras vezes, Anne demorou muito para voltar para casa. Além disso, como eu mesmo já expliquei ao senhor, Anne sumiu de uma festa. Sem se despedir de seus amigos, ela simplesmente desapareceu. E isso não é de seu feitio. Ademais, em meio a tanta gente, como ela faria para sair desapercebida?
O delegado teve então que concordar.
Mas, por hora, resolveu dispensar Anne. Ciente de que a moça nada lhe falaria no momento, o delegado achou por bem deixá-la ir. Mais tarde voltaria a chamá-la.
E assim, Anne e Antônio voltaram para casa.
Ao retornar, Anne voltou ao borralho. Acostumada a cuidar da casa desde de cedo, para evitar mais comentários, a moça resolveu continuar sua rotina de trabalho.
Carla, satisfeita com a novidade, comentou irônica:
-- Até que enfim. Pensei que eu fosse ter que cuidar de tudo sozinha daqui por diante. Depois de tantos dias sumida, nem esperava mais que voltasse. Mas já que voltou, não faz mais do que sua obrigação retomar os serviços domésticos.
Anne ouviu tudo sem nada dizer. Aborrecida com o interrogatório do delegado, Anne não estava nem um pouco interessada em conversar, com quem quer que fosse.
Assim, mais do que depressa, a moça foi cuidar dos serviços domésticos. Primeiramente, vendo a quantidade de panelas e pratos sujos, Anne resolveu lavar e guardar toda a louça. Depois, passou um pano no piso da cozinha e foi cuidar das roupas.
Nem parecia que Carla havia cuidado de alguma coisa em sua ausência.
Isso por que, todos pareciam estar insatisfeitos com seus serviços domésticos.
Seus filhos, principalmente Érica e Elena, não gostaram nada de sua comida. Mas eles não podiam fazer nada, já que não ajudavam em casa.
Quando Anne retornou porém, todos ficaram satisfeitos. Finalmente teriam uma comida decente para comer.
Mas Anne estava estranha. Mantendo uma postura de distanciamento da família, Anne parecia cada vez mais indiferente a todos eles.
E assim, freqüentemente, ficava fechada em seu quarto. Triste e amuada.
Com isso, apesar de não ser de muito falar, Anne parecia muda agora. Isso por que passou a raramente falar com eles. Para dizer um simples oi ou bom dia, era um custo.
Anne realmente estava demudada.
Nunca fora um exemplo de alegria e entusiasmo, mas agora, as coisas estavam indo longe demais.
Para complicar ainda mais a situação, ultimamente a moça vinha perdendo o apetite.
Freqüentemente indisposta, Antonio já estava começando a se preocupar com Anne. Só ele, por que o restante da família, nem sequer havia reparado na mudança de comportamento da garota.
Sempre preocupados demais consigo mesmos, eles mal tinham tempo de olhar em volta e perceber o quanto de mal já haviam impingido a pobre garota. Isso por que, nos últimos anos, os filhos de Carla, mal perguntavam por ela. Apesar de terem sido eles os responsáveis por ela permanecer com eles, agora não queriam mais saber dela.
No início, animados com a presença de um bebê em casa, mal podiam esperar para terminarem o serviço, e poderem brincar com ela.
Agora, a total e completa indiferença.
Isso quando não tentavam prejudicá-la, criando atritos com ela.
Carla quando via as discussões dos filhos com ela, sempre tomava partido dos filhos. Mesmo quando eles estavam errados, ainda assim, ela fazia questão de defendê-los de Anne. Como se realmente qualquer um dos três precisasse de algum tipo de ajuda para se defender.
Mesmo assim, Carla não se cansava de protegê-los e encobrir seus erros.
Quantas vezes eles não quebraram objetos dentro de casa e puseram a culpa em Anne?
Quantas vezes Anne apanhou de Carla e Antonio por algo que não havia feito?
Em sua infância, incontáveis vezes, Anne foi surrada pelos dois.
Com o passar dos anos, Érica, Elena e Carlos, outrora gentis e atenciosos com ela, passaram a lhe ser hostis e cruéis.
Sim, com Carla constantemente tentando os convencer de que não havia sido uma boa idéia deixá-la ficar, estimulou-os a desprezarem Anne.
Com isso, Anne foi pouco a pouco sendo abandonada por todos da família.
Sem apoio e sem poder contar com o carinho de ninguém, ela teve que passar a cuidar da casa da família.
E assim, os anos foram se passando. E Anne foi ficando cada vez mais só.
Com isso, os únicos momentos em que podia se divertir um pouco era quando em companhia dos colegas da escola, Anne podia esquecer um pouco a sua vida.
Mas eram apenas instantes. Quando ela voltava para casa, o martírio continuava.
Tanto que quando se via a sós dentro de casa, achava até bom. Pelo menos assim, ninguém a incomodaria.
Contudo, mesmo a escola nos últimos tempos, não lhe causava interesse.
Antônio percebendo isso, resolveu conversar com Anne para saber o que estava acontecendo. Assim, no fim do dia, bateu na porta de seu quarto e perguntou-lhe:
-- Está tudo bem?
-- Sim. Está. – respondeu ela laconicamente.
-- Tem certeza de que não está precisando de nada?
-- Tenho. – respondeu.
-- Pois não parece. Está tão abatida! Tem certeza de que não quer me contar o que foi que aconteceu?
-- Não aconteceu nada. – disse ela, impaciente. – Estou bem. Não precisa se preocupar comigo. Só estou com um pouco de dor de cabeça. Já vai melhorar.
-- Olhe Anne. Eu não estou querendo invadir sua vida. A única coisa que eu quero saber é o que está acontecendo. Por acaso Carla tem implicado com você? O que está acontecendo? Você está muito estranha.
-- Não estou não. – insistiu em dizer.
-- Me desculpe, mas está sim. Nunca tinha te visto tão amuada.
Mas de nada adiantou sua insistência. Não seria desta vez que a moça iria lhe contar o que estava acontecendo.
Contudo, Antônio, desde o incidente com o braço quebrado, sabia que o relacionamento de Anne com Carla não era dos melhores. Porém, por não conviver com a moça, não sabia exatamente em que pé estavam as coisas. Por isso, resolvera ser cauteloso ao abordar Anne, pois não queria espantá-la.
Sim, Antônio estava muito preocupado com Anne. Muito mais do que jamais esteve. Até mesmo Carla, sua esposa, admirou-se do inesperado interesse dele por Anne.
Afinal de contas, por que tanta preocupação? Não estava tudo bem com ela?
Mas, Antônio sabia que não. Observando-a melhor, percebeu que a moça não era benquista na família.
Pior! Constatou que ele próprio a vinha negligenciando dia após dia. Logo ele, que criticou o comportamento da esposa, quando esta derrubou Anne e a fez quebrar o braço.
Sim, por que ele, com sua omissão, estava agindo igual ou pior do que ela.
Triste e desapontado, Antônio descobriu que mesmo seus filhos, que no início insistiram muito para que ele e Carla ficassem com Anne, agora mal olhavam para ela.
Surpreso chegou a perguntar a esposa:
-- Quando foi que eles começaram a ignorar a Anne?
-- Do que é que você está falando? Não sabe como são as crianças? Logo que elas conseguem alguma coisa, elas se desinteressam. Além do mais, por cinco anos, elas cuidaram muito bem de Anne. Mesmo reclamando que ela dava trabalho.
-- Quer dizer ... faz tanto tempo assim? Quando foi que passamos a ser tão cruéis com ela?
-- Cruéis? Desde quando? E quando foi que você passou a se preocupar com esta moça? Nunca demonstrou o menor interesse! As únicas pessoas que cuidaram dela fomos nós! Você nunca se importou com ela. Por que está tão penalizado agora?
-- Não é verdade. Posso não ter sido muito presente, mas sempre me preocupei com ela.
-- Realmente! Se preocupou tanto, que deixou a criação dela na mão de todos nós. E nunca se preocupou em trocar uma fralda dela. – respondeu irônica.
-- Mas isso não me torna menos interessado... Será que eu fui tão cruel assim também? – perguntou espantado.
-- Sim. Foi omisso sim, e muito. – respondeu ela.
Desapontado, depois da dura conversa com a esposa, Antônio passou a pensar nos anos de convivência com Anne.
Ao se lembrar do início e perceber como tudo estava no presente, não tinha como negar. Indubitavelmente, as coisas haviam mudado muito. E para sua tristeza, não haviam mudado para melhor. Ao contrário, a convivência da família Pereira com Anne, era a pior possível. Nem parecia que a garota fazia parte daquela família!
Tanto que mesmo depois de anos, a garota continuava a tratar ele e Carla como dois estranhos. Em todos esses anos de convivência, Antônio nunca a ouvira chamá-los de pai e de mãe.
Isso era deveras estranho.
Foi então que ele chegou a seguinte conclusão:
-- Oh, céus! O que foi que fizemos a ela?
Mas já era tarde para arrependimentos. O mal já havia sido feito. A única coisa a ser feita agora, era tentar ajudá-la.
Sim, ajudá-la. Por que algo de muito sério havia acontecido.
Culpado, Antônio percebeu que descobrir o que havia acontecido e ajudá-la, era a única coisa digna a ser feita. Uma verdadeira questão de honra.
Para ele, essa era a única forma de se redimir por todo o mal que eles fizeram a ela.
Mas por mais que estivesse disposto a ajudar a moça, Antônio sabia que não seria fácil convencê-la a se abrir com ele. Afinal de contas, a moça, em razão do tratamento que lhe era dispensado, passou durante anos, a ficar na defensiva.
