Poesias

quinta-feira, 15 de abril de 2021

O SAMBA, O RIO DE JANEIRO E OUTRAS BOSSAS, SÃO COISAS NOSSAS! SÃO COISAS NOSSAS! CAPÍTULO 1


“Maria ninguém,
É o dom que muito homem não tem
Se eu não sou João de nada
Maria, Maria, Maria ninguém
Ô, ô, ô ...
Maria ninguém ...
Marias frias
Cheias de manias
Marias vazias
Pro nome que tem
Ô, ô, ô ...
Maria ninguém ...”
(Carlinhos Lyra – Maria Ninguém)

Tarde de sol no Rio de Janeiro no ano de 1958.
Longos dias. De sol, de praia e de alegrias. Tempos tranqüilos.
Não para Maryeva. Para esta jovem, não havia chegado o tempo de sonhos. Ninguém a enxergava. Todos a achavam feia e desajeitada. Com seu cabelo sempre preso com tranças, e seus óculos fundo de garrafa, ela realmente não era um modelo de pessoa atraente. Franzina, Maryeva estava longe de chamar a atenção dos rapazes.
O mesmo não se podia dizer de Ana Lúcia. No dizer dos rapazes da época, a garota era sensacional! Extremamente atraente, sempre que ela passeava com seu maiô pelas praias da cidade do Rio de Janeiro, não havia quem não parasse para olhá-la. Até mesmo as outras garotas a observavam. Algumas, com uma pontinha de inveja, diziam:
-- Mas ela nem é tão bonita assim!
Todavia, os rapazes não concordavam com isso.
E assim, a cada dia que passava, mais e mais Ana Lúcia aumentava, seu séqüito de admiradores. Envaidecida por isso e, consciente do poder que sua beleza exercia sobre os homens, Ana Lúcia, adorava ser o centro das atenções.
Contudo, embora fosse dotada de grande beleza, esta jovem não primava necessariamente pela doçura. Vaidosa e arrogante, diversas vezes humilhou alguns de seus admiradores. Mesmo assim, os homens não se cansavam de correr atrás dela.
Maryeva, que estudava no mesmo colégio de Ana Lúcia, quando a via cercada de amigas e admiradores, sentia também, uma pontada de inveja. Mas não inveja para ser igual a ela, e sim para sentir um pouco do que era ser realmente, admirada por alguém. Para ela, bastava apenas um admirador. Nada mais.
Certa vez, ao contar este seu desiderato para sua amiga Glória, a moça quase caiu da cadeira em que estava sentada. Surpresa com a simplicidade do pedido de Maryeva, Glória caiu na risada.
Maryeva, surpresa com a atitude da amiga, perguntou:
-- E do você está achando graça?
Glória, ao perceber que a amiga não entendera sua reação, resolveu se explicar:
-- Desculpe, Eva. Mas que pedido, heim? Enquanto Ana Lúcia tem um séqüito de admiradores, você gostaria de ficar no lugar dela para ter apenas um? Meu Deus! Que falta de ambição! Pois eu no lugar dela ficaria com todos os seus admiradores!
Maryeva ao ouvir os comentários da amiga, respondeu:
-- Mas que fogo, heim!? Não estou te reconhecendo. Francamente, eu não esperava isso de você!
Glória ao perceber o ar de reprovação de Maryeva, comentou que sempre quis ter muitos admiradores, e ser alvo de muitas paixões.
A moça, ao constatar que Glória continuaria com aquela conversa, resolveu mudar de assunto. Dizendo que gostaria de caminhar pela orla da praia, Maryeva convidou a amiga para um passeio.
No dia seguinte no colégio, mais uma vez, Maryeva ficou isolada. Como Glória estudava em outra sala, somente no horário do intervalo as duas podiam conversar.
Pobre Maryeva!
Era justamente nesses momentos em que permanecia no colégio, que o tempo mais demorava a passar. Sempre esnobada pelas outras garotas, Maryeva vivia sozinha, por que as garotas do colégio, não queriam ser vistas ao seu lado.
No primeiro dia de aula, quando tentou de se aproximar de algumas garotas e ouviu este comentário, ficou desapontada. Todavia, não deu a elas a satisfação de vê-la chorando. Maryeva só chorou quando chegou em casa e se trancou em seu quarto.
Nos próximos dias, as coisas só piorariam.
Cada vez mais excluída, ao esbarrar em Ana Lúcia, desculpou-se. Contudo, Ana Lúcia, ao invés de aceitar as desculpas, acreditando que o esbarrão fora proposital, começou a proferir impropérios para Maryeva, que aturdida, não conseguiu reagir. Surpresa, ouviu todas as ofensas caladas, sem conseguir se mover.
E assim, Ana Lúcia, ofendeu o quanto pôde Maryeva. Muito embora não soubesse seu nome, chamou-se de mocréia, desenxabida, horrorosa, baranga, filhote de cruz-credo, idiota, imbecil, traste, estrupício, etc.
Algumas garotas, ao ouvirem os insultos, apoiaram Ana Lúcia. Outras, chocadas com a arrogância da garota, comentaram que nunca viram baixaria maior. Muito embora não soubessem a razão de tanta agressividade, criticaram a atitude de Ana Lúcia. Todavia, mesmo não concordando com Ana Lúcia, nenhuma delas tomou para si a defesa de Maryeva.
Glória, neste dia, não compareceu às aulas e por isso, só soube do incidente, tempos depois, pois Maryeva, chateada com o ocorrido, demorou alguns dias para voltar ao colégio. Humilhada com o lamentável incidente, a moça fingiu estar adoentada, somente para evitar os olhares dos alunos da escola.
Desta forma, sem outra alternativa, ao final de alguns dias, Maryeva retornou a escola. Glória aflita, ao vê-la, perguntou o que havia acontecido.
A moça então, inventando uma desculpa, alegou que estava doente.
Glória no entanto, desconfiada, não acreditou muito na história. Percebendo que Maryeva tentava esconder algo, também não a forçou.
Mas, ao fim de alguns dias, finalmente Glória descobriu o que tanto chateou a amiga. Furiosa, ao saber por meio de suas colegas de classe o que Ana Lúcia havia feito a Maryeva, Glória resolveu tomar uma atitude.
Auxiliada por suas colegas de classe, Glória pediu para que uma delas chamasse Ana Lúcia até o toilet. Alegando que alguém precisava conversar com ela, Glória recomendou que esta colega dissesse que um rapaz gostaria de marcar um encontro, só que não tinha coragem de fazer isso pessoalmente. Por isso ela precisava se dirigir até o toilet e conversar com esta intermediária para saber de quem se tratava.
Dito e feito, no horário do intervalo lá se foi a colega de Glória fazer o que foi pedido.
Ana Lúcia, vaidosa como ela só, relutou um pouco para ir até o toilet, mas ao ouvir da colega de Glória que o rapaz que desejava lhe falar tinha uma ótima aparência e uma boa situação econômica, mais do que depressa se dirigiu ao local do encontro.
Lá, para sua decepção, encontrou Glória, que revoltada com sua arrogância, disse-lhe poucas e boas.
Ana Lúcia, no entanto, atrevida como sempre fora, não aceitou os desaforos de Glória e tratou logo de ofendê-la também. Dizendo que ela era uma pessoa invejosa e ressentida, comentou que não seria por causa de uma fulaninha, que ela perderia seu tempo.
Glória ao ouvir isso, irritada com os modos de Ana Lúcia, comentou que ela era muito baixa. Dizendo que ela era vulgar e sem nível, Glória afirmou que ela tinha que lavar a boca com água sanitária para pronunciar o nome dela e de sua amiga. Irritada, chegou a chamar Ana Lúcia de vadia.
Ana Lúcia ao ouvir isso, retrucou que Glória não era nenhum modelo de elegância. Furiosa, alegou que a vadia era ela.
Ao ouvir isso, Glória investiu contra ela e não fosse a inspetora de alunos entrar no toilet e as duas teriam brigado. Muito provavelmente, Ana Lúcia teria apanhado bastante, já que só sabia ofender as pessoas. Já Glória brigava muito. Certa vez, dizem, chegou até a bater num garoto que lhe ofendera. Mas isso, ninguém sabe se é realmente verdade.
Contudo, voltemos ao toilet.
Quando a inspetora de alunos entrou no recinto, ao perceber a confusão armada, mandou as duas para a diretoria. Ana Lúcia, revoltada, bem que tentou retrucar, mas não teve jeito.
O diretor do colégio ao ver duas garotas em sua sala, ficou espantado. Dizendo que nunca vira uma situação parecida, afirmou que estava decepcionado com o comportamento de Ana Lúcia. Bajulando-a afirmou que nunca imaginou que algum dia a viria em sua sala nessas circunstâncias.
A moça, fazendo o gênero coitadinha, bem que tentou jogar a culpa de toda aquela confusão em Glória, mas esta, percebendo a artimanha, comentou que só fora conversar.
O diretor então, quis logo saber o teor da conversa.
Glória então, explicou-lhe a razão por que queria conversar com Ana Lúcia.
Ao saber do ocorrido, o diretor quis logo saber por que Maryeva não relatou o caso na diretoria.
Glória explicou então, que de tão envergonhada com o ocorrido, nem sequer ousara comentar o assunto com ela. Assim, se nem para a melhor amiga contar sobre o incidente, como encontrar coragem para relatar o caso ao diretor?
O homem, ao ouvir as palavras de Glória entendeu a delicadeza da situação, e percebendo que ela não havia feito nada de mais, deixou-a voltar para a sala de aula.
Já Ana Lúcia permaneceu na diretoria, ouvindo um grande sermão. Ao final, foi advertida de que se aquele tipo de incidente tornasse a ocorrer, seria suspensa.
Com isso, se pode notar que a mocinha não ficou nem um pouco feliz com a bronca do diretor.
Quando Maryeva soube do ocorrido, quis logo saber por que ela tinha ido parar na diretoria.
Glória então contou a amiga o que realmente havia sucedido.
Estupefata, quando Maryeva soube que Glória tomara suas dores, ficou agradecida.
Glória por sua vez, comentou que ela não devia ter escondido este fato dela. Dizendo que cedo ou tarde acabaria por descobrir já que todos viram a confusão, Glória ressaltou que ela não deveria ter ouvido tudo calada.
Maryeva ao ouvir isso comentou que não fez nada por que se sentiu muito mal com essa história. Além disso não contou nada a ninguém. De formas que, ninguém poderia se sentir chateado por sua omissão.
Glória ao ouvir isso, afirmou que apesar de tudo, quem levou a pior foi Ana Lúcia. Ao dizer isso, começou a pular. De tão contente, afirmou que valeu a pena perder parte da aula de latim, só para ver a cara da nojentinha, quando soube que teria que ir para a diretoria.
Maryeva ao constatar a alegria e a satisfação com que Glória proferia estas palavras, comentou:
-- Godóia, você não é sopa!
Com isso, conforme os dias foram se passando, mais difícil se tornou à convivência de Maryeva com as garotas do colégio.
Não bastassem as meninas a acharem sem graça e desengonçada, depois da confusão com Ana Lúcia, algumas garotas, tomando as dores da mocinha mimada, passaram a hostilizá-la.
Em razão disso, Maryeva ficou ainda mais isolada.
Isso por que, as meninas ao apoiarem Ana Lúcia, passaram a fazer comentários desairosos sobre Maryeva, cochichando entre si, diziam que ela era feia, desenxabida, desengonçada, horrorosa, ridícula.
Quando Maryeva passava por elas, só ouvia as risadinhas espremidas.
Na sala, sentada em sua carteira, algumas vezes, ouvia alguns comentários e ficava chateada. A certa altura, já acostumada com as provocações, passou a deixar isso de lado.
Ana Lúcia, que adorava humilhá-la, chamou-a certa vez, de Maria Mijona. A partir de então, este virou seu apelido oficial. Até mesmo os garotos que estudavam no colégio ao lado, passaram a chamá-la assim.

