Poesias

quinta-feira, 20 de maio de 2021

OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - CAPÍTULO 5

Ao adentrar a sala, seu pai, percebendo que ela sempre chegava acompanhada de um mancebo, mais uma vez quis saber quem era.
Elis, percebendo a curiosidade do pai, mais uma vez, desconversou. Dizendo que o rapaz era apenas um conhecido, alegou que ele a trazia sempre em casa, por que era muito insistente. O rapaz, dizendo que ela não devia sair desacompanhada, fazia questão de lhe pagear.
Bernardo, ao ouvir isso, comentou que era muito pouco comum um desconhecido se interessar em acompanhar alguém, sem nenhum motivo concreto.
Elis ao ouvir isso, respondeu:
-- Mas ele não é um desconhecido. Eu não acabei de falar que ele é conhecido?
Bernardo ao ouvir isso, retificou:
-- Está bem. É um seu conhecido. Muito embora eu não saiba de quem se trata, segundo você, ele é seu conhecido.
-- Sim, é colega meu. – respondeu ela.
Seu pai, ao ouvir isso, comentou:
-- Se ele é seu colega, então ele não é apenas um conhecido.
Elis, ao ouvir isso, logo percebeu que falara demais. Constatando o deslize, tentou consertar a situação:
-- Colega? Eu disse colega? Não é bem um colega, posto que mal nos falamos. Eu disse colega, por que ultimamente é sempre ele que tem me trazido em casa.
Bernardo ao ouvir, perguntou:
-- Curioso! Um colega que ultimamente tem andando muito com você, não é mesmo? Será que ele é apenas um colega?
Elis ao ouvir ao ouvir as indagações de seu pai, sentiu as palavras fugirem.
Seu pai, todavia, insistiu para que a filha, respondesse suas perguntas.
Elis então, perguntou, depois de se acalmar um pouco:
-- Ora papai! Que idéia o senhor faz de mim? Por acaso, o que eu poderia estar fazendo? Por que essas perguntas?
Bernardo percebendo que sua filha tencionava fugir do assunto, novamente perguntou:
-- Mocinha! A senhorita ainda não me respondeu a pergunta que fiz. Acaso tem alguma coisa nessa história, que eu não posso saber? Sim por que, se ele é apenas um colega, por que você faz tanta questão de escondê-lo de nós?
-- Mas pai! Eu não estou escondendo ninguém!
-- Está sim, e você bem o sabe. Agora eu me pergunto... Por que será? Acaso ele é mais um pretendente?
Elis ao ouvir isso, ficou aturdida. Sem saber o que pensar, começou a gaguejar:
-- N... não. Mas é claro que não! Papai, que idéia!
-- Por quê? Acaso o rapaz não é provido de atrativos? Jovem, porte altivo... Aposto que muitas mulheres devem ter se interessado por ele.
Elis, ao ouvir isso, não ficou nem um pouco satisfeita. Porém, procurando disfarçar sua contrariedade, tratou logo de encerrar aquela conversa. Dizendo que o pai estava sendo indiscreto ao comentar sobre a vida de uma pessoa que nem sequer conhecia, Elis alegou, que não cabia a ela, responder aquelas perguntas.
Bernardo então, percebendo que fora indiscreto, desculpou-se e deixou-a ir para seu quarto. Contudo, dizendo que aquela conversa não estava encerrada, tratou logo de avisá-la que mais tarde retomaria o assunto.
Elis, concordou.
Ao entrar em seu quarto, amplo e ricamente decorado, a moça, percebendo que não tardaria o momento em que contaria a verdade, passou a pensar de que forma contaria aos pais, que estava namorando. Angustiada, passou a pensar na melhor forma de contar a verdade.
Ensaiando um discurso, Elis passou horas e horas em seu quarto.
Durante o jantar, Bernardo então, relatando que precisava retomar um assunto com a filha, comentou que mais tarde eles conversariam.
Claudete, percebendo o ar de gravidade do marido, quis logo saber sobre o que os dois conversariam.
Bernardo ao notar a curiosidade da esposa, comentou que não era nada de mais. Dizendo que apenas, ficara intrigado com um fato, Bernardo respondeu, que não cabia a ela ficar preocupada.
Claudete então, percebendo que nenhum dos dois contaria o que estava se passando, resolveu deixar o assunto de lado.
E assim continuaram a ceia.
Mais tarde, depois do jantar, Bernardo, ansioso por retomar a conversa, mandou Elis, ir para o escritório – que ele possuía na residência.
Claudete, percebendo que o assunto era particular, resolveu ir até a sala, retomar seus bordados.
Nisso, Bernardo, entrando logo em seguida no escritório, fechou a porta e impaciente, disparou a seguinte pergunta:
-- Agora você vai me responder aquela pergunta que te fiz hoje à tarde, não é mesmo?
Elis, ao ouvir mais uma vez o questionamento do pai, bem que tentou desconversar, mas Bernardo, cansado de ouvir evasivas, foi logo dizendo que não aceitaria desculpas. Afirmando que estava cansado de ouvir afirmações vagas, Bernardo comentou que não sairia dali, enquanto ela não lhe contasse toda a verdade.
A moça ao ouvir isso, ficou bastante apreensiva. Tão apreensiva, que seu pai, preocupado, perguntou:
-- Se você está tão nervosa assim, é por que aquele rapaz é muito mais do que um simples conhecido, não é?
Elis, ao perceber que seu pai já desconfiava desta proximidade, perguntou:
-- E o que tem de mais nisso? Acaso eu estou proibida de namorar?
Bernardo ao ouvir estas palavras, tomado de espanto, sentou-se num dos sofás que havia no escritório. Surpreso, muito embora desconfiasse de que havia algo de estranho, jamais poderia imaginar que sua prevenção se tornaria realidade.
Elis, percebendo o ar estupefato de seu pai, perguntou surpresa:
-- Mas não era o senhor mesmo que estava desconfiado?
Bernardo ao ouvir a pergunta da filha, deveras preocupado, foi logo crivando-a de perguntas. Sequioso de saber tudo o que se relacionava ao rapaz, descobriu que ele se chamava Lourival, que fora criado por seus tios, e que seus pais morreram quando ele era ainda muito pequeno.
Bernardo ao ouvir isso, constatou que de posse dessas informações, já poderia descobrir qual era a origem do rapaz. Isso por que, desconfiado de que as boas roupas do rapaz e sua postura altiva, fossem mera aparência, Bernardo quis logo se precaver. Afinal de contas, não havia criado sua filha, para que ela se envolvesse com algum aproveitador.
Elis, que até então, não conhecia a família de Lourival, ao perceber a excessiva curiosidade do pai em conhecer detalhes sobre a vida do moço, comentou que ele possuía uma boa condição social. Dizendo que era ele quem bancava todos os passeios que faziam, Elis alegou, que ele estava sempre muito elegante. Extremamente educado, parecia um nobre, segundo ela.
Bernardo porém, nem assim se convenceu de que o rapaz poderia ser um bom partido. Desconfiado de tantas boas maneiras, comentou que nunca vira o rapaz antes.
Elis, tentando contornar a situação, respondeu, que havia muitos comerciantes na cidade que ele não conhecia.
Ao ouvir isso, Bernardo concordou.
Elis então, mais calma, parou de tentar convencer o pai de que seu namorado era uma boa pessoa.
Bernardo então, comentou que estava tudo bem.
A moça ao ouvir isso ficou surpresa.
Seu pai então, percebendo seu espanto, comentou que se o namoro dos dois era tão certo assim, não havia nada de mais nela convidar o moço e sua família para jantarem um dia desses com eles.
Elis ao ouvir isso, perguntou:
-- Pai! O senhor tem certeza disso?
No que Bernardo respondeu:
-- Mas é claro que eu tenho. Pode convidar o rapaz sem medo. Outra coisa... não se esqueça de que o convite é extensivo à família.
Elis ao ouvir isso, ficou exultante.
Bernardo então, desejando ficar um instante sozinho, pediu a filha para que saísse do escritório, para que pudesse trabalhar um pouco.
Satisfeita, a moça saiu prontamente do escritório.