Por isso, seria preciso muita paciência para remover a resistência da moça em se abrir com ele.
E assim, somente dois meses depois do ocorrido, foi que Antonio finalmente pôde ajudar a moça.
Isso por que, depois de passar o dia todo fazendo serviços pesados, e estando indisposta, Anne acabou passando mal.
Antônio que a essa hora já estava em casa, vendo a moça desfalecer, logo acorreu ao seu encontro para ampará-la. Atencioso, depois de acudir e impedir que ela batesse com a cabeça, ele tratou levá-la para seu quarto e ajudou-a a se deitar.
Preocupado, Antônio, perguntou-lhe se poderia levar o jantar até seu quarto, mas Anne respondeu que não estava com fome. Alegando que estava enjoada, disse que o simples cheiro de comida lhe embrulhava o estômago.
Foi então que Antônio, surpreso com as palavras de Anne perguntou a moça se ela estava com algum problema.
Ao ouvir isso, Anne disse prontamente que não.
Mas depois de muitas horas, quando todos já haviam se recolhido, Anne, percebendo que Antônio a observava, pediu para que ele entrasse em seu quarto.
Aflita, Anne então disse que algo de muito errado estava acontecendo com ela, já que fazia muito tempo que vinha se sentindo mal.
Desconfiado do que pudesse ser, Antônio disse-lhe que no dia seguinte a levaria até o hospital, para que ela fizesse exames e descobrisse o que era.
Dito e feito.
No dia seguinte, antes de todos acordarem, os dois foram até o hospital.
Lá, Anne fez todos os exames que lhe foram pedidos.
Depois, os dois voltaram para casa.
Isso por que, a moça precisaria ainda, esperar alguns dias pelo resultado dos exames.
Este fato, foi o bastante para deixar Antônio ainda mais ansioso. Mas fazer o que? Tinha que esperar.
E assim, aguardando ansiosamente, ao final de alguns dias, os dois voltaram ao hospital para saber o resultado do exame.
Nisso, ao abrir o envelope, Anne, procurando entender o que estava escrito no papel, ficou confusa. Afinal, o que significava aquela profusão de palavras técnicas e complicadas?
Por esta razão, para que lhe fosse explicado o resultado do exame, Antônio resolveu levar Anne para conversar com o médico.
E assim, enquanto o médico lhes explicava o resultado do exame, Anne e Antônio ficaram deveras apreensivos.
Anne, assim que entendeu do que se tratava, ficou desesperada. De tão nervosa, chegou até a chorar.
Pobre menina. Não conseguia entender por que isto tudo tinha acontecido justamente com ela. Decepcionada, durante todo o trajeto de volta para casa, chorou.
Com isso, ao ver estado da moça, Antônio, igualmente desapontado, mesmo assim, fez de tudo para consolá-la. Afinal, se isso tinha acontecido, a culpa não era somente dela.
Mas isso não diminuía a tristeza de Anne.
Nisso, temendo que Antônio contasse para o restante da família o que estava acontecendo, Anne resolveu novamente, sumir de casa.
Voltando para sua cabana, Anne resolveu que não voltaria tão cedo para casa. Talvez, não voltasse nunca mais.
Porém, com o passar dos dias, as coisas foram se complicando.
Isso por que, um dia, ao retornar para sua cabana, depois da ida a escola, Anne acabou se encontrando com dois garotos.
Eles, ansiando por arrumar confusão, começaram a provocá-la.
Anne então, enfurecida com a provocação dos dois, começou a bater em um deles.
Foi então que o outro avançou contra ela. Tentando segurar seu braço, só não a agrediu por que um rapaz que passava ali no momento o impediu, e ameaçando lhe dar uma surra, colocou-o pra correr.
O outro já esbofeteado por ela, também correu.
Com isso, agradecida com o gesto de gentileza, Anne disse-lhe um obrigada e continuou caminhando. Porém, alguns passos depois, começou a passar mal.
O rapaz, vendo que Anne não estava bem, resolveu levá-la até o hospital.
Lá, visto que foi prontamente socorrida, Anne foi instada a permanecer no hospital por alguns dias.
Antônio preocupado, logo que soube do ocorrido, tratou logo de ir até o hospital.
Nisso, um senhor, procurando por uma pessoa, perguntava em toda a cidade, onde a mesma morava. Fazia tempos que ele a procurava.
Contudo, encontrá-la seria um desafio.
Isso por que, apesar de toda sua dedicação e interesse em encontrá-la toda vez que perguntava a alguém sobre esta, ninguém sabia responder.
Com isso, cansado de procurar em vão, ele resolveu contratar os serviços de um profissional para encontrar a pessoa que tanto procurava.
E assim, apesar de ser extremamente caro os serviços de um detetive, Claudionor não media esforços para que a tal pessoa fosse localizada.
Tamanho interesse, no entanto, poderia significar muita coisa. Porém, não era da conta de ninguém.
E assim, o detetive passou a fazer seu trabalho.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
VERDES CAMPOS - CAPÍTULO 1
Aurora verde de minha terra.
Saudade de um tempo, que os anos não trazem mais.
Verde visão dos vastos campos do lugar.
Agora que em terra firme eu piso, vou lhes contar uma história.
Esta é a história de uma vida.
Há muito tempo, numa cidadezinha qualquer, uma curiosa história se passou.
História essa que foi criada pela pena do artista.
Começa assim.
Um dia, há muitos anos atrás, surgiu em um pequeno moisés, uma criança abandonada.
A mãe provavelmente, sem condições de cuidar do bebê o abandonou na porta de uma casa e foi embora para nunca mais voltar.
E assim a pequena criança por sua ficou lá. Deitada e protegida do mal tempo, a menina dormia placidamente dentro do cestinho.
Até que, a certa altura, ao acordar, já em plena madrugada, começou a chorar. Chorava tanto que em dado momento, a família que lá morava, escutando o choro, resolveu se levantar e ver o que era.
Qual não foi a surpresa dos moradores da residência, ao se depararem com um moisés abandonado, dentro do qual uma criança dormia.
De tão admirados, não sabiam o que fazer.
Até que Carla, mãe de três crianças, comentou:
-- Por hora, a única solução que vejo, é entregar esta criança para a polícia. Afinal de contas, não queremos ter problemas. Criança é caso sério. Não podemos ficar com ela.
No que seu marido concordou.
Mas as crianças, ao verem o bebê, começaram logo a brincar com ela. Encantadas com o diminuto tamanho do bebê, elas só queriam saber de segurá-la e de alguma maneira, chamar sua atenção.
Carla, ao perceber isso, resolveu levar a criança para a polícia no dia seguinte.
Isso por que, dado o adiantado da hora, nem dava mais para ir até a delegacia, que aquela hora já devia estar fechada. Assim, só lhe restava esperar para resolver o assunto no dia seguinte.
Por isso, depois dos moradores ajeitarem a criança, todos foram dormir.
Para tranqüilidade da família, a criança não acordou mais. Dormiu tranqüilamente por toda a noite. Um sossego total.
No dia seguinte, Carla tratou de se arrumar para ir até a delegacia e entregar a criança. Mas qual não foi sua surpresa ao perceber que seus três filhos, brincavam com a menina.
Aborrecida com a cena, Carla foi logo avisando os filhos que aquela criança não ficaria por muito tempo em sua casa.
Os três, ao ouvirem isso, ficaram desapontados.
Estranhamente, não sentiram ciúmes ao verem um bebê em casa. Ao contrário. Para eles, era até divertido ter alguém menor que eles para brincar. O bebê lhes lembrava uma boneca. Coisa rara para pessoas tão pobres quanto eles.
Com o bebê, as duas meninas poderiam de certa forma, brincar de boneca. Era divertido.
Mas Carla insistia em dizer, que a menina deveria ir embora.
Contudo, Érica, Elena e Carlos, não queriam que a menina fosse levada.
Nessa época as três crianças tinham, sete, seis e nove anos, respectivamente. Portanto, já eram grandinhos.
Com isso, percebendo que a mãe faria de tudo para levar a criança para longe, os três insistiam em dizer que seriam capazes de cuidar dela.
Foi o suficiente para que se instalasse uma confusão.
Antônio, marido de Carla, percebendo a confusão, tratou logo de sugerir uma solução.
Vendo que a mulher estava irritada com a teimosia dos filhos, Antônio sugeriu que eles ficassem com a menina durante alguns dias. Dessa forma, as crianças, ao perceberem que cuidar de um bebê dá trabalho, fariam de tudo para que a mãe a levasse embora dali.
Carla, ao ouvir a idéia do marido, tratou logo de concordar. Contudo, exigiu que os três filhos, se responsabilizassem pela criança. Sim, Elena, Carlos e Érica, teriam que cuidar da menina.
Mas as crianças, felizes com a possibilidade de ficarem com o bebê, concordaram prontamente com a idéia de Antônio.
E assim, terminada a discussão, Carla, observando melhor o cesto onde a criança estava, percebeu um bilhete fixado no cobertor. Nisso, cuidadosamente abriu a carta e começou a ler.
No bilhete estava escrito:
“Deixo Anne aos cuidados de Vossa Senhoria, por que neste momento eu não tenho condições de fazê-lo. Minha situação é muito complicada. Tentei o máximo que pude, cuidar do bebê. Mas não consegui. Contudo, por pouco que tenha feito, registrei-a em meu nome, e deixo a certidão de nascimento com a senhora. Desculpe pelo incômodo. Espero que vocês cuidem bem dela.