No tocante a isso, voltando a Maryeva, finalmente, ela se encontrou, no horário do intervalo, com sua grande amiga, Glória.
Cansada de ficar isolada, Maryeva comentou, que a cada dia ficava mais difícil à vida no colégio. Muito embora estivesse acostumada a ser maltratada, mal via a hora de tudo acabar.
Glória quando a via assim, triste, comentava que não devia aceitar as ofensas. Dizendo que nada daquilo que ouvia era verdade, afirmou que Maryeva tinha sim uma beleza muito grande, só que nem mesmo ela havia se dado conta disso.
Maryeva ao ouvir estas palavras sorriu. Mas irônica respondeu:
-- Só se minhas horríveis tranças e meus óculos fundo de garrafa, forem algum tipo de adorno para minha feiúra.
Glória ao ouvir estas palavras, censurou a amiga. Dizendo que ela estava muito deprimida, comentou que nada disso era verdade.
Maryeva então, agradeceu a boa vontade da amiga, mas continuou insistindo em dizer que não era bonita.
Glória por sua vez, cansada dessa conversa, resolveu fazer uma aposta com a amiga.
Como ela já sabia há muito tempo que Maryeva era apaixonada por Eduardo, Glória propôs arrumá-la para que pudesse se aproximar dele.
A moça ao ouvir isso, rejeitou prontamente a aposta. Dizendo que era desajeitada e desenxabida, insistiu em dizer que isso não daria certo.
Glória ao perceber a relutância da amiga, insistiu em dizer que ela ficaria linda e que nenhum garoto lhe seria indiferente a partir daí.
Maryeva ao ouvir isso, mais uma vez recusou a ajuda. Dizendo que sempre seria feia, só conseguiu irritar Glória, que sem dar ouvidos a resistência da amiga, afirmou que um dia desses bateria na porta de sua casa para arrumá-la.
Sem acreditar muito nisso, Maryeva, concordou.
No final das aulas, as duas amigas voltaram juntas para casa.
Unidas as duas passaram a tarde inteira estudando.
Mais tarde, Maryeva, sozinha em seu quarto, começou a se relembrar do dia em que conheceu Eduardo.
Este rapaz, bonito e muito assediado pelas garotas, era uma espécie de versão masculina de Ana Lúcia. Vaidoso, adorava se admirar no espelho e contar vantagens para os amigos. Convencido, vivia dizendo que as garotas não lhe resistiam. Metido a cafajeste, adorava descrever em detalhes suas aventuras amorosas.
César, seu fiel companheiro, adorava ouvir estas histórias, cada uma mais picante que a outra. Além disso, assim como seu amigo, adorava sair com as garotas. Dizendo-se filho de um diplomata, atraía a atenção de muitas garotas. E foi assim, fazendo-se passar por um jovem rico que César conseguiu se aproximar de Eduardo.
Fascinado pela beleza das mulheres, certa vez, tentou paquerar Ana Lúcia, mas a garota, percebendo que ele não era o que aparentava, dispensou-o. Muito embora inicialmente, tenha ficado impressionada com a aparência do rapaz, quando o viu num ponto de ônibus esperando a condução para ir para casa, imediatamente percebeu que a história que ele contava era mentirosa.
Furibunda, ao constatar isso, assim que teve a oportunidade, tratou de lhe falar poucas e boas.
César, constrangido com a atitude de Ana Lúcia deixou-a falando sozinha e se retirou. Envergonhado, temendo ser desmascarado, ficou vários dias sem ir a escola.
Eduardo, por sua vez, sem a companhia do amigo, passou a ser ainda mais assediado. Sempre bem vestido e perfumado, era o sonho de boa parte das garotas do colégio.
Maryeva, certa vez, ao vê-lo sozinho, ao lado de um muro, encantou-se com ele. Ao ver aquele rapaz, vestido com jaqueta de couro, imitando aqueles garotos rebeldes das telas do cinema, Maryeva ficou impressionada.
De tão encantada, passou a escrever poesias para ele em seu diário. Empolgada com sua paixonite, a certa altura, deixou as cautelas de lado, e foi então que Glória, sua querida amiga descobriu ao ler seu diário, que estava apaixonada por Eduardo.
Surpresa, Godóia perguntou a Maryeva:
-- Eva, o que foi que você viu nele?
Maryeva, ao perceber que Glória havia lido seu diário, perguntou furiosa:
-- E quem te deu o direito de mexer nas minhas coisas?
Glória, notando que a moça tentava mudar o foco da conversar, comentou:
-- Não adianta você tentar me enrolar... Eva, você não sabe que esse garoto não quer saber de relacionamentos sérios? Ele é um playboy!
Maryeva, ao ouvir estas palavras, comentou que já sabia disso e que aquelas poesias eram apenas exercícios.
Glória no entanto, não ficou convencida com as explicações de Maryeva. Mas como não queria criar atritos, acabou deixando a história de lado.
Contudo, era só Maryeva ver Eduardo, para ela se distrair e ficar a admirá-lo à distância.
Desta forma, não havia como não perceber que Eva caminhava para o abismo.
Encantada com Eduardo, Glória notou que de nada adiantaria alertar a amiga. Iludida como Maryeva estava, jamais acreditaria em suas palavras.
Constatando isso, Godóia ficou ainda mais preocupada. Mas, o que fazer? Pensava.
Com isso, mais e mais o tempo foi passando, e Maryeva, mergulhada em sonhos com seu príncipe, se esquecia de quem ele realmente era.
Em seus sonhos se parecia e se vestia como se fora uma princesa. Nem de longe lembrava a menina feia e desenxabida que acreditava ser. A Maria Mijona já estava muito longe!
Mas sonhos são sonhos. E com o passar do tempo, ao se constatar que não passam de devaneios, vem a desilusão.
Maryeva, desencantada, ao ver que jamais conseguiria realizar o que sonhava, resolveu desistir de sua paixonite e tentou, como tentou, desistir de Eduardo.
Contudo, conforme tentava se esquecer, mais e mais se lembrava dele, de seu sorriso, e de seu jeito sério, de garoto rebelde.
Esta era a parte mais difícil. Mesmo assim, Maryeva, abandonou suas poesias e passou a se focar em seus estudos. Nos últimos tempos, era raro vê-la comentando sobre Eduardo ou qualquer coisa que fizesse referência a ele.
Foi aí, num tempo em que Maryeva fazia de tudo para se esquecer de Eduardo, que Glória teve a idéia de produzi-la para ela se apresentar a ele.
Maryeva, contudo, resistiu a idéia, mas Glória, sem se esquecer do assunto, dia desses bateu na porta da amiga com maquiagem, roupas e sapatos. Estava pronta para transformar a amiga numa princesa.
E, muito embora, Maryeva teimasse em recusar a sugestão da amiga, não houve jeito. Glória, depois de muito insistir, acabou por impôr sua vontade.
Com isso, Maryeva tratou de tomar um banho, limpou o rosto, fez maquiagem, colocou uma bela roupa. Todavia, ao se olhar no espelho, não se reconheceu. Achando a produção exagerada, comentou que queria tirar a maquiagem. Não fosse a insistência de Glória e teria colocado tudo a perder.
Mas, embora tenha finalmente aceito a idéia de passar a noite maquiada, ao notar que teria que andar a noite inteira com sapatos de salto, comentou que não sabia usar esses sapatos.
Glória ao perceber isso, comentou que não havia segredo no que tange isso.
Tanto que pacientemente ensinou a amiga a andar de salto. Treinando-a, aconselhou-a a andar com firmeza e devagar para que pudesse se acostumar.
Maryeva, desacostumada a andar com salto alto, reclamou bastante, mas acabou aceitando os conselhos da amiga, e passou meia-hora andando de um lado para o outro.
No começo, andando de forma de desajeitada, por várias vezes, quase foi ao chão.
Glória estimulando-se, insistia em dizer para que ela não desistisse.
Maryeva, que não queria decepcionar a amiga, continuou tentando.
Com isso, acostumando-se com o sapato, passou a caminhar melhor. Muito embora não estivesse perfeita, já conseguia caminhar com segurança. A desenvoltura viria depois.
Desta forma, lá se foram as duas, para uma pequena confraternização.
Ao som da música, as duas amigas conversaram:

“ Eu sou o samba
A voz do morro
Sou eu mesmo, sim senhor
Quero mostrar, ao mundo
Que tenho valor
Eu sou o rei dos terreiros

Eu sou o samba,
Sou natural aqui do Rio de Janeiro
Sou eu quem levo, a alegria
Para milhões de corações brasileiros...”

Maryeva, um pouco incomodada com as roupas, não estava nem um pouco à vontade em meio aquelas pessoas que nunca foram gentis com ela.
Mas, deixando de lado as mágoas, tentou de todas as maneiras possíveis se divertir.
E estava indo tudo razoavelmente bem.
Quando Eduardo e seu amigo César apareceram, Glória, incitando Maryeva, sugeriu que ela desse uma andada do lado deles, para ver se notavam sua presença.
Maryeva, que nunca gostou de se exibir, não se sentiu encorajada para assim proceder.
Glória, aborrecida com a indecisão da amiga, insistia.
Maryeva a certa altura, cansada das cobranças da amiga, resolveu se levantar e pegar um pouco de ponche. Nervosa, ao ter de passar em frente a Eduardo e seu amigo, acabou tropeçando com o sapato e caindo no chão. A risada foi geral.
Glória, ao ver a cena, tratou logo de acudir a amiga.
Maryeva, chateada e sentindo-se humilhada, levantou-se e dizendo que precisava ficar sozinha, pediu a amiga que não a acompanhasse no caminho de volta para casa.
Sozinha e decepcionada, Maryeva assim que pôde, tirou o sapato e caminhou descalça. Lembrando-se dos momentos que antecederam a fatídica festa, Maryeva constatou que levaria muito tempo para se acostumar com aqueles modos e se portar como uma garota elegante.
Exausta, ao chegar em casa, jogou-se na cama e chorou.
Acreditando ser mesmo um desastre ambulante, jogou os sapatos longe, desfez-se do vestido, lavou o rosto para retirar a maquiagem, e deitou-se na cama. Durante um longo tempo, ficou a pensar na vida.
No dia seguinte, Glória, aflita foi até a casa de Maryeva.
Lá pediu aos pais de Maryeva para conversar com a amiga.
Sem cerimônia, Godóia bateu na porta e entrou no quarto da amiga.
Qual não foi sua surpresa ao ver Maryeva tão bem disposta.
Surpresa com a postura da amiga, Glória, perguntou se estava tudo bem.
-- Sim. – respondeu Eva, laconicamente.
Glória, sem nada entender, comentou que ela estava muito estranha. Afirmando que para quem saiu arrasada de uma festa cheia de gente, ela estava muito bem, Glória insistiu em perguntar se estava tudo bem.
Maryeva então perguntou:
-- Mas eu não posso superar os problemas? Eu estou bem, acredite!
Ao ouvir isso, só restou a Glória acreditar, mesmo que sem convicção.
Com isso, Glória começou a relembrar o incidente na festa. Maryeva ao ouvir as palavras da amiga, comentou que não gostaria de retomar este assunto.
Godóia entendeu.
A seguir, perguntando a amiga sobre os trajes perguntou:
-- E você, gostou ou não gostou da roupa?
-- Gostei! O vestido realmente era lindo! – respondeu Eva.
-- Então minha cara. Por que não se arrumar um pouquinho? – perguntou novamente Godóia.
-- Por que eu não quero. – respondeu Maryeva.
-- E por que não? Não se achou bonita? – insistiu Godóia.
-- Sim, eu até fiquei bonita. Mas é que eu não gosto de exageros. – respondeu Eva.
Glória ao ouvir estas frases, perguntou:
-- Mas quem disse que você tem que estar sempre assim?
Maryeva se espantou:
-- E não tenho? Não foi você mesma que falou que eu preciso me arrumar mais?
Ao ouvir isso, Glória riu:
-- Sim, realmente precisa. Mas não ao ponto de parecer sempre que está indo para alguma festa. Não é isso. Cada ocasião, exige um tipo de traje diferente.
Maryeva ao perceber que ser elegante não era nada fácil, não gostou nem pouco da idéia. Afirmando que não levava jeito para finesses, insistiu em dizer que não gostaria de dar seguimento àquela bobagem.
Glória porém, sabia como fazer para que todos fizessem o que ela queria. Foi assim, que acabou convencendo Maryeva a treinar com ela boas maneiras.

E assim foi.
Primeiramente, equilibrando um livro sobre a cabeça, Maryeva, começou aprendendo a se equilibrar num salto.
As lições iniciais não foram nada fáceis. Maryeva por várias vezes pensou em desistir, mas Glória, insistente, pedia a todo o momento para que ela não desanimasse.
Maryeva então, que não desejava desapontar a amiga, prosseguia. Muitas vezes, ficava por horas andando de um lado para o outro de seu quarto, tentando conquistar a segurança necessária para poder usar um scarpin.
Todavia, essa não seria o mais difícil. Acostumar-se com as novas roupas, os vestidos, um novo jeito de arrumar os cabelos, uma nova postura. Tudo isso somado, era extremamente complicado. Tão complicado que parecia que Eva nunca iria aprender a ser uma pessoa elegante.
Ao contrário de Glória, que estava sempre bem arrumada, Maryeva, mais parecia uma coitada. Com suas trancinhas, seus óculos fundo de garrafa, seu jeito simplório de se vestir, nada levava a crer que Eva era apenas uma garota desleixada.
Mesmo ela, já estava acostumada a ser deixada de lado por ninguém considerá-la interessante.
Não fosse o empenho de Glória, e tudo continuaria como sempre foi.
Desde que conhecera Maryeva, há alguns anos, Godóia sempre acreditou que ela tinha muito mais a oferecer do que parecia. Seu jeito atento, sempre interessada em aprender coisas novas, sua delicadeza no trato com as pessoas. Sim, apesar de não ser aparentemente bonita, Maryeva sempre encantou as pessoas por sua amabilidade. Quem a conhecia de verdade sabia disso.
Pena é que nem sempre nos damos à oportunidade de conhecermos as pessoas verdadeiramente. Munidos com nossos pré-conceitos, já julgamos os outros sem os conhecer. Ora! Quantas pessoas interessantes existem que nem sempre tem o físico e a beleza consideradas perfeitas?
É uma pena! Verdadeiramente uma pena!
Mas, espere um pouco. Não será sempre assim para Maryeva, já que Glória, sempre solidária com a amiga, a está ajudando.
As coisas irão mudar.
Seria preciso muito empenho e dedicação de Maryeva, mas tudo vai dar certo.
Era o que Glória sinceramente esperava.

Contudo, não seria nada fácil essa transformação.
Embora Eva tivesse uma boa conversa, faltava-lhe algo mais.
Assim, Glória começou a ensiná-la a se maquiar, a arrumar os cabelos, a se vestir.
No começo, durante as primeiras tentativas de exibir a amiga, os resultados não foram satisfatórios. Por várias vezes Maryeva tropeçou no salto e quase foi ao chão. Inúmeras vezes também, Maryeva ensaiou uma aproximação de Eduardo e este a ignorou completamente.
César por sua vez, não pôde deixar de ver as tentativas de aproximação ensaiadas por Eva. Tanto que diversas vezes riu dela. Certa vez, chegou a dizer:
-- Desista! Você não está vendo que ele não está nem um pouco interessado? Você está perdendo seu tempo!
Dizia isto e depois virava as costas.
Maryeva ao ouvir estas frases, ficou desapontada. Tão desapontada que chegou ao ponto de pensar em desistir de continuar suas tentativas de se tornar uma mocinha cheia de boas maneiras.
De tão chateada ficou sem conversar com Glória por três dias.
Porém, nem tudo estava perdido.
Glória, mais uma vez com seu jeitinho, conseguiu convencer Maryeva a continuar tentando.
E toca a ajudar a moça a equilibrar livros na cabeça, a ensiná-la a andar de salto, entre outras coisas.
Por fim, depois de dois meses, lá estava Maryeva pronta para mostrar que era tão bonita quanto qualquer garota de sua idade. Magrinha sim, mas nem por isso feia!
Embora não fosse igual a Ana Lúcia, não era feia como achava.
Ao se mirar no espelho, vestida com uma linda blusa e uma saia longa rodada, Maryeva, pôde constatar que ficava muito melhor com os cabelos soltos. Abandonando seus óculos pesados, e usando uma armação mais clara e leve, pôde também constatar que seu rosto aparecia mais.
Até mesmo Glória, que há tempos a vinha ajudando, ao vê-la tão bonita com seus óculos novos, ficou espantada:
-- Eva! Eu nunca pensei que mesmo de óculos você fosse ficar tão bem! Espertinha! Escondendo o jogo!
Ao ouvir isso, Maryeva caiu na risada.
Uma coisa, porém, ela não podia negar. Realmente, os óculos novos lhe assentaram muito bem. Além disso, ela não era tão feia quanto imaginava ser.
Feliz com a transformação, Maryeva ficou um longo tempo a se admirar no espelho.
Glória, percebendo o encantamento da amiga, deixou-a sozinha durante algum tempo. Depois porém, adentrou novamente o quarto de Eva, e dizendo que gostaria de fazer um passeio pela praia com ela, puxou-a pelo braço.
Ao notar que a intenção de Glória era exibi-la para todos, Maryeva, relutou em segui-la.
Glória então, percebendo isso, insistiu.
Maryeva porém, ainda insegura, pediu para a amiga ir sozinha. Dizendo que precisa de um tempo para se acostumar com as mudanças, Eva afirmou que no dia seguinte, as pessoas poderiam vê-la mais arrumada.
Godóia, percebendo que não adiantava insistir, concordou. Dizendo que estava certo, salientou que na tarde seguinte, elas passeariam juntas.
Meio sem jeito, Maryeva concordou.
-- Se não tem outro jeito. Está bem! Nós sairemos para passear.
Glória, constatando que agora tudo parecia estar se acertando, pulou de alegria. Abraçando a amiga, comentou que estava muito feliz.
Nisso, Glória despediu-se de Maryeva e foi caminhar na orla da praia.
Enquanto isso, Maryeva deitou-se em sua cama e ficou a pensar.