Luciana Celestino dos Santos
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OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - CAPÍTULO 4

Seus tios, acostumados com suas demoras, nem o crivavam mais de perguntas. Isso por que, sempre que o rapaz era inquirido por eles, suas respostas eram sempre vagas.
Assim, depois de muito perguntarem: De onde você está vindo? Isso são horas de se chegar em casa? O que você anda aprontando? Entre outras inúmeras perguntas, e ouvirem que ele não estavam fazendo nada de mais, os dois se cansaram. Dizendo que tudo estava nas mãos de Deus, resolveram deixar de se preocuparem tanto com Lourival, que segundo eles, devia saber o que estava fazendo.
Com isso, Lourival foi se afastando cada vez mais de sua família.
Sentindo-se cada vez mais livre, não tardaria para que ele alçasse vôos maiores. Vôos tão elevados que o fariam perder até a direção.
Mas agora era o tempo de sonho. Tempo de amar e de se saber amado. Tão amado que parecia que nada destruiria o inquebrantável sonho de amor.
E assim, continuaram os passeios. Certa vez, Elis e Lourival, ao passarem por um jardim, descobriram que entre as flores que lá haviam sido plantadas, estavam lírios, que embelezando a paisagem, cobriam o solo e enfeitavam o campo.
Este foi recanto escolhido pelos dois, para sempre se lembrarem, quando estivessem sós.
Lourival e Elis, encantados com a beleza do lugar, prometeram que sempre que pudessem, passeariam pelo local. E de braços dados voltaram para o centro da cidade.
Ao lá chegar, Lourival tratou logo de deixar Elis em frente a porta de sua casa. Despedindo-se da moça, o rapaz, comentou que era chegado o momento dela contar aos pais, que estava namorando.
A moça, ao ouvir isso, prometeu que dentro em breve contaria tudo aos pais.
Lourival, ao ouvir isso, quis logo saber quando ela contaria sobre o namoro dos dois.
Sentindo-se pressionada, Elis, comentou que assim que pudesse.
Impaciente, Lourival comentou que mal via a hora dessa conversa acontecer.
Elis, percebendo isso, comentou que precisava pensar em como contar o que se passava. Pedindo paciência ao namorado, a moça, insistiu para que ele aguardasse o momento certo, para a tal conversa acontecer.
Lourival, percebendo que Elis tentava ganhar tempo, ainda assim, concordou em esperar. No entanto, estipulando um prazo, o rapaz alegou que ela não deveria tardar para revelar aos pais o que se passava.
Ao ouvir isso, Elis prometeu que não se demoraria.
Com isso, os dois se despediram e a moça entrou em casa.

Luciana Celestino dos Santos
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OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - CAPÍTULO 3

Lourival então, constatando que sua vida estava mudando, cada vez mais distante de sua antiga vida de pescador e de seus amigos, passou a trilhar um novo caminho. Caminho este que se revelaria tortuoso. Todavia, num primeiro momento, foi só alegria e cor. Isso por que, Lourival, agora com dinheiro, vivia a passear na cidade.
Com seu paletó de linho, seu chapéu e seu semblante sempre feliz, Lourival, conheceu Elis.
A moça, filha de um rico comerciante da cidade, toda vestida de renda, atraiu logo sua atenção. Isso por que, além de bela, a moça era também, muito elegante. Tão elegante, que logo percebeu o garbo de Lourival, e igualmente se interessou por ele.
Elis, ao ver no moço tanto donaire e primor, ao tê-lo diante de si, logo o cumprimentou. Imaginando que o rapaz pertencia a uma família abastada, a moça educadamente passou a lhe falar.
Lourival então, animado, acreditou que havia encontrado a mulher ideal.
Isso por que, possuidora de grande beleza e de modos refinados, Elis, segundo ele era a materialização da perfeição. De tão grande perfeição que o rapaz fez de tudo para saber seu nome e onde vivia.
Assim, foi questão de tempo, para que um se enamorasse do outro.
Lourival, feliz com isso, passou a se dividir entre seu trabalho, e os encontros com sua namorada, Elis.
Felizes, os dois caminhavam de braços dados, pela famosa praia do Mucuripe. O mesmo cenário, onde tempos antes, ele estivera a pescar. Agora não. Lourival, posando de rico burguês, no momento só queria saber de mostrar a namorada, as belezas e os encantos da região. Tanto, que esquecido de sua humilde condição, sentiu-se em condições de igualdade em relação a moça.
E assim, sem se censurar, Lourival corria atrás de Elis, que escapando de seu alcance, deixava-o mais intrigado.
Certa vez, cansado destas carreiras, o rapaz, alcançando Elis, segurando-a pelo braço, jogou-a na areia. Em seguida, sentando-se ao lado da moça, Lourival passou a olhá-la fixamente.
Elis também, com os olhos fixos no rapaz, depois de um certo período de encantamento, perguntou:
-- Mas você vai ficar me olhando assim... até quando?
Lourival, percebendo que podia agir, resolveu se aproximar dela. Ainda olhando-a fixamente, o rapaz foi se aproximando cada vez mais. À certa altura, segurando com suas mãos, o delicado rosto de Elis, Lourival tomado de um ímpeto, beijou-a.
Permanecendo com as mãos no rosto da moça, Lourival comentou que nunca havia conhecido alguém igual a ela.
Elis ao ouvir isso, sorriu. A seguir, chamando-o debochadamente de mentiroso, perguntou se nenhuma outra mulher havia se interessado por ele.
Lourival afirmando que não, atraiu para si o sarcasmo de Elis, que não acreditou nem um pouco em suas palavras.
O rapaz, percebendo isso, relatou que nunca havia se encantado tanto por uma pessoa, como neste momento.
Elis ao ouvir isso, resolveu deixar de lado as brincadeiras e dizendo que devia voltar para casa, deixou o moço um tanto quanto desapontado.
Lourival então, pedindo-a para ficar, ouviu como resposta que estava ficando tarde e que ela tinha que ir.
Entendendo a situação, o rapaz resolveu acompanhá-la em sua jornada de retorno ao centro da cidade. Lá, ao deixá-la em frente ao portão de sua casa, tentou beijá-la novamente, mas Elis, repeliu-o.
Desapontado, Lourival perguntou a ela, por que ele não poderia beijá-la ali.
Ao se ver inquirida, Elis respondeu, que seus pais ainda não sabia do namoro dos dois, por isso, o melhor que ele tinha a fazer, era se comportar.
Lourival, ao ouvir, concordou com o cuidado. Todavia, o rapaz pediu insistentemente para que ela revelasse o relacionamento dos dois, o mais depressa possível à sua família.
Elis, percebendo a seriedade das palavras do rapaz, concordou. Em seguida, se despedindo de Lourival entrou em casa.
Nisso, o rapaz, voltou para sua morada.