Assinado, Estela.”
Ao terminar de ler o bilhete, Carla comentou com o marido:
-- Esta Estela coloca filho no mundo, e eu é que sou obrigada a criar. Essa é muito boa, realmente!
Nisso, Antonio se despediu da esposa. Tinha que trabalhar.
Foi o bastante para ouvir uma bronca de Carla:
-- Que ótimo! Você trabalha fora, e eu aqui me mato para cuidar dessa criança chorona.
Ao ouvir a reclamação, Antônio não deu atenção a mulher. Isso por que, sabia que quando ela ficava contrariada com alguma coisa, começava a resmonear. Quanto a isso nada podia ser feito.
Dessa forma, o homem resolveu sair o mais depressa possível de casa. Antes mesmo de ouvir outra bronca. Isso por que, logo que percebeu que viriam mais reclamações Antônio, fez questão de sumir dali.
Com isso, durante todo o dia Carla ficou com as crianças. Com as crianças – os filhos dela –, e mais Anne.
Ela no entanto, ao contrário do que se poderia esperar, não cuidou da criança. Muito pelo contrário. Também, não moveu uma palha para ajudar seus filhos a cuidarem da menina.
Intencionalmente, ela queria que eles se aborrecessem o quanto antes da dura empreitada a que haviam se submetido.
Mas Érica, Elena e Carlos, para sua decepção, não desistiram. Cuidaram da menina durante toda a tarde. Deram-lhe banho, alimentaram-na, e a colocaram para dormir.
No entanto, mesmo sem participar ativamente dos cuidados com a menina, Carla teve que diversas vezes, responder as perguntas dos filhos sobre como cuidar de um bebê.
Quanto ao restante, os três sabiam se virar muito bem.
Isso por que, Carla, apesar de não trabalhar fora, não era muito afeita a trabalhos domésticos. Assim, quando as crianças sentiam fome, e ela não estava interessada em cozinhar, eram as próprias que preparavam sua comida.
Até por que, de outra forma, teriam que esperar até o horário do jantar para comerem alguma coisa.
Com isso se pode perceber que Carla não era uma mãe exemplar. Extremamente relapsa, só fazia as vezes de dona de casa, quando o marido chegava.
Diante disso, Antônio, apesar de viver há quase onze anos com Carla, não sabia nada sobre a mulher. Enganado, mal sabia que durante o dia, eram as crianças que tomavam conta da casa.
E assim, as crianças lavavam, passavam e cozinhavam. Mal tinham tempo para brincar.
Por isso, quando Anne apareceu, surgiu a possibilidade delas resgatarem uma parte da infância que haviam perdido. Poderiam brincar com ela. Daí o empenho em cuidar bem da menina.
E foi o que fizeram.
A casa, composta de três cômodos, no entanto, era pequena demais para uma família tão numerosa. Mas eles se ajeitavam. E a casa, apesar de pequena, era limpa e arrumada.
As crianças era caprichosas. Até por que, se não o fossem, seriam severamente castigadas por Carla. Assim, entre surras e ameaças, os três aprenderam praticamente sozinhos, a cuidarem de uma casa.
Com isso, dado o fato de haver um benefício para quem matriculava e mantinha os filhos na escola, Érica, Elena e Carlos, freqüentavam assiduamente o lugar. Assim, além de cuidar da casa, os três tinham também que estudar.
Mas eles já estavam acostumados com essa rotina.
Carla, por sua vez, raramente passava as tardes em casa.
Desta forma se percebe que os três estavam mais do que acostumados a ficarem sozinhos. Sempre sozinhos.
Assim, para eles, ter a companhia de Anne era algo compensador.
Anne, a garotinha, mal dava trabalho. Como era muito pequena, passava boa parte do tempo dormindo. Assim, os três podiam trabalhar sossegados. E durante algum tempo, essa convivência foi pacifica.
Contudo, ao longo de uma semana, os três começaram a se dar conta, de que cuidar de uma criança pequena dava trabalho.
Sim, os três estavam cansados.
Carla ao perceber isso, ficou extremamente satisfeita. Isso por que, apesar de raramente cuidar da criança, sabia que um bebê incomodaria bastante a todos.
Aborrecida com a novidade, ela não cansava de dizer que mais uma boca para alimentar não era bom. Afinal, mal tinham para eles, e criança dava muita despesa.
Com isso, os três, cansados que estavam de cuidar da menina, começaram a pedir para os pais que levassem-na para outro lugar.
Porém, quando finalmente foram atendidos, e Antônio e Carla concordaram em levar a menina embora, os três, arrependidos do gesto, pediram para que eles não a levassem. Alegando que sentiriam saudades da Anne, não queriam se despedir dela.
Antônio então, comovido com o gesto dos filhos, disse a eles que também ajudaria a cuidar da criança.
E dessa forma, para desespero de Carla, a criança ficou.
Ficou e por quase todos foi bem tratada, pelo menos durante aqueles primeiros anos.
Contudo, conforme os anos foram se passando, Anne começou a perceber que aquele não era seu lugar.
Isso por que, embora inicialmente tenha sido bem tratada, com o passar dos anos, passou a sistematicamente a ser posta de lado.
Tanto que com apenas cinco anos, já ajudava a cuidar da casa. E assim, Anne cozinhava, limpava os cômodos, lavava a louça, a roupa e passava.
Lentamente, Anne passou a ser tratada por todos como empregada.
E aquilo que parecia ser um afeto verdadeiro, converteu-se em mera tolerância.
Nisso, Érica, agora com doze anos, só queria saber de sair.
Elena por sua vez, influenciada por Érica, só queria saber de seguir os passos da irmã.
Já Carlos, acostumado a competir com os meninos, não se interessava mais pela companhia das irmãs, e como Érica, só queria saber de ficar na rua. Para ele, não havia lugar melhor.
E nisso o tempo foi passando.
As crianças foram crescendo, e as coisas foram mudando.
Anne então, foi ficando cada vez mais sozinha. Ela, uma garota muito pobre, foi criada por uma família igualmente pobre.
Contudo, como se pode perceber, pobre, não só por que desprovida de recursos, mas também por que fora duramente cruel para com ela.
Isso por que, o brinquedo que os meninos tanto queriam, revelou-se ao longo do tempo, precisar de alguns cuidados e requerer muita atenção. E isso não era bom. Não era bom por que os três, já submetidos a uma rotina cansativa, passaram a ter que cuidar de uma criança.
Criança que chora, que tem fome, que precisa de banho, e isso era muito para eles.
Com isso, Carla então, percebendo que a menina crescia, resolveu que seria uma ótima alternativa colocá-la no lugar dos filhos, para fazer o serviço da casa.
E sem pensar duas vezes, foi exatamente isso que fez.
Não sem antes brigar muito com Anne. Algumas vezes chegou até a bater nela, por que o serviço não estava bem feito.
E nem mesmo com o choro da menina, ela se continha.
Antônio então, preocupado com os excessivos castigos que a mulher lhe impunha, chegou diversas vezes a questioná-los.
Mas, o pior ele não sabia.
Como não ficava durante o dia em casa, Antônio não sabia que seus filhos cuidaram da casa durante muitos anos e que agora era a vez de Anne.
Mas com Anne era pior. Isso por que, além de ter de cuidar da casa inteira sozinha, ainda tinha que suportar o mal-humor de Carla, que sempre implicou com ela.
Isso por que, Carla, diversas vezes fez questão de humilhá-la na frente dos filhos. Tal fato contribuiu e muito para que estes perdessem o pouco respeito que ainda tinham por ela.
Considerada agregada, Anne agora era como uma empregada da casa.
E assim, maltratada e desrespeitada, Anne era uma garota triste. Tão triste, que não sabia o que era ser alegre. Tão triste, que achava normal seu estado de espírito. Tanto que nunca lutou contra isso.
Pior. Com o passar dos anos, Anne acostumou-se com os maus-tratos e a indiferença. Isso por que, com bastante freqüência, era agredida por Carla, que sempre implicou com ela.
Mas isso não era tudo.
Até por que, conforme os anos foram se passando, Anne cada vez mais se distanciava da família Pereira.
Quando finalmente ingressou na escola, Anne, pouco a pouco foi aproveitando para ficar cada vez mais tempo longe de casa.
Assim, conforme os anos se passavam, a moça aproveitava para ficar vagando pelas ruas da cidadela, até voltar para casa.
Isso para Carla, era a gota d’água.
Certo dia, irritada com a demora da moça em voltar para casa, Carla resolveu trancar a porta da sala e deixá-la do lado de fora.
Com isso, quando Anne chegou em casa, por mais que batesse na porta pedindo para entrar, ninguém a atendia. Dessa forma, só restou a ela, dormir em outro lugar.
E assim o fez.
Por conta da raiva que sentia daquela família que a maltratava, Anne passou dias afastada de casa.
Porém, por mais que não quisesse, ela precisava retornar. Isso por que, não tinha como se manter. Dependia da família Pereira. E assim, Anne contrariada, voltou para casa.
Foi então que Carla, ao vê-la novamente, espantada com o seu comportamento, perguntou:
-- Onde é que a senhorita pensa que vai? Por acaso não sabe que aqui temos regras? E que história é essa de ficar tantos dias longe de casa? Está pensando que isto é um albergue? Não se esqueça que você tem uma casa para cuidar.
Mas Anne não deu ouvidos. Ignorando as palavras de Carla, foi para o seu quarto e lá se fechou.
