Poesias

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

BARRACÃO DE ZINCO - CAPÍTULO 3

Assim, após auxiliar Raquel, Clarissa aproveitou então, para ouvir um pouco de rádio. Com isso, depois de ouvir por meia hora, os sucessos da década de 40, um novo capítulo da novela que estava acompanhando, iria começar.
Quando os locutores anunciaram a rádio-novela, ‘Encontro com o Desconhecido’, Clarissa tratou logo, de aumentar um pouco, o volume do rádio.
Como já vinha acompanhando há um tempo, as peripécias da heroína, já estava começando a se interessar pela história.
Essa notícia para seus tios, era muito auspiciosa.
Mas, voltemos a rádio-novela.
Conforme o combinado, Eleonora às oito horas em ponto, já estava no saguão aguardando a chegada de Handolph.
Magnificamente vestida de vermelho, parecia uma verdadeira diva.
Handolph, como não poderia deixar de ser, ficou deveras encantado sua presença.
Ao adentrar o saguão do hotel, Eleonora estava de costas para ele. Mas mesmo de costas, vê-la já era um acontecimento. Por isso, quando a moça se voltou para ele, Handolph ficou sem palavras.
Impecavelmente vestida em um longo vermelho, a moça parecia recém saída de um filme. Uma verdadeira deusa.
Assim, mais do que se poderia esperar, Eleonora estava irresistível.
Embora não tivesse dito nada, pelo seu olhar em direção a moça, percebia-se o seu deslumbramento.
E assim, fascinado com a beleza da jovem misteriosa, Handolph ofereceu seu braço e disse:
-- Vamos?
-- Mas, é claro. – respondeu ela.
Nisso, o rapaz, educadamente conduziu-a até seu carro, uma luxuosa limusine. Primeiro, a moça entrou no automóvel, depois ele. Daí seguiram em direção a um restaurante.
Ao lá chegarem, Handolph deu novas mostras de educação e gentileza. Antes de se sentar, o rapaz auxiliou a moça, puxando a cadeira, para que ela pudesse se sentar. Só depois desse gentil gesto, é que finalmente, se sentou.
Em seguida veio o maitre com o cardápio, perguntar ao cavalheiro, se este desejava escolher uma bebida.
Educadamente, então, Handolph perguntou a Eleonora, se ela tinha alguma preferência. Foi então que ela comentou, que primeiramente, gostaria de tomar um pouco de champagne, depois, quando a comida fosse servida, um bom vinho.
Handolph então, concordou, como Eleonora sugeriu, pediu champagne.
O maitre então, retirou-se, para rapidamente, trazer a bebida.
Nisso, enquanto o maitre não retornava, os dois aproveitaram para escolher o que iriam comer.
Assim, quando o maitre retornou com a bebida, Handolph fez logo o pedido.
Nisso, enquanto o jantar era preparado, os dois aproveitaram para conversar.
Handolph queria saber mais sobre ela. Queria saber de onde vinha, o que estava fazendo na França, por que estava sozinha, se tinha compromisso com alguém, de onde conhecia o dono da festa, etc.
Ao dar-se conta do teor das perguntas, fez o possível para não respondê-las. Lacônica, sempre que lhe eram feitas perguntas pessoais, respondia que sua vida não tinha nada que despertasse o interesse de ninguém. Sua vida era como a de muitas outras pessoas.
Mas Handolph insistiu. Se não havia nada de mais, por que tanto mistério?
Foi então, que Eleonora respondeu:
-- Não é questão de ser um mistério. Mas é que eu acho que está um pouco cedo para eu falar tanto assim de mim. Além do mais, eu já disse, não tenho muito o que dizer sobre minha vida. Já o senhor, deve ter muitas coisas interessantes para contar. Por que não fala um pouco de sua vida? Aposto que ela deve ser bem mais interessante do que a minha.
Pronto, achou o ponto fraco de Handolph.
O rapaz, vaidoso como era, fez logo questão de comentar sobre sua vida. Contudo, evitou falar de assuntos comprometedores.
Apesar de no jantar do anterior não ter tido o menor receio em contar detalhes escabrosos de sua vida, agora o rapaz tinha pudores em comentar sobre seus negócios escusos.
Foi então que Eleonora percebeu que precisaria fazer algo mais para descobrir detalhes sobre seu envolvimento com os nazistas.
Eleonora precisaria passar mais tempo com o rapaz.
Nesse instante então, finalmente o jantar foi servido. Por se tratar de fina iguaria, os dois foram servidos com parcimônia. Isso por que, para se comer lagosta é preciso um certo cuidado.
Dessa forma, enquanto degustavam o fabuloso repasto, conversavam sobre amenidades.
Assim, não foi desta vez que Eleonora conseguiu alcançar êxito em sua missão.
Entrementes, não desistiria. Apesar de infrutífero o primeiro encontro, sabia que poderia arrancar de Handolph, o que precisava. Mas para isso, precisava de tempo.
Com isso, após o término do jantar, mesmo diante da insistência do moço em prolongarem o encontro, Eleonora, fazendo charme, decidiu que seria melhor retornar para o hotel.
Contudo, diante dos apelos de Handolph, concordou em se encontrarem pela manhã no saguão do hotel onde estava hospedada, para poderem tomar o café da manhã juntos.
E assim, depois de se despedir da moça, na entrada do hotel, o rapaz saiu satisfeito conduzindo seu carro.
No caminho de volta para o afamado hotel em que estava hospedado, Handolph, pôde avistar uma pequena confusão. Dois homens brigavam entre si, sabe-se lá por que motivo, mas Handolph, espantado com a confusão, não se preocupou nem por um momento em descer do carro para saber o que era. Pelo contrário, o rapaz continuou dirigindo seu carro e retornou para o hotel.
Ao lá chegar, entregou as chaves do carro a um dos manobristas do hotel e em seguida, foi para seu quarto.
Estava realmente encantado com Eleonora.
A própria, também tinha perfeita consciência de que havia arrebatado todas as atenções do moço.
Contudo, precisava ser mais persuasiva, ou então a missão seria um completo fracasso, e ela, obstinada que era, não podia falhar. Sim, Eleonora não estava de brincadeira, e se precisasse invadir o quarto do rapaz, para descobrir seu segredo, faria essa loucura, sem pestanejar.
No entanto, precisava ser cautelosa e paciente o suficiente, para tentar descobrir as coisas do modo mais cordato.
Com isso, esperaria pelo dia seguinte.

E assim, na hora combinada, usando um belo vestido florido, Eleonora, com dez minutos de atraso, encontrou o rapaz olhando o relógio, ansioso por encontrá-la. Por esta razão, a moça ao vê-lo, perguntou:
-- Me desculpe. Demorei muito?
No que o rapaz respondeu:
-- Não. Mas foi tempo o suficiente para que eu viesse a sentir saudades da senhorita.
Depois de Handolph dizer estas palavras, fez-se um profundo silêncio entre os dois.
Silentes, os dois passaram a se olhar diretamente, como se não houvesse nada que os pudesse atrapalhar.
Mas, após alguns minutos se observando mutuamente, Eleonora então, tomou a palavra:
-- Vamos?
-- Sim, claro. – respondeu ele, concedendo passagem a Eleonora.
E juntos foram até um café. Lá se deliciaram com frutas, sucos e deliciosos croissant’s.
Sim, e estaria tudo perfeito, não fosse o inesperado aparecimento de Herman, o inconveniente admirador de Eleonora.
Foi assim. O rapaz, caminhando por entre ruas e avenidas, acabou se deparando com o Boulevard. Ao lá chegar, encantado com a bela arquitetura e a imponência do lugar, decidiu conhecer o ambiente. Nisso, depois de algum tempo andando, acabou encontrando o casal conversando, em um café – estabelecimento comercial, bastante comum na França.
Ao ver Eleonora ali, mal pôde se conter, posto que estava admirado com a agradável surpresa.
Dessa forma, ao perceber a presença da moça no lugar, começou a acenar para ela chamando-a. Contudo, por estar a moça de costas, quem acabou vendo os sinais de Herman, foi seu amigo Handolph.
Mas este, percebendo que sua presença atrapalharia seus planos com a moça, resolveu ignorá-lo. Afinal, diante das circunstâncias, não haveria mal nenhum em o fazer. Isso por que, precisava conversar a sós com a moça.
Herman, no entanto, percebendo o comportamento negligente do amigo, resolveu então se aproximar do casal.
E assim, caminhando, estando a menos de dois metros dos dois, começou a dizer:
-- Olá. Como vão vocês?
Ao ouvi-lo, Eleonora virou-se para ele e respondeu:
-- Bem obrigada. E o senhor, como vai?
No que ele respondeu:
-- Não tão bem quanto vocês dois com certeza, mas vou indo.
Handolph, irritado com a intromissão, perguntou:
-- Mas, você não está atrasado para algum encontro?
-- Absolutamente. Desde daquele jantar em que estivemos, não tive nenhum encontro. Mas se vocês não se importam, eu vou me sentar na mesa ao lado e pedir um café.
Eleonora então, percebendo que seria extremamente indelicado não convidá-lo para se sentar com eles, fez o convite.
Nisso, Herman, que estava procurando uma forma de novamente conversar com a moça, aceitou prontamente o convite.
Aproveitando que uma das mesas ao lado estavam vazias, pegou uma cadeira e sentou próximo da moça.
Isso só fez aumentar a ira de Handolph.
Mas aí já era tarde. Apesar de sua visível insatisfação com a presença de Herman, o rapaz teve de ser sociável.
E assim, por mais que Herman o irritasse, teve que aceitá-lo em sua presença.
Herman então, aproveitando o inesperado encontro, fez todo o possível para se aproximar de Eleonora. Conversando sobre amenidades, descobriu que a moça adorava o som dos violinos.
Por isso, aproveitando-se de sua inesperada descoberta, logo a convidou para um concerto que haveria numa cidade próxima.
O inesperado convite contudo, surpreendeu até mesmo a solerte agente.
Mas, sem perder a pose, a moça respondeu-lhe que precisava pensar.
Herman no entanto, não se deu por vencido. Ciente de que as coisas poderiam não se encaminhar da maneira como imaginara, resolveu então, que, tentaria um outro recurso.
Assim, vendo que a resposta não seria imediata, combinou com a moça de almoçarem juntos.
Dessa forma, teria a manhã toda para pensar e no começo da tarde, poderia lhe dar uma resposta.
Isso por que, o concerto se realizaria naquela noite.
De formas que, para poderem assistir ao concerto, precisariam chegam em tempo, na cidade.
Com isso, diante de tanto cuidado, a moça decidiu aceitar o convite.
Apesar de inicialmente inconveniente, o encontro com Herman,– seu outro admirador – fez Handolph avançar. Temeroso de perder a atenção da moça, fez o possível para que esta recusasse o convite de seu amigo.
Mas Eleonora não gostava que decidissem por ela, e assim, percebendo que Handolph tentava controlá-la, resolveu aceitar a proposta de Herman.
Handolph contudo, não se deu por vencido.
Ao perceber que perdera momentaneamente para o amigo, resolveu contra-atacar. Para isso, precisava de uma estratégia.
Por isso, ao saber que os dois iriam ao concerto, o rapaz empenhou-se ao máximo, para conseguir entradas para o espetáculo.
Assim, durante boa parte do dia empenhou-se para localizar o local do concerto, bem como os locais onde seriam vendidos os ingressos para o espetáculo.
Nisso, Eleonora, após o conturbado encontro, aproveitou para se encontrar com membros de sua organização. Precisava de uma nova estratégia.
Assim, tomando todo o cuidado para não ser seguida, retornou ao hotel. Ao passar pelo saguão, entrou em seu quarto, mudou sua roupa e sorrateiramente, procurou sair pela saída dos funcionários.
Dessa forma, não havia como ser seguida. Até por que, ninguém imaginaria, que usando aquelas roupas simples, estaria a mulher fascinante a qual tinha dois pretendentes a segui-la.
Justamente por isso, precisava se disfarçar. Não poderia por tudo a perder.
Com isso ao chegar ao lugar do encontro, depois de dizer algumas senhas e de ser mandada para um lugar diferente, Eleonora fora inquirida se estava dando tudo certo.
No que ela respondeu:
-- Bem, até demais.
Nisso, seu interlocutor respondeu:
-- Que bom!
E enquanto a conversa transcorria, lhe foram passados os últimos detalhes da operação.
Isso por que, em virtude dos últimos acontecimentos, o plano inicialmente traçado, mudara um pouco de aspecto. Adquirira novas feições. Assim, o plano precisava de alguns retoques.
E dessa forma, foram acertadas as mudanças de estratégia.
Ao sair do local, mais uma vez Eleonora, retornou ao hotel, e vestiu agora, um vestido azul, próprio para passeios vespertinos.
Já era quase meio-dia.
Dessa forma, precisava descer.
Assim, enquanto descia as escadas, Herman ansioso já a aguardava, esperando-a ao pé da escada.
Por isso, pôde ver quando a moça apareceu, descendo as escadas.
Foi uma magnífica visão.
Enquanto a moça descia degrau por degrau da escadaria, Herman aproveitava para olhá-la e admirá-la. Grandioso espetáculo.
Dessa forma, quando a moça finalmente terminou de descer a escadaria, Herman gentilmente estendeu sua mão para ela.
E assim de mãos dadas, saíram juntos.
Mas, antes de chegarem até o restaurante, aproveitaram para caminhar um pouco. Após, foi que então, entraram em um bistrô e almoçaram.
Em razão do horário, como bebida, pediram um suco de frutas e se deliciaram com entradas leves e saladas. Como prato principal, uma comida leve e saborosa.
Com isso, enquanto se alimentavam, aproveitaram para continuarem a conversa que tiveram pela manhã. E a certa altura, intimada pelo rapaz, Eleonora teve de dar sua resposta.
Afinal, iria ou não com ele, assistir um concerto numa cidade próxima?
Fazendo um pouco de suspense, Eleonora respondeu:
-- Está bem. Diante de tão delicado convite, eu aceito.
Ao ouvir estas palavras, Herman ficou deverasmente feliz.