Luciana Celestino dos Santos
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OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - CAPÍTULO 2

Insatisfeito com a vida que levava, o jovem pescador começou a se envolver com pessoas estranhas. Sequioso por mudar sua sina, Lourival, passou com o tempo, a auxiliar alguns contrabandistas da região, em busca de dinheiro.
Com isso, o rapaz, ao começar a ganhar um dinheirinho extra, passou a se desinteressar cada vez mais pela pescaria. Isso por que, se ele conseguia arrumar dinheiro suficiente realizando o transporte de mercadorias pelo mar, por que precisava continuar pescando?
Seus tios, ao perceberem isso, ficaram desconfiados. Sim, por que, se ele não mais saía para pescar, como ainda assim, conseguia dinheiro suficiente para ajudar a família, e para gastar com futilidades?
Lourival, a esta altura, cansado de esconder que estava envolvido em negócios escusos, passou a ter cada vez menos cuidado. Ostentando pequenos luxos, o rapaz começou até, a se vestir melhor.
Seus amigos, certa vez, ao verem-no tão alinhado, comentaram surpresos, que ele estava prosperando.
Lourival ao perceber o olhar de espanto e de admiração dos amigos, sorriu.
Sentindo-se vitorioso, o rapaz nos últimos tempos, vinha se dedicando mais ao seu novo trabalho, do que a comunidade onde vivia. Animado com sua nova situação, Lourival só queria saber de se entrosar com os novos colegas de trabalho, e quem sabe até, alçar uma melhor posição. Ambicioso, o rapaz sentia que poderia ir longe nessa atividade.
Raul, o chefe dos contrabandistas do lugar, percebendo o empenho de Lourival em desempenhar bem sua função, comentou que mais dia, menos dia, certamente ele alcançaria um posto de maior responsabilidade dentro da organização.
O rapaz ao ouvir isso, sorriu satisfeito.
Quem não gostou nada desta história, foram os antigos companheiros de atividade de Raul.
O líder porém, não se importava com isso.

Luciana Celestino dos Santos
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OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - CAPÍTULO 1

“ As velas do Mucuripe
Vão sair para pescar
Vou levar as minhas mágoas
Pras águas fundas do mar
Hoje à noite namorar
Sem ter medo da saudade
E sem vontade de casar

Calça nova de riscado
Paletó de linho branco
Que até o mês passado
Lá no campo ‘inda era flor
Sob meu chapéu quebrado
O sorriso ingênuo e franco
De um rapaz novo, encantado
Com vinte anos de amor

Aquela estrela é dela
Vida, vento, vela, leva-me daqui ”

(Mucuripe – Raimundo Fagner/Belchior)

1940. As velas dos barcos, e o deslizar das jangadas, convidam a uma longa jornada mar adentro.
É desse mar que os pescadores e os jangadeiros retiram o sustento de suas famílias.
E é desse mar que se despedem no lusco-fusco vespertino, quando o sol se retira da praia, beijando a superfície das águas e manchando-as de dourado.
A seguir, surgem as horas vazias, a agonia das mulheres que perderam seus maridos em tempestades, esperando pelo retorno de quem nunca virá.
É nesse cenário que vive um jovem pescador chamado Lourival.
Moreno, por volta de seus vinte anos, é objeto de cobiça de muitas das mulheres que por ali vivem.
Vivem, pobres como ele, em um bairro paupérrimo, longe do centro e do glamour de tão antiga cidade. Vivem, a sonhar com o dia em que ele, irá se dignar a olhar para elas, quando passar.
Quem não gostava nada desse frisson eram os rapazes, que sentiam-se preteridos pelas moças, as quais, com raras exceções só tinham olhos para Lourival.
Lourival, por sua vez, não estava nem um pouco interessado em causar confusão. Aliás, distraído, muitas vezes nem sequer, percebia os olhares.
Ambicioso, o rapaz só queria saber de se livrar daquela vida miserável. Aborrecido, já estava cansado de se sacrificar no mar, e só ser explorado. Lourival, encantado com o estilo de vida do centro, agora só queria saber de conforto e de luxo.
Certa vez, para passear pela cidade e conhecer seu esplendor, Lourival colocou sua melhor roupa. Um terno que fora de seu pai, que o usara quando se casou.
Fascinado com a beleza da cidade, Lourival se encantou com as belas construções, seus teatros, suas igrejas. Esse passeio se deu durante o Natal. Foi lá que ele se encantou com a encenação do Bumba-Meu-Boi.
E agora, perdido em pensamentos, Lourival só fazia se lembrar deste passeio. Animado sempre que podia comentava com os amigos, que um dia ainda teria muito dinheiro e moraria no centro da cidade.
Seus amigos, também pescadores, sempre que ouviam esta conversa, caíam na risada. Descrentes de que Lourival conseguiria alcançar êxito em seu intento, eles sempre faziam troça com ele.
Lourival, então, ao se ver sendo alvo de piadas, ficava furioso, e aborrecido, deixava os amigos de lado.
Ele por sua vez, sozinho, ficava a sonhar com o dia em que teria muito dinheiro, e que todos aqueles que até então não davam crédito às suas palavras, ainda iriam procurá-lo em troca de favores. Pensando nesta possibilidade, Lourival ficava a sorrir. Lhe era extremamente agradável pensar nisso.
Porém, quando retornava a realidade e se percebia praticamente sozinho no mundo, Lourival não se sentia nem um pouco feliz.
Contudo, precisava se recolher e dormir, pois no dia seguinte, precisaria enfrentar novamente o mar para obter seu sustento, e auxiliar o casal de tios que o criou, depois que seus pais faleceram.
E assim, lá se foi ele novamente, durante a madrugada enfrentar o mar.
Trabalhando no barco, os pescadores só tinham tempo para observar o mar e pescar. Para isso lançavam mão de redes e de muita paciência. No final da tarde, voltavam com o barco abarrotado de peixes.
E mais uma vez a vida se repetia.
Para Lourival, essa repetição sem fim, era extremamente monótona.