Sim, à essa altura a família já estava melhor estabelecida, morando em uma casa maior.
Anne até possuía um quarto só para ela. Mas era um quarto bagunçado e mal cuidado.
Carla quando via aquilo, dizia que Anne era preguiçosa e indolente. Pronto, estava criado mais um motivo para discussões.
Mas a moça, ao contrário do que se poderia imaginar, raramente respondia as provocações. Ao contrário, quando ela sentia que as coisas iriam esquentar, tratava logo de sumir dali.
Contudo, nem sempre Anne conseguia se livrar das broncas.
E as broncas eram pesadas. Isso quando não viravam castigos, os quais passaram a ser sempre desrespeitados pela moça.
Assim, ante o comportamento desobediente de Anne, Carla ficava cada vez mais irada com a moça. Por conta de sua raiva chegou várias vezes a ameaçar Anne com surras. Mas Antônio, apiedando-se da moça, pedia a esposa para que não batesse nela.
No entanto, mesmo ele já tinha reservas quanto a moça. Isso por que, com a campanha que Carla fazia contra ela, ele já tinha também, se acostumado a desprezá-la.
E assim, mesmo sentindo pena de Anne, não conseguia mais gostar dela.
Esta era a vida de Anne.
Quando ficava em casa, era compelida a trabalhar para pagar os anos de dedicação que os Pereira lhe dedicaram. Por conta disso, todo serviço doméstico ficava por sua conta.
E era por isso que todos a queriam por perto. Para que ela cuidasse da casa deles, quando eles próprios não faziam isso.
E assim, manipulada e as custas de muita chantagem sentimental, ela permanecia naquela casa, trabalhando como uma empregada, sem nada receber em troca.
Mas mesmo assim, nos últimos tempos, Anne tentava se libertar dessa exploração.
Por isso, freqüentemente se afastava de casa.
Por conta dos anos de escola, em meio a seus colegas, Anne começou a conhecer outras realidades.
Com os anos de convivência escolar, Anne pôde constatar que o seu modo de vida não era saudável. Porém, apesar de existirem formas de convivência melhores do que a dela, Anne também pôde presenciar diversas vezes, a triste realidade de muitas crianças.
Diversas vezes Anner viu colegas seus, machucados e abalados por conta das surras que levavam.
E não era só. Durante o tempo em estava freqüentando o colégio, Anne também, conheceu esconderijos ótimos. E em um desses lugares, decidiu fazer sua morada.
Era um lugar retirado, calmo e tranqüilo. Ficava tão longe da cidade, e que ninguém, nem mesmo os garotos do colégio conheciam. Assim, seu recanto estava a salvo.
Com isso, sempre que sentia vontade de ficar sozinha, sem ter ninguém para chateá-la, – como Carla, Érica, Elena e Carlos – Anne aproveitava para ficar lá.
Acostumada a viver sozinha, não se importava em ficar por dias a fio, afastada de casa. Para ela, aqueles momentos em que ali ficava, eram bons. Tão bons que sentia um aperto no coração quando tinha que voltar para casa.
Sim, por que era ali, naquela pequena choupana, que ela se sentia em casa.
A casa abandonada ela conheceu quando, em diversas caminhadas que fazia, acabou por se distanciar da cidade. Preocupada, por um momento, chegou a pensar que estava perdida. Mas não. Ao se aproximar da uma construção, Anne descobriu que havia um atalho para retornar a cidade. Percebendo isso, se acalmou.
Curiosa, ao se deparar com a humilde construção, Anne resolveu entrar para ver o que havia na casa. Qual não foi sua surpresa ao descobrir que a casa estava abandonada.
Isso por que, os móveis que guarneciam a casa, estavam bastante empoeirados. Mas, com uma boa limpeza, ficariam como novos.
Foi então que Anne descobriu que a casa tinha tudo que precisava. Cama, armário, uma pequena estante, uma mesa, uma cozinha, um banheiro. A única coisa que faltava, era se mudar para lá.
Com isso, aos poucos, Anne foi levando seus poucos pertences para a casa. Entre eles, alguns livros, roupas, dois pares de sapatos, e um pouco de comida. Sim, por que de nada adiantava ter uma casa para morar, se não tivesse o que comer.
E assim, sempre que podia, a moça fugia para lá.
Em contrapartida, ali perto da cabana, havia algumas plantações, e um belo pomar. De formas que, em sentido fome, e não tendo levado nada para comer, poderia facilmente se alimentar, com o que a natureza lhe oferecia.
Assim, quando descobriu o recanto, Anne passou a freqüentemente, visitá-lo.
Feliz por ter descoberto um lar, a moça aproveitava para sempre cuidar dele. E com o passar do tempo, aquela humilde choupana ficou brilhando de limpa.
Com isso, sempre que terminava de cuidar da casa, Anne aproveitava para estudar um pouco. E assim, ficava entretida por algumas horas.
Quando se cansava, Anne aproveitava para passear pelos arredores, na tentativa de conhecer melhor aquelas paragens.
Assim, como se pode constatar, pela primeira vez na vida, ela foi feliz.
Mas, para todos os efeitos, Anne não podia deixar que percebessem que ela tinha outro lugar para ficar. Por isso, mais uma vez a moça resolveu voltar para casa, depois de alguns dias.
Para sua tristeza, teria que novamente enfrentar Carla.
Assim o fez.
Quando retornou, foi recebida agressivamente por Carla.
Sim, ela estava enfurecida com o fato de a moça não a ter avisado que iria ficar longe de casa por alguns dias.
Aborrecida, só sabia reclamar. Enervada com Anne, Carla comentou que durante todo o tempo que esteve sumida, ela própria teve que cuidar da casa. Todavia, segundo as palavras da mulher, Anne deixava tudo tão desorganizado, que ela demorou horas para achar tudo o que precisava.
Mas Anne, não estava nem um pouco interessada nas reclamações de Carla.
Carla, percebendo então que a garota estava distraída, resolveu puxá-la pelo braço.
Nesse momento, Anne gritou:
-- Solta meu braço, sua bruxa.
Quando Carla ouviu isso, ficou com tanta raiva, que passou a puxar o braço dela com mais força ainda.
Anne, então, sentindo um pouco de dor, pediu para ela soltar seu braço, pois a estava machucando.
Carla no entanto, estava com tanta raiva que fazia questão de puxar cada vez mais forte o braço da garota.
Anne pôs-se então, a chorar.
Contudo, nem isso fez Carla desistir de impingir-lhe um castigo.
E assim o fez.
Arrastando Anne até o quarto, empurrou-a para dentro e fechou a porta.
Anne, ao cair no chão, machucou ainda mais o seu braço. No entanto, ao perceber que a porta do quarto era trancada, levantou-se rapidamente. Ao girar a maçaneta, notou que a porta estava trancada. Desesperada, a moça começou a bater na porta e gritar:
-- Dona Carla. Abra essa porta. Abra essa porta.
Mas não adiantou. Por mais que Anne se debatesse, ninguém se atrevia a abrir a porta.
E as horas passaram.
Nesse dia porém, para surpresa de Carla, Antônio chegou mais cedo do trabalho. Tanto que, quando chegou, Carla não estava em casa.
Assim, o homem, pôde perceber que havia algo errado.
Nisso, Anne, cansada de bater na porta, já estava quase desistindo.
Quando então ouviu o barulho de chave, chegou a pensar que era Carla voltando.
Mas não. Era Antônio que, ao adentrar a casa, foi logo perguntando:
-- Onde está todo mundo?
Pronto, Antônio havia chegado em casa.
Nisso ao ouvir a voz, Anne voltou a bater na porta, pedindo para que alguém a abrisse.
Antônio, surpreendido pelos gritos de Anne, foi imediatamente ao quarto dela.
Qual não foi sua surpresa ao descobrir que a porta do quarto estava trancada. Percebendo isso, o homem procurou por toda a casa as chaves necessárias para abrir o quarto da moça.
Em vão. Vasculhando todas as gavetas e todos os cantos da casa, Antônio nada encontrou.
De dentro do quarto, Anne, contou chorando, que havia machucado seu braço, e que este, estava dolorido.
Antônio ao ouvir o relato da moça, ficou bastante preocupado.
Contudo, ele como não havia encontrado a chave, Anne teria que esperar Carla voltar para conseguir sair do quarto.
Isso por que, Carla, prevenida das escapadelas da moça durante a noite, resolveu colocar uma grade na janela de seu quarto. Assim, Anne estava impossibilitada de fugir. Além disso, para piorar ainda mais as coisas, Anne suspeitava de que havia quebrado o braço, quando Carla a empurrou para dentro do quarto.
Sim, a situação estava mesmo complicada.
Com isso, depois de quase duas horas, finalmente Carla apareceu.
Surpreendida com a inesperada presença do marido, a mulher ficou desconcertada. O que fazer para explicar o fato de haver trancado Anne dentro do quarto?
Sem saber bem o que dizer, Carla comentou que a moça havia sido rude com ela, ao chamá-la de bruxa. Desacostumada de ouvir com grosserias, ela acabou perdendo a paciência e colocando Anne de castigo.
Antônio porém, ao ouvir a explicação da esposa, não ficou muito convencido de sua veracidade. Por isso, ao vê-la insistir que Anne merecia um castigo e que por isso, deveria ficar mais algum tempo trancada, Antônio, pela primeira vez, resolveu enfrentar a esposa e dizer que queria a porta aberta. Isso por que, parecia que Anne estava machucada. Assim, precisavam abrir a porta, para ver como a garota estava.