Nervoso, esperou ansiosamente durante toda manhã a resposta de Eleonora.
Por não saber se a moça aceitaria o convite, ficou um tanto quanto angustiado com a situação. Como a espera fora demorada!
Mas ao que parece, valera a pena esperar.
Agora, diante da aceitação do convite, só faltava combinar a hora em que ele a iria buscar e partir em direção a aludida cidade.
Dessa forma, como ainda tinham tempo de sobra, após o término do almoço, o rapaz, encantado com a companhia, resolveu convidar a moça, para um passeio pela cidade.
Disse:
-- Eu sei que parece bobagem, já que você deve conhecer muito bem a cidade, mas eu gostaria de fazer um passeio com você, se a senhorita me permite.
-- Mas é claro. Com muito prazer. – respondeu.
Nisso novamente, os dois saíram de braços dados.
Caminhando pelas ruas da cidade praiana, Eleonora admirou vitrines, visitou alguns lugares e comentou que adorava passar férias na cidade.
Ao comentar que estava de férias na cidade, Herman então quis saber de onde ela veio.
Eleonora então, resolveu desconversar.
Mas o rapaz era persistente e repetiu a pergunta. Queria por queria saber de onde ela veio. Afinal de contas, não era comum àquela época, uma moça andar sozinha, por qualquer canto, ainda mais quando em viagem.
Curioso, desejava saber o paradeiro dela.
Eleonora disse então, que não iria lhe contar enquanto não estivessem seriamente envolvidos.
Afinal de contas, como ela poderia falar o que quer fosse sobre sua morada se nem o conhecia direito? Alegando que aquele não era ainda, o momento oportuno para falar do assunto, comentou que mais tarde diria.
E assim, o rapaz teve que se conformar.
Eleonora só diria algo a respeito, na hora que julgasse conveniente. E não adiantava insistir.
Com isso, à certa altura, depois de algum tempo caminhando, o casal se deparou com uma luxuosa vitrine. Era uma joalheria. Dentro, os mais magníficos exemplares de pedras preciosas.
Herman, na intenção de agradar Eleonora, resolveu então presenteá-la com uma das belas peças do mostruário.
Contudo, para que a moça não percebesse, comentou com ela que precisava comprar um presente para sua irmã, que por coincidência, tinha quase a mesma idade dela. Além disso, sua irmã, por ter um gosto refinado, não aceitaria qualquer coisa.
Por isso, sabendo do bom gosto de Eleonora, resolveu segredar-lhe a história, e lhe pedir ajuda para comprar um lindo presente para a irmã.
Eleonora então, prontamente, atendeu ao pedido de Herman.
Mas cautelosa primeiramente, perguntou ao rapaz, quais eram as pedras preferidas da irmã. Herman então, desconcertado, disse que não sabia ao certo.
Eleonora então, comentou:
-- Como sempre, a falta de atenção masculina, não é uma exceção em nenhuma família, nem em qualquer lugar do mundo.
-- O que eu posso fazer? Nunca me preocupei com isso. – respondeu ele.
-- Acaso, nunca deu jóias as suas namoradas? – perguntou ela, impressionada.
-- Já. Mas sempre com a ajuda de uma outra mulher, para me ajudar na escolha. Sinto dizer, mas eu nunca fui bom em escolher presentes.
-- Está certo, então. Mas ao menos sabe dizer, qual é o tipo físico de sua irmã?
-- Sim, claro. Ela é alta e magra.
De posse dessas informações, Eleonora então ajudou-o. Muito embora não soubesse que escolhia um presente para si mesma, resolveu ter o máximo de cuidado ao escolher a peça.
Perguntando ao rapaz se ele pretendia comprar um anel, um brinco, um colar ou uma pulseira, ouviu como resposta que ela não precisava se preocupar com o valor da peça.
Dessa forma, ao ver um belo colar de pérolas e brincos no mesmo estilo, perguntou a ele se havia gostado da peça.
No que ele então assentiu com a cabeça concordando. Por fim disse:
-- Sim, é uma linda peça. E vou levar. Qual é o preço?
E comprou a peça.
No entanto, procurando disfarçar, disse que precisava combinar como seria feita a entrega. Assim, discretamente, para que Eleonora não percebesse, pediu para guardarem a jóia, que ele mais tarde passaria para buscá-la.
Nesse momento, então, Eleonora, percebendo o adiantado da hora, comentou com o rapaz que precisava retornar ao hotel.
Isso por que, teriam que viajar para assistirem o concerto.
No que prontamente o rapaz concordou e rapidamente, a conduziu de volta ao hotel.
Ao vê-la adentrar o hotel, rapidamente pediu a um dos funcionários do mesmo, para que o indicassem onde havia um ponto de táxi na localidade. Como tinha pressa, o próprio funcionário chamou um serviço de táxi e o rapaz então pôde retornar a joalheria e buscar a peça, já comprada.
Nisso, aproveitando o serviço de táxi, resolveu parar em uma floricultura e comprar um lindo arranjo de rosas vermelhas.
Isso porque, precisava criar um grande efeito.
Mandar simplesmente flores e jóias não era o suficiente.
Com isso, assim que desceu do táxi e retornou a sua suíte, resolveu pedir ajuda a um seu funcionário para colocar, delicadamente em meio as flores, a caixa contendo as jóias. Mas ainda faltava o cartão, como foi bem lembrado pelo funcionário.
E assim, o rapaz escreveu.
Dessa forma, após uma hora a moça finalmente recebeu o presente.
Um dos funcionários do hotel, batendo em sua porta, lhe trouxe o magnífico presente.
Eleonora, ao ver o buquê, perguntou quem o havia mandado.
O funcionário então pediu para que a moça lesse o cartão.
Assim, depois de pagar a gorjeta, a moça, fechando-se em sua suíte, resolveu ler o bilhete.
No mesmo estava escrito:
“Nessas horas que separam nosso encontro, quero confessar-te que mal posso esperar para que este finalmente aconteça.
Veja só, só faz algumas horas que estou longe de ti e já estou morrendo de saudades.
Não demore.
De seu admirador ostensivo, Herman.
PS: Espero que tenha gostado do presente singelo e misterioso.”

Ao ler o cartão, a moça ficou satisfeita, afinal de contas seu plano estava dando certo. Contudo, o que o rapaz teria querido dizer com presente singelo e misterioso?
Foi então que, ao deparar-se com o imenso arranjo de flores, resolveu olhá-lo com maior cuidado.
Assim, depois de algum minutos observando o buquê, percebeu que algumas folhas haviam caído no chão. Com isso, observando melhor o arranjo, notou que algumas rosas estavam entrelaçadas. Foi assim que percebeu que haviam colocado algo em meio as flores. E ao mexer no arranjo, descobriu uma caixa.
Ao ver a caixa, estranhou. ‘Parece a caixa da jóia que eu escolhi para Herman!’. Exclamou. ‘Não é possível’, comentou. ‘Ele não seria louco de dar um presente caro desses para uma pessoa que ele mal conhece.’
Mas, qual não foi sua surpresa ao dar-se conta de que o presente que havia escolhido, era para ela. Assim pensou. ‘Esse Herman não está de brincadeira’.
Portanto, ao perceber a tática do rapaz, resolveu entrar no jogo. Decidiu então, que usaria as jóias para o concerto.
Contudo, precisa se preparar. Dessa forma, aproveitando a ocasião, tomou um demorado banho tépido na banheira de sua suíte.
Depois, Eleonora vestiu-se com todo o capricho, donaire, garbo e graça.
Usando um longo vermelho, estilo tomara-que-caia acompanhado de luvas da mesma cor, a jovem estava deslumbrante.
Assim, depois de se maquiar, observando a caixa de jóias que recebera pela tarde, Eleonora, pegou-a e abrindo-a, e colocou o colar e os brincos.
Estava impecável. Uma verdadeira princesa.
Tanto que ao vê-la, Herman exclamou:
-- Belíssima!
Após, abrindo gentilmente a porta do carro para a moça, Eleonora entrou no carro. Em seguida, Herman também entrou, sentou-se e enquanto um chofer guiava os dois até a cidade vizinha, o casal aproveitou para curtir a paisagem.
Na chegada, o próprio chofer educadamente abriu a porta para Eleonora que agradeceu e saiu do carro.
Nisso, Herman já a esperava do lado de fora.
O rapaz contente que estava, mal podia acreditar que a moça, que até dois dias atrás lhe era inacessível, era agora a sua companhia.
E mais, para sua surpresa, a moça estava mais linda que nunca.
Tanto que ao adentrarem o salão do teatro, um conhecido de Herman ao vê-lo, tratou logo de cumprimentar a ele e a sua senhora.
-- Senhora? – perguntou Herman espantado.
-- Me desculpe. Cometi uma indiscrição? – perguntou visivelmente constrangido, o conhecido – Mil perdões. É que faz tanto tempo que não o vejo, que imaginei que a moça que o acompanha fosse sua esposa.
Nisso, Herman, respondeu:
-- Tudo bem. Você não tem do que se desculpar. Afinal de contas, quem é que não gostaria de se casar com semelhante jóia?
-- Realmente Herman, a senhorita é deveras encantadora. Parece uma fada. Por sinal, ainda não sei seu nome.
-- Eleonora. – respondeu a moça.
Com isso, o gentil estranho segurou sua mão e beijou-a. Em seguida, percebendo que Herman preferia ficar a sós com Eleonora, aproveitou para se despedir e se retirar.
Desta forma, procurando dissipar qualquer possibilidade de constrangimento, Herman comentou:
-- Um tanto quanto inconveniente esse meu amigo Maurice, não é mesmo?
-- Maurice? Então ele é francês? – perguntou a moça.
-- Sim. E um francês típico. Não o apresentei? Que gafe a minha. Mas é que diante de tanta beleza, acabei me confundindo e desejando que as apresentações depressa se acabassem.
-- Tudo bem. – atalhou ela.
-- Doravante. – emendou o rapaz – Se por acaso viermos a nos encontrar novamente com ele, prometo fazer as apresentações.
Nisso, fez-se a chamada para o início do espetáculo.
Como se tratava de uma apresentação com violinos – instrumento musical preferido de Eleonora, pelo menos no momento –, a moça assistiu atentamente ao espetáculo.
Tocando alguns clássicos, mesmo para quem não era assíduo ouvinte de tal tipo de espetáculo, era divino o som.
Encantado com o som dos instrumentos, Herman chegou até mesmo, a elogiar o gosto musical da moça. Ao final do espetáculo, aplaudiu entusiasticamente a apresentação.
A própria Eleonora admirou-se.
-- Não sabia que você gostava tanto de violinos.
-- Não gosto. Para te ser sincero, eu ganhei esses convites há duas semanas atrás, de um amigo que teve que partir imediatamente para a Alemanha. Tinha negócios com o führer.
-- Ah, é mesmo? Quer dizer então que ele é amigo de Hitler?
-- Sim, mas é preferível chamá-lo de führer.
-- Um homem que tem orgulho de sua patente militar.
-- Não, Eleonora. Não é bem isso. É que como ele tem planos para a Alemanha, e como militar que é, convém que chamemos o grande Adolph Hitler, dessa maneira.
-- Está bem. Eu não quis faltar com o respeito. Muito pelo contrário. Mas fiquei curiosa. Que tipo de negócios ele tem com o ditador. Negócios de guerra? Ele vende armas ou coisa assim?
-- De certa maneira, sim. Como você deve saber, grande parte dos empresários alemães estão colaborando no esforço de guerra. Assim, só resta a nós vendermos tudo o que pudermos, para a glória do Terceiro Reich. Você não entende por que não é alemã.
-- Realmente eu não sou. Mas dedico grande admiração ao führer. Hitler está fazendo um grande trabalho na Alemanha.
-- Também acho. – concordou Herman.
-- Mas voltando ao que estavamos falando. O que te fez me convidar este concerto?
-- Não sei ao certo. Mas quando a vi, logo me lembrei dos convites e achei que seria uma boa oportunidade para te propor um passeio. Não gostou?
-- Absolutamente. Mas é claro que eu gostei. Eu só queria entender o motivo. Além disso, por que as jóias, por que criar tantas estratégias para me envolver, acaso está querendo me seduzir?
-- Mas é claro que sim. Por acaso pensas que sou parvo de perder você de vista mais uma vez? Só se eu for louco, não é mesmo? E eu não sou louco. A menos que gostar de uma pessoa seja considerado loucura.
Nisso Handolph, que já a estava procurando a horas, finalmente a encontrou, observando a imensa escadaria do teatro, enquanto Herman apoiava um dos braços no corrimão da escada.
Nisso, quando Handolph se aproximou, mais do que depressa, Herman percebeu. Por esta razão, tentando evitar que os dois se encontrassem, o rapaz convidou a moça para jantar em um aconchegante restaurante que havia por perto.
Mas Eleonora precavida, resistiu a proposta. Tinha que voltar logo para casa. Isso por que, segundo ela, no dia seguinte, teria alguns assuntos pendentes para resolver. Contudo, Herman insistiu. Mas já era tarde, Handolph já havia se aproximado da moça.
Na aproximação, foi logo perguntando:
-- Como vai?
-- Handolph? O que fazes aqui? – perguntou Eleonora, já consciente de que ele estava ali com uma desculpa para estar sempre por perto.
-- Nada de mais. Na última hora, um amigo meu me convidou para o concerto, e como não tinha nada de importante para fazer, resolvi vir. Este é um bonito lugar.
Nisso aparece Maurice.
-- Onde você estava Handolph? Procurei você por meia hora. – comentou aborrecido.
-- Me desculpe. É que por acaso acabei encontrando uma amiga minha. Deixe que eu os apresente ...
-- Não é necessário. Eu já a conheço. – respondeu Maurice, sucintamente.
-- Sim, é verdade. – comentou Eleonora.
-- A propósito, Eleonora, este é Maurice. – falou Herman, procurando consertar a situação.
-- Então já se conhecem? – perguntou Handolph desconfiado. – Pode-se saber de onde?
-- Mas é claro! Foi aqui mesmo, momentos antes de se iniciar o espetáculo. Você não viu por que estava atarefado demais procurando nossos lugares. – respondeu Maurice.