Luciana Celestino dos Santos
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O DESTINO DESFOLHOU - EPÍLOGO

E foi assim, que a situação calamitosa da cidade foi resolvida.
De uma hora para outra? Não.
Foi simples de se resolver? Não.
Mas o que interessa é que todos participaram. Todos queriam que situação melhorasse e se empenharam nisso.
Quem podia, ajudou com trabalho voluntário. Quem não podia, ajudou com idéias, denunciou o que estava errado, avisou a polícia quando viu algum suspeito, ou mesmo um crime ser cometido.
Não se expôs dando uma de herói, mas colaborou com o bom trabalho da polícia.
Novos policiais foram formados. Mais bem pagos e treinados, tornaram-se amigos da população. E não foi um milagre implementar essa idéia. Foi só planejar bem os gastos, elaborar corretamente o orçamento do município, diminuir o desvio de verbas, o superfaturamento, e isso se tornou uma realidade.
Uma nova escola foi construída, a periferia da cidade se tornou menos violenta.
A prefeitura investiu em mais áreas de lazer, em trabalho sociais, em treinamento para os jovens.
Com relação aos encarcerados, colocou-os para trabalhar. Com os menores infratores fez o mesmo.
Quando desbaratou o quadrilha, o índice de criminalidade caiu drasticamente.
Quanto aos homens que atiraram duas vezes na delegacia e causaram celeuma geral, os mesmos foram presos e cumprem pena.
Já com relação aos policiais estrangeiros que prestaram serviço na cidade, estes foram homenageados, e assim que se resolveu a confusão, com a prisão dos bandidos que causaram o tumulto, voltaram para suas respectivas cidades.
E a cidade foi ficando cada vez melhor.

Luciana Celestino dos Santos
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O DESTINO DESFOLHOU - CAPÍTULO 3

E assim, conforme o plano ía sendo cuidadosamente elaborado, Olívia tratava logo de se inteirar de tudo.
Enquanto isso, Joana depois de escrever uma grande reportagem sobre o escândalo na prefeitura, resolveu divulgar o conteúdo dos documentos que caíram em suas mãos.
Cléber, que já esperava por um acontecimento extraordinário, ficou estarrecido com o teor da notícia.
Joana, ao escrever a matéria, havia ido longe demais. Contudo, como estava amparada, em prova documental, não havia como negar o escândalo.
Realmente o prefeito havia ganho muito dinheiro em superfaturamento de obras. Além disso, havia a suspeita do que mesmo havia sido subornado para aceitar alguns projetos nem um pouco convenientes para a boa administração da cidade. Contudo, no tocante a essa questão, Joana não tinha ainda, como provar suas suspeitas.
Porém, quando o escândalo viesse a tona, fatalmente isso seria investigado, e assim se esclareceria a verdade.
Cléber, um pouco temeroso com reação do prefeito, comentou com Joana, que a notícia realmente repercutiria como uma bomba na cidade. Por esta razão, tratou de aconselhar a moça, que se ela queria realmente publicar aquela notícia, deveria primeiramente, arrumar um outro local para ficar. De preferência, bem longe da cidade.
Joana contudo, mesmo sabendo que estava se arriscando, comentou com Cléber, que preferia mesmo, era ficar, para ver toda a confusão armada. Isso por que, não havia vindo de tão longe para perder a oportunidade de ver a situação resolvida.
Cléber, ao perceber a expectativa da moça, tratou logo de adverti-la:
-- Minha querida! Não sei se você percebeu, mas estamos no Brasil. No lugar onde tudo acaba em pizza e festa. Olha! Eu não quero te desiludir, mas dificilmente Arthur será preso, e mesmo se ele for, acabará não dando em nada. Até por que, ele não é o único responsável por isso. Se ele conseguiu ser corrupto, é por que existem muitos outros corruptos, bem como corruptores na cidade. Exemplo disso, foi a última denúncia de corrupção envolvendo o seu nome. Não deu em nada.
Joana contudo, procurando contradizer o colega de profissão, comentou:
-- Eu sei Cléber. Mas agora é diferente. Agora nós temos provas. Podemos derrubá-lo.
Cléber, percebendo o entusiasmo da moça, desistiu de tentar convencê-la de que tudo era uma ilusão. Cauteloso porém, tratou de perguntar:
-- E o que eu faço com aquela carta que você me deu?
-- Por enquanto nada. Só use aquela carta se algo de muito grave acontecer comigo.
Cléber então, concordou em guardar a carta.
Com isso, vendo os documentos e a reportagem pronta, comprometeu-se com Joana. Prometendo que publicaria a matéria na íntegra, pediu para ficar com os documentos. Isso por que, queria ter como provar tudo o que alegava. Até por que, sabia que a reação do prefeito seria imediata. Assim, precisava se precaver.
E foi assim, prevenido, foi que o diretor de redação, publicou a matéria, que como era de se esperar, caiu como uma bomba na cidade.
Quando Arthur foi informado por seus assessores sobre o conteúdo da matéria, ficou estarrecido. Isso por que, acreditando que as denúncias haviam sido esquecidas, acreditava que nunca mais ouviria falar naquele assunto. Todavia, qual não foi sua surpresa ao constatar que o escândalo estava de novo presente em sua vida.
Revoltado, exigiu dos assessores, que tratassem de descobrir quem havia escrito aquela matéria contra ele.
Os assessores, ressabiados, ficaram na difícil situação de contar a ele, que quem havia escrito aquela matéria havia sido Joana, a mesma mulher que vivera com ele durante todos aqueles meses.
O prefeito, percebendo que havia sido enganado por Joana, ficou profundamente decepcionado. Mas, recuperando-se da surpresa desagradável, procurou pensar logo em uma forma de se vingar. Isso por que, não podia deixar isso para lá. Até por que, depois de um escândalo recém resolvido, não podia se dar ao luxo de se envolver em outro, ou fatalmente teria que adiar seus planos políticos para o futuro.
Iracundo, decidiu conversar com a moça.
Porém, ao se dirigir ao hotel onde a moça se hospedou, descobriu que a mesma não estava mais lá.
Arthur, ao saber disso, ficou ainda mais irritado. Porém, prometeu a si mesmo que aquilo não ficaria sem troco. Assim, passou semanas procurando Joana, que parecia se esconder dele.
Sim, Joana havia saído da cidade. Levando consigo a reportagem que realizara, resolveu vender a matéria.
E sim, vendeu a reportagem a um grande jornal da capital.