No entanto, mesmo diante das evidências, Carla insistiu com o marido para que Anne ficasse mais algum tempo de castigo.
Foi então, que Antônio aborrecido, exigiu que ela abrisse a porta do quarto para que ele visse com seus próprios olhos como a moça estava.
Surpreso, ao abrir da porta, Antônio, constatou que Anne parecia estar com o braço esquerdo quebrado.
Nisso, Carla teimou em dizer que aquilo tudo era encenação. Segundo Carla, Anne só queria fazer com que ele brigasse com ela.
Irritado, ao ouvir estas palavras, Antônio mandou que Carla se calasse. Isso por que ele, já estava cansado de ouvir sua voz.
Surpreendida com a atitude do marido, a mulher resolveu se calar.
Antonio então, amparando Anne, levou-a até o hospital, para que lá, se verificasse o que havia acontecido.
Era realmente fratura.
Os médicos, preocupados com a situação de Anne – que nesta época tinha doze anos –, informaram Carla e Antônio que chamariam a polícia, para que esta apurasse o que havia acontecido, já que alegação da moça, não convencia os médicos.
Anne então, ao ser atendida, temendo uma futura repreensão de Carla, resolveu se omitir sobre os verdadeiros motivos que a levaram até o hospital.
Mas isso de nada adiantou.
Isso por que, os médicos resolveram tomar providências quanto o caso.
Contudo, como não havia necessidade de a moça permanecer no hospital, assim que ela teve o braço imobilizado, foi logo levada para casa.
Nisso, um dos médicos, preocupado, cuidadosamente, deu-lhe um cartão, para que em caso de necessidade ela ligasse para ele.
Assim, quando Anne chegou em casa, Érica, Elena e Carlos – com dezenove, dezoito e vinte e um anos, respectivamente –, orientados pela mãe procuraram tratá-la da melhor forma possível. Isso por que, Carla não queria levantar suspeitas de que ela havia agredido a garota.
Com isso, impossibilitada de retornar ao seu esconderijo, Anne teve que ficar por semanas presa em casa. Por conta de seu braço quebrado, o único lugar em que ainda podia ir era a escola. Mas mesmo assim, acompanhada por alguém da família.
Mas, por mais incrível que isso possa parecer, foi uma época tranqüila.
Temerosa de ser indiciada por maus-tratos, Carla, resolveu adotar uma postura diferente com Anne.
Contudo, foram só as semanas se passarem, para que tudo voltasse a ser como era antes.
E assim, sem a atenta vigilância de Antônio, Carla começou a exigir que a garota trabalhasse mesmo com o braço enfaixado.
Diante disso, sem ter ninguém que a pudesse ajudar, Anne teve que cuidar da casa sem pestanejar. Porém, por mais que se esforçasse, não conseguia fazer o serviço direito.
Por conta disso, Carla não se furtou de reclamar de seu serviço. Chamando-a de relaxada, relapsa e preguiçosa, tratou logo de colocar defeito em tudo o que fazia.
Anne estava cansada disso.
Contudo, não sabia o que fazer.
Ir até o seu esconderijo não podia. Afinal, mesmo sem a ajuda de ninguém, enquanto não estivesse totalmente recuperada, não teria como cuidar do local, com um braço imobilizado.
Até por que a cabana devia estar imunda.
Com isso, Carla passou a cada vez mais, se intrometer em sua vida.
Certa vez, vasculhando seus pertences, a mulher descobriu que boa parte dos objetos pessoais de Anne, haviam sumido.
Curiosa, Carla quis logo saber com Anne, a razão do sumiço de algumas de suas coisas.
Anne contudo, foi evasiva. Além de tentar desviar a conversa para outros assuntos, a moça respondeu que nada havia sumido de seu quarto.
Mas Carla ficou desconfiada. Pensando no assunto, chegou a seguinte conclusão:
-- Se ela some por dias, e retorna, como se nada tivesse acontecido, é por que provavelmente alguém a convida para passar alguns dias em sua casa. Mas quem será que faz isso?
Cismada com a história, Carla resolveu que ficaria de olho na moça.
Além disso, acreditava contar com a ajuda dos filhos para que vigiassem Anne.
Mas os três, alegando que estavam trabalhando, disseram que não teriam como ficar de olho nela.
Carla ao ouvir isso, ficou furiosa.
-- Como? Vocês não vão me ajudar? Quer dizer que eu coloquei três imprestáveis no mundo?
-- Não é isso mãe. – respondeu Carlos. – Mas é que não temos o dia inteiro livre como a senhora.
-- E quem disse a vocês que eu tenho o tempo todo livre? Se esqueceram que quem cuida de tudo isso aqui sou eu?
-- Essa é boa. Desde quando? – perguntou Érica.
-- Desde que eu me casei com seu pai. Desde antes de vocês nascerem, seus ingratos. Ou acha que ninguém cuidava da casa antes?
-- Isso pode até ser. Mas desde que nós nos entendemos por gente, somos nós quem cuidamos da casa. Primeiro fomos nós e depois a Anne. – comentou Érica.
-- Mas é claro. Com os filhos vem as compensações. – disse Carla.
E assim, encerrou-se a discussão.
Os três sem alternativas, resolveram ajudar a mãe a vigiar Anne. Isso por que, Carla queria descobrir onde era que a moça ía quando se afastava de casa.
Nisso Anne, percebendo que era vigiada, resolveu não ir tão cedo para a cabana. Procurando despistar a todos, resolveu permanecer mais algum tempo em casa.
Dessa forma, mesmo quando tirou o gesso do braço, Anne resolveu ficar mais alguns dias em casa. Enquanto isso, aproveitava para fazer o serviço doméstico que Carla fazia questão de lhe impor.
E assim, Anne passou a ser novamente ignorada pela família.
Mas isso agora, era bom para Anne, pois sendo ignorada, poderia facilmente sair dali, que ninguém iria notar.
Por isso, depois de alguns dias, Anne resolveu finalmente, voltar para sua cabana.
Entretanto, qual não foi sua surpresa, quando, ao separar um pouco de comida para levar, deu de cara com Carla, que a espreitava de longe.
Anne tentou se explicar, mas só conseguiu balbuciar algumas palavras.
-- Eu ... eu ...
-- Desembucha. O que é que você está fazendo a esta hora, na cozinha? Acaso estava pensando em roubar a comida?
-- Mas é claro que não.
Carla porém, não ficou convencida. Desconfiada, tratou logo de trancar toda a comida dentro do armário.
Em seguida mandou que Anne voltasse para o quarto.
Quando a moça entrou, tratou de trancar a porta.
Com isso, voltou para seu quarto.
No dia seguinte, cismada com a história, resolveu prestar mais a atenção em Anne. Isso por que, se ela precisava levar comida, quando sumia de casa, era sinal de não era pra casa de nenhum amigo que ela ía.
-- Mas para onde então que esta criatura vai, Deus do céu? – perguntava-se ela, cada vez mais intrigada com os sumiços de Anne. – Acaso ela teria algum esconderijo? E se tivesse? Onde seria?
Por isso, antes de seus filhos saírem para trabalhar, Carla, insistiu com estes para que continuassem vigiando Anne. Até por que, só assim eles descobririam para onde a moça ía, toda vez que sumia de casa.
Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.
Saudade de um tempo, que os anos não trazem mais.
Verde visão dos vastos campos do lugar.
Agora que em terra firme eu piso, vou lhes contar uma história.
Esta é a história de uma vida.
Há muito tempo, numa cidadezinha qualquer, uma curiosa história se passou.
História essa que foi criada pela pena do artista.
Começa assim.
Um dia, há muitos anos atrás, surgiu em um pequeno moisés, uma criança abandonada.
A mãe provavelmente, sem condições de cuidar do bebê o abandonou na porta de uma casa e foi embora para nunca mais voltar.
E assim a pequena criança por sua ficou lá. Deitada e protegida do mal tempo, a menina dormia placidamente dentro do cestinho.
Até que, a certa altura, ao acordar, já em plena madrugada, começou a chorar. Chorava tanto que em dado momento, a família que lá morava, escutando o choro, resolveu se levantar e ver o que era.
Qual não foi a surpresa dos moradores da residência, ao se depararem com um moisés abandonado, dentro do qual uma criança dormia.
De tão admirados, não sabiam o que fazer.
Até que Carla, mãe de três crianças, comentou:
-- Por hora, a única solução que vejo, é entregar esta criança para a polícia. Afinal de contas, não queremos ter problemas. Criança é caso sério. Não podemos ficar com ela.
No que seu marido concordou.
Mas as crianças, ao verem o bebê, começaram logo a brincar com ela. Encantadas com o diminuto tamanho do bebê, elas só queriam saber de segurá-la e de alguma maneira, chamar sua atenção.
Carla, ao perceber isso, resolveu levar a criança para a polícia no dia seguinte.
Isso por que, dado o adiantado da hora, nem dava mais para ir até a delegacia, que aquela hora já devia estar fechada. Assim, só lhe restava esperar para resolver o assunto no dia seguinte.
Por isso, depois dos moradores ajeitarem a criança, todos foram dormir.
Para tranqüilidade da família, a criança não acordou mais. Dormiu tranqüilamente por toda a noite. Um sossego total.
No dia seguinte, Carla tratou de se arrumar para ir até a delegacia e entregar a criança. Mas qual não foi sua surpresa ao perceber que seus três filhos, brincavam com a menina.