-- Está certo! – comentou Handolph.
Nisso, ansioso que estava para ficar novamente a sós com a moça, Herman desculpou-se com os amigos, mas disse que infelizmente precisa ir. Eleonora tinha compromissos inadiáveis para o dia seguinte.
Foi então que Handolph, sem nem mesmo pedir permissão ao amigo Maurice, ofereceu-se para lhe dar uma carona. Mas Eleonora, vindo acompanhada de Herman, delicadamente, recusou o convite.
Tal fato o deixou profundamente desapontado.
Maurice contudo, percebendo a saia justa, repreendeu o amigo, por ser tão impertinente. Afinal de contas, se a moça foi até o teatro acompanhada de Herman, não havia por que ela ir de carro com um estranho e um amigo inconveniente.
Handolph então comentou:
-- Mas ele não está querendo nada sério com ela.
-- E você, está? – perguntou Maurice.
-- Que maçada! Mas é claro que estou.
-- Por quanto tempo. Uma semana? Talvez duas?
-- Não me amole. – respondeu mal-humorado.
Nisso os dois rapazes saíram do teatro e voltaram para casa.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.   

BARRACÃO DE ZINCO - CAPÍTULO 2

Mesmo assim, ao contrário do que se poderia imaginar, a moça continuou participando das reuniões.
Como não podia chamar a atenção para o que estava fazendo, aconselhou aos próprios companheiros, realizarem às reuniões em horários apropriados.
Com isso, após dias alguns os mesmos passaram a se reunir até em fins de semana. Tudo com vistas a redigirem os textos para que o jornal fosse finalmente impresso.
Empolgados, conforme iam escrevendo as matérias, aproveitavam para mostrá-las a Bruno, para que esse autorizasse ou não a edição das mesmas.
Esse, impressionado que estava com a dedicação da moça, ao perceber o desempenho de seus sequazes na pesquisa e redação das matérias, sempre sugeria que os mesmos levassem as matérias à apreciação de Clarissa.
A moça ao ler os textos, disse a Bruno que os mesmos estavam bons. Mas ela, interessada que estava na publicação do jornal, sugeriu que também poderia escrever algo.
Bruno no entanto, considerou ainda prematura a participação da jovem na efetiva redação do jornal.
Tal fato, entretanto a frustrou deveras. Escrever sempre fora seu maior sonho. Contudo, ao ver-se diante da possibilidade de realizar seu desiderato, foi inesperadamente tolhida em seu intento. Isso a deixou profundamente desolada. Tanto que, quando voltou para casa, depois da infrutífera reunião, seus tios preocupados, quiseram logo saber o que teria acontecido.
Mas ela, fechada em si, não quis saber de conversa. Decepcionada com os rumos que sua participação estava tomando na organização, Clarissa chegou até mesmo a cogitar a possibilidade de desistir de tudo, já que não estava tendo voz ativa.
Por isso, Bruno, o líder do movimento, certa vez, ao ver a moça tão desolada, resolver tomar uma atitude no sentido de tornar sua participação mais ativa.
Preocupado com a possibilidade da moça abandonar a luta, este resolveu incluí-la em uma futura ação, que ainda estava planejando.
Portanto, logo que cogitou a possibilidade de uma ação efetiva, chamou a moça para uma conversa reservada. Nessa conversa, Bruno então comentou sobre essa sua intenção.
Contudo, como ainda não tinha detalhes da operação, não havia como adiantar nada.
Mas para Clarissa, que ultimamente não estava vendo nenhuma utilidade em sua participação nas reuniões, decidiu então, que aguardaria mais um pouco para tomar uma decisão.
Sim, precisa verificar até que ponto chegariam os acontecimentos, para então se decidir se permaneceria ou não lutando.
Isso por que, quando passou a fazer parte da organização clandestina, o que ela mais queria era participar de ações. Também, se fosse possível, gostaria de expor as outras pessoas, sua maneira de pensar.
Sim, ela queria convencer as pessoas de que a luta por melhores condições de trabalho era justa. Tão justa, que a tão propalada luta não era só dela, desta organização, ou daquele sindicato. A luta era de todos os trabalhadores.
No entanto, para que isso acontecesse, precisava ser conhecida. E que meio melhor de se tornar conhecida do que escrevendo.
Clarissa acreditava nisso.
Idealista, sempre que em conversas, discutiu sobre as desigualdades sociais com seus tios, fez questão de comentar que todos deveriam lutar por seus direitos. Que assim o fizessem, com certeza, a luta seria mais fácil.
Mas, infelizmente para ela, as pessoas estava se acovardando. Temerosas da reação da elite econômica do país, muitos trabalhadores temiam reagir contra essa exploração.
Ouvir isso, para Clarissa era pior do que apanhar de fato.
Por isso quando a moça, via seus tios tão acomodados em seu conformismo, chegava até a sentir um certo desgosto.
Para eles, ter que viver num lugar miserável como aquele, sem conforto e sem privacidade era algo quase que normal. Considerando que conseguiam o necessário para a subsistência e argumentando que não precisavam de muita coisa, diziam que a vida deles era boa na medida do possível.
Mas, para Clarissa, trabalhar para sobreviver não era certo.
Em suas palavras:
-- Sempre me disseram que o trabalho enobrece o homem. Mas o que eu vejo, é um empobrecimento geral do homem com o trabalho. Aqui nesta terra, trabalha-se para sobreviver. Para mim, isto não é vida.
Bartolomeu então comentou:
-- Pois eu gosto muito da minha vida. Não vejo nada de mau em trabalhar. Até gosto.
-- E eu não estou dizendo o contrário. Mas existe uma diferença muito grande entre trabalho e exploração humana. Não somos escravos. Não temos que ficar submetidos à jornadas de trabalho extenuantes. Temos o direito de descansarmos e recebermos uma remuneração justa pelo nosso trabalho. – insistiu a moça.
Mas não adiantava. Como todas as outras conversas, essa também resultou infrutífera. Afinal, assim como ela, seus tios eram muito teimosos para entenderem a importância da luta que estava sendo travada.
Assim, sempre que esse tipo de conversa se iniciava na casa da família, acabava resultando em um grande vazio.
Ademais, como já fora dito várias vezes, Clarissa devia se conter ou logo logo descobririam a razão de seus longos sumiços e o por que de voltar tantas vezes, tão tarde para casa.
Por isso, retomando a estratégia já iniciada, sempre que podia aproveitava para ouvir um pouco de rádio e se distraía com a rádio novela.
Enquanto o locutor anunciava mais um capítulo da rádio-novela ‘Encontro com o Desconhecido’, Clarissa aproveitou para aumentar um pouco o volume do rádio.
Isso por que, queria que seus tios tomassem conhecimento de que ela passara a ter outros interesses.
Nisso, o narrador retomou a história. Enquanto Eleonora aproveitava as férias oferecidas pela organização, banhando-se e aproveitando o sol da Riviera Francesa, a moça foi novamente chamada para desempenhar uma missão.
Ao receber o comunicado de um misterioso funcionário do hotel em que estava hospedada, a moça, ao contrário do que seria de se esperar, ficou exultante.
Sim, finalmente depois de algumas semanas de férias, poderia novamente imiscuir-se em nova trama.
Ao receber o bilhete do funcionário, no saguão do hotel, tratou logo de subir para seu quarto, e leu-o calmamente.
Neste constava que haveria um jantar com alguns altos funcionários que estavam de férias no local.
Como estratégia da organização da qual fazia parte, apropriadamente, recebeu também um convite para fazer parte da celebração.
Mas, desta vez, ao contrário da anterior, deveria juntar-se aos convidados e em meio a brindes e comemorações, e descobrir detalhes sobre os próximos passos que seriam dados em relação a guerra que acontecia.
Quanto a isso, precisava ser discreta. Em relação ao resto, não.
Dessa forma, quando finalmente era chegada a hora do famigerado jantar, grande parte dos convidados já havia chegado ao local.
Eleonora no entanto, a despeito da pontualidade dos europeus, chegou bastante atrasada ao lugar.
Contudo, logo que adentrou o saguão do hotel e se encaminhou para o restaurante, todos pararam para olhá-la, até mesmo as mulheres, que entre conversas e frivolidades, acompanhavam cada passo da misteriosa jovem que adentrava o salão do restaurante.
Usando um exuberante vestido de veludo verde, delicadamente moldado ao seu corpo, a jovem Eleonora estava realmente magnífica. De tão bem vestida, ofuscou até mesmo as convidadas mais belas do banquete.
Esse era o seu intuito.
Calculista, media cada um de seus passos até conseguir alcançar seus objetivos. E nesse caso, o objetivo, era chamar a atenção. Como orientação no bilhete que recebera, horas antes, apenas, ‘seja o foco de todas as atenções’.
E que forma melhor de o ser, do que se preparando com o esmero e alinho? Precisava estar perfeita esta noite, e desta forma, o jantar prometia.
Após sua entrada triunfal no salão onde ficava o restaurante, aproveitou para sentar-se no balcão do bar. Um belo e sofisticado bar, diga-se de passagem. Com bancos forrados de veludo vermelho, boas bebidas, e ao fundo um som de piano. Dessa forma, a moça podia ficar à vista de todos os convidados do jantar.
Os mesmos, ao verem-na tão sozinha, foram solertes em convidá-la para sentar-se junto a eles.
Eles no caso, estavam sentados em uma das mesas centrais do restaurante, possuindo portanto, um ótimo campo de visão.
Estava tudo indo muito bem para ela.
Contudo, não se pode dizer o mesmo, para as mulheres dos convidados. Grande parte delas, enciumadas com a presença de tão inconveniente mulher, tentaram fazer o possível para que seus respectivos maridos fossem embora acompanhando-as. Entrementes, não foi possível.
Alegando que seria uma grande desfeita saírem sem se despedirem e nem ao menos cearem, conseguiram, pelo menos por alguns momentos, frearem os impulsos hostis de suas mulheres.
Com isso se denota que jantar seria demorado.
Por isso, enquanto esperavam pela refeição, os convivas eram constantemente servidos de bebidas e entradas.
E nisso, durante a espera pela refeição principal, os homens aproveitavam para falar de seus principais projetos. Até por que estavam entre seus pares, e assim não haveria o problema de cometerem inconfidências.
Por esta razão, na mesa que Eleonora dividia com outros homens, os mesmos, aproveitando para exibirem seu grande poder para ela, não se cansavam de repetir que era influentes. Além disso, não se furtaram de comentar as peripécias em que se envolveram, só para impressioná-la. Sim, estava sendo muito fácil descobrir detalhes da guerra. Não só os detalhes, como também, alguns dos crimes cometidos.
A certa altura, rodeada de tantas confissões e soberba, a moça levantou-se, e desculpando-se, comentou que precisava ir até o toillet.
Assim encaminhou-se para lá e retornou, após alguns minutos.
Quando voltou a ocupar seu lugar junto a mesa, os mesmos continuaram a adulá-la. Cada qual a sua maneira, mas todos visando ficar a sós com ela, após o jantar.
Nisso, quando ela percebia que a conversa estava recaindo em amenidades, aproveitava a oportunidade para instigá-los:
-- Mas então, rapazes, me contem o que de mais terrível os senhores fizeram durante a guerra, afinal, a conversa estava tão interessante!
E nisso a conversa retomava o rumo originalmente iniciado.
Era um grande pesar ouvir tudo aquilo.
As atrocidades e ignomínias cometidas contra as minorias eram realmente brutais, sem contar a ganância e a volúpia pelo lucro que tomava conta desses homens. Para eles o dinheiro era sinônimo de poder. Para tanto, precisavam do maior número de notas para que assim, se fizessem respeitar.
Mas esse era o trabalho de Eleonora, e a jovem não podia se furtar a isso.
Assim, mesmo diante dos riscos envolvidos, resolvera se tornara espiã. Tinha verdadeiro fascínio pelo mister.
Contudo, precisava ser cautelosa.
Afinal, por implicar em segredos de guerra, não podia deixar que percebessem que se tratava de uma espiã. Assim, quando percebeu que a conversa estava indo longe demais, resolveu interrompê-los perguntando, o seguinte:
-- Então estou diante de bem sucedidos homens de negócio?
No que eles responderam que sim. Tão bem sucedidos que tinham grandes aliados no exército e na polícia secreta alemã.
Aliás, diga-se de passagem, apesar de estarem na França, muitos dos que ali participavam do jantar, eram estrangeiros, grande parte, de origem germânica.
Daí resultando o interesse da organização em ter alguém de confiança, acompanhando os passos dos principais convidados do jantar. E nesse ponto, acertaram em cheio ao escolherem-na para a missão. Elegante, polida, educada e charmosa, não seria difícil convencer a todos que ali estavam, de que se tratava de uma verdadeira dama.
Ousada, mas uma dama.
E assim, dessa maneira, a conversa estava rendendo frutos.
Contudo, chegou a hora do jantar.
Como prato principal, uma suculenta lagosta acompanhada de um bom vinho da terra.
Nesse ponto um dos convidados chegou até a comentar:
-- Realmente, um dos melhores vinhos do mundo.
E assim, brindaram. Em seguida cearam.
Mas antes disso, o conviva, satisfeito com a presença de todos os convidados, ergueu-se de sua cadeira e propôs um brinde.
Feliz, estava brindando ao futuro casamento de sua filha, com uma das grandes fortunas da França. Satisfeito com o enlace, propôs a todos que celebrassem com ele esta alegria.
Assim, todos brindaram novamente.
Depois, conforme já dito, todos cearam.
Mas após a ceia, a despeito do término do jantar, alguns dos convidados tentados com a magnífica pista de dança que se apresentava para eles, no magnífico salão onde ficava o restaurante, aproveitaram para, em companhia das melodiosas músicas tocadas no piano, dançarem.
E assim, dançando, muitos dos convidados permaneceram por horas no restaurante.
Eleonora por exemplo, cercada pelos cavalheiros que lhe fizeram companhia durante o jantar, se viu compelida a dançar com todos eles.
Isso por que, maravilhados com a moça, quiseram testá-la na pista de dança.