Mas tarde, Arthur por meio de seus informantes, acabou descobrindo que a notícia se espalhara.
Mais uma vez, o escândalo havia sido levado ao conhecimento de todo o país. Tal fato, deixava-o numa situação ainda mais complicada.
O político, vendo-se enredado, começou a perceber que não havia nenhuma saída para ele. Por conta do escândalo, certamente teria que desistir de seus planos políticos. Ao menos enquanto tudo não se resolvesse.
No entanto, não era só isso. Por conta da repercussão do escândalo, provavelmente o prefeito teria que renunciar ao cargo.
Arthur, ao saber disso, ficou irritadíssimo. Teimoso, comentou que nunca renunciaria a um cargo que sempre sonhou um dia ocupar.
Mas os assessores insistiram que só havia essa possibilidade.
Arthur porém, refutava esta possibilidade.
Mas, mesmo querendo muito permanecer no cargo até o final da legislatura, sabia que seria que seria muito difícil não ser afastado.
Para piorar, a população, que sempre o apoiara, e a qual sempre admirou seu trabalho na prefeitura, agora estava muito revoltada. Muito mais revoltada do que antes, quando se dera o primeiro escândalo.
Agora, andando nas ruas, o prefeito percebia claramente a hostilidade dos munícipes. Freqüentemente apontado pelos moradores, era considerado ‘persona non grata’, por muitos. Até mesmo seus companheiros de partido agora evitavam sua presença, temendo a repercussão negativa do caso. Apesar de muitos deles estarem envolvidos na denúncia, acreditavam que, por não terem seus nomes revelados, estavam a salvo.
Porém, ledo engano. Nos dias que viriam, muitos outros nomes envolvidos no escândalo, surgiriam.
E a cidade, mais uma vez, ganhava publicidade negativa.
Não bastassem os altos índices de violência, havia ainda o escândalo envolvendo os principais figurões da cidade.
Com isso, enquanto Joana se divertia vendo a derrocada do prefeito, Arthur só pensava em uma forma de se vingar da moça. Por isso, desde que tomou conhecimento do escândalo envolvendo seu nome, o prefeito da cidade, tentava de todos os modos possíveis, encontrar Joana.
Sentindo-se traído por Joana, tentava encontrar uma forma de chegar até ela, e acertar suas contas.
Seus assessores no entanto, percebendo que este encontro poderia não resultar em boa coisa, aconselharam o prefeito a deixar as coisas se acalmarem, para depois dar o troco. Isso por que, se ele conseguisse provar que tudo não passara de um equívoco, poderia enterrar para sempre a carreira jornalística de Joana.
Mas Arthur queria mais. Achando que era muito pouco apenas destruí-la profissionalmente, ele desejava acabar com sua vida, da mesma forma que ele achava que ela tinha feito com a sua.
Joana, porém, estava muito longe dali. Aconselhada por Cléber, resolveu dar algum tempo para depois voltar.
Entrementes, ao contrário do que prometera a Cléber, que depois de publicar a matéria, muito insistiu para que ela não voltasse mais para a cidade, Joana resolveu voltar.
E assim, antes mesmo que a situação se acalmasse, a moça retornou para a cidade.
Agora no entanto, ao contrário do que fizera na outra oportunidade, a moça resolveu alugar uma casa. Isso por que, sabendo que o escândalo renderia ainda muitas matérias jornalísticas, considerou uma ótima idéia morar na cidade por algum tempo.
O que ela não contava é com a ira do prefeito, que logo ficou sabendo do seu retorno. Sim, por que, depois de revelar ao país inteiro as denúncias envolvendo a administração de Arthur, tornou-se, da noite para o dia, uma pessoa conhecida.
Assim, em muitos dos lugares por onde passava, era reconhecida por algumas pessoas.
Por conta de sua matéria sobre a corrupção, chegou a ganhar um prêmio. Foi exatamente por isso que passou a ser rapidamente reconhecida. Ao virar notícia, se tornou uma jornalista com credibilidade.
Mas o que ela não sabia, era que isso custaria muito caro para ela.
Isso por que, sendo conhecida, tornava-se um alvo fácil para o prefeito que dessa forma, a localizaria com muita facilidade.
Dito e feito.
Arthur logo que soube que Joana se encontrava de novo na cidade, fez de tudo para encontrá-la.
Tarefa que, diga-se de passagem, não foi das mais complicadas.
Isso por que, contando com a ajuda de seus assessores, o mesmo conseguiu facilmente descobrir onde ela estava. Os assessores, incumbidos da tarefa de descobrir onde a moça estava, constataram que a jornalista alugara uma casa para morar. Ao saberem disso, foram logo contar ao prefeito que ficou deveras satisfeito com a notícia.
Finalmente Arthur iria se vingar daquela mulher.
Aquela mulher que acabara com sua carreira política. Aquela meretriz, em suas palavras.
Tomado de profundo ódio, passava os dias a pensar em qual seria a melhor vingança. Inobstante sua ira com relação Joana, Arthur, por mais que pensasse, não conseguiu chegar a nenhuma conclusão. Apesar de astuto, seu ódio obscurecia sua mente, e assim, o mesmo não conseguia chegar a nenhuma conclusão.
Constatando que não seria nada fácil se vingar da moça, o homem encheu-se de coragem e foi até a casa dela conversar.
Joana, ao perceber a presença do político em sua casa, ficou tremendamente surpresa. Assustada, ao vê-lo diante de si, pediu a ele que fosse embora imediatamente.
Arthur porém, não arredou o pé. Insistindo em dizer que precisava conversar, falou que não sairia de sua sala enquanto ela não lhe dirigisse a palavra e lhe explicasse por que havia feito aquilo.
Joana, assustada, foi logo argumentando que não tinha nada a explicar, e que portanto, ele não tinha nada que fazer ali. Ordenando que ele fosse embora, a moça insistiu para que ele partisse.
Arthur ao ouvir o pedido da moça pela segunda vez, perguntou em tom de desafio:
-- E se eu não sair, o que vai acontecer?
-- Infelizmente, eu vou ter que chamar a polícia. – respondeu ela decidida.
Arthur então, percebendo que a moça não estava de brincadeira, resolveu sair. Mas, antes deu-lhe um aviso:
-- Eu vim aqui com a maior boa vontade do mundo. Você não quis conversar comigo. Agora eu não posso prometer que nada de mal vai te acontecer. Mocinha, você mexeu num campo minado, cuidado não para ser uma vítima da guerra.
Ao ouvir isso, Joana, insistiu para que ele fosse embora.
Foi o que Arthur fez.
Contudo, as palavras do ainda prefeito, deviam ser levadas em consideração. Isso por que, ele não estava de brincadeira.
Tanto que Cléber, ao ouvir a história da boca de Joana, ficou assombrado com a tranqüilidade da amiga. Advertindo-a de que ele não estava de brincadeira, recomendou a ela, que não andasse sozinha pela cidade.
Joana, ao perceber a preocupação do amigo jornalista, caiu na risada. Desdenhando do zelo do amigo, disse-lhe que não havia nada com que se preocupar, até por que, aquele era o último rugido do leão.
Mas Cléber estava assustado.
E tinha razão para estar.
Não bastou uma semana para que Joana fosse alvo de um terrível atentado. Ao passear de carro pelas ruas da cidade, a moça percebeu que haviam cortado os freios de seu veículo. Sem ter como parar, acabou batendo num poste de iluminação. Por sorte, a moça se feriu apenas levemente.