No dia seguinte, ao chegar no colégio, algumas pessoas notaram a mudança e chegaram a comentar:
-- Essa daí, não é aquela garota a que Ana Lúcia disse poucas e boas? Está tão mudada...!
Maryeva, preocupada com a impressão que iria causar, estava tão nervosa que mal ouviu os comentários.
Como havia se arrumado sozinha, temia que tivesse feito alguma coisa errada e as pessoas fossem rir dela.
Mas não. Estava perfeita.
Glória, ao vê-la com os cabelos arrumados, o uniforme sem um vinco, ficou espantada:
-- Evinha! Mas você está me saindo melhor que a encomenda!
Maryeva, ao ouvir as palavras alvissareiras da amiga, abriu um sorriso largo.
A seguir, Glória puxando Maryeva pelo braço, apresentou-a à suas colegas de classe.
A maioria delas, mal reconheceu Maryeva.
Não fosse Glória falar sobre a mudança da amiga e todas achariam que era uma nova aluna.
Feliz, Maryeva foi para a sala de aula.
Com isso, foi apenas uma questão de tempo para que Ana Lúcia ficasse sabendo da transformação. Mas esnobe, preferiu ignorar a mudança.
Durante à tarde, enquanto Eva e Glória caminhavam juntas pela orla da praia, Ana Lúcia, com seu maiô, atraía todos os olhares. Mas houve também que observasse Maryeva, que estava realmente muito demudada.
Eduardo, acompanhado de César, logo que a viu, perguntou ao amigo quem era.
César, igualmente admirado, respondeu que nunca a tinha visto antes. Mas, curioso, prometeu a Eduardo que tentaria conversar com Glória, já que a conhecia de vista.
Assim foi.
Com isso, ao final de alguns dias, finalmente César foi conversar com Glória. Ao dizer que seu amigo adoraria conhecer a moça que a acompanhava, ouviu como resposta que Glória precisava primeiro falar com ela.
César percebendo um certo desdém, insistiu em dizer que Eduardo gostaria muito de conversar com ela. Afirmando que seu amigo ficara muito impressionado com a moça, foi interrompido por uma pergunta de Glória:
-- Nossa! Mas onde foi que seu amigo viu Eva?
César então respondeu:
-- Então o nome dela é Eva? Pois bem, eu e meu amigo a vimos passeando na praia anteontem.
Glória, ao notar que o plano das duas estava dando certo, comentou que falaria com ela assim que terminassem as aulas.
César agradeceu.
Quando comentou com Eduardo que Glória falaria com a moça, percebeu que o amigo ficou desapontado. Mas, convencido de que Eva aceitaria lhe falar, César pediu ao amigo para que tivesse um pouco mais de paciência.
Eduardo aborrecido, acabou concordando. Comentando que era a primeira vez que uma garota fazia charme para encontrá-lo, Eduardo achou graça. Tanto, que disse ao amigo que seria divertido conquistar uma pessoa assim tão reservada.
César concordou.
No final das aulas, quando finalmente Glória pôde conversar com Eva, ao lhe contar que Eduardo gostaria de falar-lhe, a moça ficou exultante.
Satisfeita e ao mesmo tempo surpresa, Eva comentou que não esperava que o plano das duas começasse a surtir efeito tão rapidamente.
Foi então que Glória comentou que Eduardo jamais deixaria de observar uma garota bonita.
Ao ouvir isso, Maryeva censurou a amiga. Dizendo que agiria de maneira diferente, alegou que faria ele se apaixonar por ela.
Glória por sua vez, alertando a amiga para o fato de que Eduardo tinha fama de cafajeste, pediu para que ela tivesse cuidado ao se envolver com o rapaz.
Eva, percebendo a preocupação, prometeu que só se envolveria de verdade com ele, se valesse à pena.
Glória, ao ouvir estas palavras, insistiu para que sua amiga ficasse precavida.
Maryeva, concordou. Eduardo realmente tinha uma péssima reputação, e se ele realmente não estivesse interessado nela, não valeria a pena investir nesse relacionamento.
Godóia finalmente respirou aliviada.
Nisso, no dia seguinte, Glória, dizendo a César que não havia problemas, respondeu que Eduardo poderia marcar um encontro.
César, mais do que depressa foi contar ao amigo o que Glória disse.
Eduardo então, cochichou no ouvido do amigo uma data.
No término da aula, lá estava César, trazendo um bilhete para Eva, com a data do encontro.
Desta forma, foi apenas uma questão de dias para os dois finalmente se encontrarem.
Eduardo, fazendo o gênero cavalheiresco, fez de tudo para deixá-la maravilhada. Buscou-a em sua casa, abriu a porta do carro para que ela entrasse e saísse do automóvel, acomodou-a em uma cadeira quando a levou para a lanchonete. Educado, ouviu atentamente suas palavras e procurou ser simpático.
Maryeva por sua vez, um pouco nervosa com o encontro, falou pouco.
Eduardo então, aproveitando a ocasião, não parou de falar de si mesmo, e tentou de todas as maneiras possíveis, passar a imagem de um rapaz de família. Tentando chamar a atenção de Maryeva, contou até algumas piadas.
A garota, que o ouviu atentamente, adorou o jantar, as flores que ele lhe ofereceu, a companhia e a gentileza. Mas a certa altura, dizendo que estava tarde e precisava voltar para casa, pediu para ir.
Eduardo, mais do que depressa, pagou a conta, e levando-a de volta para a casa, perguntou-lhe quando os dois poderiam se encontrar novamente.
Maryeva, um pouco surpreendida pela pergunta, respondeu que, qualquer dia desses os dois poderiam voltar, a se encontrar.
Eduardo, nem um pouco satisfeito com a resposta, considerou-a um tanto quanto vaga, e por isso, comentou que apareceria de surpresa em seu colégio para buscá-la.
Maryeva concordou. Nisso, a moça abriu o portão, adentrou o jardim e finalmente entrou na casa.
Eduardo, que aguardou Eva, entrar em casa, ao vê-la fechar a porta, retornou para sua residência. Dirigindo seu carro, não demorou muito para chegar.

No dia seguinte, animado com o encontro, comentou com César que não demoraria muito para conquistá-la. Dizendo que a deixou encantada com sua conversa, chegou ao displante de afirmar que Eva estava no papo.
César, comentando que Eva não parecia estar tão interessada assim, insistiu em dizer que não seria tão fácil quanto parecia, conquistá-la. Alegando que Eva, fazia o gênero moça de família, preveniu-o dizendo que ele poderia estar arrumando encrenca se envolvendo com ela.
Mas Eduardo não queria saber. Para provar que nenhuma mulher lhe resistia, seria capaz até mesmo de se envolver com Eva.
Com isso, Eduardo no fim das aulas, aparecendo no colégio de surpresa, levou Eva para casa. Aproveitando que Glória não estava por perto, Eduardo aproveitou para conversar um pouco mais com ela.
Quem não gostou nada disso foi Glória que, ao se ver voltando sozinha para casa, ao saber por terceiros que sua melhor amiga estava andando de carro com Eduardo, ficou preocupadíssima.
Por conta disso, assim que pôde, chamou-lhe a atenção para este fato. Dizendo que Eduardo não era de confiança, Glória alertou a amiga. Afirmando que esse tipo de comportamento a poderia colocar em uma situação delicada, comentou que todos no colégio já estavam falando do passeio de carro que ela fizera com Eduardo.
Surpresa, Eva perguntou:
-- E o que isso tem de mais?
Preocupada Glória comentou:
-- E o que isso tem de mais? Pois você não sabe que esse Eduardo tem a péssima fama de levar todas as garotas com que quer ter um encontro nesse carro?
Maryeva, percebendo isso, comentou que não se lembrou disso no momento em que o rapaz lhe ofereceu carona.
Glória então, ao notar a desatenção da amiga, perguntou:
-- Se esqueceu? Pois não se esqueça nunca mais, está ouvindo? Ou acabará ficando falada.
Nisso o tempo foi passando.
Maryeva um pouco chateada com a amiga, continuou a se encontrar com Eduardo.
No entanto, muito embora nos primeiros encontros, Eduardo tenha se mostrado extremamente simpático, tanto que atraiu até mesmo a estima de seus pais, com o passar do tempo, o rapaz começou a perder a compostura. Insinuando que os dois deveriam ficar mais tempo juntos, comentou que precisava de uma prova de amor.
Maryeva, aturdida, ao ouvir esta conversa, comentou:
-- Mas que prova de amor? Acaso não estou aqui com você passando esta tarde linda te ouvindo falar?
Eduardo, no entanto, não estava se importando com singelezas. Desta forma, respondeu que isso não era o bastante. Afirmando que outras garotas costumavam ir mais longe com seus namorados, Eduardo alegou que o namoro dos dois estava muito sem graça, e que algo precisava ser feito.
Maryeva, decepcionada com o comportamento de Eduardo, pediu um tempo para pensar.
Mais tarde, ao se encontrar com Glória, a amiga, percebendo seu desapontamento, tentou de todas as formas possíveis, descobrir o que estava acontecendo. Todavia, Maryeva insistia em dizer que estava tudo bem.
Glória, porém, sabia que nada estava bem. Conhecia muito bem Maryeva e por isso mesmo aconselhou-á:
-- Você não quer me contar o que está acontecendo? Tudo bem! Não precisa falar se não quiser. Até por que eu já sei do que se trata.
Maryeva espantada, tentou desconversar, mas Glória afirmou que não adiantava ela negar. O problema só podia ser Eduardo.
Imaginando esta possibilidade, Glória aconselhou Eva, a pensar bem antes de fazer qualquer coisa da qual pudesse se arrepender depois.
Maryeva tentou mudar o assunto, mas Godóia, reiterou o aviso.