Assim, para surpresa dos mesmos, Eleonora deslizou na pista.
E apesar de ter de dançar com muitos dos convidados, não perdeu nem por um instante a classe. Exímia dançarina, encantou a todos que com ela dançaram.
Entre passos marcados e valsas, Eleonora não decepcionou.
Mas, com o passar das horas, Eleonora comentou que precisava partir.
Como teria um compromisso durante a manhã, era imperioso que fosse logo para o hotel onde estava hospedada.
Diante disso, alguns de seus admiradores insistiram para que ela ficasse mais um pouco.
Mas Eleonora, reiterando a necessidade de se retirar, insistiu que precisava ir embora.
Com isso, sem terem como convencê-la a ficar mais um pouco, três dos rapazes que lhe fizeram companhia durante todo o jantar, fizeram questão de acompanha-la até o hotel onde estava hospedada.
Eleonora no entanto, resistiu a proposta. Alegando que não havia necessidade de tamanho cuidado, recusou o quanto pôde, a oferta.
Mas os rapazes eram insistentes.
Assim, diante de tanta insistência dos mesmos, acabou aceitando o convite e voltou para o hotel, na companhia de dois deles.
Isso por que, como todos ofereceram-se para levá-la até o local onde estava hospedada e ela era apenas uma, Eleonora só poderia seguir em um carro. Com isso, depois da disputa para saber quem a levaria de carro, um dos rapazes, muito atrevido, insistiu para fazer-lhe companhia até a ida ao hotel. Tal fato quase causou uma briga, que foi prontamente evitada pelo anfitrião do jantar. Assim, vendo-se numa situação constrangedora, desculparam-se e levaram a moça até o carro.
Lá gentilmente abriram a porta traseira do carro, e a convidaram a entrar.
Após entrar no carro, o rapaz que havia se convidado para a carona, também entrou e, fazendo-lhe companhia, ficou conversando com a moça, durante todo o caminho.
Isso deixou o dono do carro furibundo.
Afinal de contas, se ele convidara a moça para entrar em seu carro, por que um sujeitinho inconveniente tinha que se intrometer na conversa e se oferecer para acompanhá-la? A presença do incômodo rapaz, atrapalhou sobremaneira, sua aproximação com a moça.
Maçada! Como fazer então, para reverter o quadro desfavorável?
Nisso, o rapaz ficou a pensar.
Enquanto isso o penetra, em conversa com Eleonora fez todo o possível para conhecê-la um pouco.
Curioso e interessado na moça, fez-lhe muitas perguntas. Queria saber de onde ela vinha, se tinha conhecidos na cidade, se estava acompanhada por alguém, por que tinha ido sozinha ao jantar, há quanto tempo ela conhecia o anfitrião do jantar, etc.
Estava verdadeiramente, fascinado pela jovem.
Nisso, enquanto Clarissa acompanhava a aventura de Eleonora na França, no rádio tocou a música “Fascinação”.
“... Os sonhos mais lindos, sonhei
De quimeras mil, um castelo ergui
E no teu olhar
Tonto de emoção,
Com sofreguidão, mil venturas previ
O teu corpo é luz, sedução
Poema divino, cheio de esplendor
Teu sorriso prende, inebria, entontece
De tua fascinação ... ”

Sucesso na voz de Carlos Galhardo, esta música era o tema da heroína Eleonora.
E embalada por trechos da música, a história prosseguiu.
Ao chegar no hotel, delicadamente, agradeceu a gentileza dos dois cavalheiros e adentrou o edifício, numa uma magnífica despedida.
Muito embora os dois tivessem insistido para que ela novamente se encontrasse com eles, Eleonora respondeu que seria impossível. Afinal, dentro de poucos dias, teria que resolver uma série de assuntos, e depois, teria que novamente partir.
Ao ouvirem isso, os dois rapazes ficaram desolados.
Mas não desolados o suficiente para desistirem de novamente encontrá-la. Por isso, sabendo onde a moça estava hospedada, cuidaram em fazer plantão em frente ao hotel, aguardando sua saída.
Finalmente, depois de algumas horas, Eleonora saiu do hotel.
Mas precavida, antes mesmo de sair, teve o cuidado de olhar pela janela, para tentar saber se algum conhecido a estava esperando.
Contudo, dada a altura em que estava o quarto onde estava hospedada, não pôde ver com clareza, se via algum conhecido rondando o hotel.
Mas, por via das dúvidas, a moça tratou logo de se vestir e sair para um passeio pela cidade.
Isso por que, dada a boa impressão que causara na noite anterior, se saísse diretamente para seu encontro secreto, fatalmente seria seguida por algum dos rapazes. Por isso, todo o cuidado era pouco.
Assim, para despistar qualquer um que estivesse em seu encalço, passeou por horas pela cidade praiana.
Com isso, à certa altura, foi abordada pelo rapaz que lhe oferecera carona até o hotel. Gentilmente, este se aproximou da moça, enquanto ela admirava uma vitrine, e perguntando-lhe se havia gostado de alguma das peças que estavam sendo expostas, ofereceu-se para comprá-la.
Mas Eleonora não gostou nem um pouco da atitude do rapaz.
Alegando que não havia necessidade de que ele comprasse nada para ela, a mesma disse que tinha pressa, e tinha que voltar para o hotel.
O rapaz então, ao ouvir isso, perguntou:
-- Desculpe-me Eleonora. Acaso eu fiz algo de errado?
-- Absolutamente. Eu simplesmente tenho que voltar. Desculpe. – disse já caminhando em direção ao hotel.
Nisso, o rapaz, então, parado, comentou:
-- A senhorita mentiu para mim. E não só para mim, para o Herman também. Por quê?
Ouvindo isso, Eleonora voltou-se para trás e encarando-o, respondeu:
-- Eu menti? Quando?
-- Ontem, quando disse que tinha muitos compromissos para os próximos dias e que não poderia aceitar nenhum convite para sair.
-- Me desculpe. Mas não é nada disso, apenas não quis criar uma situação embaraçosa para ambos. – respondeu Eleonora, calmamente.
-- Está bem. Me desculpe então a precipitação. Mas agora que estamos sozinhos, poderia me dar uma resposta para aquele convite que te fiz ontem?
Nisso, maliciosamente, Eleonora perguntou:
-- Que convite?
-- Não me torture. A senhorita sabe muito bem do que estou falando.
Sem ter muita alternativa, Eleonora acabou concordando.
Contudo, para evitar qualquer falsa impressão, insistiu em dizer que se tratava apenas de um encontro entre amigos, nada além disso.
No que o rapaz concordou.
Diante disso, Eleonora despediu-se, e continuou caminhando.
Nisso o rapaz gritou:
-- Não se esqueça, jantar às oito horas.
Eleonora continuou caminhando.
Enquanto caminhava, a moça aproveitava para verificar discretamente, se não era seguida.
Isso por que, precisava se encontrar com seu contato, antes de voltar para o hotel.
Mas temerosa de qualquer aproximação inesperada com um de seus recentes admiradores, decidiu então, voltar novamente ao hotel e trocar de roupa.
E assim o fez.
Enquanto procurava uma roupa mais discreta, aproveitou para criar um penteado diferente. Assim, parecendo mais uma professora do que uma mulher fatal, Eleonora, tomando ainda, o cuidado de sair pela porta dos fundos do hotel, e esgueirando-se entre muros e árvores para não ser vista, conseguiu finalmente sair e seguiu até o local em que teria que se encontrar com seu contato.
Enquanto Eleonora era informada dos próximos passos da missão, posto que toda a conversa que tivera no restaurante fora gravada, os admiradores na moça, tentavam de tudo para localizá-la e marcar um encontro com ela.
Mas Handolph, já tendo conseguido marcar um jantar, estava cuidadosamente escolhendo a roupa que usaria durante a noite. Animado com a possibilidade de conversar a sós com a jovem, já pensava numa estratégia para tentar seduzi-la e fazê-la ficar encantada por ele.
Mal sabia ele, onde estava se metendo.
Ou será que era ela que estava se envolvendo em uma trama muito perigosa?
Enfim, ainda era muito cedo para saber.
Nesse instante então, Clarissa que estava acompanhando a rádio-novela, ouviu dos locutores, as seguintes frases:
“E assim termina mais um emocionante capítulo da sua rádio-novela ‘Encontro com o Desconhecido’. E não percam os próximos capítulos das emocionantes aventuras de nossa heroína aventureira.

Assim, desligou o rádio.
Depois, entediada, resolveu sair um pouco de casa.
Mas, ao contrário das outras vezes, sua saída não se deveu a nenhum encontro clandestino com outros operários. Estava sozinha.
Procurando pensar um pouco, resolveu caminhar para poder refletir sobre os últimos acontecimentos de sua vida. Desejosa de mais movimento, achava que sua vida não tinha sentido. Precisava agir.
Por isso, quando Bruno, o líder do movimento do qual era partidária, cogitou a possibilidade de começarem a agir ... tal fato foi como uma fonte luminosa em sua vida.
Contudo, não queria ter muitas esperanças. Afinal, o movimento ainda começava a se formar. Por isso, talvez ainda não fosse a hora de se organizarem ações. Primeiramente precisavam se fortalecer e terem uma sólida organização. Só assim, estariam em condições de enfrentar os empresários, os grandes perpetuadores das injustiças com as quais tinham que conviver.
Enfim, para enfrentá-los, precisavam ter força, ou então, seriam facilmente desarticulados.
Pensando nisso, Clarissa, resolveu então, que deveria ter paciência.
Por isso, quando tiveram então, uma nova reunião Clarissa disse que não deveriam ter pressa. Para organizar uma ação, precisavam estar preparados para possíveis enfrentamentos e tentativas de desarticulação. Não poderiam ser imprudentes, ou seriam facilmente massacrados. Primeiramente, precisavam se fortalecerem.
Bruno, ouvindo então as palavras da moça, concordou totalmente com ela. Por isso, disse a mesma, que os mesmos só agiriam quando estivessem em condições de enfrentar o empresário – dono da fábrica –, em condições de igualdade.
Clarissa então, sabendo da dificuldade da luta, prometeu paciência.
E assim, os operários retomaram seus trabalhos.
Enquanto alguns aproveitaram para corrigir algumas imperfeições dos textos que redigiram, os demais, com seus textos prontos, trataram logo de prepará-los para a impressão.
Estava quase tudo pronto para a impressão do primeiro jornal do movimento.
No entanto, faltava um detalhe importante.
Qual seria o nome do jornal?
Foi então que Bruno deu-se conta de que havia se esquecido de um detalhe fundamental. Por isso, ao deparar-se com esta situação, prometeu pensar e escolher cuidadosamente um nome para o jornal.
E assim, durante semanas, ficou pensando num nome para dar ao jornal.
Entre os nomes que pensou, estavam: ‘A Voz do Operário’; ‘Sem Nome’; ‘Semanário do Povo’; ‘Revolução Fabril’. Mas nenhum desses nomes, lhe parecia bom o suficiente para passar a ser o nome do jornal.
Por isso, ao final de duas semanas, sem saber ao certo, qual seria o nome do jornal, perguntou aos seus companheiros, se os mesmos tinham alguma sugestão.
Para seu desespero, nenhum deles apresentou uma boa idéia.
Clarissa então, percebendo que estavam diante de um impasse, perguntou então a Bruno, em quais nomes ele tinha pensado.
Foi então que o rapaz disse os nomes.
Ao ouvir os nomes, considerou que o primeiro e o último nome, eram muito bons.
Mas para Bruno, seria importante que o jornal tivesse um nome de impacto, que se associasse ao ideal de luta de todos eles.
Clarissa, então, percebendo a insatisfação de Bruno, sugeriu que colocassem: ‘Revolução Fabril: A Voz do Operário’.
Ao ouvirem a sugestão de Clarissa, os demais sequazes discordaram. O nome era muito comprido.
Mas Bruno, encantado com o nome, insistiu:
-- Não. É esse o nome do jornal.
Diante disso, tiveram que concordar.
Isso por que, Bruno estava convencido de que este era o nome perfeito para o jornal.
Assim, após a escolha do nome, passaram a imprimir jornal.
E imprimindo o famigerado jornal, passaram quase toda a madrugada.
Após, como já era chegada a hora de se divulgar os jornais recém impressos, Bruno achou por bem, recrutar Clarissa e mais alguns auxiliares para espalharem os jornais pela cidade.
Clarissa, ao se ver escolhida para executar a tarefa, encheu-se de animação.
Finalmente iria fazer algo de útil para o movimento do qual fazia parte. À exceção do havia feito anteriormente, ao arrecadar dinheiro para a confecção do jornal, o que já foi há algum tempo, já estava começando a sentir falta de movimento.
Sim, por que a moça, desde que passara a participar das reuniões, sentia que as coisas poderiam se dinamizar.
Enfim, parecia que as coisas estavam mudando.
Assim, quando recebeu a ordem de sair madrugada afora entregando os jornais, aceitou prontamente a incumbência. Contudo, sugeriu a Bruno, que este organizasse pequenos grupos, para que assim, o serviço terminasse mais depressa. No entanto, precisavam agir discretamente, na sorrelfa, ou então, facilmente seriam pegos.
Dessa forma, atarefados que estavam, logo que se retiraram do velho galpão, decidindo-se cada qual, para que lado seguiriam, combinaram entre si, onde cada um deles iria sair para entregar o jornal.
E assim, sabedores de onde tinham que ir, trataram de seguirem seus respectivos caminhos.
Clarissa, então, percebendo que já era tarde, resolveu se apressar, ou não conseguiria entregar em tempo, todos os jornais.
Por conta disso, caminhou durante toda a madrugada por São Paulo, entregando os jornais, de casa em casa.
De tão longa sua caminhada, durante o longo trajeto que empreendeu, pôde ver alguns boêmios na rua.
Mas, por ser tratar de uma época antiga, boa parte dos moradores àquela altura, já dormiam a sono solto.
Portanto, à exceção de alguns boêmios, não se via vivalma nas ruas da cidade.
Silenciosa, a cidade parecia dormir, assim como as pessoas que nela moravam.