Mas, mesmo desconfiada de que poderia ser um atentado, Joana ficou ainda mais ávida por denúncias a respeito de Arthur.
Enquanto isso, Olívia, preparando-se para executar o plano dos amigos, passou a freqüentemente comprar drogas com o suposto traficante. Indo reiteradas vezes até o local, descobriu que o meliante vendia diversos tipos de produtos, inclusive armas e objetos contrabandeados.
Freqüentando o ponto, descobriu também, que o mesmo possuía intermediários pelos arredores. Além disso, o mesmo era receptador e possuía vários homicídios em sua longa ficha criminal.
Olívia, de posse dessas informações, passou a documentar tudo o que estava acontecendo. Diariamente, relatava ao delegado, todos os passos de sua investigação.
Otaviano, cada vez que percebia progressos na investigação de Olívia, ficava mais e mais animado.
Fabrício e Alessandro, também, de posse das informações, deram-se conta, de que era apenas uma questão de tempo para agirem.
Com isso, no momento em fora dado o sinal verde, os mesmos estavam prontos para agirem.
E assim o fizeram.
Cercando o local, prenderam o traficante, vários de seus auxiliares, bem como alguns usuários, que naquele momento compravam drogas no local.
Quando os mesmos se viram cercados pela polícia, imediatamente, tentaram se evadir.
Mas felizmente, não conseguiram. Com a ajuda da polícia de outras cidades, o delegado Otaviano conseguir cercá-los completamente.
O perigoso bandido, ao ser levado para a delegacia, reconheceu Olívia.
Ao vê-la vestida como policial, o mesmo percebeu que havia caído em uma emboscada. Furioso por ter sido enganado, prometeu de se vingar de todos.
Alessandro ao ver o ódio estampado no rosto do bandido, ficou preocupado com Olívia.
Fabrício, percebendo que a preocupação do amigo excedia os limites do convencional, começou a brincar com ele. Dizendo que ele estava muito preocupado com quem era apenas uma colega de trabalho, Fabrício, conseguiu irritar o amigo.
Tanto que Alessandro, ao ser interpelado neste sentido, mandou logo que o amigo se calasse. Impaciente, deixou Fabrício falando sozinho.
Nisso, no dia seguinte, em resposta a prisão do traficante, a delegacia foi alvo de tiros.
Olívia, que estava de folga, ao voltar e ver a delegacia toda cheia de marcas de tiros, ficou deveras espantada.
Tanto que ao ver a situação do Distrito Policial, temeu que alguns de seus colegas tivesse se ferido no tiroteio, ou mesmo que os bandidos estivessem sido libertados.
Porém ao entrar, descobriu, que apesar dos estragos materiais que sofrera a delegacia, ninguém havia se ferido.
Isso por que, assim que os disparos começaram a ser efetuados, todos se abaixaram. Desta forma, ninguém se feriu.
Olívia, impressionada com o evento, perguntou ao delegado, se essa era uma reação comum.
Otaviano respondeu que não. Surpreso, disse que nunca tinha se deparado com uma situação igual. A não se no caso do linchamento, nunca vivera uma situação tão absurda. Contudo, havia uma coisa que ele não conseguia entender. Se haviam investido com tanta violência contra os policiais, por que não invadiram a delegacia, e resgataram os presos?
Assombrado com a possibilidade de ver a delegacia ser invadida por bandidos, o diligente delegado, pediu reforço para outras cidades.
Assim, ainda no fim da tarde, um novo contigente policial, fazia uma ronda nas principais ruas da cidade.
Antes do cair da noite, temendo pelo pior, Otaviano, foi conversar com o prefeito. Aconselhando-o a efetuar o toque de recolher, avisou que se novamente viessem a atacar sua delegacia e seus homens, não haveria muito o que fazer com relação aos civis. Por isso mesmo, a melhor solução era todos se recolherem mais cedo para suas casas.
Arthur, sem levar em contar a advertência do ilustre delegado, se negou a realizar o toque de recolher.
Quando caiu a noite, para desespero do delegado, novamente atiraram contra a delegacia. Porém, desta vez, ao invés de simplesmente causarem danos as instalações, os bandidos conseguiram ferir Alessandro.
Olívia, ao ver o amigo baleado, caminhou de gatas até sua direção.
Preocupada com seu ferimento, ao se dar conta de que não havia como removê-lo dali, passou ela mesma a fazer os primeiros socorros. Rasgando um pedaço da própria camisa do rapaz, Olívia estancou o sangue. Antes porém, fez o possível para limpar o ferimento, e como a ajuda do rapaz e de outros policiais, levou o mesmo para um lugar seguro, dentro da delegacia.
Os policiais, percebendo que o delegado, estava se expondo muito, recomendaram que ele ficasse com Alessandro, o mais distante possível da confusão.
O delegado então, percebendo a preocupação de seus subordinados, respondeu que não tinham que se preocupar com ele. Como homem sensato que era, o mesmo não iria se expor, desnecessariamente.
A população, que àquela altura, ainda estava andando pelas ruas da cidade, ficou apavorada. Ao ouvirem o barulho de tiros, os mesmos passaram a correr em desabalada carreira. Alguns, no meio da confusão, tentavam voltar para casa. Outros, desorientados, não sabiam para que lado correr, e assim, ficaram durante longo tempo, tentando se esconder.
O prefeito, ao tomar conhecimento do que se passava na cidade, logo percebeu que havia dado o golpe definitivo para que Joana o aniquilasse.
E o pior, a decisão que dera causa a toda aquela confusão, havia partido de sua própria omissão. Preocupado, pensou que assim que a jornalista infame soubesse disso, fatalmente usaria isto contra ele.
Desesperado, Arthur percebeu que se não tomasse medidas urgentes, enterraria de vez sua carreira política. Por isso mesmo, consciente do mal passo que havia dado, contatou imediatamente a redação do jornal da cidade e concedendo uma entrevista, comprometeu-se a dar todos os esclarecimentos a respeito do assunto.
Enquanto isso, na cidade, tiros ainda eram disparados a esmo, a fim de causar confusão e desordem públicas. Mas, a essa altura, os poucos populares que ainda não haviam voltado para casa, estavam bem escondidos em casa de amigos e parentes nos arredores.
Resultado da nefasta noite: um ferido.
Depois que a confusão acabou, Otaviano recomendou que os policiais saíssem pelos fundos, discretamente.
Diante isso, os policiais, que haviam ficado fazendo a ronda nas ruas da cidade, depois da confusão, voltaram para a delegacia.
Chocados com a violência, os policiais de outra cidade se comprometeram em ficar durante mais algum tempo por ali.
Comunicando a gravidade da situação, seus chefes superiores, não se opuseram. O único cuidado que deviam ter, era não serem alvos também, de toda aquela violência.
E assim, os policiais permaneceram na cidade.
No dia seguinte, a população, revoltada, pedia uma solução da polícia.
Arthur, prefeito da cidade, concedeu uma entrevista a Cléber, explicando tudo o que havia acontecido no dia anterior.
Dizendo-se surpreso com os últimos acontecimentos, comentou que não esperava que um novo ataque ocorresse tão depressa.