Por conta disso, no dia seguinte, ao ser abordada por César, Maryeva tentando evitar conversas, disse que estava ocupada.
Olha! Foi um custo se desvencilhar do insistente César, mas ela conseguiu.
Todavia, não daria para evitar eternamente esta conversa.
Certo dia, cercada novamente por César, Maryeva disse que não estava bem para conversar e que por isso, tinha que voltar cedo para casa.
No dia seguinte, Eduardo, cansado de ser enrolado, foi pessoalmente à escola de Maryeva tentar encontrá-la.
A moça, percebendo a aproximação de Eduardo, tratou logo de entrar na classe.
Por conta disso, Eduardo procurou-a por todo o pátio do colégio e não a encontrou.
Furioso, ao conversar com César, comentou que essa desfeita não passaria impune.
Nisso, Maryeva, ao passar pelo pátio, no horário do intervalo, acidentalmente, trombou em Danilo. Contudo, ao contrário do que se sucedera com Ana Lúcia, o rapaz, percebendo que o encontrão não fora proposital desculpou-a.
E Maryeva então, foi se encontrar com sua amiga.
Dizendo que estava em apuros, pediu conselhos. Perguntando a Glória sobre o que fazer nesta situação, ouviu como resposta que ela tinha procurado essa confusão.
Maryeva, aborrecida com a atitude da amiga, afirmou que aquele não era o momento para sermões e sim para ajudar. Até por que, a idéia da transformação partira de Glória e não dela.
Ao ouvir isso Glória concordou.
E assim, as duas ficaram a pensar numa saída para o problema de Maryeva.
Danilo, por sua vez, sozinho, procurava um lugar sossegado para comer. Desengonçado e usando pesados óculos fundo de garrafa, mais parecia uma versão masculina do que fora Maryeva.
Retraído, só conseguia chamar a atenção dos garotos, que o perseguiam com brincadeiras de mau gosto e apelidos cruéis.
Pois bem, quando finalmente encontrou uma mesa vazia, calmamente sentou-se e acreditando que desta vez ficaria sossegado, começou a comer. Foi quando apareceram dois garotos que começaram a infernizá-lo.
Pegando sua comida e chamando-o de ‘o monstro da lagoa negra’, começaram a atrair a atenção de todo o pátio.
A humilhação foi pública. Todos os que estavam próximo ouviram o impropério, e Danilo depois da confusão, foi direto para a classe.
Esse tipo de perseguição era uma constante em sua vida. Acostumado a ser maltratado, não considerava o colégio o melhor lugar para se passar às horas. Muito embora fosse um bom aluno, a maioria dos estudantes não gostava dele.
Achavam-no feio, desenxabido, chato e estranho.
Para ele, a única razão de ir ao colégio era Ana Lúcia. A garota com que todos os garotos sonhavam, e com a qual todas as garotas gostariam de se parecer.
Mas Ana Lúcia nem sabia de sua existência.
Tímido, Danilo nem ousava se aproximar, mas assim como Maryeva gostava de Eduardo, há muito tempo sonhava com ela. Em seus sonhos, sempre aparecia bem vestido, alinhado e encantador. Em seus devaneios, Ana Lúcia sempre estava apaixonada por ele.
Mas quando acordava, era duro se deparar com a realidade.
Aluno antigo do colégio, já estava acostumado com seu isolamento.
E ainda ficará sozinho por algum tempo. Mas não para sempre.
Nesse ínterim, Glória, pensando em uma solução para afastar Eduardo de Maryeva, chegou a conclusão de que somente contando a ele que ela não estava interessada, a situação se resolveria.
Maryeva ao ouvir isso, ficou desapontada. Percebendo que teria que enfrentar a fera, comentou:
-- E, eu vou falar com ele! O que se há de fazer?
Nisso, no dia seguinte, cheia de coragem, ao ver Eduardo se aproximando de carro, quando saía do colégio, ouviu a seguinte pergunta:
-- Não quer uma carona?
Gentilmente Maryeva declinou do convite.
Insistente, Eduardo disse que precisava conversar com ela.
Maryeva respondeu:
-- Está certo. Nós vamos conversar.
Eduardo então, pediu para que ela entrasse no carro. Sem outra alternativa, Maryeva concordou. E lá se foram os dois de carro.
Ao chegar na praia, Eduardo parou o carro. Ansioso, começou perguntando por que ela o estava evitando.
Maryeva respondeu:
-- Olha, escute! Eu estou há alguns dias encontrando coragem para te dizer isso... mas é que eu não sei por onde começar... É que não é fácil para mim, fazer isso... Mas é que eu preciso... eu preciso.
Impaciente, Eduardo perguntou:
-- Precisa o quê?
Pressionada, Maryeva respondeu:
-- Eu preciso dizer que não dá mais. Eu sei que você é uma pessoa legal, simpática, mas eu não estou pronta pra esse tipo de relacionamento.
Espantando Eduardo perguntou:
-- Como assim?
Maryeva, então, enchendo-se de coragem respondeu:
-- Eu não quero mais ser sua namorada.
Ao ouvir isso, Eduardo ficou furioso. Sem pensar nas conseqüências, ameaçou Maryeva. Dizendo que nunca fora dispensado, comentou que ela estava brincando com o perigo.
Maryeva, percebendo a irritação do rapaz, pediu desculpas e tentando descer do carro, foi impedida por Eduardo, que disse:
-- Você não vai descer. Enquanto as coisas não chegarem aos meus termos, você não sai daqui!
A moça, percebendo a gravidade da situação, pediu para ele reconsiderar sua atitude. Dizendo que ela não podia mandar em seus sentimentos, comentou que tivera dúvidas em tomar esta decisão, mas que depois, percebendo as atitudes dele, afirmou que agora não tinha a menor dúvida de que estava fazendo o melhor para si.
Eduardo, notando que Maryeva não mudaria de idéia, e, percebendo que todos o olhavam, deixou-a descer do carro. Todavia, antes que ela saísse do automóvel segurou seu braço e advertiu-a:
-- No momento, eu vou deixar você livre. Mas não pense que nossa história acaba aqui. Ela está mal começando. Me aguarde. Você ainda vai se arrepender!
Depois de proferir estas palavras, Eduardo soltou o braço de Maryeva e finalmente deixou-a ir.
Apavorada, Maryeva saiu correndo dali.
Nervosa, assim que chegou em casa, ligou para a amiga. Contando-lhe o que havia acontecido, conseguiu deixá-la chocada.
Glória, preocupada com a amiga, sugeriu a ela chamar a polícia.
Maryeva, dizendo que não tinha como provar que havia sido ameaçada, revelou que não havia nada a ser feito.
Furiosa, Glória concordou com a amiga.
Com isso, nos primeiros dias que se seguiram à ameaça, Maryeva não desgrudou de Glória. Contudo, foi só o tempo passar para que Eva se esquecesse dos impropérios de Eduardo e voltasse a fazer passeios despreocupadamente pela orla da praia.
Danilo que venerava Ana Lúcia, também adorava fazer esses passeios pela praia, pois invariavelmente avistava sua musa. Quase sempre cercada de outros admiradores.
Foi exatamente numa dessas tardes que ele reencontrou Maryeva, que ao vê-lo distraído, por pouco não trombou novamente nele. Mas, como estava mais atenta, ao percebê-lo, pediu ao mesmo que tivesse cuidado, ou acabaria trombando em alguém.
Danilo pediu desculpas. Ao ver Maryeva novamente, comentou:
-- Eu te conheço!
Maryeva ao ouvir o comentário, começou a pensar e depois de algum tempo respondeu:
-- Eu também acho que te conheço!
Danilo então respondeu que foi ela que lhe deu um encontrão.
Maryeva ao se lembrar do incidente, pensou mais um pouco. Ao constatar que ele era o garoto em quem trombara, novamente pediu desculpas.
Danilo ao ouvir as palavras de Maryeva, comentou que ela não precisava se desculpar.
Nisso, ele, Maryeva e Glória começaram a conversar.
Seria apenas uma questão de tempo até se tornarem amigos.
Com isso, ao saberem de sua adoração por Ana Lúcia, Glória comentou com Maryeva se não seria o caso de lhe ensinar a se vestir melhor, entre outras coisas. Segundo ela, quem sabe assim, ele chamasse a atenção da metida da Ana Lúcia?
Maryeva, percebendo a intenção da amiga, comentou que não seria justo usar o garoto como uma resposta à arrogância de Ana Lúcia. Usar alguém para se vingar de outrem era a pior coisa que ela poderia fazer, respondeu.
Godóia ao ouvir as palavras de censura da amiga, perguntou:
-- E o que isso tem de mais?
-- O que é que tem de mais? Você ainda pergunta? Será que você não pensa nas conseqüências do que faz? Ou você acha justo brincar com os sentimentos dos outros? Onde já se viu uma coisa dessas! Você acha que ele merece ser usado desta maneira? – perguntou Maryeva aborrecida com a idéia da amiga.
Glória, ao perceber que falara bobagens, pediu desculpas a amiga. Dizendo que falara sem pensar, comentou que Maryeva tinha toda a razão em censurá-la.
Nisso, Danilo, cada vez mais apaixonado por Ana Lúcia, imaginava se algum dia ela iria se dignar a olhar para ele.

Maryeva, por sua vez, decepcionada com Eduardo, ao notar o interesse de César, inicialmente relutou em lhe dar atenção, mas depois, acabou concordando em passear com ele.
Isso por que gentil, o rapaz acaba lhe convencendo que não tem nada de mais em ela conversar um pouco com ele. Assim, depois de dias, cercando-a, César consegue finalmente um encontro.
Depois de alguns dias pedindo para ela sair com ele, César finalmente convence a garota.
Muito embora, Maryeva não considerasse isso um encontro, Glória preocupada, ao saber disso, aconselhou a amiga a ter cautela.
Maryeva concordou.
Com isso, no dia do encontro, César colocou sua melhor roupa e foi ao encontro da moça. Buscando-a em casa, a levou de táxi até uma festa.
Lá os dois dançam ao som do ritmo do momento, a bossa-nova:

“...Era uma vez
Um lobo mau
Que resolveu jantar alguém
Estava sem vintém
Mas se arriscou
E o lobo se estrepou

Chapeuzinho de maiô
Ouviu buzina e não parou
Porém o lobo insiste
E faz cara de triste

Chapeuzinho ouviu
Os conselhos da vovó
Dizer que não pra lobo
Que com lobo não sai só...

Lobo canta, pede
Promete tudo até amor ...
É vendo chapeuzinho de maiô

Mas, chapeuzinho percebeu
Que o lobo mau se derreteu
Pra você ver que lobo
Também faz papel de bobo

Só posso lhe dizer
Que chapeuzinho agora traz
Um lobo na coleira
Que não janta nunca mais
Lobo bobo! ...”
(Carlinhos Lyra – Lobo Bobo)

Animado, César não perdeu a oportunidade de contar vantagens a seu respeito. Dizendo-se filho de diplomatas, o rapaz comentou que possuía muito dinheiro. Afirmando ser mais rico que Eduardo, César estava tentando de todas as formas possíveis, impressionar, Maryeva, que no entanto, não estava nem um pouco interessada nisso.
Para ela, aquele encontro era apenas uma forma de passar o tempo, e quem sabe convencer Eduardo que não havia mais nada entre eles. Muito embora, tenha estranhado o súbito interesse de César, por sua pessoa, Maryeva, acabou deixando de lado suas desconfianças.
Isso por que, depois de algum tempo Eduardo parou de importuná-la. Com isso, César, percebendo o caminho livre, começou a investir em Eva.
Dedicado a isso, César com o passar do tempo, acabou convencendo-a de que não havia nenhum problema em ficarem juntos.
Contudo, a intenção do rapaz era a mesma de Eduardo.
Mas César, não deixou sua intenção clara para Maryeva.
Cauteloso, ao final da festa, procurando se mostrar gentil, levou Maryeva até sua casa.
Insistente, por várias vezes tentou marcar um novo encontro, mas, Maryeva relutava. César percebendo isso, preferiu fazer o gênero bom moço e ter um pouco mais de paciência.
Quem não gostou nem um pouco de saber do encontro de Eva com ele, foi Eduardo, que, sentindo-se passado para trás, brigou com o amigo. Sentindo-se enganado, disse a César que a amizade entre eles estava terminada e que esta falseta teria troco.
César, desdenhando a ameaça, comentou que não estava nem um pouco preocupado. Insinuando que ele e Maryeva estavam mais unidos do que nunca, comentou que agora, não precisava mais dele.
Eduardo, ao ouvir isso, ficou furioso, mas sem ter como reagir, resolveu esperar o momento oportuno para dar o troco.
Segundo ele, não tardaria o momento da desforra.
César por sua vez, era só alegria. Acreditando que seria apenas uma questão de tempo, para enredar Maryeva, se derramava em gentilezas para a moça. Insistente e prestativo, acabou convencendo-a fazer passeios em sua companhia. Porém, nas várias vezes em que tentou uma aproximação maior, a moça se afastou.
A certa altura, cansado desse joguinho, César comentou consigo que já estava na hora de ser mais agressivo e mostrar claramente quais eram as suas intenções.
Maryeva, alheia às péssimas intenções de César, continuava amicíssima de Glória, e agora havia, também, se tornado amiga de Danilo. Este garoto, que vivia sempre sozinho, lhe fez relembrar à época em que vivia a mesma situação. Solidarizando-se com ele, depois de algum tempo de amizade, Eva sugeriu a ele para mudar um pouco seu modo de vestir.
Certo dia, ao vê-lo triste em canto do pátio do colégio, por mais uma vez ser esnobado pelos garotos do colégio, Maryeva foi lhe perguntar o que havia acontecido.
Magoado Danilo comentou:
-- O que aconteceu? O que sempre acontece comigo. O que pode acontecer com alguém tão feio e desajeitado, como eu?
Quando Maryeva foi tentar lhe consolar, Danilo repentinamente saiu correndo dali.
Por conta disso, a moça ficou pensativa.
Quando Glória a viu tão absorta, chegou a perguntar no que ela estava pensando.
Maryeva respondeu que pensava no incidente que havia ocorrido instantes antes.
Contando o que havia acontecido, Maryeva ouviu Glória dizer que o que Danilo precisava era de uma grande mudança.
No tocante a isto, Maryeva concordou. Mas como convencer o tímido e retraído Danilo que mudar seria bom?
Cautelosa, Maryeva comentou que certa vez chegou a mencionar que ele deveria mudar seu modo de vestir, mas Danilo ignorou a sugestão.
Glória percebeu então, que precisaria ser mais enérgica.
Dito e feito.
Assim que viu o rapaz, Godóia o bombardeou com sugestões de como mudar seu visual.
Danilo ao ouvir as idéias da garota, imediatamente recusou as sugestões. Dizendo que era um caso perdido, comentou que nada do que vestia lhe assentava bem.
Glória ao ouvir isso, respondeu que nada era impossível.
Mesmo assim, Danilo continuava reticente quanto a mudanças.
Foi só quando Maryeva chamou-o para uma conversa, num momento complicado de sua vida, é que ele passou a levar essa história de mudança de visual em consideração.
Depois de ser mais uma vez humilhado pelos garotos do colégio, Danilo, exasperado, comentou com Maryeva que não agüentava mais viver aquele tipo de situação. Sentindo-se um patinho feio, Danilo revelou que não gostava de sua aparência e que gostaria de ser mais atraente.
Quase à beira das lágrimas, o rapaz mostrou a Maryeva, o quanto é ruim se sentir rejeitado.
Quando a moça percebeu a tristeza do amigo, relembrou-se de seus tristes dias.
Penalizada, Maryeva segurou o rosto de Danilo e retirando seus óculos, olhou atentamente para seu rosto. Foi então que a moça percebeu que Danilo não era tão feio quanto imaginava.
Inspirada, Maryeva, segurando seus óculos, comentou:
-- Danilo! Você nem imagina o que estou vendo!
-- Um garoto horroroso com certeza! – respondeu ele desanimado.
-- Mas é claro que não! O que eu estou vendo é algo nem eu mesma imaginava! Danilo, você não é feio não. O que te falta é um pouco de cuidado. Só isso. Você é bonito!
Ao ouvir isso, Danilo ficou espantado. Incrédulo, Danilo alegou que ela só dissera isso para ser gentil com ele.
Maryeva ao ouvir as palavras de Danilo tentou retrucar, mas, ele recusou-se a ouvi-la. Saindo em disparada, deixou-a sozinha.
A moça ficou desapontada.
Contudo, o que parecia não ter produzido resultado, com o passar do tempo, revelou-se uma ótima medida. Isso por que, depois de alguns dias, Danilo, enchendo-se de coragem, finalmente bateu na porta de Eva. Dizendo-se disposto a mudar, pediu ajuda a ela e a sua amiga Glória para que passasse por uma transformação.
Glória ao saber do pedido de Danilo, ficou animadíssima. Dizendo que o transformaria em um príncipe, comentou que estava se especializando em ser fada madrinha.
Com isso, começaram os preparativos para transformar Danilo em um verdadeiro cavalheiro. Primeiramente, sugeriram que ele trocasse suas roupas em desalinho, por algo mais atual. Jaquetas de couro, roupas justas, enfim, algo bem diferentes das roupas comportadas que ele costumava usar.
Inicialmente, Danilo resistiu a idéia. Insistindo em dizer que seu físico não ajudava, comentou que era muito magro para usar aquelas roupas.
Glória então, percebendo Danilo tinha uma certa razão, acabou concordando com ele. Muito embora ele não fosse tão magro assim, a moça entendeu que Danilo era discreto.
Desta forma, Glória sugeriu a ele não usar roupas tão justas.
Verificando as roupas do rapaz – quando ele trouxe algumas peças em uma sacola – Glória percebeu que teria muito trabalho pela frente.
Mesmo assim, a moça não desistiu da idéia de ajudá-lo. Percebendo que as roupas que ele usava não ajudavam, sugeriu um guarda-roupa novo.
Nesse aspecto Maryeva ajudou muito Danilo. Orientando na escolha das roupas, ajudou-o a encontrar calças com um bom corte, camisas, sapatos, etc.
Encontrar boas roupas e começar a transformação de Danilo, não foi nada fácil, mas ao fim de alguns dias o novo guarda-roupa do rapaz, estava formado.
Era o primeiro passo da mudança.
Em seguida, Glória, auxiliada por um amigo, ensinou Danilo a ter uma postura melhor ao andar, ao sentar-se, etc.
Ao ensiná-lo a se comportar em um jantar formal, Danilo mostrou seu lado mais desajeitado. A esta altura, Ivan quase desistiu de auxiliar a amiga. Não fosse o empenho de Glória e tudo teria terminado.
Glória, obstinada Glória.
Danilo por sua vez, sentiu grandes dificuldades para mudar. Mas decidido a deixar de ser o rejeitado, empenhou-se com afinco para aprender tudo o que lhe era ensinado. E como já foi dito, não foi nada fácil.
Quanto a este aspecto, cabe ressaltar que Maryeva lhe deu muito apoio. Ciente da adoração que rapaz tinha por Ana Lúcia, Maryeva toda a vez que o via desanimado, dizia-lhe para não desistir. Dizendo que talvez até mesmo Ana Lúcia poderia ficar surpresa com a mudança, sugeriu ao rapaz lutar por ela.
Danilo ao ouvir este incentivo pela primeira vez, duvidou que pudesse chegar a tanto. Mas, depois de ouvir reiteradas vezes que estava melhorando a cada dia, e que cedo ou tarde ela finalmente o notaria, finalmente, o rapaz aventou esta possibilidade.
Sim, mudaria não só para tornar mais interessante, mas também para conquistar Ana Lúcia. Sim, ficaria tão atraente, que nem mesmo ela lhe seria indiferente.
Quem não gostou de ouvir isso foi Glória.
Quando Maryeva percebeu a contrariedade da amiga, chegou a pensar que ela estivesse interessada em Danilo.
Glória, ao ouvir este comentário de Eva, ficou furiosa. Dizendo que apenas não gostava de Ana Lúcia, afirmou que ele teria com ela, a mesma experiência que ela teve com Eduardo.
Maryeva ao ouvir estas palavras, ficou sentida com as palavras de Godóia, mas percebendo que ela poderia ter razão, chegou a sentir um pouco de culpa ao incentivar Danilo a conquistar Ana Lúcia.
Foi então que Glória respondeu que talvez fosse melhor assim. Isso por que, conhecendo-a de verdade, quem sabe ele, deixaria de lado esta obsessão e se interessaria por outra pessoa?
Maryeva ao ouvir estas palavras, concordou.
Com isso, ao final de três meses, finalmente Danilo estava pronto para mostrar a todos que não era apenas um garoto feio e desajeitado, mas também alguém muito interessante. Interessante, não só por conta de sua nova aparência, mas também, por que sempre foi muito esforçado e estudioso.