Tão silenciosa que Clarissa podia até ouvir seus pensamentos.
Sim, por que enquanto caminhava a garota, ensimesmada, pensava na vida e nos últimos acontecimentos que sucederam.
Surpresa ainda com os rumos que sua vida havia tomado, a moça se perguntava agora, como tudo havia se demudado tão rapidamente.
Isso por que, apesar da condição de vida de seus tios, mesmo em criança, exceto para ajudar em casa, nunca foi compelida a trabalhar.
Zelosos, criança para eles tinha mais é que estudar e brincar. Por isso, graças a eles, Clarissa conseguiu ao menos, terminar o primeiro grau.
Dessa forma, seu trabalho na fábrica de tecidos, era o seu primeiro trabalho de fato. E a despeito de suas convicções sociais, gostava muito de seu trabalho. O que único problema é que nunca fora de admitir injustiças. Por isso, considerava desumanas, as condições de trabalho a que ela, e muitos outros operários, estavam submetidos.
Mas, tirando isso, Clarissa estava gostando de trabalhar, e o fato de estar ganhando seu próprio dinheiro, era uma grande conquista para ela. Contudo, dadas as condições de vida que tinha, uma boa parcela do que ganhava ía fatalmente para as mãos de sua tia Raquel, já que era ela quem cuidava das compras da casa.
Dessarte, desde pequena, por influência de um tio afastado, foi incutida na idéia de que a sociedade em que viviam era muito injusta com os pobres.
Assim, foi dado o primeiro passo para que Clarissa passasse a se interessar cada vez mais pelo assunto. Acostumada a ouvir esse seu tio comentando sobre o assunto, passou então a se interessar mais e mais pelo tema.
Por conta disso, Raquel, Bartolomeu e Ludovico chegaram a discutir seriamente com Ataúfo – o referido tio. Extremamente politizado, o tio conseguiu convencer a sobrinha, de que algo de muito errado vinha acontecendo, e que isto tinha que mudar.
Além disso, Ataúfo, sempre que aparecia para visitar os irmãos, trazia consigo algum texto recentemente publicado sobre o assunto, para que a sobrinha pudesse ler.
E apesar disso causar alguns problemas para ele, nunca deixou de levar livros, revistas e jornais que tratavam do assunto. Queria que a sobrinha conhecesse melhor o movimento comunista. Ademais, sempre que a garota perguntava algo sobre o assunto, ele sempre respondia.
Ao falar da Revolução Russa de 1917, percebeu que estava conseguindo ganhar mais uma sectária para suas idéias.
Tal fato provocou uma briga na família.
Ludovico e Bartolomeu, percebendo a doutrinação em cima de Clarissa, foram logo tomar satisfações com o irmão. Afinal de contas, os três não estavam cuidando da menina, para que um destrambelhado como ele, viesse encher a cabeça dela com bobagens.
Ataúfo então, percebendo a reprovação dos irmãos, apenas disse:
-- Sinceramente. Eu não entendo vocês. Mesmo sendo os maiores prejudicados neste processo, vocês agem como se nada disso se referisse à suas vidas. A exclusão para vocês é algo que só acontece para os outros. É como se tudo estivesse ótimo para nós.
Foi então que, depois de ouvir essas palavras, Ludovico atalhou:
-- Espere um momento. Nós temos uma vida boa. Conseguimos nos manter com o nosso trabalho e temos uma vida razoavelmente boa. Apesar dos problemas, não temos do que nos queixar.
-- Vocês são uns conformados. Aceitam tudo. Mas isso não pode continuar. As pessoas tem o direito de saber que podem ter uma vida melhor. Afinal de contas nem todo mundo é obrigado a aceitar continuar vivendo na miséria, em condições sub-humanas de existência. É isso que fortalece esse sistema, o conformismo das pessoas em aceitar tudo isso caladas. Por que que tudo tem que ficar nas mãos de uns poucos privilegiados? Eu também tenho direito a um pouco de felicidade. Tenho direito a uma melhor condição de vida.
Nisso, Bartolomeu que até o momento, praticamente só ouvia a discussão, resolveu então tomar parte. Dizendo que aquela idéia de sociedade justa e igualitária que o irmão tinha era uma quimera, comentou com o irmão que tudo do que se faz com base no ideário da justiça, começa com sangue e morte e termina mal.
Mas, Ataúfo, convicto de que o ideal era o justo, retrucou:
-- Ah, é mesmo? Pois então me explique como foi que a Revolução Francesa, na qual houve um grande derramamento de sangue, conseguiu então espalhar pelo mundo os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade? Como é que com aquela luta sanguinária, conseguiram derrubar um sistema político despotista e florescer as bases de um sistema político mais justo? Me explique isso. Como pode ser, não é mesmo? Mas infelizmente, em raros momentos na história, é que foi possível se alcançar algum ideal, por meio de luta pacífica.
-- Ora Ataúfo, não me venha com essas tolices. Nós podemos não conhecer a história, mas eu e Ludovico sabemos muito bem, que as mudanças não acontecem da noite para o dia, e muito provavelmente, de todos esses movimentos operários de que ouvimos tanto falar, poucos conseguirão alguma coisa. E mesmo quando conseguirem, se conseguirem, provavelmente os benefícios não se reverterão para os que lutaram. Além disso, vai ser preciso que muito sangue seja derramado, para se alcançar algum resultado. Por isso, se você não dá valor a sua vida, respeite ao menos a vida de sua sobrinha que ainda é uma criança. Está claro? Não a envolva nesse tipo de problema.
Mas mesmo com as discussões, Ataúfo nunca deixou de levar matérias para a sobrinha ler.
Afinal a menina já havia sido mordida pelo bicho do inconformismo e da vontade de mudar.
Assim, mesmo diante da resistência de seus tios mais próximos, a única família que possuía, Clarissa, continuava a ouvir e a acatar às palavras de seu tio afastado. Envolvida pelos ideais que seu tio Ataúfo lhe lançara, sempre que podia, lia algo referente ao movimento comunista.
E assim, muito embora isso contrariasse muito a vontade de seus tios, Ataúfo, quando de passagem pela cidade, sempre aproveitava para passar na casa dos irmãos e contar as novidades.
Das várias vezes que esteve de passagem por São Paulo, muitas delas se deveram ao fato de ter arrumado confusão na cidade em que morava.
Por conta de suas idéias, freqüentemente tinha que se mudar. Isso por que, as autoridades não gostavam de seu discurso político.
Por conta deste discurso, conseguiu amealhar muitos sectários para suas idéias, e assim, mobilizou muita gente. Com esse apoio, conseguiu até fazer algumas greves e paralisar as atividades de algumas fábricas.
Tal fato, no entanto, não foi visto com bons olhos pelo empresariado do lugar. E assim, ameaçado de prisão, e perseguido pela polícia, para não ser preso, fugia dessas cidades.
E assim, dessa maneira, mais uma vez, o motivo para sua vinda se deveu a mais uma de suas confusões.
Ludovico, já cansado das confusões do irmão, chegou até a comentar:
-- Ataúfo. Quando é que você vai tomar jeito?
Mas não adiantava que o aconselhassem, pois o mesmo não dava ouvidos às súplicas de seus irmãos.
Mesmo quando eles o avisavam de que nem sempre ele conseguiria fugir, ainda assim, ele insistia em continuar metido em confusão.
No entanto, o que mais preocupava a Raquel, Ludovico e Bartolomeu, era a sobrinha Clarissa. Isso por que, dada a pouca idade da menina, para eles, ela era um alvo fácil de todas aquelas idéias malucas do tio.
Por isso, sempre que Ataúfo estava visitando a família, os mesmos procuravam alertá-la de que nem tudo o que ele falava acontecia daquela forma.
Por isso, não deveria levar a sério suas idéias.
Mas já era tarde.
Convencida dos bons propósitos da luta, conforme os anos se passavam, mais e mais ela tinha certeza de que estava no caminho certo.
Para desespero de Raquel, Bartolomeu e Ludovico, nada a demovia da idéia de se integrar a um desses movimentos.
Contudo, num primeiro momento, conseguiram refrear os impulsos de Clarissa. Mas até quando?

Nisso, Clarissa envolta em pensamentos, continuou andando. Precisava entregar todos os jornais ainda aquela noite. Por isso, precisa continuar andando.
E assim o fez.
Ao final da madrugada, já havia entregue todos os jornais.
Ao voltar para casa, estava alquebrada.
Por isso, procurando evitar que seus tios acordassem, entrou pé ante pé em casa. Cuidadosamente, adentrou seu quarto, e cansada que estava, jogou-se na cama.
No dia seguinte, logo que acordou, ao se dirigir até a copa, antes mesmo de pegar o bule de café, foi imediatamente, inquirida por sua tia Raquel.
-- Posso saber onde foi que a senhorita esteve?
-- Em lugar nenhum. – respondeu a moça.
-- Não se faça de sonsa. Você sabe muito bem do que eu estou falando.
-- Me desculpe tia. Mas eu realmente não sei do que a senhora está falando. Ontem eu cheguei um pouco tarde sim, mas é por que eu estava fazendo serão na fábrica. Vocês sabem disso.
-- Há, é mesmo?
-- Sim. Por isso que quando eu cheguei, vocês já estavam dormindo.
-- Mas então, você faz serão quase todos os dias?
-- Pois sim. É isso mesmo. E é por isso que muitos operários estão se mobilizando. Não temos que aceitar esse tipo de situação.
Ao ouvir isso, sua tia ficou preocupada. Afinal de contas, por que sua sobrinha estava falando sobre este assunto?
Pensativa, chegou a seguinte conclusão:
-- Por um acaso, a senhorita não andou se metendo com esses malucos?
-- Que malucos?
-- Clarissa. Não me enrole. Você sabe muito bem do que eu estou falando. Me responda, você está envolvida com algum movimento clandestino? Está?
-- Por que a senhora está me perguntando isso? Acaso acha que estou fazendo alguma coisa errada?
-- Clarissa, me responda logo. Olha que eu estou perdendo a paciência.
-- Mas tia, o que eu posso dizer, eu não estou fazendo nada de mais. Eu só cheguei tarde ontem por que, como não tinha condução, eu tive que voltar a pé.
-- E a que horas, a senhorita retornou?
-- Ah, madrinha. Eu cheguei morta de cansaço. Como é que eu vou poder me lembrar? Do jeito que eu cheguei, já me atirei na cama e dormi com a roupa que estava.
-- É. Estou vendo. Deve ter chegado muito tarde mesmo. Nem eu mesma, percebi.
-- Tia, por favor. Acaso eu já dei motivos para você desconfiar de mim?
-- Não, minha querida. É que estamos muito preocupados com você. De uns tempos pra cá, você tem andado muito estranha. Desde que você começou a trabalhar naquela fábrica, que você está diferente. Fica pouco tempo em casa. E mesmo quando está de folga, arruma algum motivo para ficar longe da gente.
Clarissa, então, percebendo que a vigilância excessiva era resultado de seu comportamento negligente com a família, respondeu:
-- Oh, tia. Acaso acha que eu não me importo com vocês? Pois sim, me importo muito. Só que às vezes eu também sinto vontade de ficar sozinha, ou mesmo conversando com minhas colegas da fábrica. Mas, independente disso, eu gosto muito dos meus três tios queridos. Não só gosto, por que gostar é pouco, amo-lhes, e lhes sou muito grata pelo que fizeram por mim, durante todos esses anos. Realmente, não tenho do que me queixar, desde que me entendo por gente, vocês são a única família que eu tenho.
-- Ah, Clarissa, minha querida. – respondeu a tia docemente enquanto se encaminhava para abraçar a sobrinha.
De tão enternecida com as palavras da sobrinha, delicadamente pegou o bule de café, e perguntou a moça, o quanto ele queria da bebida. Depois, cortou um pedaço de pão e deu para ela comer.
Quando Bartolomeu e Ludovico voltaram da rua, chegaram até, a ficarem admirados com a cena. Isso por que, fazia tempos, que não viam Raquel tão dedicada a sobrinha.
Constantemente preocupada com o comportamento da moça, sua tia ultimamente só se preocupava em vigiá-la. Não por que fosse má, mas por que temia que a sobrinha, estivesse se metendo em encrencas.
Em razão da influência nefanda de Ataúfo, temiam que a moça se guiasse pelas mesmas idéias do tio.
Mas, por enquanto, para eles, parecia que tudo estava calmo.
Clarissa, também, visando não chamar a atenção dos tios, resolveu naquele dia, permanecer em casa.
Enquanto fazia companhia a tia, aproveitava para auxiliá-la em seu serviço doméstico. Prestativa, até sua tia espantou-se. Não que a moça não ajudasse em casa, mas é que nem sempre ela estava disponível para tanto.
Mas como ultimamente passava boa parte do tempo longe de casa, raramente ajudava sua tia com as roupas. Além disso, por voltar constantemente, tarde para casa, não tinha tempo para mais nada além do trabalho.
Por isso, ao ajudar Raquel, a lavar algumas das roupas de suas freguesas era uma novidade.
Contudo, não pensem que Clarissa gostava de mentir para seus tios.
Ela simplesmente o fazia por que, se contasse a eles a verdade, certamente seus tios fariam de tudo para impedi-la de continuar. E por isso não podia deixar que eles soubessem.
No entanto, não poderia esconder este fato, por muito tempo. Mais cedo ou mais tarde, seus tios acabariam por descobrir que a moça estava envolvida em algo muito sério. Mas isso é assunto para os próximos capítulos.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

BARRACÃO DE ZINCO - CAPÍTULO 1

São Paulo, década de quarenta. Ruas tranqüilas, pacatas. Como barulho, somente a buzina de alguns carros que circulam pela cidade, assim como alguns vendedores de jornal e de outros produtos da época.
Nessa época era tudo muito calmo, e seria muito mais, não fosse a dura vida dos operários. Época de sonhos, mas época também de lutas.
Enquanto alguns viviam no fausto, na riqueza, outros não tinham nada para oferecer além de sua miséria.
Pobreza em fartas porções, para os pobres trabalhadores; operários e funcionários das fábricas da localidade.