Aborrecida com a cena, Carla foi logo avisando os filhos que aquela criança não ficaria por muito tempo em sua casa.
Os três, ao ouvirem isso, ficaram desapontados.
Estranhamente, não sentiram ciúmes ao verem um bebê em casa. Ao contrário. Para eles, era até divertido ter alguém menor que eles para brincar. O bebê lhes lembrava uma boneca. Coisa rara para pessoas tão pobres quanto eles.
Com o bebê, as duas meninas poderiam de certa forma, brincar de boneca. Era divertido.
Mas Carla insistia em dizer, que a menina deveria ir embora.
Contudo, Érica, Elena e Carlos, não queriam que a menina fosse levada.
Nessa época as três crianças tinham, sete, seis e nove anos, respectivamente. Portanto, já eram grandinhos.
Com isso, percebendo que a mãe faria de tudo para levar a criança para longe, os três insistiam em dizer que seriam capazes de cuidar dela.
Foi o suficiente para que se instalasse uma confusão.
Antônio, marido de Carla, percebendo a confusão, tratou logo de sugerir uma solução.
Vendo que a mulher estava irritada com a teimosia dos filhos, Antônio sugeriu que eles ficassem com a menina durante alguns dias. Dessa forma, as crianças, ao perceberem que cuidar de um bebê dá trabalho, fariam de tudo para que a mãe a levasse embora dali.
Carla, ao ouvir a idéia do marido, tratou logo de concordar. Contudo, exigiu que os três filhos, se responsabilizassem pela criança. Sim, Elena, Carlos e Érica, teriam que cuidar da menina.
Mas as crianças, felizes com a possibilidade de ficarem com o bebê, concordaram prontamente com a idéia de Antônio.
E assim, terminada a discussão, Carla, observando melhor o cesto onde a criança estava, percebeu um bilhete fixado no cobertor. Nisso, cuidadosamente abriu a carta e começou a ler.
No bilhete estava escrito:
“Deixo Anne aos cuidados de Vossa Senhoria, por que neste momento eu não tenho condições de fazê-lo. Minha situação é muito complicada. Tentei o máximo que pude, cuidar do bebê. Mas não consegui. Contudo, por pouco que tenha feito, registrei-a em meu nome, e deixo a certidão de nascimento com a senhora. Desculpe pelo incômodo. Espero que vocês cuidem bem dela.
Assinado, Estela.”
Ao terminar de ler o bilhete, Carla comentou com o marido:
-- Esta Estela coloca filho no mundo, e eu é que sou obrigada a criar. Essa é muito boa, realmente!
Nisso, Antonio se despediu da esposa. Tinha que trabalhar.
Foi o bastante para ouvir uma bronca de Carla:
-- Que ótimo! Você trabalha fora, e eu aqui me mato para cuidar dessa criança chorona.
Ao ouvir a reclamação, Antônio não deu atenção a mulher. Isso por que, sabia que quando ela ficava contrariada com alguma coisa, começava a resmonear. Quanto a isso nada podia ser feito.
Dessa forma, o homem resolveu sair o mais depressa possível de casa. Antes mesmo de ouvir outra bronca. Isso por que, logo que percebeu que viriam mais reclamações Antônio, fez questão de sumir dali.
Com isso, durante todo o dia Carla ficou com as crianças. Com as crianças – os filhos dela –, e mais Anne.
Ela no entanto, ao contrário do que se poderia esperar, não cuidou da criança. Muito pelo contrário. Também, não moveu uma palha para ajudar seus filhos a cuidarem da menina.
Intencionalmente, ela queria que eles se aborrecessem o quanto antes da dura empreitada a que haviam se submetido.
Mas Érica, Elena e Carlos, para sua decepção, não desistiram. Cuidaram da menina durante toda a tarde. Deram-lhe banho, alimentaram-na, e a colocaram para dormir.
No entanto, mesmo sem participar ativamente dos cuidados com a menina, Carla teve que diversas vezes, responder as perguntas dos filhos sobre como cuidar de um bebê.
Quanto ao restante, os três sabiam se virar muito bem.
Isso por que, Carla, apesar de não trabalhar fora, não era muito afeita a trabalhos domésticos. Assim, quando as crianças sentiam fome, e ela não estava interessada em cozinhar, eram as próprias que preparavam sua comida.
Até por que, de outra forma, teriam que esperar até o horário do jantar para comerem alguma coisa.
Com isso se pode perceber que Carla não era uma mãe exemplar. Extremamente relapsa, só fazia as vezes de dona de casa, quando o marido chegava.
Diante disso, Antônio, apesar de viver há quase onze anos com Carla, não sabia nada sobre a mulher. Enganado, mal sabia que durante o dia, eram as crianças que tomavam conta da casa.
E assim, as crianças lavavam, passavam e cozinhavam. Mal tinham tempo para brincar.
Por isso, quando Anne apareceu, surgiu a possibilidade delas resgatarem uma parte da infância que haviam perdido. Poderiam brincar com ela. Daí o empenho em cuidar bem da menina.
E foi o que fizeram.
A casa, composta de três cômodos, no entanto, era pequena demais para uma família tão numerosa. Mas eles se ajeitavam. E a casa, apesar de pequena, era limpa e arrumada.
As crianças era caprichosas. Até por que, se não o fossem, seriam severamente castigadas por Carla. Assim, entre surras e ameaças, os três aprenderam praticamente sozinhos, a cuidarem de uma casa.
Com isso, dado o fato de haver um benefício para quem matriculava e mantinha os filhos na escola, Érica, Elena e Carlos, freqüentavam assiduamente o lugar. Assim, além de cuidar da casa, os três tinham também que estudar.
Mas eles já estavam acostumados com essa rotina.
Carla, por sua vez, raramente passava as tardes em casa.
Desta forma se percebe que os três estavam mais do que acostumados a ficarem sozinhos. Sempre sozinhos.
Assim, para eles, ter a companhia de Anne era algo compensador.
Anne, a garotinha, mal dava trabalho. Como era muito pequena, passava boa parte do tempo dormindo. Assim, os três podiam trabalhar sossegados. E durante algum tempo, essa convivência foi pacifica.
Contudo, ao longo de uma semana, os três começaram a se dar conta, de que cuidar de uma criança pequena dava trabalho.
Sim, os três estavam cansados.
Carla ao perceber isso, ficou extremamente satisfeita. Isso por que, apesar de raramente cuidar da criança, sabia que um bebê incomodaria bastante a todos.
Aborrecida com a novidade, ela não cansava de dizer que mais uma boca para alimentar não era bom. Afinal, mal tinham para eles, e criança dava muita despesa.
Com isso, os três, cansados que estavam de cuidar da menina, começaram a pedir para os pais que levassem-na para outro lugar.
Porém, quando finalmente foram atendidos, e Antônio e Carla concordaram em levar a menina embora, os três, arrependidos do gesto, pediram para que eles não a levassem. Alegando que sentiriam saudades da Anne, não queriam se despedir dela.
Antônio então, comovido com o gesto dos filhos, disse a eles que também ajudaria a cuidar da criança.
E dessa forma, para desespero de Carla, a criança ficou.
Ficou e por quase todos foi bem tratada, pelo menos durante aqueles primeiros anos.
Contudo, conforme os anos foram se passando, Anne começou a perceber que aquele não era seu lugar.
Isso por que, embora inicialmente tenha sido bem tratada, com o passar dos anos, passou a sistematicamente a ser posta de lado.
Tanto que com apenas cinco anos, já ajudava a cuidar da casa. E assim, Anne cozinhava, limpava os cômodos, lavava a louça, a roupa e passava.
Lentamente, Anne passou a ser tratada por todos como empregada.
E aquilo que parecia ser um afeto verdadeiro, converteu-se em mera tolerância.
Nisso, Érica, agora com doze anos, só queria saber de sair.
Elena por sua vez, influenciada por Érica, só queria saber de seguir os passos da irmã.
Já Carlos, acostumado a competir com os meninos, não se interessava mais pela companhia das irmãs, e como Érica, só queria saber de ficar na rua. Para ele, não havia lugar melhor.
E nisso o tempo foi passando.
As crianças foram crescendo, e as coisas foram mudando.
Anne então, foi ficando cada vez mais sozinha. Ela, uma garota muito pobre, foi criada por uma família igualmente pobre.
Contudo, como se pode perceber, pobre, não só por que desprovida de recursos, mas também por que fora duramente cruel para com ela.
Isso por que, o brinquedo que os meninos tanto queriam, revelou-se ao longo do tempo, precisar de alguns cuidados e requerer muita atenção. E isso não era bom. Não era bom por que os três, já submetidos a uma rotina cansativa, passaram a ter que cuidar de uma criança.
Criança que chora, que tem fome, que precisa de banho, e isso era muito para eles.
Com isso, Carla então, percebendo que a menina crescia, resolveu que seria uma ótima alternativa colocá-la no lugar dos filhos, para fazer o serviço da casa.
E sem pensar duas vezes, foi exatamente isso que fez.
Não sem antes brigar muito com Anne. Algumas vezes chegou até a bater nela, por que o serviço não estava bem feito.
E nem mesmo com o choro da menina, ela se continha.
Antônio então, preocupado com os excessivos castigos que a mulher lhe impunha, chegou diversas vezes a questioná-los.
Mas, o pior ele não sabia.
Como não ficava durante o dia em casa, Antônio não sabia que seus filhos cuidaram da casa durante muitos anos e que agora era a vez de Anne.