Dito e feito. Ao chegar no colégio, não demorou muito para que algumas garotas o notassem. Mesmo de uniforme, seus cabelos penteados com gel e seus óculos de uma armação leve, já denunciavam uma grande mudança.
Ao final de alguns dias até mesmo Ana Lúcia notou Danilo.
Mas não seria desta vez que os dois conversariam. Faltava ainda, romper uma grande barreira, que era a inibição de Danilo. Isso levaria algum tempo.
Mas com um empurrãozinho de Glória, não demorou muito para este encontro acontecer. Organizando uma festa em sua casa, a garota finalmente conseguiu criar uma oportunidade para os dois conversarem a sós.
Foi assim, que finalmente os dois começaram a se encontrar.
Danilo, inicialmente encantado com a moça, só sabia admirá-la ainda mais. Isso por que Ana Lúcia sempre procurou ser gentil e simpática com ele. Amável, mal parecia a garota arrogante que Glória não suportava.
Contudo, com o passar do tempo, Ana Lúcia, sentindo que já havia conquistado Danilo, passou a mostrar um lado não muito agradável, de sua personalidade.
Mesmo assim, encantado, Danilo levava Ana Lúcia para comer lanches, passear na orla da praia, etc.
Muito embora os admiradores não deixassem de cercá-la, Danilo fazia questão de deixar bem claro que ele era o namorado dela.
Mergulhando nas águas da praia, Danilo brincava de jogar água em Ana Lúcia.

“Ana, Ana Lúcia
Um pôr-de-sol, mar azul
E a sua voz, na minha voz
Dizendo meu amor

Ana, Ana Lúcia
Seria bom dizer
Chegou agora,
O sol já vai nascer
O mar está em paz
Eu já sonhei
Demais...

Ana Lúcia...”

Todavia, o que num primeiro momento era um namoro cheio de alegria, aos poucos começou a se tornar um triste fardo. Isso por que, arrogante e vaidosa, Ana Lúcia aos poucos começou a deixar Danilo de lado e o evitar.
Namoradeira, Ana Lúcia passou a se encontrar com outros admiradores.
Danilo, sentindo-se sozinho, certo dia, desconfiado das atitudes de Ana Lúcia, passou a segui-la. Neste momento, ao vê-la entrando no carro de um estranho, percebeu que a moça o estava passando para trás.
Danilo, constatando que era apenas mais um na lista de admiradores da moça, começou a reagir contra isso. Embora inicialmente tenha aceitado a situação, depois de algum tempo, resolveu reagir.
Chateado, percebendo que deixara os amigos de lado só para namorar Ana Lúcia, Danilo resolve reencontrá-los.
Assim, retomando a amizade com Glória e Maryeva, Danilo percebe quem realmente é a garota de seus sonhos.
Cada vez mais enturmado com Ivan, Glória e Maryeva, o rapaz percebe que idealizar uma pessoa é bobagem. Convivendo com Maryeva, Danilo constata, que ela é a única garota que o entende de verdade. Conversando com a moça, Danilo percebe que ambos possuem afinidades.
Ana Lúcia, que passara a esnobá-lo, ao vê-lo certo dia, passeando com Maryeva e tomando sorvete na orla da praia, fica furiosa. Sentindo-se enganada, constata que Danilo a deixou de lado.
Contudo, vingativa, Ana Lúcia não aceita, o que para ela é uma traição.
Por sua vez, Maryeva, cansada dos joguinhos de César, resolveu deixar bem claro que não estava mais interessada em namorá-lo.
César porém, ao ouvir estas palavras, não ficou nem um pouco satisfeito. Por conta disso, ao perceber que Maryeva não iria mudar de idéia, resolveu agarrá-la.
Ivan, que caminhava pela beira da praia, ao ver a amiga em apuros, partiu em sua defesa. Ameaçando bater em César, Ivan o pôs para correr.
Preocupado, Ivan comentou que precisa falar sobre o incidente com Glória.
Maryeva porém, acreditando que a situação estava resolvida, pediu para que ele não contasse nada para ninguém.
Ivan, relutou em atender o pedido de Maryeva, mas a moça insistente, alegando que não tinha por que preocupar a amiga, acabou convencendo-o.
O rapaz, percebendo a boa intenção da moça, concordou.
Nisso, Danilo, feliz com a amizade de Eva, resolve convidá-la para outro passeio.
A certa altura, até mesmo Ivan percebe o interesse de Danilo em Eva. Indiscreto, chega até a perguntar ao rapaz, por que ele não conta para Eva, seu interesse por ela.
Danilo ao ouvir isso, ficou um tanto desconcertado.
Ivan, por sua vez, insistindo muito, continuou a dizer que ele deveria contar a Maryeva, sobre seu interesse.
Aborrecido com a insistência de Ivan, Danilo o deixa falando sozinho.

Contudo, seria apenas questão de tempo para que Danilo e Maryeva passassem a namorar. Isso por que, cada vez mais encantado com a moça, o rapaz finalmente percebe que Eva é a garota dos seus sonhos.
Entrementes, no tocante a isso, Maryeva ao perceber os olhares de interesse de Danilo, inicialmente fica um tanto quanto constrangida. Sim, foi preciso tempo e paciência para o rapaz convencê-la de que eles deveriam ficar juntos.
Mas, quando finalmente a moça decidiu namorar Danilo, as coisas começaram a caminhar bem. Contudo, muito embora as coisas tenham caminhado muito bem no início, com o passar do tempo, os dois, passaram a se desentender.
Ana Lúcia, César e Eduardo, ao saberem que Maryeva e Danilo namoravam, ficaram furiosos. Sentindo-se passados para trás, ao tomarem conhecimento da novidade, trataram logo de se encontrarem.
Unidos, ao constatarem que não seria nada fácil separá-los, Ana Lúcia sugere um plano. Furiosa por acreditar que fora trocada por outra, Ana Lúcia comenta que para separar o casal, somente armando um flagrante.
Curiosos, César e Eduardo perguntam que tipo de flagrante.
Ana Lúcia então, explica calmamente seu plano.
César animado, ao terminar de ouvir o plano, comenta que mal pode esperar a hora de por tudo em prática.
Quando finalmente surge a oportunidade, Ana Lúcia chama César discretamente, enquanto tentar reter Maryeva.
A moça, desconfiada, faz de tudo para se livrar de Ana Lúcia, mas ela, espertamente, a induz a acreditar que Danilo a está esperando. E assim, mesmo desconfiada, Maryeva resolve esperar por ele na escola.
Mas, qual não é sua surpresa, ao ver César chegando. Segurando-a pelo braço, ele lhe diz que há muito tempo esperava por aquele encontro e que não perderia esta oportunidade.
Maryeva, aflita, bem que tenta se livrar de César, mas este, mais forte a agarra e percebendo a aproximação de Danilo, a beija.
Danilo, ao vê-la em tão comprometedora situação, fica furioso. Chamando-a de falsa e leviana, o rapaz não lhe dá a menor chance de tentar se explicar.
Mesmo assim, Maryeva chorando, tenta lhe contar que fora vítima de uma armação.
Mas qual o quê? Danilo não quer saber de ouvi-la.