Nada além disso, para oferecer.
Pobres, miseráveis, viviam em miseráveis casebres, nas mais desumanas condições.
Trabalhavam doze, quatorze, dezesseis, dezoito horas por dia.
Não tinham direito a nada.
Descanso, somente o indispensável para se manterem em pé durante a jornada laborativa.
E assim, dia após dia, trabalhavam durante horas em fábricas, sujeitos aos arbítrios de patrões intolerantes e intransigentes.
Mas tenazes, não temiam o trabalho. Também, valorosos, não temiam a luta, e por isso, conscientes de que tal exploração não podia continuar, passaram a ser organizarem em grupos.
Grupos esses de luta operária. Grupos esses, que acreditavam na melhoria das condições de trabalho dos operários. Que acreditavam em uma vida melhor para todos os trabalhadores.
Acreditavam em uma causa.
E assim, embasados em uma forte corrente ideológica, passaram a lutar. Lutar por sua dignidade. Contra as desigualdades. Lutar contra a exploração do trabalho humano.
Dessa forma, os operários, organizados em grupos de luta operária, passaram a lutar fortemente contra essas injustiças.
Redigindo jornais e amealhando pessoas para engrossarem as filas de manifestantes operários, esses valorosos soldados da justiça, queriam acabar com a exploração do homem pelo homem.
Esses homens e mulheres valorosos, queriam ter melhores condições de trabalho.
Queriam também, dignidade.
Por conta disso, uma jovem, chamada Clarissa, tomada de uma forte consciência social, passou a fazer parte de um desses movimentos.
Voraz leitora de alguns dos principais jornais operários da época, a garota, profunda admiradora dos movimentos internacionais em prol de melhores condições de trabalho, queria por que queria, fazer parte de algum desses grupos.
No entanto, seus parentes eram totalmente contra.
Isso por que, seus tios e tia sabiam que se envolver com esse tipo de luta, acabaria por colocá-la em confusão. Por isso, faziam tudo o que podiam para impedi-la.
Mas Clarissa era teimosa.
Ao começar a trabalhar em uma fábrica, fez todo o possível para se tornar conhecida dos operários e se engajar na luta por melhores condições de trabalho.
Todavia, não foi fácil para a jovem, enfrentar a família e participar das reuniões que aconteciam constantemente após a jornada de trabalho na fábrica.
Diversas vezes, Clarissa teve que burlar a vigilância da família que insistia em mantê-la afastada de toda essa confusão.
Convencidos de que o melhor para a moça era se conformar com a dura condição em que viviam, Clarissa sempre lhes respondia que:
-- Se vocês preferem se acovardarem a lutar pelas injustiças, tudo bem. Quanto a isso, eu não posso fazer nada. Mas não me peçam para fraquejar, por que isso eu não o farei. Eu não vou me acovardar.
E assim, a garota encerrava a conversa.
Muito embora Raquel, Bartolomeu e Ludovico ficassem desapontados ao ouvirem tais palavras da moça, os mesmos não desistiam de convencê-la a não se envolver com os obscuros movimentos operários.
Isso por que, todos eles, operavam na clandestinidade.
Por isso, dia após, dia, Raquel, Ludovico e Bartolomeu voltavam a carga para convencê-la a desistir de se envolver com o dito movimento.
Diziam:
-- Minha sobrinha, esqueça esse movimento. Você vai acabar se metendo em confusão.
Mas Clarissa não lhes dava ouvidos.
Para ela a explicação de sua existência, talvez residisse no fato dela estar participando de algo assim.
Assim, ao abrir mão de uma posição individualista, a moça estava dando um grande passo para algo maior. Uma coisa que talvez, não fosse nem para ela, mas que com certeza, faria muita diferença na vida de alguém.
Sim, quanto a isso, não havia a menor dúvida, visto que arriscava-se, se envolvendo com esses movimentos clandestinos. Todavia, jamais poderia ser se esquecer que esta luta era coletiva.
Isso por que, os operários estava lutando por algo muito maior do que suas próprias existências.
Era por isso, por esse valor maior, que Clarissa desde cedo, se interessara em fazer parte desse tipo de movimento. Acostumada a ler sobre o assunto, ainda muito cedo já se fazia notar seu interesse pelo tema.
Em razão disso, por muito anos, acalentou o sonho de fazer parte desta luta, e agora finalmente, ainda que com muito custo – haja vista o trabalho que tinha para despistar os tios, quando necessário, para participar de uma reunião –, Clarissa estava conseguindo alcançar o seu objetivo.
Muito embora estivesse gostando de participar das reuniões que os operários – seus colegas de trabalho – realizavam, Clarissa sentia que podia fazer mais em prol da luta.
Mas seus colegas, sabendo que a moça era ainda muito jovem e estava há pouco tempo com eles, insistiam em dizer-lhe, que ainda não era chegada a hora. Contudo, assim que surgisse uma boa oportunidade para ela fazer algo maior, nenhum deles esqueceria de seu oferecimento.
E assim, só restava a moça, esperar. Esperar pacientemente, até o momento certo de agir.
Enquanto isso, aproveitava para ouvir atentamente as reivindicações dos trabalhadores. Entre elas estavam: a redução da jornada de trabalho; a eliminação do trabalho infantil nas fábricas; melhores salários e melhores condições de trabalho para as mulheres. Quanto às mulheres, é preciso salientar, que elas e as crianças, ganhavam menos que um homem, mesmo trabalhando a mesma quantidade de tempo. Ou seja, um grande absurdo.
Para eles, tudo isso tinha que ser mudado.
No entanto, precisavam pensar na melhor maneira de se chegar a este resultado.
Por isso a necessidade de constantes reuniões. Para que assim, todos pudessem discutir e encontrar a melhor solução para resolver a questão.
E assim, discutindo entre si, chegaram a conclusão de que precisavam de uma forte liderança.
Com isso, deixando um pouco de lado suas reivindicações e visando um interesse maior, nas semanas seguintes, passaram a deliberar sobre quem seria a pessoa mais indicada para tal mister.
Em razão disso, após muito discutirem, chegaram a conclusão de que, para tal encargo, seria necessário uma pessoa que soubesse se impor. Uma pessoa que conhecesse os caminhos da luta. Enfim, uma pessoa experiente.
Por esta razão, escolheram, Bruno. Este, apesar de jovem, reunia as condições necessárias para ser um líder. Isso por que, além de já ter feito parte de outros movimentos operários, sabia como ninguém o que seria necessário fazer para que os operários alcançassem seus objetivos.
Assim, após a escolha, como primeiro gesto em direção a consecução dos objetivos da luta, Bruno sugeriu a confecção de um jornal operário, nos moldes de vários semanários que vinham sendo publicados clandestinamente.
No entanto, para isso, precisariam de dinheiro.
Por isso, diante de tal empecilho, o rapaz comprometeu-se a encontrar uma forma de resolver o problema.
Realmente, um sério problema.
Bruno tinha então, uma intrincada questão para resolver. Como faria para conseguir dinheiro e publicar um jornal?
Dias a fio, ficou a pensar no assunto, tentando encontrar a melhor forma para resolver o problema. Contudo, a única coisa que conseguia enxergar como provável solução, seria se todos, dentro de suas possibilidades contribuíssem.
Mas mesmo para isso, era muito complicado.
Afinal, o movimento ainda era inexpressivo. Poucos operários faziam parte dele. Com isso ficava muito difícil exigir deles ainda mais esse sacrifício.
Além do mais, o pouco dinheiro que ganhavam com seu trabalho, muitas vezes, mal dava para se manterem em condições dignas. Então, como poderiam ajudar financeiramente na criação de um jornal?
Bruno realmente, estava diante de um impasse.
Clarissa então, ao perceber que todos estavam em dificuldades, tratou logo de agir.
Sem comentar nada com ninguém, nem mesmo com seus colegas operários, passou a discretamente, em constantes visitas a vizinhança, pedir colaborações em dinheiro aos vizinhos.
Usando de um discurso envolvente e apaixonado, a garota convenceu muitos deles a colaborarem, e dentro de suas parcas possibilidades, a ajudarem uma instituição social, que lutava duramente contra as opressoras condições de trabalho a que estavam submetidos.
E assim, ao fim do dia, tinha conseguido uma pequena quantia.
Contudo, por não saber se já era o suficiente, continuou, nos dias seguintes a procurar pessoas interessadas em colaborar com a causa.
Dizendo se tratar de uma instituição social que ajudava os pobres e desvalidos, foi arrecadando, junto a alguns colaboradores, módicas quantias em dinheiro.
Desse modo, ao fim de alguns dias, julgando ter consigo uma razoável quantia em dinheiro, aproveitou, para em uma das reuniões do grupo, apresentar o dinheiro que tinha angariado, oferecendo-o para a criação e confecção do jornal.
Ao fazer isso, colocou-o em cima de um dos caixotes de madeira que estavam próximos de Bruno.
O rapaz então, ao ver tão razoável quantia em dinheiro, perguntou a moça:
-- Senhorita. Posso saber como você conseguiu esse dinheiro?
No que ela respondeu prontamente:
-- Sim, claro. Este dinheiro eu consegui, graças a algumas contribuições que alguns conhecidos meus, fizeram à causa.
Ao ouvir isso, o rapaz perguntou novamente:
-- Mas então, você contou sobre nós?
-- Não. Não se preocupem, exceto para os conhecidos, que já sabem das minhas convicções, eu não contei para ninguém, qual seria a finalidade desta contribuição.
-- Desta contribuição?
-- Sim. Por que se eu falasse que era para a confecção de um jornal operário, provavelmente, muito poucas pessoas iriam contribuir. Para dissipar qualquer desconfiança das pessoas, eu apenas disse que se tratava de uma instituição social, que cuidava dos pobres e desvalidos.
Bruno então, encarou a jovem, admirado.
Como uma garota pudera ter tanta vivacidade para se arriscar em algo tão perigoso, mas feito de maneira tão engenhosa?
Foi então, que diante de tão surpreendente atitude, que nem sequer, ele próprio havia pensado, ele perguntou a ela:
-- Qual a sua graça?
-- Meu nome é Clarissa. – respondeu.
-- Pois então Clarissa, diante de seu empenho e dedicação, quero que seja minha auxiliar na confecção deste jornal no qual te empenhaste tanto em conseguir o dinheiro. Está bem?
Clarissa, ao ouvir isto, ficou radiante. Mal podia crer no que estava ouvindo.
Por isso, ao ouvir o inesperado convite, demorou para dar uma resposta.
Em razão disso, Bruno fez novamente a pergunta.
Nisso, Clarissa que estava entusiasmada com a novidade, ao ouvir novamente a pergunta respondeu:
-- Sim. Mas é claro que está bem. Obrigada.
De tão feliz que ficou com o convite, por dias a fio, ficou pensando sobre o que poderia ser matéria do jornal.
No entanto, apesar de sua recente felicidade, sabia perfeitamente, que esta, não poderia ser compartilhada com sua família. Se ela, Clarissa, cometesse a imprudência de comentar sobre a novidade com a família, fatalmente seria posta de castigo, e impedida de sair de casa, a menos que fosse trabalhar.
Tia Raquel e os tios Bartolomeu e Ludovico, jamais concordariam com isto.
Por isso, sempre que precisava sair para participar de uma reunião, dizia que tinha que trabalhar até mais tarde.
Com isso, crédulos que eram, acreditavam na sobrinha. Afinal de contas, por que ela mentiria para eles?
Além disso, para despistá-los e embotar qualquer desconfiança que tivessem nela, Clarissa aproveitou, para disfarçar seus interesses.
Alegando estar cansada de ler tanto sobre lutas sindicais e sobre os proletários, – grupo do qual fazia parte – a moça resolveu aproveitar, para ouvir um pouco mais de rádio.
E nisso ficava por algumas horas, ouvindo músicas.
Certa vez Raquel, ao retornar do trabalho, vendo que a sobrinha se entretinha ouvindo rádio-novela, ficou deveras satisfeita. Isso por que, para ela, era mais do que um sinal de que a sobrinha estava mudando seus interesses.
Até por que, para a sobrinha, esse tipo de entretenimento, não passava de uma grande bobagem. Essas historietas, não passavam de grandes besteiras que só serviam para desviar a atenção dos assuntos realmente importantes. Para ela, rádio novela, era uma forma de alienação.
Por isso, Raquel, ao ver a sobrinha se distraindo com este tipo de programa, ficou feliz. Muito embora considerasse um pouco repentina a mudança, Raquel sempre desconfiou que a sobrinha ouvia este tipo de programa, escondida deles.
No entanto, no cortiço em que viviam, seria um pouco difícil Clarissa ligar o rádio e ouvir alguma coisa, sem que eles tomassem conhecimento. Afinal só havia um rádio e os cômodos da casa, eram todos muito próximos. Assim, exceto quando ficava sozinha em casa, em sua morada não havia nada que pudesse fazer escondida.
Mas voltemos a rádio novela.
Nos últimos dias, havia estreado uma rádio novela intitulada ‘Encontro com o Desconhecido’.
Era a história de uma garota rica que resolveu ser espiã.
Contudo, não se sabia ao ser certo sua nacionalidade.
O que se conhecia da moça, era que esta havia vivido em vários países da Europa. Sofisticada, percebia-se desde logo que nunca passara por dificuldades financeiras. Além disso, era extremamente versátil e habilidosa. Conseguia facilmente, descobrir as informações que lhe interessavam.
E assim, começou mais uma história da espiã misteriosa.
Enquanto tomava seu café da manhã, vestida com um bonito casaco de inverno, Eleonora, – como era conhecida pela misteriosa organização na qual trabalhava – foi chamada para mais uma missão.
Através de um bilhete trazido pelo garçon, é que a moça tomou ciência do chamado.
Dessa forma, ao ler o recado, levantou-se e retornou ao seu quarto.
Nisso, em poucos minutos, recebeu uma ligação informando-a de todos os detalhes da operação. Como era uma missão secreta, as mensagens vinham cifradas. Somente quem conhecia os códigos conseguiria descobrir o conteúdo das mensagens.