Mas com Anne era pior. Isso por que, além de ter de cuidar da casa inteira sozinha, ainda tinha que suportar o mal-humor de Carla, que sempre implicou com ela.
Isso por que, Carla, diversas vezes fez questão de humilhá-la na frente dos filhos. Tal fato contribuiu e muito para que estes perdessem o pouco respeito que ainda tinham por ela.
Considerada agregada, Anne agora era como uma empregada da casa.
E assim, maltratada e desrespeitada, Anne era uma garota triste. Tão triste, que não sabia o que era ser alegre. Tão triste, que achava normal seu estado de espírito. Tanto que nunca lutou contra isso.
Pior. Com o passar dos anos, Anne acostumou-se com os maus-tratos e a indiferença. Isso por que, com bastante freqüência, era agredida por Carla, que sempre implicou com ela.
Mas isso não era tudo.
Até por que, conforme os anos foram se passando, Anne cada vez mais se distanciava da família Pereira.
Quando finalmente ingressou na escola, Anne, pouco a pouco foi aproveitando para ficar cada vez mais tempo longe de casa.
Assim, conforme os anos se passavam, a moça aproveitava para ficar vagando pelas ruas da cidadela, até voltar para casa.
Isso para Carla, era a gota d’água.
Certo dia, irritada com a demora da moça em voltar para casa, Carla resolveu trancar a porta da sala e deixá-la do lado de fora.
Com isso, quando Anne chegou em casa, por mais que batesse na porta pedindo para entrar, ninguém a atendia. Dessa forma, só restou a ela, dormir em outro lugar.
E assim o fez.
Por conta da raiva que sentia daquela família que a maltratava, Anne passou dias afastada de casa.
Porém, por mais que não quisesse, ela precisava retornar. Isso por que, não tinha como se manter. Dependia da família Pereira. E assim, Anne contrariada, voltou para casa.
Foi então que Carla, ao vê-la novamente, espantada com o seu comportamento, perguntou:
-- Onde é que a senhorita pensa que vai? Por acaso não sabe que aqui temos regras? E que história é essa de ficar tantos dias longe de casa? Está pensando que isto é um albergue? Não se esqueça que você tem uma casa para cuidar.
Mas Anne não deu ouvidos. Ignorando as palavras de Carla, foi para o seu quarto e lá se fechou.
Sim, à essa altura a família já estava melhor estabelecida, morando em uma casa maior.
Anne até possuía um quarto só para ela. Mas era um quarto bagunçado e mal cuidado.
Carla quando via aquilo, dizia que Anne era preguiçosa e indolente. Pronto, estava criado mais um motivo para discussões.
Mas a moça, ao contrário do que se poderia imaginar, raramente respondia as provocações. Ao contrário, quando ela sentia que as coisas iriam esquentar, tratava logo de sumir dali.
Contudo, nem sempre Anne conseguia se livrar das broncas.
E as broncas eram pesadas. Isso quando não viravam castigos, os quais passaram a ser sempre desrespeitados pela moça.
Assim, ante o comportamento desobediente de Anne, Carla ficava cada vez mais irada com a moça. Por conta de sua raiva chegou várias vezes a ameaçar Anne com surras. Mas Antônio, apiedando-se da moça, pedia a esposa para que não batesse nela.
No entanto, mesmo ele já tinha reservas quanto a moça. Isso por que, com a campanha que Carla fazia contra ela, ele já tinha também, se acostumado a desprezá-la.
E assim, mesmo sentindo pena de Anne, não conseguia mais gostar dela.
Esta era a vida de Anne.
Quando ficava em casa, era compelida a trabalhar para pagar os anos de dedicação que os Pereira lhe dedicaram. Por conta disso, todo serviço doméstico ficava por sua conta.
E era por isso que todos a queriam por perto. Para que ela cuidasse da casa deles, quando eles próprios não faziam isso.
E assim, manipulada e as custas de muita chantagem sentimental, ela permanecia naquela casa, trabalhando como uma empregada, sem nada receber em troca.
Mas mesmo assim, nos últimos tempos, Anne tentava se libertar dessa exploração.
Por isso, freqüentemente se afastava de casa.
Por conta dos anos de escola, em meio a seus colegas, Anne começou a conhecer outras realidades.
Com os anos de convivência escolar, Anne pôde constatar que o seu modo de vida não era saudável. Porém, apesar de existirem formas de convivência melhores do que a dela, Anne também pôde presenciar diversas vezes, a triste realidade de muitas crianças.
Diversas vezes Anner viu colegas seus, machucados e abalados por conta das surras que levavam.
E não era só. Durante o tempo em estava freqüentando o colégio, Anne também, conheceu esconderijos ótimos. E em um desses lugares, decidiu fazer sua morada.
Era um lugar retirado, calmo e tranqüilo. Ficava tão longe da cidade, e que ninguém, nem mesmo os garotos do colégio conheciam. Assim, seu recanto estava a salvo.
Com isso, sempre que sentia vontade de ficar sozinha, sem ter ninguém para chateá-la, – como Carla, Érica, Elena e Carlos – Anne aproveitava para ficar lá.
Acostumada a viver sozinha, não se importava em ficar por dias a fio, afastada de casa. Para ela, aqueles momentos em que ali ficava, eram bons. Tão bons que sentia um aperto no coração quando tinha que voltar para casa.
Sim, por que era ali, naquela pequena choupana, que ela se sentia em casa.
A casa abandonada ela conheceu quando, em diversas caminhadas que fazia, acabou por se distanciar da cidade. Preocupada, por um momento, chegou a pensar que estava perdida. Mas não. Ao se aproximar da uma construção, Anne descobriu que havia um atalho para retornar a cidade. Percebendo isso, se acalmou.
Curiosa, ao se deparar com a humilde construção, Anne resolveu entrar para ver o que havia na casa. Qual não foi sua surpresa ao descobrir que a casa estava abandonada.
Isso por que, os móveis que guarneciam a casa, estavam bastante empoeirados. Mas, com uma boa limpeza, ficariam como novos.
Foi então que Anne descobriu que a casa tinha tudo que precisava. Cama, armário, uma pequena estante, uma mesa, uma cozinha, um banheiro. A única coisa que faltava, era se mudar para lá.
Com isso, aos poucos, Anne foi levando seus poucos pertences para a casa. Entre eles, alguns livros, roupas, dois pares de sapatos, e um pouco de comida. Sim, por que de nada adiantava ter uma casa para morar, se não tivesse o que comer.
E assim, sempre que podia, a moça fugia para lá.
Em contrapartida, ali perto da cabana, havia algumas plantações, e um belo pomar. De formas que, em sentido fome, e não tendo levado nada para comer, poderia facilmente se alimentar, com o que a natureza lhe oferecia.
Assim, quando descobriu o recanto, Anne passou a freqüentemente, visitá-lo.
Feliz por ter descoberto um lar, a moça aproveitava para sempre cuidar dele. E com o passar do tempo, aquela humilde choupana ficou brilhando de limpa.
Com isso, sempre que terminava de cuidar da casa, Anne aproveitava para estudar um pouco. E assim, ficava entretida por algumas horas.
Quando se cansava, Anne aproveitava para passear pelos arredores, na tentativa de conhecer melhor aquelas paragens.
Assim, como se pode constatar, pela primeira vez na vida, ela foi feliz.
Mas, para todos os efeitos, Anne não podia deixar que percebessem que ela tinha outro lugar para ficar. Por isso, mais uma vez a moça resolveu voltar para casa, depois de alguns dias.
Para sua tristeza, teria que novamente enfrentar Carla.
Assim o fez.
Quando retornou, foi recebida agressivamente por Carla.
Sim, ela estava enfurecida com o fato de a moça não a ter avisado que iria ficar longe de casa por alguns dias.
Aborrecida, só sabia reclamar. Enervada com Anne, Carla comentou que durante todo o tempo que esteve sumida, ela própria teve que cuidar da casa. Todavia, segundo as palavras da mulher, Anne deixava tudo tão desorganizado, que ela demorou horas para achar tudo o que precisava.
Mas Anne, não estava nem um pouco interessada nas reclamações de Carla.
Carla, percebendo então que a garota estava distraída, resolveu puxá-la pelo braço.
Nesse momento, Anne gritou:
-- Solta meu braço, sua bruxa.
Quando Carla ouviu isso, ficou com tanta raiva, que passou a puxar o braço dela com mais força ainda.
Anne, então, sentindo um pouco de dor, pediu para ela soltar seu braço, pois a estava machucando.
Carla no entanto, estava com tanta raiva que fazia questão de puxar cada vez mais forte o braço da garota.
Anne pôs-se então, a chorar.
Contudo, nem isso fez Carla desistir de impingir-lhe um castigo.
E assim o fez.
Arrastando Anne até o quarto, empurrou-a para dentro e fechou a porta.
Anne, ao cair no chão, machucou ainda mais o seu braço. No entanto, ao perceber que a porta do quarto era trancada, levantou-se rapidamente. Ao girar a maçaneta, notou que a porta estava trancada. Desesperada, a moça começou a bater na porta e gritar:
-- Dona Carla. Abra essa porta. Abra essa porta.
Mas não adiantou. Por mais que Anne se debatesse, ninguém se atrevia a abrir a porta.
E as horas passaram.
Nesse dia porém, para surpresa de Carla, Antônio chegou mais cedo do trabalho. Tanto que, quando chegou, Carla não estava em casa.
Assim, o homem, pôde perceber que havia algo errado.
Nisso, Anne, cansada de bater na porta, já estava quase desistindo.