Maryeva então, depois de muito insistir para que ele lhe ouvisse, decide viajar para São Paulo. Comentando com Glória que possuí parentes na cidade, alega que São Paulo é um ótimo lugar para morar.
Glória, ciente de que a amiga fora vítima de uma armação, tenta debalde, convencê-la a não partir. Mas Maryeva está firme neste propósito.
Enquanto isso, Ivan, alertando Danilo, diz-lhe que Maryeva pode ter sido realmente vítima de uma armação.
Mas Danilo teimoso, briga com Ivan. Dizendo que o que Eva fez era indefensável, o rapaz afirma que não quer mais ouvir seu nome.
Ivan, sem ter mais o que fazer, pede desculpas ao amigo e se despede.
Contudo, a teimosia de Danilo em enxergar a realidade não durará muito tempo.
Isso por que Glória, com seu jeitinho, acaba convencendo Danilo a ver o outro lado da história. Dizendo que não está defendendo sua amiga, Glória aconselha o desconfiado rapaz, a ver com seus próprios olhos, o quanto Ana Lúcia, Eduardo e César estão unidos.
Danilo, ao saber que os três ultimamente, estão sempre juntos, comenta que tal fato não quer dizer nada.
Glória porém, afirmando que antes eles nunca andavam juntos, ouviu como resposta, que César e Eduardo eram como irmãos siameses.
Ao ouvir isto, Glória concordou. Mas dizendo que Ana Lúcia não fazia parte do círculo de amizade dos dois, ouviu como resposta, que ambos gostavam de mulheres.
Quanto a isso, Glória também teve que concordar.
Mas ao ouvir, que era muito suspeito que os ex-namorados de ambos estivessem, ultimamente sempre juntos, Danilo finalmente, ficou cismado.
Por conta disso, o rapaz passou a observá-los com mais atenção. Desconfiado, pensou em sondá-los, mas Ivan, percebendo a intenção de Danilo, aconselhou-o a observa-los de longe. Argumentando que se ele os sondasse, poderia deixá-los alerta, Danilo acabou concordando com Ivan.
Contudo, como fazer para descobrir se Eva foi ou não vítima de uma armação?
Ivan, prometendo pensar em alguma coisa, pediu para Danilo ter paciência.
Nisso, ao final de alguns dias, finalmente, quando estava no banheiro, Ivan ouviu César e Eduardo conversando.
Os dois, que até algum tempo atrás estavam brigados, agora comentavam com satisfação, que o plano saiu exatamente como esperavam. Dizendo que Danilo era um tolo, César chegou a comentar que ficou com a parte mais divertida da história.
Quando Eduardo ouviu isso, não ficou nem um pouco satisfeito. Sentindo-se passado para trás, Eduardo retrucou:
-- Sim, você beijou a Eva. Mas nem por isso, você vai ficar com a melhor parte. Ou você acha que ela vai te desculpar pelo que fizeste?
César ao ouvir isso, ficou chocado. Aturdido, só conseguiu responder que poderia alegar que não sabia que Danilo os estava vendo e que só fez o que fez, por que estava apaixonado.
Eduardo ao ouvir a história de César comentou que ela nunca acreditaria nisso. Dizendo que ele estava fora do páreo, comentou que ele havia se dado bem.
Quem não gostou de ouvir isso foi César, que enervado, tentou agredir, Eduardo, que se defendeu. Com isso, os dois foram parar no chão.
Vendo que Eduardo e César brigavam, Ivan pôde sair do banheiro sem ser notado e chamar Danilo.
Quando o rapaz viu os dois brigando, percebeu algo errado. Sim, por que se os dois eram amigos, por que estavam brigando no chão do banheiro do colégio?
Nisso, Eduardo e César, cada qual desejando dar a última palavra, sem perceber que Danilo os ouvia, contaram o plano. Eduardo, dizendo que não tivera nada que ver com o plano, contou que quem agarrou Eva fora César. César então, retrucou dizendo que ele e Ana Lúcia não sairiam limpos daquela história. Afirmando que se ele saísse prejudicado contaria a todos a verdade, César tentou intimidar Eduardo.
Mas este retrucou, que se ele contasse o que aconteceu, negaria tudo.
Nesse ponto, Danilo, visivelmente enervado, comentou:
-- Quer dizer então, que era tudo verdade o que Maryeva tentava me dizer? Canalhas!
Furioso, ao terminar de proferir estas palavras, avançou no pescoço de César e começou a perguntar por que ele havia feito o que fizera.
Ivan, percebendo que Danilo estava estrangulando César, pediu para que ele o soltasse.
Danilo porém, continuava a apertar o pescoço do infeliz.
Foi então que Eduardo comentou:
-- Isso mesmo, aperta bem o pescoço deste cretino!
Danilo, percebendo o ar de deboche de Eduardo, soltou imediatamente o pescoço de César, e, avançando nele, começou a sacudi-lo. Por fim, o esmurrou, levando-o ao chão.
Xingando Eduardo e César, Danilo comentou que Ana Lúcia também teria o que merecia.
Todavia, muito embora Danilo tenha chamado Ana Lúcia para uma conversa, depois de fingir que pretendia voltar a namorá-la, quem realmente acertou as contas com a moça, foi Glória, que não dispensou uns bons catiripapos, na sujeita.
Em seguida, Danilo, percebendo que Maryeva estava prestes a embarcar em um vôo, resolveu ir atrás dela no aeroporto. Disposto a se desculpar, Danilo prometeu fazer de tudo para não deixá-la partir.
Glória e Ivan, determinados a ajudar o casal, levaram Danilo até o aeroporto.
Lá, depois de muito procurar, finalmente Danilo encontrou Maryeva.
A moça, ao vê-lo, espantou-se.
Danilo então, explicando-lhe que agora sabia toda a verdade, pediu-lhe desculpas.
Maryeva, perplexa, respondeu:
-- Eu não acredito!
Danilo surpreso com a reação da moça, reiterou seu pedido de desculpas. Dizendo que fora enganado, comentou que realmente acreditou no que vira.
Eva, magoada, respondeu que ele não viu tudo.
O rapaz, percebendo que não seria nada fácil convencê-la, comentou que entendia sua decepção com ele, mas pedindo para ela se colocar em seu lugar, sugere que ela o perdoe.
Maryeva, fica então, pensativa.
Danilo por sua vez, insistente, continuava a dizer que errou, mas que tinha direito a uma segunda oportunidade. Relembrando os momentos em que ambos estiveram juntos, de tudo por que passaram, do quanto eles se gostavam, etc., Danilo, afirmou que a amava.
Maryeva não sabia o que dizer.
Suspense.
Por vários minutos, os dois ficaram calados.
Danilo, angustiado, depois de algum tempo, pediu para que ela falasse alguma coisa.
Maryeva então disse:
-- Está certo! Está bem.
Não satisfeito, Danilo perguntou:
-- Está certo o quê? O quê está bem?
Maryeva então disse que o desculpava.
Danilo agradeceu-a. Mas, dizendo que gostaria de voltar a ser seu namorado, Danilo, perguntou-lhe se o aceitava de volta.
Novo silêncio.
Por fim, Maryeva, depois de muito titubear, acabou concordando.
E assim, os dois se abraçaram.
Os passageiros, ao verem a cena, aplaudiram.
E Eva e Danilo, voltaram juntos para casa.
No rádio, se podia ouvir:

“Esses moços,
A se soubessem o que eu sei
Não amavam
Não passavam
Por aquilo que já passei ...

Não amavam,
Não casavam...
E vão ao inferno
A procura de luz ...
Esses moços
Que acreditem em mim...”
(Jamelão – Esses Moços)

Fim!

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.

TERRA DA GAROA – UMA CRÔNICA PAULISTANA

Noite após noite, Vanusa se deita na cama e, insone, passa as noites em claro. Espera ansiosa pela volta de Lourenço, que mais uma vez, a deixa sozinha, em um pequeno apartamento, no centro de São Paulo.
É tarde, a noite está fria. Mais uma vez, Vanusa fica a rolar na cama. Contudo, tomada por um sentimento de resolução, cansada dessa longa e eterna espera, resolve pela segunda vez, procurá-lo pelas frias ruas de São Paulo.
Por conta desta decisão, coloca uma roupa e saí de casa.
Desalentada, fica horas a vagar.
Até que ... finalmente encontra Lourenço.
Este, apesar de entrado nos anos, está ao lado de várias mulheres, bebendo e se divertindo. Entre elas está Marli – uma relativamente jovem prostituta – com a qual Lourenço mantém um caso há alguns meses.
Inadvertidamente, para o azar do amante, Vanusa observa tudo à distância. Ultrajada por ver seu homem beijando outra mulher, Vanusa aproxima-se do bar, onde Lourenço está e dispara três tiros.
Infelizmente, Lourenço não teve tempo de dissuadir Vanusa desta vez. Morreu instantaneamente. Como último gesto, um olhar de despedida para aquela que foi sua grande companheira – Vanusa. Após, faleceu. Dormiu para nunca mais acordar.
Marli apavorada, ao ouvir os tiros, tratou de fugir pelos fundos do estabelecimento.
Vanusa por sua vez, mesmo espantada, caminhou calmamente pela avenida. Caminharia noite afora se não tivesse sido denunciada sem delongas por Marli.
Esta, depois dos tiros, tratou logo de ir até uma delegacia. Fazia questão de delatar Vanusa.
Theodoro, o delegado de polícia, ouviu atentamente o relato da prostituta.
Francisco – o escrivão de polícia –, redige o Boletim de Ocorrência.
Não demora muito, e Theodoro e mais três policiais, partem no encalço de Vanusa.
Enquanto isso, Vanusa continua a caminhar pelas ruas da cidade. Desorientada, não sabe para onde ir. Sem conseguir raciocinar direito, não se lembra sequer de se livrar da arma que carrega na mão direita.
Por conta disso, não demora muito para ser encontrada pela ronda.
Nisso, ao perceber a presença dos policiais, Vanusa tenta desesperadamente, fugir.
Durante algum tempo, consegue até driblar a polícia, mas depois de um certo momento escondendo-se, é encurralada num beco sem saída. Sem ter como fugir, é presa.
Tendo como única companheira a fria madrugada, Vanusa se debate, luta para fugir. Debalde.
Sem ter escapatória, é levada no camburão do carro da polícia.
Na delegacia é instada a sentar-se.
Mesmo contra sua vontade senta-se á mesa, diante do delegado.
É quando Theodoro lhe informa que ela está sendo acusada de homicídio.

Vanusa então, percebendo que deixara testemunhas de seu crime, começa seu depoimento. Começa então a contar sua história.
Emocionada, Vanusa relata que conheceu Lourenço, em sua mocidade, quando trabalhava como crooner, ou melhor, cantora em uma boate. Juntos, viveram um tumultuado e longo caso de amor.
Isso por que Lourenço era infiel.
Os dois se conheceram, quando ela se apresentava em um show. Cantando:

“... Faz-me rir com o que andas dizendo
Que te adoro e morro por ti
Não te engane dizendo mentiras
Não te enganes,
Não me faças rir
Até parece impossível que um dia
Foste o homem, sonhado por mim
Esta cínica farsa de agora
Faz-me rir, faz-me rir...”

Lourenço, ao ver aquela bela jovem cantando de uma forma tão envolvente, com seu longo vermelho, seu cabelo médio ondulado, imitando os trejeitos de Rita Hayworth, ficou encantado.
Thiago, ao perceber a expressão de deslumbramento no rosto do amigo, comentou que estava prestes a perder seu companheiro de farras novamente.
Lourenço, vidrado que estava na voz e na beleza de Vanusa, nem sequer ouviu o comentário de seu amigo de noitadas. Estava totalmente envolvido por aquela atmosfera misteriosa da boate e a cantoria da jovem.
Por fim, quando o show se encerrou, ele fez questão de deixar um bilhete com o garçom. Gentil, Lourenço colocou dinheiro no bolso da calça do rapaz e pediu-lhe para entregar o bilhete a bela cantora.
O rapaz atendeu seu pedido.
Em seu camarim, modesto camarim, Vanusa recebeu o bilhete. Era Lourenço se apresentando e a convidando para um encontro. Como não sabia seu nome, Lourenço a chama de “Cantora Bela”.
Ao ler o conteúdo do bilhete, Vanusa sorrir. Mas, apesar de achar Lourenço por demais atrevido, acabou concordando em se encontrar com ele.
Com isso, para responder ao bilhete enviado, Vanusa combinou que o garçom entregaria um novo bilhete com a resposta.
Nisso, escreveu uma pequena mensagem que o jovem garçom,  que entregou a Lourenço.
Ansioso, Lourenço imediatamente leu a mensagem.
Qual não foi sua surpresa ao saber que somente no próximo show Vanusa falaria com ele. Lourenço ficou desapontado, mas ao descobrir que a moça se chamava Vanusa, conseguiu ao menos saber que ela realmente existia.
Thiago ao ver a reação do amigo, caiu na risada.
Lourenço porém, não ligou. Assim, enfeitiçado, na noite seguinte, voltou à boate.
Desta vez, Vanusa estava mais encantadora. Usando um longo – tomara que caia – com luvas, segurava o microfone como se segurasse um ramalhete de flores.
Lourenço ao ver que a moça se comportava com uma verdadeira diva, ficou ainda mais fascinado por ela.
Orientada pelo garçom, Vanusa então pôde ver que se tratava de um rapaz bonito. Quando constatou que se não tratava de uma brincadeira de mal gosto, a moça lançou-lhe alguns olhares enquanto cantava.
Lourenço percebeu.
Thiago que o acompanhava, depois da apresentação da moça, a pedido do amigo, tratou logo de deixá-lo sozinho. Observador que era, ao notar que uma garota olhava para ele, tratou de sentar-se á sua mesa, deixando o amigo sozinho.
Nisso, depois de quase meia-hora, finalmente Vanusa apareceu e sentou-se á mesa com o já ansioso, Lourenço.
Ávido por aquele encontro o rapaz segurou sua mão e disse-lhe tudo o que ela gostaria de ouvir de um homem. Lindamente vestida com um longo azul, depois de muito ouvir galanteios, sugeriu que os dois dançassem.
Exímio dançarino, Lourenço a conduziu em todas as danças.
Vanusa, ao ver a destreza do rapaz, ficou encantada.
Mais tarde os dois, saindo da boate, caminharam pelas ruas então tranqüilas de São Paulo. Para variar um pouco, a madrugada estava gélida.
Vanusa, desagasalhada, começou logo a tremer de frio.
Gentil, Lourenço, percebendo que Vanusa congelava de frio, ofereceu seu casaco.
A moça aceitou, e Lourenço colocou-o sobre os ombros desnudos da moça.
Vanusa agradeceu.
Lourenço, começou a contar então, que sempre se imaginou enamorado de uma bela moça assim, igual a ela.
Vanusa, já desconfiada de tantos elogios, respondeu:
-- Você deve dizer isso a todas as mulheres com que já saiu.
Lourenço negou.
E assim, os dois continuaram conversando, até que Vanusa se aproximou de seu apartamento, e repentinamente despediu-se do recém-conquistado amigo.
Lourenço, surpreso perguntou:
-- Mas você já está se despedindo? Não podemos conversar mais um pouco?
Vanusa então, percebendo que eles sempre teriam a noite para se encontrarem, comentou que precisava dormir.
Lourenço, um pouco decepcionado, comentou:
-- Que pena! Eu adoraria lhe fazer companhia!
Vanusa ao ouvir o comentário, disse-lhe tchau e entrou no prédio.
Cansada, vestiu uma camisola e tratou de deitar-se em sua cama e dormir.