Além disso, quando Eleonora entrou na organização, foi instada a fazer um juramento, o qual consistia, em que caso de prisão, nunca revelar segredos de seu mister.
Com isso, queriam dificultar sobremaneira, o acesso as informações sigilosas.
Ademais, a heroína partiu em mais uma misteriosa e perigosa missão.
Fazendo-se passar por garçonete, conseguiu emprego na cozinha de um grande hotel em Berlim.
Lá seria realizado, um jantar com as mais altas autoridades da Alemanha. Nesse jantar políticos e membros da Gestapo, estariam presentes.
De formas que, seria uma grande oportunidade para se descobrir algo sobre os planos dos alemães, com relação ao desenrolar da Grande Guerra.
Assim, enquanto servia os convidados do banquete, Eleonora, aproveitando-se da situação propícia, procurou escutar o maior número possível de conversas. Discretamente, sempre que percebia um copo vazio, perguntava ao convidado se ele gostaria de ter mais um pouco de bebida.
Com isso, freqüentemente era chamada por algum dos convidados, para servi-los mais uma vez. Dessa forma, como os mesmos não estavam nem um pouco preocupados em esconder as conversas que entabulavam, Eleonora foi percebendo que o assunto principal deles, era o modelo de Estado que Hitler queria implantar na Alemanha e a perseguição aos judeus. Para eles, assim como para o restante da população, os judeus eram uma raça inferior e mereciam morrer.
Eleonora, ao ouvir as duras palavras dos oficiais da Gestapo, e de alguns dos políticos que ali estavam, ficou assombrada. De tão impressionada, chegou até a quebrar uma garrafa de bebida.
Tal fato lhe rendeu uma severa admoestação.
Contudo, a moça não intimidou. Desculpou-se pelo incidente e continuou servindo os convidados. Recuperada do choque das afirmações dos convidados, continuou o seu trabalho.
E assim, durante algumas horas, pôde ouvir, os mais absurdos comentários feitos aos judeus, bem como pôde constatar que a Guerra, se desenrolava sobretudo, para satisfazer os interesses expansionistas do führer.
Mas entre essas conversas, depois de algum tempo, chegou a ouvir de alguns dos convivas, que eles estavam planejando no dia seguinte levar um bom número de judeus, para um campo de concentração.
Ao tomar ciência da informação, pensou logo em uma forma de avisar a organização dos planos dos oficiais.
Para isso, no entanto, precisaria de desvencilhar da incômoda presença do chefe de cozinha, que insistia em lhe atrapalhar, sempre que podia.
Por esta razão, quando surgiu a oportunidade de ir até a cozinha e buscar mais garrafas de bebidas, aproveitou para sair, discretamente do hotel. Para tanto, trocou suas roupas e saiu pelos fundos. Não podia chamar a atenção.
Ao sair do hotel, olhou em todas as direções, se denotando o extremo cuidado que teve, em não ser seguida. E assim, caminhando apressadamente, chegou ao local do encontro e informou ao seu superior, que os oficiais se preparavam para retirar mais alguns judeus dos guetos. Contudo, precisavam agir depressa, já que os oficiais iriam agir ainda pela manhã.
Dessa forma, de posse de tal informação, seu superior tratou logo de comunicar o fato a organização. Isso por que, precisavam agir rapidamente.
Nisso, Eleonora retornou ao hotel. Lá, vestiu novamente seu uniforme.
Contudo, diferente do que esperava, o chefe estava enfurecido, procurando por ela.
Por isso, Eleonora, ao perceber a situação, fez o que pôde para se desvencilhar do insistente senhor.
Todavia, a certa altura da noite, não foi mais possível se esconder. Ao término do jantar, foi imediatamente chamada por ele, para tentar explicar, o por quê de sua ausência durante alguns minutos.
Eleonora então explicou que sumiu, por que estava procurando na adega um vinho que um dos convidados havia pedido. Era um vinho muito bom, de uma antiqüíssima safra.
Todavia, o mesmo não ficou convencido. Por ser um grande chefe de cozinha, por que a moça não pediu a ele para lhe informar se havia o tal vinho?
Eleonora ficou então, diante de uma situação difícil.
O que poderia fazer para se explicar? Foi então que, pensando, pensando, acabou chegando a uma solução. Como a certa altura no jantar, o chefe teve que retornar para a cozinha e cuidar pessoalmente da comida que estava sendo preparada, a moça achou por bem, não incomodar. Além disso, era o seu trabalho servir os convidados. E assim o fez.
Com isso, a dúvida se desfez.
No entanto, para azar da moça, o chefe então perguntou:
-- E então, fräulein, conseguiu encontrar a famigerada safra?
Ao ouvir a pergunta, a moça se viu novamente envolvida, em uma situação difícil. Afinal, o que poderia responder, se nem ao menos entrara na adega?
Precisava pensar.
Assim, sem entrar em pânico respondeu que sim, havia encontrado. Além disso, comentou que o convidado gostou tanto da bebida, que ofereceu-a aos amigos e que, em razão disso, beberam todo o conteúdo da garrafa.
Mas o chefe não estava satisfeito.
Por isso, ao ouvir a resposta da moça, resolveu olhar a carta de vinhos. Foi então, que para sua decepção, descobriu que a aludida safra de vinho, estava incluída entre as demais opções do restaurante. Fato este, que nem mesmo ele se lembrava.
Diante disso, sem ter como continuar importunando a moça, apenas disse:
-- Está bem. Pode voltar para casa.
E nisso Leonora saiu.
Por volta das quatro horas da manhã, voltou para o hotel onde estava hospedada. Era um lugar simples, completamente diferente do hotel onde estivera hospedada quando da convocação para esta missão.
Isso por que, não poderia chamar a atenção. Se ficasse em hotel requintado poderia ser facilmente reconhecida por algum dos convidados do jantar.
Apesar de boa parte dos convidados ser ali da cidade, havia alguns estrangeiros que compactuavam com os ideais nazistas e por isso, foram igualmente convidados para o jantar.
Sim, como espiã, Eleonora tinha que se proteger.
Além disso, a organização para a qual trabalhava, pensava em tudo, quando executava um plano. Assim, não poderiam haver falhas.
Desta forma, em retornando para o referido hotel, Eleonora trocou de roupa.
Já estava pronta para dormir, quando foi novamente chamada para dar prosseguimento a missão.
Sua missão era, auxiliar outros espiões a retirarem os judeus do gueto, sem chamar a atenção dos moradores da região e muito menos dos membros da Gestapo.
Sim, depois de quase três horas do encerramento do jantar, a organização já tinha um plano para ajudar alguns judeus. No entanto, precisavam agir rápido.
E assim o fizeram.
Eleonora prontamente trocou sua roupa simples por um uniforme militar estrategicamente providenciado para esta ocasião.
Assim, como seus demais companheiros, estava pronta e uniformizada.
Com isso, todos estavam preparados para a missão.
Esta missão seria talvez, o passo mais importante que ela já havia dado, trabalhando para a organização. Muito embora nunca tivesse participado de uma missão tão complexa, sentia-se totalmente preparada. Era como se tivesse nascido fazendo isso.
Contudo, tinham pouco tempo para agir. Por isso, precisavam ser ágeis.
Dessa forma, dado o adiantado da hora, resolveram esperar os oficiais retirarem os judeus do gueto e os levarem até o trem.
Observando de longe, com a ajuda de binóculos, o trabalho dos oficiais alemães, aguardaram então, o momento oportuno para agir. Seguindo-os de longe e discretamente, os espiões que analisavam os passos dos oficiais, e repassavam cada detalhe aos colegas que os aguardavam na estação.
Estava tudo indo muito bem.
Quando então os oficiais embarcaram os judeus em um trem, alguns espiões, disfarçados, aproveitando-se da grande quantidade de pessoas que estavam na estação, aproveitaram para se misturarem com os judeus.
Dessa forma, viajando em condições precárias, os agentes puderam tomar contato com a dimensão do sacrifício que estava sendo imposto aos mesmos. Mas, discretos, procuraram agir como se fossem parte do grupo.
Nisso, enquanto o trem partia rumo a um campo de concentração, outro grupo de espiões acompanhava-o de longe. Nesse grupo estava Eleonora, que desde a saída dos judeus do gueto, acompanhava os passos dos oficiais nazistas.
Eram três grupos, sendo que dois deles estavam unidos no presente momento.
Assim, enquanto os oficiais levavam os mesmos para um campo de concentração, Eleonora, bem como os demais espiões da organização, poderiam aproveitar a oportunidade, e interceptar o trem, da forma mais audaciosa que já se viu.
E assim o fizeram.
A certa altura da viagem, recebendo o sinal que aguardavam, começaram a agir.
De dentro dos vagões, os espiões infiltrados diziam para que os judeus não tivessem medo, posto que seriam levados para fora dali, bem longe de qualquer campo de concentração. Contudo, precisavam ficar quietos e calmos, pois, se os oficiais percebessem qualquer coisa errada, fatalmente iriam apurar.
Nisso, mesmo receosos, os judeus concordaram em colaborar para que o plano desse certo.
Com isso, depois de alguns minutos, os vários jipes distados, aumentando sua velocidade e por meio de alguns atalhos, conseguiram se aproximar de surpresa do trem. Contudo, prevendo resistência por parte dos oficiais, alguns agentes invadiram os vagões de luxo do trem, e renderam os oficiais.
Se aproximando do trem pelo último vagão, com a ajuda do treinamento que receberam e dos equipamentos que tinham disponíveis, subiram até o teto dos vagões, e andando em cima do trem, chegaram, até as cabines onde estavam os oficiais, bem como a cabine de controle, onde estava o maquinista.
Rendido, o maquinista teve de parar o trem.
Nisso, os agentes, prenderam os oficiais nos banheiros dos vagões do trem.
Assim, amarrados e trancados, não tinham como fugir.
No mais, os vagões de carga, nos quais estavam os judeus e os agentes, foram todos abertos e os judeus libertados.
No entanto, havia uma grande problema a se resolver.
Como fazer para levar milhares de pessoas para fora do país, sem chamar a atenção de ninguém?
Para a surpresa de Eleonora, até nesse detalhe já haviam pensado.
Com o sucesso da operação, um avião de carga pousou em meio a descampado próximo dali. Nesse avião, foram levados os judeus.
Ao entrarem nesse avião, abririam mão de uma vida de dores e sofrimentos e recomeçariam em um novo país, em outro continente. Para isso foram providenciadas roupas e documentos falsos para eles.
Além disso, por se tratar de um avião de carga, poderiam facilmente viajar, sem serem incomodados. Contudo, para evitarem problemas, em meio aos passageiros clandestinos, tiveram o cuidado de também colocarem mercadorias no avião.
E assim, quase oito mil judeus foram embarcados para fora da Alemanha.
Eleonora ficou impressionada.
Curiosa, de tanto pensar, chegou a seguinte conclusão:
Provavelmente empresários colaboraram para que a missão desse certo. Isso por que, mesmo a organização sendo forte, não havia como fazer tudo sozinha. Provavelmente era financiada por alguns empresários, inclusive de outros países.
Mas só pensou. Não comentou nada disso com ninguém.
Enquanto isso, o aludido feito, foi manchete de inúmeros jornais na Alemanha e em outros países. Para desespero dos alemães.
Contudo, o feito, foi motivo de orgulho para os espiões que se empenharam em livrar os judeus de um trágico fim.
Para Eleonora, o resgate dos judeus foi uma rara oportunidade de mostrar que tinha capacidade para o trabalho.
Sim, poderia se tornar uma excelente espiã. E foi justamente por isso, que abandonou uma vida de luxo. Seu sonho sempre fora viver um grande desafio. E para ela, não havia algo mais desafiante de que atuar como espiã.
Mas enfim, o grande feito estava encerrado.
Por conta disso, e os demais profissionais envolvidos no resgate, aproveitaram para se divertirem em um curto período de férias.
Isso por que, após certas missões, era imperativo que os envolvidos saíssem de circulação por algum tempo. Para que assim, não pudessem ser reconhecidos e associados aos eventos de que participaram.
Todo esse cuidado era por um simples motivo.
Se algum dos espiões fosse pego, a própria organização ficaria a um passo de ser descoberta. E esse era um risco que não poderiam correr.
E assim, Eleonora aproveitou para tomar refrescantes banhos de mar na Riviera Francesa.
Enquanto não era chamada para desempenhar uma nova missão, a moça aproveitava para se deleitar com a paisagem praiana do país.
E assim, terminou a transmissão da rádio novela. A seguir vieram os programas musicais, que eram a essência desse meio de comunicação.
Raquel, sua tia, ao saber que o próximo programa tocaria grandes sucessos da época, pediu a Clarissa que não desligasse o rádio.
Assim, enquanto tocavam os sucessos de Ari Barroso, Dorival Caymi, entre outros, Raquel sonhava acordada com a possibilidade de um dia vir a conhecê-los.
Ao ouvir isso, Clarissa então, despediu-se da tia, dizendo que precisava dar uma volta, saiu de casa e só voltou tarde.
Seus tios, Bartolomeu e Ludovico, preocupados com o seu possível sumiço, advertiram a moça, de que ela não deveria ficar até tão tarde na rua.
Clarissa contudo, ao perceber a preocupação dos tios, disse aos mesmos, que eles não deveriam se preocupar, já que tinha chegado em casa bem. Afinal de contas, São Paulo era uma cidade tranqüila e não havia nada de mais em passear por ali.
Mas eles, preocupados com seu comportamento, lhe disseram então, que ela estava proibida de ficar até tarde na rua.
Porém, mesmo diante de tal proibição, a moça insistia em ficar por longas horas longe de casa.
Por mais que ralhassem com ela, Clarissa não obedecia às suas recomendações.
Alegando que estava fazendo serão, dizia sempre aos seus tios que estava voltando tarde do trabalho, em razão disso. Por conta das horas a mais que tinha que trabalhar, acabava tendo que atrasar sua volta para casa.
No entanto, com o passar do tempo, seus tios não estavam mais muito convencidos disso.
Afinal mesmo fazendo serão quase todas as noites, a moça voltava muito tarde para casa. Muito mais tarde do que seria o esperado.