Sempre tentando eximir sua responsabilidade, alegou que aqueles, eram eventos isolados, e que eles já estavam tomando todas as providências necessárias, para resolverem o problema.
Joana, por sua vez, entrevistou o delegado de polícia, e este deu uma versão contrária a do prefeito.
Otaviano, alegando que havia contatado o prefeito e pedido a ele que realizasse um toque de recolher, ouviu de sua boca que não o faria. Talvez por acreditar que um raio não caía duas vezes no mesmo lugar, achou que não havia perigo.
A jornalista então, perguntando se o concurso recentemente realizado não suprira a necessidade de novos policiais, descobriu que diante da nova situação apresentada, nem o novo contingente era suficiente.
Joana ficou perplexa. Não só pela violência, mas também pela impotência da polícia. Chocada, a moça comentou com o delegado, que aquele quadro que se delineava na cidade, fazia a lembrar-se de sua querida São Paulo, que tornou-se, com o passar dos anos, uma cidade bastante violenta. Preocupada, comentou que não queria que o que vinha ocorrendo nas grandes cidades do país, virasse rotina naquela que um dia fora também, uma pacata cidade do interior.
Nisso, Otaviano, percebendo a inquietação da moça, perguntou-lhe então, o que ela sugeria.
Joana, surpresa com a pergunta, respondeu, que essa resposta, não era algo fácil de ser dado.
Contudo, ponderando um pouco sobre a situação, percebeu que somente a união de todos, polícia, poder público e população, poderia resolver o problema. Pensando na situação da cidade, a jovem jornalista comentou, que a população também contribuíra para deixar o caos se instalar.
Otaviano, só ficava ouvindo.
Joana então prosseguiu. Dizendo que muitos ali compravam drogas, produtos roubados, contrabandeados, pirateados, bem como praticavam e recebiam suborno, a moça argumentou que essas pessoas alimentavam a indústria do crime.
Otaviano, assentiu com a cabeça. Porém, nada disse.
-- Sim! Estas pessoas estimulam toda essa cultura de violência. Estão compactuando com tudo isso, e depois se acham no direito de reclamar quando tudo está errado. Mas fomos nós que criamos essa confusão. E é a nós que cabe desatar esse nó. Agora, como faremos isso? Com paciência e perseverança, com a participação de todos. Se alguém vir alguém suspeito, denuncie. Se perceber uma atitude suspeita, avise a polícia. Não deixe o crime acontecer. Seja atuante. Não queira pôr sua vida a prêmio. Aquilo que puder ser feito, faça. Avise a polícia. Mas não brinque com ela. Discuta propostas de como acabar com a violência. Ponha a polícia nas ruas, deixe as pessoas verem que os policiais não são monstros, e sim pessoas preocupadas com o bem estar social. Remunerem melhor nossos policiais, ministrem cursos de capacitação, dêem um horário bom de trabalho, estimulem os policiais, motivem, façam eles sentirem-se parte de algo muito importante que é a sociedade. Que o poder público, faça sua parte, que ocupe os presos com trabalho. Os menores também. Afinal de contas, mente vazia é a oficina do demônio. Não misturem presos perigosos com batedores de carteira. Faça-os trabalharem, faça-os se manterem na cadeia. Estimulem sua recuperação. É assim que as coisas melhoram. E acima de tudo, dêem oportunidades para as pessoas trabalharem. Por que sem isso, fica difícil manter a segurança pública. Quando as pessoas não tem nada a perder, é que elas se tornam mais perigosas.
Otaviano, ao ouvir o discurso da jovem jornalista, aplaudiu entusiasticamente. Surpreendido pelo bom senso da jovem, ele finalmente comentou:
-- Percebo que você é uma pessoa bastante esclarecida. Esclarecida e inteligente.
Joana riu.
Otaviano então, percebendo que ainda tinha perguntas a responder a jornalista, comentou com ela, que tentaria falar com o prefeito e sugerir uma série de medidas, para conter o problema da violência que já há muito, assolava a cidade.
Joana, ao perceber a boa vontade do delegado, prometeu que faria o possível para publicar aquela matéria no dia seguinte.
Otaviano respondeu que esperaria.
Com isso, quando finalmente encerrou entrevista, o delegado foi até a delegacia.
Quando lá chegou, seus homens já estavam arregaçando as mãos para repararem os estragos. Trabalhando como pedreiros, faziam o que podiam para consertar os estragos.
Otaviano ao ver o empenho dos policiais, ficou profundamente emocionado. Tão emocionado que fez questão de ajudá-los na difícil tarefa.
Enquanto isso Joana, trabalhava a todo o vapor para imprimir uma edição extra do jornal da cidade.
Cléber, comentando que tinham uma entrevista do prefeito da cidade sobre o assunto, alegou também precisava imprimir sua matéria.
Diante disso, os dois, ao tomarem conhecimento do teor das diferentes matérias, pensaram juntos, e chegaram a conclusão que o melhor a ser feito, era publicar uma nova edição, com as duas entrevistas.
Dito e feito.
A nova edição, ao chegar as bancas, causou furor. Isso por que, a população, interessada em saber o que as autoridades da cidade tinham a dizer a respeito do assunto, trataram de comprar o jornal.
Ao lerem impresso no jornal que Arthur nada fizera diante do apelo do delegado, ficaram revoltados.
Alguns mais exaltados, foram protestar em frente a prefeitura. Enervados, chegaram a atirar paus e pedras em direção as janelas.
Arthur então, percebendo que os populares iriam invadir a prefeitura, ligou imediatamente para a delegacia pedindo para alguns policiais fossem até lá para dispersar a multidão enfurecida.
Otaviano, ao ouvir o pedido do prefeito, destacou alguns homens para o trabalho. Aproveitando a oportunidade, resolveu acompanhá-los, e assim, conversar com o prefeito.
Com isso, assim, que a multidão foi dispersada pelos policiais, o delegado adentrou o prédio da prefeitura, e foi conversar com Arthur.
O prefeito, irritado com as declarações do delegado, disse a ele, que o mesmo não devia ter feito aquele comentário, até por que, o mesmo não correspondia exatamente a verdade.
Otaviano, ao ouvir as palavras do prefeito, caiu na risada. Comentando que não havia aumentado uma vírgula na história, disse que havia dito pouco perto do que ele sabia a respeito da negligência dele com relação a questão da segurança pública.
Arthur irritado, comentou que sem ele, não haveria um contingente maior de policiais na cidade, já que foi ele que autorizou a abertura do concurso para o preenchimento de cargos de policiais.
Otaviano comentou então, que diante dos últimos acontecimentos, ele não tinha mais como se negar. Até por que, diante do quase linchamento de dois policiais, se não fizesse o que tinha a obrigação de fazer, ficaria definitivamente desmoralizado.
O prefeito, ao ouvir as duras palavras do delegado, ficou profundamente irritado. Contudo, sem ter como discutir, acabou propondo um acordo ao delegado. Dali por diante, realizaria o toque de recolher.
O delegado ao ouvir isso, caiu na risada.
Arthur, irritado, perguntou:
-- Mas o que é tão engraçado assim?