Dias depois, lá estava Lourenço contando a Thiago que Vanusa apesar de viver da noite, não era como as outras.
Thiago ao ouvir o comentário, respondeu:
-- Minha nossa! Por essa eu não esperava! Você está apaixonado!
Lourenço não gostou nem um pouco da brincadeira.
Mas, Thiago não estava de todo errado. Realmente havia algo de diferente em Vanusa. Algo que nem Lourenço sabia explicar, mas que fazia com ele fosse todas as noites vê-la. Uma espécie de encantamento. Uma fascinação.
E essa fascinação durou meses.
Essa fascinação, esse encantamento fez com os dois passeassem todas as madrugadas de mãos dadas, que dançassem todas as noites, que trocassem confidências.
Thiago já estava ficando até convencido de que todo aquele interesse era realmente amor.
E talvez até tenha sido mesmo. Mas foi só Vanusa aceitar viajar sozinha com Lourenço para tudo mudar. Depois de duas semanas de um longo idílio romântico na praia, no qual os dois brincaram de correr na areia, de batalhas em que jogavam água nos olhos um do outro, em que caminhavam de mãos dadas pela orla marítima... Nos dias em que Vanusa surgia-lhe deslumbrante com seus maiôs, e seus belos vestidos, os quais usava para passear, ou então almoçar e jantar, e em que tudo foi romântico e mágico, após algum tempo o sentimento foi arrefecendo.
Depois de um relativamente longo período de encantamento, em se tratando de Lourenço, tudo começou a mudar. Embora os dois fossem namorados, com o tempo, começou a diminuir o interesse de Lourenço por Vanusa.
Contudo, o rapaz continuava a lhe dar atenção. Por conta disso, demorou algum tempo para que Vanusa percebesse que Lourenço era um mulherengo.
Vanusa só percebeu isso, quando viu-o lançando olhares ardentes para Thalita – uma das dançarinas do táxi-dancing no qual cantava.
Foi humilhante.
Isso por que, Lourenço, sem se preocupar em disfarçar seu interesse flertou com a moça, diante dos olhos de Vanusa.
Para ela, ver seu namorado se derretendo para outra mulher, em seu ambiente de trabalho, foi a pior coisa que poderia lhe acontecer. Mas, mesmo assim, não entregou os pontos, continuou a trabalhar. Continuou cantando e arrancando aplausos de todos os que a ouviam.
Por ser bela, Vanusa, atraía muitos olhares e admiradores.
Certa vez, Lourenço, percebendo que Vanusa despertava paixões, demonstrou pela primeira vez sentir ciúmes da namorada. Ao notar que poderia ser trocado por outro, assim como costumava fazer com ela, Lourenço começou a tomar mais cuidado com seus casos amorosos.
Discreto, depois de algum tempo de relacionamento com Thalita, terminou seu caso. Contudo, as coisas não transcorreram da forma como ele gostaria.
Isso por que furiosa, Thalita tratou de contar a Vanusa, todos os pormenores do caso que tiveram.
Enfurecida, Thalita revelou que os dois se encontravam a vários meses escondidos. Relatando que inicialmente ele se derramara em gentilezas, Thalita comentou que ultimamente ele a vinha negligenciando.
Depois de ouvir a história de Thalita, Vanusa não podia mais fechar os olhos para o que vinha acontecendo.
Por esta razão, assim que encontrou Lourenço, tratou imediatamente de lhe relatar que estava sabendo do caso dos dois.
Surpreso, Lourenço ainda tentou negar tudo, mas Vanusa, dizendo que já tinha visto ele flertar com Thalita diante de seus olhos, enquanto trabalhava, relatou que não aceitaria desculpas nem mentiras.
Acuado, Lourenço revelou que tivera sim um casinho com Thalita.
Ao ouvir isso, Vanusa ficou furiosa:
-- Casinho, seu ordinário! Ela me contou que vocês ficaram juntos por vários meses. Como é que você tem a coragem de me dizer que foi apenas um casinho?
Lourenço, percebendo que não adiantaria falsear a verdade, revelou que realmente tivera um caso com a moça. Mas reiterou, que, apesar disso era dela que ele gostava de verdade. Tanto o era que ele nunca conseguiu abandoná-la.
Vanusa ao ouvir estas palavras, ficou ainda mais irritada:
-- Quer dizer então que seu apego a mim é um prêmio de consolação? Que bom! Devo ficar feliz com isso?
Lourenço então, sentindo que precisava dizer alguma coisa para aplacar a ira de Vanusa, comentou que quando a conheceu, sentiu que ela possuía algo de especial. Muito embora não soubesse explicar o que o atraía para ela, comentou que seu charme a fazia sem igual.
Ainda assim, Vanusa continuava furibunda com ele.
Mas Lourenço, percebendo que estava desarmando a namorada, continuou a elogiá-la. Dizendo que Thalita fora apenas um passatempo, comentou que nenhuma mulher a substituiria.
Vanusa continuava aborrecida.
Lourenço por sua vez, notando que a ira de Vanusa ia se arrefecendo, contou que nunca houve uma mulher igual a ela em sua vida.
Pronto, finalmente Lourenço conseguiu fazer com que Vanusa esquecesse a traição. Pelo menos momentaneamente.
Por esta razão, para compensá-la, Lourenço tratou de leva-la para almoçar no Terraço Itália.
Cuidando de todos os detalhes, o rapaz providenciou-lhe até mesmo a toillet que ela usaria. Por isso mesmo, comprou-lhe um bonito vestido vermelho, sua cor predileta. Também comprou-lhe sapatos.
Com isso, Vanusa ficaria magnífica.
Dito e feito, quando Lourenço revelou a moça seu plano de fazer um passeio, mostrou-lhe logo os presentes comprara.
Vanusa ao ver o vestido, ficou deslumbrada. Dizendo que a roupa era linda, agradeceu Lourenço beijando-o.
Com isso, ao final de alguns dias, lá se foram os dois. Primeiramente, caminharam pelo ainda bem cuidado sempre da cidade, depois se dirigiram ao imponente arranha-céu. Um dos poucos que havia na São Paulo daquela época.
A seguir, almoçaram no belíssimo restaurante. Por fim, apreciaram a belíssima paisagem da cidade, no famoso terraço.
Animada, no dia seguinte, ao se encontrar com Marion no táxi-dancing, Vanusa comentou que Lourenço estava se empenhando em desfazer a péssima impressão que lhe causara.
Marion, amiga de longa data de Vanusa, tratou de adverti-la de que aquela história poderia se repetir.
Vanusa ao ouvir a prevenção da amiga, ficou furiosa. Como ela poderia duvidar do amor de Lourenço? Afinal de contas, somente um homem verdadeiramente apaixonado, seria capaz de tamanho ato de gentileza.
Marion então, sem se intimidar pela inesperada agressividade da amiga, comentou que muitos homens para se desculparem de uma traição, faziam o mesmo.
Vanusa porém, continuava a insistir que Lourenço era diferente.
Marion percebendo que de nada adiantava alertar Vanusa, resolveu deixar sua prevenção de lado, e passou a ouvir o relato pormenorizado do passeio que ela fizera com seu amado Lourenço.
O discurso envolvente de Vanusa, não convenceu Marion, mas pelo menos serviu para ela reconhecer que Lourenço sabia como conquistar e cativar uma mulher.
Vanusa ao ouvir isso, acreditou que a amiga tivesse mudado de idéia em relação a Lourenço. Tanto que a abraçou por isso.
Mas Marion sabia que apesar disso tudo, o quanto Vanusa tinha ficado arrasada com a traição de Lourenço. Ao saber da boca de Thalita, o quanto ele poderia ser canalha, Vanusa entregou-se á tristeza. Atirando-se sobre sua cama, Vanusa chorou por dias a fio, até tomar coragem para cobrar uma atitude de Lourenço.

“Quem é,
Que não sofre por alguém
Quem é,
Que não chora uma lágrima sentida...”

Arrasada, só pôde resolver esta questão dias depois da confissão, quando finalmente conseguiu encontrá-lo.
Antes porém, chorou muito, e por diversas vezes consolou-se no ombro de Marion.
Quando soube da infidelidade de Lourenço, Marion ficou furibunda. Tanto que chegou a pensar em tomar satisfações com o rapaz. Vanusa porém, percebendo a revolta da amiga, comentou que este era um assunto que somente ela poderia resolver.
Marion concordou.
E nisso, Vanusa chorou todas as lágrimas que tinha para chorar.
Até que resolveu esclarecer esta história com Lourenço.
Esclarecer em termos. Isso por que, mesmo depois da traição, Vanusa continuou namorando Lourenço.
Marion estava inconformada com a atitude da amiga. Contudo, para não brigar, deixou esta questão de lado.
Com isso, as coisas ficaram calmas durante algum tempo.
Lourenço, sentindo-se culpado por sua traição, derramava-se em gentilezas e atenção para com Vanusa.
Thiago que acompanhava este romance desde o começo, comentou com o amigo que ele devia realmente gostar muito de Vanusa, para estar com ela há tanto tempo.
Lourenço assentiu com a cabeça.
Sim somente um sentimento muito forte poderia durar tanto tempo. Isso por que, sendo inconstante, Lourenço nunca ficara tanto tempo com uma mesma mulher.
Isto deixava Thiago impressionado.
De tão impressionado, certa vez Thiago tentando entender este mistério, chegou a flertar com Vanusa.
Chegou até a mandar-lhe flores, como se fosse um admirador secreto.
Enquanto isso, Vanusa continuava cantando e encantando os homens.
Porém, quando Lourenço descobriu que um dos admiradores de Vanusa era seu amigo, ficou furioso.
Ao ler um dos cartões enviados para a namorada, Lourenço percebeu que a letra era muito parecida com a de Thiago. Furioso, assim que encontrou o amigo, foi logo tomar satisfações.
Empurrando o rapaz, Lourenço descobriu que fora ele mesmo que enviara alguns dos ramalhetes de flores que Vanusa recebia.
Ao descobrir isso, Lourenço ficou furioso. Bateu em Thiago, e por meses ficou sem falar com o amigo.
Vanusa tentou intervir, mas Lourenço não quis saber de ouvi-la. Dizendo que ela estava defendendo um traidor, a proibia de tocar em seu nome.
Sem outra alternativa, Vanusa acabou concordando com a exigência.
Marion quando soube da história, achou graça.
Quem não gostou nada nada disso, foi Vanusa que ao ver a reação da amiga, comentou que desta vez Lourenço agira corretamente com ela.
Marion censurou a amiga. Dizendo que Thiago não agira corretamente, comentou que ainda assim Lourenço não precisava agredi-lo.
No tocante a isso, até mesmo Vanusa concordou com ela. Dizendo que tentara fazer os dois se entenderem novamente, confessou que foi proibida de tocar no nome de Thiago.
Ao ouvir as palavras da amiga, Marion aconselhou-a a se manter longe desta confusão.
Ambas concordaram no tocante este ponto.
Com isso, Thiago e Lourenço, depois de algum tempo de inimizade fizeram as pazes.
Lourenço, dizendo que não valia a pena perder um amigo por causa de mulher, acabou se entendendo com Thiago, que finalmente lhe pediu desculpas.
Lourenço aceitou as desculpas.
E durante algum tempo tudo caminhou bem.