Quando então ouviu o barulho de chave, chegou a pensar que era Carla voltando.
Mas não. Era Antônio que, ao adentrar a casa, foi logo perguntando:
-- Onde está todo mundo?
Pronto, Antônio havia chegado em casa.
Nisso ao ouvir a voz, Anne voltou a bater na porta, pedindo para que alguém a abrisse.
Antônio, surpreendido pelos gritos de Anne, foi imediatamente ao quarto dela.
Qual não foi sua surpresa ao descobrir que a porta do quarto estava trancada. Percebendo isso, o homem procurou por toda a casa as chaves necessárias para abrir o quarto da moça.
Em vão. Vasculhando todas as gavetas e todos os cantos da casa, Antônio nada encontrou.
De dentro do quarto, Anne, contou chorando, que havia machucado seu braço, e que este, estava dolorido.
Antônio ao ouvir o relato da moça, ficou bastante preocupado.
Contudo, ele como não havia encontrado a chave, Anne teria que esperar Carla voltar para conseguir sair do quarto.
Isso por que, Carla, prevenida das escapadelas da moça durante a noite, resolveu colocar uma grade na janela de seu quarto. Assim, Anne estava impossibilitada de fugir. Além disso, para piorar ainda mais as coisas, Anne suspeitava de que havia quebrado o braço, quando Carla a empurrou para dentro do quarto.
Sim, a situação estava mesmo complicada.
Com isso, depois de quase duas horas, finalmente Carla apareceu.
Surpreendida com a inesperada presença do marido, a mulher ficou desconcertada. O que fazer para explicar o fato de haver trancado Anne dentro do quarto?
Sem saber bem o que dizer, Carla comentou que a moça havia sido rude com ela, ao chamá-la de bruxa. Desacostumada de ouvir com grosserias, ela acabou perdendo a paciência e colocando Anne de castigo.
Antônio porém, ao ouvir a explicação da esposa, não ficou muito convencido de sua veracidade. Por isso, ao vê-la insistir que Anne merecia um castigo e que por isso, deveria ficar mais algum tempo trancada, Antônio, pela primeira vez, resolveu enfrentar a esposa e dizer que queria a porta aberta. Isso por que, parecia que Anne estava machucada. Assim, precisavam abrir a porta, para ver como a garota estava.
No entanto, mesmo diante das evidências, Carla insistiu com o marido para que Anne ficasse mais algum tempo de castigo.
Foi então, que Antônio aborrecido, exigiu que ela abrisse a porta do quarto para que ele visse com seus próprios olhos como a moça estava.
Surpreso, ao abrir da porta, Antônio, constatou que Anne parecia estar com o braço esquerdo quebrado.
Nisso, Carla teimou em dizer que aquilo tudo era encenação. Segundo Carla, Anne só queria fazer com que ele brigasse com ela.
Irritado, ao ouvir estas palavras, Antônio mandou que Carla se calasse. Isso por que ele, já estava cansado de ouvir sua voz.
Surpreendida com a atitude do marido, a mulher resolveu se calar.
Antonio então, amparando Anne, levou-a até o hospital, para que lá, se verificasse o que havia acontecido.
Era realmente fratura.
Os médicos, preocupados com a situação de Anne – que nesta época tinha doze anos –, informaram Carla e Antônio que chamariam a polícia, para que esta apurasse o que havia acontecido, já que alegação da moça, não convencia os médicos.
Anne então, ao ser atendida, temendo uma futura repreensão de Carla, resolveu se omitir sobre os verdadeiros motivos que a levaram até o hospital.
Mas isso de nada adiantou.
Isso por que, os médicos resolveram tomar providências quanto o caso.
Contudo, como não havia necessidade de a moça permanecer no hospital, assim que ela teve o braço imobilizado, foi logo levada para casa.
Nisso, um dos médicos, preocupado, cuidadosamente, deu-lhe um cartão, para que em caso de necessidade ela ligasse para ele.
Assim, quando Anne chegou em casa, Érica, Elena e Carlos – com dezenove, dezoito e vinte e um anos, respectivamente –, orientados pela mãe procuraram tratá-la da melhor forma possível. Isso por que, Carla não queria levantar suspeitas de que ela havia agredido a garota.
Com isso, impossibilitada de retornar ao seu esconderijo, Anne teve que ficar por semanas presa em casa. Por conta de seu braço quebrado, o único lugar em que ainda podia ir era a escola. Mas mesmo assim, acompanhada por alguém da família.
Mas, por mais incrível que isso possa parecer, foi uma época tranqüila.
Temerosa de ser indiciada por maus-tratos, Carla, resolveu adotar uma postura diferente com Anne.
Contudo, foram só as semanas se passarem, para que tudo voltasse a ser como era antes.
E assim, sem a atenta vigilância de Antônio, Carla começou a exigir que a garota trabalhasse mesmo com o braço enfaixado.
Diante disso, sem ter ninguém que a pudesse ajudar, Anne teve que cuidar da casa sem pestanejar. Porém, por mais que se esforçasse, não conseguia fazer o serviço direito.
Por conta disso, Carla não se furtou de reclamar de seu serviço. Chamando-a de relaxada, relapsa e preguiçosa, tratou logo de colocar defeito em tudo o que fazia.
Anne estava cansada disso.
Contudo, não sabia o que fazer.
Ir até o seu esconderijo não podia. Afinal, mesmo sem a ajuda de ninguém, enquanto não estivesse totalmente recuperada, não teria como cuidar do local, com um braço imobilizado.
Até por que a cabana devia estar imunda.
Com isso, Carla passou a cada vez mais, se intrometer em sua vida.
Certa vez, vasculhando seus pertences, a mulher descobriu que boa parte dos objetos pessoais de Anne, haviam sumido.
Curiosa, Carla quis logo saber com Anne, a razão do sumiço de algumas de suas coisas.
Anne contudo, foi evasiva. Além de tentar desviar a conversa para outros assuntos, a moça respondeu que nada havia sumido de seu quarto.
Mas Carla ficou desconfiada. Pensando no assunto, chegou a seguinte conclusão:
-- Se ela some por dias, e retorna, como se nada tivesse acontecido, é por que provavelmente alguém a convida para passar alguns dias em sua casa. Mas quem será que faz isso?
Cismada com a história, Carla resolveu que ficaria de olho na moça.
Além disso, acreditava contar com a ajuda dos filhos para que vigiassem Anne.
Mas os três, alegando que estavam trabalhando, disseram que não teriam como ficar de olho nela.
Carla ao ouvir isso, ficou furiosa.
-- Como? Vocês não vão me ajudar? Quer dizer que eu coloquei três imprestáveis no mundo?
-- Não é isso mãe. – respondeu Carlos. – Mas é que não temos o dia inteiro livre como a senhora.
-- E quem disse a vocês que eu tenho o tempo todo livre? Se esqueceram que quem cuida de tudo isso aqui sou eu?
-- Essa é boa. Desde quando? – perguntou Érica.
-- Desde que eu me casei com seu pai. Desde antes de vocês nascerem, seus ingratos. Ou acha que ninguém cuidava da casa antes?
-- Isso pode até ser. Mas desde que nós nos entendemos por gente, somos nós quem cuidamos da casa. Primeiro fomos nós e depois a Anne. – comentou Érica.
-- Mas é claro. Com os filhos vem as compensações. – disse Carla.
E assim, encerrou-se a discussão.
Os três sem alternativas, resolveram ajudar a mãe a vigiar Anne. Isso por que, Carla queria descobrir onde era que a moça ía quando se afastava de casa.
Nisso Anne, percebendo que era vigiada, resolveu não ir tão cedo para a cabana. Procurando despistar a todos, resolveu permanecer mais algum tempo em casa.
Dessa forma, mesmo quando tirou o gesso do braço, Anne resolveu ficar mais alguns dias em casa. Enquanto isso, aproveitava para fazer o serviço doméstico que Carla fazia questão de lhe impor.
E assim, Anne passou a ser novamente ignorada pela família.
Mas isso agora, era bom para Anne, pois sendo ignorada, poderia facilmente sair dali, que ninguém iria notar.
Por isso, depois de alguns dias, Anne resolveu finalmente, voltar para sua cabana.
Entretanto, qual não foi sua surpresa, quando, ao separar um pouco de comida para levar, deu de cara com Carla, que a espreitava de longe.
Anne tentou se explicar, mas só conseguiu balbuciar algumas palavras.
-- Eu ... eu ...
-- Desembucha. O que é que você está fazendo a esta hora, na cozinha? Acaso estava pensando em roubar a comida?
-- Mas é claro que não.
Carla porém, não ficou convencida. Desconfiada, tratou logo de trancar toda a comida dentro do armário.
Em seguida mandou que Anne voltasse para o quarto.
Quando a moça entrou, tratou de trancar a porta.
Com isso, voltou para seu quarto.
No dia seguinte, cismada com a história, resolveu prestar mais a atenção em Anne. Isso por que, se ela precisava levar comida, quando sumia de casa, era sinal de não era pra casa de nenhum amigo que ela ía.
-- Mas para onde então que esta criatura vai, Deus do céu? – perguntava-se ela, cada vez mais intrigada com os sumiços de Anne. – Acaso ela teria algum esconderijo? E se tivesse? Onde seria?
Por isso, antes de seus filhos saírem para trabalhar, Carla, insistiu com estes para que continuassem vigiando Anne. Até por que, só assim eles descobririam para onde a moça ía, toda vez que sumia de casa.
Luciana Celestino dos Santos
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