-- Até onde vai o seu jogo prefeito? Ou o senhor acha que depois do que aconteceu, as pessoas vão ficar dando sopa até altas horas, na rua? Depois que escurecer, todo vai é pra casa. Não é mais preciso toque de recolher. As pessoas já estão suficientemente assustadas para isso ser necessário.
-- Mas então, o que é que o senhor quer que eu faça?
-- Quero que o senhor organize uma reunião, na praça principal da cidade, com toda a população, com a presença do poder público – representada na pessoa de Vossa Excelência, bem como de seus vereadores –, com a polícia e a imprensa.
Arthur, sem ter alternativas, depois de resistir um pouco, acabou concordando com o delegado, e assim, no final de duas semanas, finalmente a reunião se realizou.
Durante a reunião, coberta pela imprensa, a população discutiu propostas de segurança pública.
Alguns sugeriram mais policias, outros mais treinamento dos policiais já existentes. Alguns sugeriram que criassem um telefone para que a população pudesse denunciar os crimes. Assim, sempre que alguns deles visse algo suspeito, poderiam logo avisar a polícia.
Um popular, sugeriu que as rondas da polícia cobrissem um número maior de quarteirões. Outro sugeriu que se fizessem trabalhos sociais e voluntários na parte pobre da cidade.
Muitos sugeriram melhor iluminação em certos pontos da cidade, que escuros, facilitavam a ação de ladrões.
Nesse ponto, o delegado sugeriu a que a delegacia, não deveria ficar tão exposta nem num lugar tão escuro. Respaldado pelas palavras de um cidadão, Otaviano comentou que precisavam de um nova delegacia.
Uma senhora pediu ao prefeito, mais escolas e mais trabalho.
Outro cidadão, sugeriu que dessem ocupação aos presos e aos menores.
Outro ainda sugeriu que deveria ser feito um trabalho de prevenção, dando-se iguais oportunidades a todos. Assim, os índices de violência despencariam.
Enfim, cada um deu sua idéia, e no fim, muitas idéias boas surgiram.
Arthur então, percebendo que tinha muito a fazer, alegou que faltavam verbas para todos aqueles projetos.
A população, insatisfeita, ao ouvir o prefeito, começou a vaiá-lo.
Desmoralizado, Arthur foi rapidamente levado dali, em meio a ovadas e vaias.
Enfurecido, só conseguia achar uma culpada para toda aquela confusão. A culpada era Joana. Porém, toda a vez que pensava em se vingar dela, não conseguia ter nenhuma boa idéia.
Enquanto isso, sua desmoralização política, se tornava cada vez maior. Sendo investigado, vieram logo à tona todas as suas falcatruas.
Não bastasse isso, ocorreu uma enchente na cidade, em razão das prolongadas chuvas daquele verão.
Superando o índice pluviométrico esperado para a época, o rio transbordou e inundou várias casas que ficavam próximas.
Joana, que morava próxima do rio, teve sua casa inundada. Assustadoramente a água cobriu todo o primeiro pavimento da casa. Sem ter outra alternativa, a moça foi se proteger no segundo andar da residência.
Apavorada, só conseguiu sair de casa, no dia seguinte, quando a água baixou.
Em razão disso, a moça, aproveitando a situação, resolveu publicar uma outra matéria sobre o prefeito.
Foi a gota d’água.
Em razão de seu último gesto, Joana passou a receber ameaças de morte.
Cléber, alertando-a sobre seu acidente, pediu encarecidamente, para que ela fosse embora dali e nunca mais voltasse.
Joana, percebendo a gravidade da situação, prometeu ao amigo, que viajaria assim que pudesse.
Porém, antes que ela pudesse pensar nisso, Arthur foi destituído do cargo.
Ao saber da novidade, a moça ficou feliz. Contudo, não dava para esconder que também estava preocupada com a novidade.
Isso por que, sem ter que se preocupar com o cargo que ocupara, agora o homem estava livre para praticar qualquer atitude impensada. Desmoralizado, havia encerrado de vez sua carreira política. Estava acabado.
E assim, foi questão de dias para que Joana, fosse acossada pelo prefeito.
Ao sair da redação do jornal, um dos assessores do prefeito, puxando-a pelo braço, empurrou-a para dentro de um carro, e levou-a até Arthur.
O homem, ao vê-la se aproximar, prometeu que a faria se arrepender do dia em que havia nascido.
E teria o feito, se não fosse impedido pelo barulho da sirene da viatura da polícia, que rondava o local.
Não fosse por isso, certamente Joana teria sido morta por Arthur.
Com isso, o vice-prefeito, que passara a ocupar o cargo, ao se ver implicado no escândalo que destruiu a carreira de Arthur, acabou por renunciar ao cargo. Temendo sofrer as mesmas sanções que o antigo prefeito sofrera, resolveu desistir de continuar a governar. Com isso mais para a frente, poderia novamente se eleger.
Assim, uma nova autoridade ocupou o cargo.
Como faltava pouco tempo para as eleições, logo logo um novo prefeito, escolhido pelo povo, ocuparia o cargo.
E assim foi.
Otaviano, convidado por inúmeros vereadores e populares para ocupar o cargo, acabou concordando em se candidatar.
Venceu tranqüilamente as eleições.
Isso por que seu adversários, estavam todos envolvidos em escândalos e corrupção, e assim, ele era a única personalidade impoluta no meio de todos aqueles políticos.
Venceu e colocou em prática todos os seus projetos em matéria de segurança pública. Governando em parceria com a população, investiu em projetos sociais, e incentivou a abertura de indústrias na cidade. Fez o mercado de trabalho crescer, o desemprego diminuir. Passou a fiscalizar as entradas da cidade, a contar com a colaboração da população, que sempre avisava a polícia quando via algo suspeito.
Enfim, um governo bem diferente do de Arthur, que pecava pela corrupção.
Joana percebeu isso.
Otaviano, percebendo a perspicácia da moça, nomeou-a para cuidar da pasta da educação e da cultura na cidade.
Joana, agradeceu o convite e animada, convidou Cléber para ser seu braço direito.
Fabrício e Alessandro passaram a cuidar da pasta da segurança pública.
Já Olívia, voltou a estudar e tencionando ser delegada, se esforçava para atingir sua meta.
Alessandro, que sempre conheceu a dedicação da moça, sentiu-se deixado um pouco de lado no começo, mas depois, aconselhado pelo amigo, e estando também ele, assoberbado de trabalho, acabou entendendo-a.
Fabrício, percebendo a mudança na vida dos dois, comentou com o amigo, que ele logo logo faria parte do time dos casados.
Alessandro, achou graça no comentário.
E os dois se abraçaram.
Enquanto isso Arthur, cansado de ser vaiado pela população, arrumou suas malas, vendeu sua casa, e foi embora da cidade. Os demais políticos, envolvidos no escândalo de corrupção, depois da fragorosa derrota nas eleições, fizeram o mesmo.
Não que a cidade tenha ficado livre de políticos corruptos. Mas a bandalheira diminuiu sensivelmente. Tanto que a população, apesar de alguns problemas, não se cansava de elogiar a nova administração.
Otaviano era um grande prefeito.
Diziam.
Não estavam errados. Tudo que era possível fazer, ele fazia.
É assim que são os grandes políticos. Atuantes, e preocupados com bem estar social.
Pena que poucos sejam os que pensem assim.

Luciana Celestino dos Santos
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