Diante disso, precisavam tomar uma atitude.
Contudo, não sabiam direito o que fazer.
Apesar de confiarem na moça, o comportamento estranho de Clarissa ultimamente, dava margem a muitas desconfianças. Por isso mesmo, resolveram que a partir daí, passariam, sempre que pudessem, perto da fábrica.
Lá, junto aos demais funcionários, tomariam conhecimento dos serões e das horas extraordinárias. Isso por que, quando havia hora extras, praticamente todos os funcionários tinham que permanecer na fábrica, até o término do trabalho.
Contudo, mesmo tal controle seria complicado.
Isso por que, todos, em razão das dificuldades, tinham que trabalhar.
Mesmo Raquel, que ficava boa parte do tempo em casa, trabalhava para ajudar a família.
Como forma de auxiliar nas despesas domésticas, Raquel lavava e passava as roupas das freguesas abastadas que tinha na cidade.
Já Bartolomeu e Ludovico, trabalhavam em uma fábrica de macarrão. Lá, na linha de produção ajudavam a preparar o produto para venda. Cortando e embalando a massa, ganhavam o suficiente para sobreviverem.
E a moça, que também trabalhava, ao perceber que seus tios estavam de olho nela, resolveu então, tomar cuidado.
Clarissa então, percebendo que os mesmos a estavam vigiando, resolveu tomar uma atitude. Para evitar a desconfiança dos tios, Clarissa se ofereceu para fazer alguns serviços para eles.
Assim, após o término de seu trabalho na fábrica, a moça sempre que podia, aproveitava para ir até a padaria e comprar pães para levar para casa. De vez em quando também, aproveitava para ir até o açougue comprar carne.
Contudo, em razão dos tempos de guerra, os produtos começaram a ser racionados.
Por isso, muitas vezes para se conseguir comprar algum produto, se tinha que ficar por horas a fio em uma fila, aguardando a vez.
Com isso, Raquel, Bartolomeu e Ludovico desanuviaram seus pensamentos, e passaram a confiar mais na sobrinha.
Isso por que, se ela mesma estava se dispondo a fazer algumas compras era porque tinha disponibilidade de tempo para isso. Sim.
Desta forma, a moça não teria mais tempo para reuniões clandestinas com grupos operários.
Seus tios então, puderam respirar aliviados.
Entretanto, a recém adotada atitude da moça, era só um disfarce para desviar a atenção dos tios.
Isso por que, sempre que podia, freqüentava as reuniões da associação operária.
Conforme já foi dito antes, a própria Clarissa foi quem angariou fundos para a criação de um jornal, que ajudasse a divulgar o movimento. Por conta disso, Clarissa passou a ser então, o braço direito de Bruno.
Este, certa vez ao vê-la se aproximar, depois de algum tempo sumida, comentou espantado:
-- Criatura, onde foi que você se meteu? Nós estamos precisando de toda a ajuda possível. Sabia?
-- Desculpe-me. Mas razões imperiosas fizeram-me afastar.
-- Que razões foram estas? – perguntou Bruno, impaciente.
-- Sinto em não poder dizer-te. Mas as tais razões já foram sanadas.
-- Eu espero que sim, Clarissa. Isso por que, eu não posso ficar o tempo todo esperando por você, mesmo você sendo de suma importância para nossa luta. Assim como todos os que aqui estão, você precisa conhecer todos os detalhes, todas as nossas ações.
-- Decerto. – respondeu a moça – Prometo que isso não vai mais se repetir. Está bem?
-- Está certo. Mas agora, mudemos de assunto, por que temos muito o que fazer. Conforme estávamos conversando antes da senhorita chegar... Já conseguimos, graças a sua colaboração e mais a ajuda de alguns de nossos operários, comprar o maquinário necessário para a confecção do nosso jornal. Agora o que precisamos, é de idéias. Idéias essas que nos ajudem a escrever algumas matérias, as quais serão de suma importância para a conscientização dos demais operários que poderão a vir engrossar o nosso movimento.
Nisso então, o pequeno grupo de pessoas que ali estava, passou a cochichar entre si.
Todos estavam tentando encontrar idéias para a pauta do jornal. Contudo, ninguém conseguia achar uma solução. Muito embora conversassem entre si, no intuito de encontrarem uma saída para resolverem a questão, ninguém conseguia sugerir uma boa idéia.
Nisso, vendo que a discussão resultou infrutífera, Clarissa sugeriu então, redigirem uma matéria, relatando os revezes da Revolução Industrial. Nessa matéria poderiam facilmente explicar, como a situação chegou a tão deplorável estado. Em outras matérias, poderiam ainda, falar dos movimentos operários do início dessa era e reivindicarem melhores condições de trabalho. Como matéria inicial, poderia falar sobre a redução da jornada de trabalho, por exemplo.
Bruno então, observando o comportamento de Clarissa, percebeu que havia feito uma ótima escolha indicando-a para ser seu braço direito.
Sim, Clarissa, apesar de jovem era bastante engajada. Dedicada a causa, sempre que podia, sugeria ótimas idéias.
Por isso, e conforme se verá ao longo desta história, a moça, cada vez mais, passou a ter importância para a causa.
Mas voltemos ao que interessa.
Após uma pequena deliberação, os operários então, chegaram a um bom termo a respeito das matérias que seriam feitas.
Como Clarissa havia sugerido, falariam da Revolução Industrial, dos primeiros movimentos operários internacionais, mas, ao contrário do havia proposto, quanto as reivindicações do grupo, os participantes do movimento decidiram que melhor seria falarem dos direitos das mulheres a um salário melhor.
No entanto, como já era hora alta, Bruno então, resolveu dispensar os operários.
Por isso, no dia seguinte, estavam todos convocados a participarem de uma nova reunião. Nesta, seriam discutidos, e até quem sabe, elaborados, os prováveis textos a serem impressos.
Ao sair da reunião, Clarissa estava entusiasmada. Finalmente poderia exteriorizar tudo o que pensava a respeito da opressão a que os operários estavam submetidos. Cansada de ser explorada, poderia finalmente bradar seu inconformismo.
Isso por que, desde que passara a viver com os tios, nunca pôde expressar verdadeiramente o que sentia.
Muito embora tivesse tido uma boa acolhida, não pôde contar a eles, tudo o se passava em sua mente. Agora mesmo, para poder lutar por seus ideais, tinha que mentir para os tios. Sempre que chegava tarde, tinha que usar como desculpa, o fato de estar fazendo serão.
Muito embora não ficasse feliz com isso, Clarissa sabia perfeitamente, que se dissesse a verdade, fatalmente seria proibida de continuar indo e participando das reuniões. Por isso mentia.
E nessa mentira, permaneceria por muito tempo ainda.
Com isso, chegando em casa, ao perceber o adiantado da hora, tratou de retirar os sapatos e caminhou lentamente até a direção da porta.
Quando então se deparou com a porta encostada, procurou girar lentamente a maçaneta. Isso por que, não queria fazer barulho.
E assim, pé ante pé, seguiu até os fundos do cômodo, no lugar onde ficava sua cama. Ao lá chegar, despiu-se com todo o cuidado e se jogou na cama.
Transida de sono, imediatamente adormeceu.
No dia seguinte, no entanto, para conseguir se levantar, teve que ser chamada por sua tia, em razão da hora em que foi se deitar.
Mas atenta, logo que foi chamada, se levantou e tratou de vestir uma roupa para ir trabalhar.
Raquel contudo, percebendo que a sobrinha dormira tarde, decidiu ter uma conversa séria com ela.
Assim, enquanto a moça se trocava, perguntou:
-- Onde é que a senhorita passou a noite, posso saber?
Surpreendida com a pergunta, Clarissa, por um instante, parou de se vestir, para logo em seguida, continuar o que vinha fazendo.
E assim, sem ter o que dizer, posto que fora surpreendida, Clarissa simplesmente perguntou:
-- E quem foi que te falou que eu cheguei tarde?
-- Mocinha. Não se faça de sonsa. Pois se você não tivesse chegado tarde, precisaria ter sido chamada? Você que sempre se levantou sozinha?
-- É que eu perdi a hora, madrinha.
-- Não adianta me chamar de madrinha, Clarissa, você não vai me fazer mudar de assunto. Conte. Eu quero saber onde você esteve. Por acaso você andou se envolvendo com algum estróina?
No que a sobrinha respondeu:
-- Não tia. Mas é claro que não. Por quem me tomas?
-- Pois então, me explique o seu sumiço, por que até a hora em que eu fui dormir, a senhorita não tinha ainda chegado em casa. Seus tios, Bartolomeu e Ludovico, estavam deveras preocupados. Chegaram até a cogitar a possibilidade de irem até seu encontro na tecelagem.
Ao ouvir isso, Clarissa ficou preocupada. Isso por que, se seus tios tivessem ido até lá, fatalmente teriam descoberto sua farsa.
Mas, para sua sorte, não foi dessa vez que descobririam seu embuste.
Diante disso, respirou aliviada.
Mas, percebendo que sua mentira estava por um fio, decidiu então, que passaria a ter mais cuidado.
Com isso, ao perceber que Raquel, sua tia, ansiava por uma resposta, disse:
-- Está certo tia. Eu errei, é que depois do trabalho, eu e mais algumas colegas ficamos andando pelo centro, observando algumas vitrines de lojas. Vimos coisas lindíssimas! Muitas daquelas peças, fomos nós que confeccionamos, sabia? Dava gosto de ver. Tão lindas! Tão lindas e tão caras! Peças que apesar de feitas por nós trabalhadoras, nunca pertencerão a nós, por que nós nunca teremos dinheiro para comprá-las.
Raquel então, percebendo o rumo que a conversa poderia tomar, simplesmente comentou:
-- Realmente, esta situação é muito injusta. Mas não cabe a nós discutir quanto a isso. Além do mais, você ainda tem que tomar seu café, antes de ir para o trabalho. Está bem?
Com isso, Clarissa, foi até a cozinha e tomou um pouco de leite quente com um pedaço de pão. Escovou os dentes, utilizando-se da água de um copo, e após foi trabalhar.
Dessa forma, despediu-se de seus tios e caminhou até o ponto de bonde. Assim, quando finalmente passou um bonde, entrou e nele seguiu até seu trabalho.
Quando então chegou até o local, teve que esperar, juntamente com os demais operários, o apito.
Apito esse, que de tão afamado, virou um grande sucesso de Noel Rosa. Na composição ‘Três Apitos’, Noel Rosa, retratava o universo fabril e um frustrado relacionamento de um homem com uma operária.
Essa música, para Clarissa, era o retrato de uma dura realidade da qual muitos faziam parte.
Por isso esta canção para ela, significa muito mais do que uma bela letra, criada por um grande compositor. Era uma música que trazia implícita, segundo ela, uma idéia de liberdade.
Mas, enfim, voltemos a fábrica.
Ao soar do apito, todos, operários e operárias caminharam em direção aos portões que eram abertos.
De lá podiam ver mulheres, crianças, homens e velhos caminhando pelo pátio. De lá seguiriam para suas máquinas e seus afazeres.
Sim, a industrialização não poupou ninguém. Todos tinham que trabalhar.
E assim, durante sua jornada de trabalho na fábrica, em uma linha de produção, sua tarefa era trançar os fios, que eram fiados por outras colegas suas.
Assim, enquanto elas pegavam determinadas matérias primas e as transformavam em delicados fios, Clarissa, bem como outras operárias, tratavam de trançar esses fios, tecendo-os e os tornando tecidos.
Com isso se denota que a moça trabalhava em uma tecelagem. Nesse trabalho ficava por horas a fio. Entre preparar os fios e tecê-los, o trabalho parecia nunca terminar. Serviço era o que não faltava.
A exploração também. Parecia que nunca acabaria.
Sempre que o dono da fábrica achava necessário, as operárias tinham que ficar até tarde trabalhando. E assim, seguidas vezes, Clarissa teve realmente que fazer serão.
Quando isso, acontecia, todos tinham que trabalhar até tarde. As crianças, os idosos, os homens e as mulheres. Não bastassem a já extenuante jornada de trabalho que tinham, os operários tinham que suportar trabalhar horas a mais, sem nada receberem por isso.
Mas, para sorte de Clarissa, dessa vez, não houve trabalho extraordinário. Assim, depois de doze horas de trabalho, pôde finalmente, se reunir com seus colegas.
Tendo em vista a elaboração de matérias para o jornal que estavam criando, os sectários se reuniram novamente para tentarem redigir as aludidas matérias.
Por conta disso, passaram as horas seguintes conversando sobre os temas.
Mas, em razão da complexidade de alguns dos assuntos, os operários sentiram algumas dificuldades com relação a alguns dos temas.
Por isso Clarissa, tendo-se em vista que há muito tempo lia sobre o assunto, se prontificou a ajudá-los na redação das matérias. Para tanto, traria revistas, alguns livros, artigos de jornais, enfim, tudo o que poderia auxiliá-los na hora de escreverem sobre alguns dos assuntos.
Com isso, antes do que imaginava, Clarissa voltou para casa.
Por ter voltado mais cedo do que de costume, seus tios até estranharam.
Foi então que ela explicou que dessa vez não foi necessário que ela ficasse até mais tarde. No entanto, segundo ela própria comentou, não seria sempre que isso aconteceria.
Mas, para seus tios, o simples fato de estar voltando cedo para casa, já era uma grande notícia. A melhor que eles estavam tendo, depois de semanas em que Clarissa voltava muito tarde para casa.
Para eles, isso era um sinal de que Clarissa não estava se metendo em confusões.
Enfim, era um alívio para eles. Assim, sem ter mais com o que se preocupar, aos poucos poderiam deixar de controlar os horários da moça.
Até por que, como todos ali trabalhavam, não tinham disponibilidade de tempo para tomar conta de Clarissa. Muito embora a moça ainda não tivesse se envolvido em nenhuma confusão, temiam que ela pudesse estar fazendo parte de algum movimento de luta operária clandestino.
Por isso o cuidado com a moça.
Apesar de aparentemente estar tudo bem, seus tios conheciam suas convicções.

Luciana Celestino dos Santos
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