Até Suzana entrar na história.
Curiosos, Aderbal e Everaldo, perguntam a Vanusa, o porquê destas palavras.
Vanusa contou então a história da pobre moça.
Suzana, antes de entrar em sua vida, teve um relacionamento com um rapaz. Seu nome era Lawrence.
O rapaz apaixonado, após um certo tempo de namoro, chegou a pedir a moça em casamento.
Durante o noivado, mostrou-se cada vez mais interessado em Suzana. Atento não queria deixá-la nem um minuto sozinha. Ciumento, ficava irritado toda vez que observava olhares em direção a moça.
Possessivo, por diversas vezes brigou com Suzana por conta de seu jeito simpático e alegre de tratar as pessoas.
Lawrence, alegando que este não era o comportamento adequado para uma mulher que estava prestes a se casar, insistia na idéia de que ela não devia ser tão efusiva.
Suzana quando ouvia isso, comentava que precisava ser simpática com as pessoas. Afinal de contas, é uma questão de boa educação.
Lawrence porém, não concordava com isso. Enciumado, queria por que queria que Suzana deixasse de lado seus amigos.
Mas Suzana não concordava com essas atitudes de Lawrence. E por isso mesmo, ouvia as reclamações do noivo, mas deixava de lado suas prevenções.
Com seu jeito apaziguador, Suzana conseguia facilmente fazê-lo esquecer de suas desconfianças. Dizendo que era dele que ela gostava, Suzana fazia com que Lawrence esquecesse por algumas horas de sua insegurança.
Contudo, esse estratagema não durou muito. Conforme a data do casamento se aproximava, mais e mais o rapaz ficava incomodado com jeito de Suzana.
Suzana tentava convencê-lo de que não havia nada de mais em suas atitudes.
Um dia porém, às vésperas do matrimônio, Lawrence teve a infelicidade de presenciar uma cena que mudaria definitivamente os rumos da vida de ambos.
Ao chegar de surpresa na casa da noiva, Lawrence viu um rapaz conversando com Suzana. Aflito, o rapaz chegou a segurar o braço de Suzana, que incomodada com o gesto, repeliu-o.
Contudo, o estrago já havia sido feito.
Lawrence tomado de ciúmes, ao presenciar a cena, logo deduziu que aquele devia ser um dos muitos pretendentes que viviam cercando sua noiva.
Como estava enganado.
Mas, furioso que estava, não deu tempo para Suzana se explicar.
Suzana, pobre Suzana. Ao perceber o ar furioso do noivo, tentou calmamente explicar-lhe o incidente, mas ele furioso, não a deixou falar.
Isso foi o suficiente para deixar a moça nervosa.
Lawrence, percebendo a agitação da noiva, começou a proferir uma série de impropérios. Chamando-a de falsa, pérfida, comentou que ela traíra sua confiança e que portanto não era digna de seu afeto.
Ao ouvir tão duras palavras a moça bem que tentou novamente se explicar, mas novamente foi impedida por Lawrence.
O rapaz, alvoroçado, crédulo de que havia sido traído, tratou logo deixar a casa da noiva, prometendo não voltar mais.
Pois bem, dito e feito.
Não demorou muito para que Lawrence, desorientado, ao atravessar uma rua sem olhar para os lados, fosse colhido em cheio por um carro. Jogado para longe, morreu na hora. Motivo, traumatismo craniano.
Horas depois, quando Suzana foi informada da tragédia, entrou em desespero. Embora inicialmente tenha duvidado da notícia da morte do noivo, ao ver o corpo sem vida de Lawrence em um caixão de madeira, teve que aceitar a realidade.
Arrasada, acompanhou o velório e o enterro do noivo ao lado de seus pais e da família do noivo.
A tragédia foi notícia de jornal.
A manchete: “Noivo Morre às Vésperas do Matrimônio”.
Esta tragédia abalou definitivamente Suzana que depois do ocorrido nunca mais foi à mesma. Desencantada, a moça de tão transtornada com a morte violenta do noivo, pediu aos pais, Dona Valéria e Seu Alfredo, para se mudarem dali.
Mesmo relutante, Alfredo atendeu o pedido da filha e a família se mudou para outro bairro de São Paulo.
Isso por que, Suzana não agüentava mais ser chamada de a noiva enlutada. Ouvir estas palavras nada lisonjeiras, a magoavam deveras. Não bastasse sentir-se culpada por tudo que sucedera ao noivo, ainda era obrigada a ouvir impropérios desta natureza.
Viver depois daquela tragédia não vinha sendo nada fácil.
Mas após a família se mudar para outro bairro, os moradores da localidade, sem conhecerem a vida pregressa de Suzana, tratavam-na com toda a cortesia.
Foi assim que a moça pôde se refazer da tragédia.
Se refazer é claro, até certo ponto. Por quê nunca mais sua vida seria a mesma.
Nunca mais ela seria tão gentil com as pessoas como já fora um dia. Nunca mais seria a Suzana que encantou e que deixou Lawrence cheio de cuidados.
Valéria e Alfredo percebendo que a mudança de comportamento de Suzana era definitiva, aconselharam-na a não se fechar totalmente para as pessoas.
Mas Suzana não conseguia mais ser tão sociável quanto antes.
Contudo à certa altura, cansada de ser cobrada por seus pais, que estavam preocupados com seu jeito tão quieto, Suzana resolveu sair com suas novas amigas.
Juntamente com algumas vizinhas Suzana fez muitos passeios.
Certa vez, numa festa noturna, conheceu Thiago.
O rapaz quando a viu, logo se encantou.
Bonita, Suzana, elegantemente trajada com um bonito vestido de festa, chamava logo a atenção.
Atento, assim que pôde, aproveitando-se de uma distração dos pais da moça, Thiago enviou-lhe um bilhete.
Suzana ao ler o teor da mensagem, ficou um pouco desconcertada.
Nesse instante, tomado de coragem, Thiago resolveu se apresentar aos pais da moça. Pedindo a Alfredo permissão para dançar com a moça, foi logo atendido.
Suzana, sem ter outra alternativa, aceitou o convite para dançar.
E sob os olhares atentos dos pais da moça, Thiago descobriu que ela se chamava Suzana e que aqueles eram seus pais.
Ao som de “A Noite do Meu Bem”, os dois dançaram.
Elogiando a bela voz de Dolores Duran, Thiago conseguiu fazer com que Suzana conversasse um pouco com ele.
Contudo quando os músicos começaram a tocar “Fascinação”, Suzana respondeu que precisava voltar para sua mesa. Abalada ao ouvir a música, ela que já estava quase esquecida de sua tragédia pessoal, lembrou-se de seu noivo.
Alegando que precisava ir ao toillet, despediu-se de Thiago.
Thiago porém, não se fez de rogado, e, pedindo permissão aos pais da moça para se sentar à mesa, começou a elogiar Suzana.
Valéria e Alfredo, ficaram encantados com a educação do rapaz.
Foi assim que começou sua amizade com os pais da moça, que fizeram de tudo para que Suzana namorasse-o.
Suzana por sua vez, ao adentrar o toillet, e se olhar no espelho, começou a chorar. Ao lembrar-se que seu falecido noivo ofereceu aquela música para ela, Suzana viajou no tempo. Relembrou-se de como conhecera o rapaz.
Lawrence lhe foi apresentado durante uma festa. Durante esta festa os dois dançaram juntos. Ao tocar “Fascinação”, o rapaz, galante logo lhe ofereceu a música. Dizendo que a música não poderia ser nada menos do que isso, causou admiração em Suzana. E assim foi questão de tempo para os dois começassem a namorar. O que sem dúvida deixou seus pais muito satisfeitos.
Valéria e Alfredo, amigos de Cristina, ao saberem que Lawrence era seu filho, trataram logo de parabenizar Suzana. Sim, ela tinha escolhido um bom partido.
Pena que a felicidade não durou.
Suzana então, ao olhar-se no espelho, viu-se descomposta. Ao perceber isso, tratou logo de molhar o rosto.
Depois de se acalmar um pouco, tratou de fazer uma nova maquiagem.
Quando voltou para a mesa, qual não foi seu espanto ao ver Thiago conversando com seus pais.
Insistente e interessado, Thiago fez questão de permanecer um longo tempo conversando com Valéria e Alfredo.
Foi assim que ele conseguiu entrar na vida da moça. Para os dois começarem a namorar foi questão de tempo. Também houve ajuda dos pais de Suzana, que queriam a todo custo ver os dois juntos.
E assim, mesmo sem muito entusiasmo, Suzana acabou se tornando namorada de Thiago.
Quem ficou surpreso com isso, foi Lourenço, que nunca tinha visto o amigo tão empenhado em conquistar uma garota.
Thiago revelou então que pretendia se casar com Suzana.
Qual não foi o espanto de Lourenço. Surpreendido com a revelação, comentou:
-- Casar-se? Está louco? Acabou de conhecê-la!
Thiago por sua vez, respondeu que já fazia muito tempo que levava uma vida desregrada. Ademais, Suzana era muito especial.
Lourenço concordou. Dizendo que só mesmo uma pessoa muito especial o faria se esquecer do amigo para conversar com um casal muito mais velho do que ele, e ficar o tempo todo tentando se aproximar dela, Lourenço concordou.
E realmente Thiago estava gostando da moça.
Suzana porém, ainda estava muito magoada para se apaixonar novamente. Temendo ser novamente destratada, sentia que tinha reservas em relação a Thiago.
Um dia, sentindo que estava enganando o rapaz, resolveu revelar-lhe sua tragédia pessoal.
Thiago surpreso, comentou que não imaginava que ela já tivesse sido noiva.
Suzana então, comentou que se ele quisesse desfazer o namoro, entenderia.
Qual não foi sua surpresa ao ouvir que ele não se importava com seu passado.
Atento a este fato, assim que pôde comprar um anel de brilhantes, a pediu em noivado.
Diante desse quadro, só restou a ela aceitar o compromisso.
Mesmo assim, Suzana ainda tinha receio de que as coisas não chegassem a um bom termo.
Valéria sua mãe, percebendo sua preocupação, tentava a todo custo tranqüiliza-la. Em vão.
Nessa época, ao ser apresentada a Lourenço, Suzana atraiu logo sua atenção. Mulherengo, logo que se viu diante de uma bela moça, tratou logo de flertar com ela. E assim, toda vez que seu amigo se distraía, lá estava ele paquerando a moça.
Suzana ao se perceber alvo dos olhares insistente de Lourenço, ficou bastante constrangida. Mas o quê fazer neste caso?
Não tinha coragem de contar ao noivo. Ciente de que os dois eram amigos de longa data, sentiu-se desconfortável para comentar sobre o comportamento canalha de Lourenço.
Vanusa por sua vez, ao perceber o interesse de seu namorado por Suzana, tratou logo de alertá-lo de que daquela vez, não aceitaria ser passada para trás.
Lourenço porém, tentando desconversar, afirmava que ela estava cismada. Isso por que, não havia nada de mais em se observar os convidados.
Com isso, passou a disfarçadamente olhar para a moça.
Contudo, o assédio se tornaria mais incisivo com o passar do tempo. Á certa altura, sem o menor pudor, Lourenço sugeriu a Suzana que os dois tivessem um caso. Dizendo que Thiago não precisa saber de nada, comentou que ela era uma mulher muito interessante.
Suzana ao ouvir estas palavras, tentou desconversar.
Lourenço então, ameaçou beijá-la.
Não fosse Vanusa aparecer de repente, e ele a teria agarrado.
Prestes a se apresentar no palco para cantar, Vanusa comentou com Lourenço que os dois precisavam conversar.
O rapaz ao perceber o ar sério de Vanusa, tratou logo de sumir dali.
Suzana e Thiago, no entanto, continuaram na boate. Queriam apreciar a música e prestigiar Vanusa.
Muito embora Suzana tenha pedido para ir para casa, Thiago dizendo que seria uma descortesia tal gesto, a deixou sem alternativa.
E assim, ambos assistiram a apresentação da moça.
Com isso, Vanusa, após a apresentação, escreveu um bilhete para Suzana.
No bilhete dizia cortesmente para ela esperá-la para conversar.
A moça ao ler o bilhete, pediu novamente a Thiago para os dois irem embora, mas ele, dizendo que precisava cumprimentar Vanusa, pediu para que ela esperasse um pouco.
Curioso, Thiago quis saber quem havia mandado o bilhete.
Foi então que Suzana respondeu que fora a própria Vanusa.
Thiago não compreendeu:
-- Como assim? Vocês se conhecem?
-- Não. É ... que eu estava perto do camarim antes da apresentação e nós acabamos nos encontrando. – respondeu ela.
-- E o que ela quer? – perguntou Thiago, ligeiramente desconfiado.
-- Não faço a menor idéia.
Nisso, eis que aparece Suzana.
Elegantemente trajada, senta-se à mesa e cumprimenta Thiago e Suzana.
A seguir, depois de pedir um bebida, pergunta como vai o namoro do casal.
É quando Thiago diz que eles estão noivos.
Vanusa ao saber disso, ficou muito satisfeita. Dizendo que eles não deveriam tardar em se casar, pediu desculpas a Suzana pelo jeito atrapalhado de Lourenço.
Quem não gostou nada de ouvir este comentário foi Thiago, que logo quis explicações.
Suzana ao perceber a intriga de Vanusa, ficou aflita.
Mas Vanusa, percebendo a agitação de Thiago, tratou logo de desfazer a confusão.
Dizendo que Lourenço trombara em sua noiva, Vanusa comentou que Thiago tinha de ficar de olho no amigo. Devido seu jeito atrapalhado, ele poderia ter machucado a moça, comentou. Em seguida, recomendou a Suzana que ela tivesse cuidado com certos tipos de homens. Mas emendou dizendo que Thiago era uma ótima pessoa.
Depois disso, Vanusa tomou sua bebida, despediu-se dos amigos e voltou para o camarim.
Thiago ficou cismado com a história, mas Suzana, dizendo não compreender nada, acabou acalmando-o.
Todavia, depois deste encontro, Thiago insistiu com Suzana para que ela nunca mais ficasse a sós com Lourenço. Dizendo que ele mulherengo, o rapaz quis alertar a moça.
Mas Lourenço era esperto.
Ao perceber que Suzana deixara de freqüentar a boate, passou a visitá-la em casa. Para ele, descobrir seu endereço foi apenas questão de tempo.
Com isso, sem nenhum motivo aparente passou a visitá-la em sua casa. Algumas vezes chegou até a convidá-la para sair.
Quem não gostou nada disso foram seus pais, que durante algum tempo acreditaram que ela dera confiança ao rapaz.
Nessa época, Vanusa, percebendo que Lourenço continuava cercando Suzana, tratou logo de se tornar amiga da moça. Fingindo ser sua amiga, passou até mesmo a freqüentar sua casa.
Dizendo-se uma velha amiga de Suzana, Vanusa passou a ficar próxima da moça.
Porém, mesmo assim, Lourenço continuou cercando-a.
Como Vanusa não podia ficar o tempo todo atrás de Suzana, o assédio continuou.
Contudo, a moça nunca deu confiança para Lourenço.
Á certa altura, sentindo confiança em Vanusa, Suzana contou toda sua história para ela.
Foi assim que ela tomou conhecimento do infortúnio de Suzana.

Francisco e Aderbal, interrompendo o relato, comentaram que agora estavam entendendo como ela poderia conhecer tão bem a história da moça.
Nisso, Theodoro mandou os dois se calarem e pediu para Vanusa prosseguir com sua história.
Vanusa então, continuou seu relato.
Contou então que em dado momento, Thiago ao buscar a noiva em casa, descobriu que Lourenço freqüentava o lugar.
O rapaz ao ver o amigo na casa de sua noiva, quis logo saber o que estava acontecendo.
Lourenço, sem ter como explicar sua situação, deixou Thiago furioso. Foi então que o rapaz começou a agredir Lourenço. Dizendo que ele havia se portado como um canalha, tratou logo de colocá-lo para correr.
Valéria e Alfredo perceberam então, que Suzana não tivera culpa de nada. Ao notar o quanto o rapaz era atrevido, trataram logo de pedir desculpas à filha.
Isso ocorreu, não sem antes Thiago explicar que meses antes, caíra de encantos por Vanusa, o que rendeu uma séria desavença entre os dois. Contudo depois de algum tempo, ele e Lourenço acabaram se acertando. Mas agora, para se vingar, Lourenço estava paquerando sua noiva.
Ao dizer isso, Thiago ficou furioso.
Foi quando Valéria pediu para ele se acalmar.
Preocupada, foi até a cozinha preparar um copo d’água com açúcar.
Thiago bebeu a água avidamente.
Suzana então, aturdida com a situação, comentou que não tivera culpa pelo que ocorrera.
Thiago mesmo enciumado, acreditou nas palavras de Suzana. Dizendo que Lourenço sempre fora mulherengo, afirmou que era mais fácil acreditar em suas palavras do que nas dele.
Ao ouvir isso, Suzana ficou aliviada.
Todavia, mesmo após este incidente, o romance dos dois não foi feliz.
No dia de seu casamento, vestida de branco, ricamente adornada, Suzana pensou diversas vezes, em desistir do enlace.
Lembrando-se do dia fatídico, em que Lawrence fora atropelado, Suzana, aproveitando-se de uma distração de seus pais, saiu disfarçadamente de seu quarto, passou pela sala e ganhou a rua.
Sem rumo certo, caminhou durante cerca de quinze minutos. Foi quando chegou à Estação da Luz. Era 1946.
Valéria e Alfredo, ao perceberem que Suzana havia saído de casa sem que eles percebessem, trataram de avisar Thiago, que vestido de fraque, saiu da igreja e foi procurá-la.
Perguntando as pessoas se tinham visto uma mulher vestida de noiva, andando pelos arredores, Thiago descobriu que ela havia ido até a Estação da Luz.
A belíssima construção, erigida no início do século, estava apinhada de gente.
Thiago ao perceber isso, passou a se perguntar, como faria para encontrá-la.
Diante desta incerteza, passou a correr no meio da multidão.
Suzana, vestida de noiva, passava desesperada por entre as pessoas, que ao verem a noiva, paravam para olhá-la.
A certa altura, depois de muito correr, finalmente Thiago a encontrou. Aflito, ao alcançá-la com os olhos, gritou chamando seu nome.
Suzana porém não respondeu. Nervosa ao perceber que era chamada, aproveitou para sumir no meio da multidão.
Thiago gritou ainda por várias vezes o seu nome. Em vão.
Nunca mais a encontrou.

Desesperado, Thiago ainda tencionou entrar no trem e vasculhar cada um dos vagões. Mas não teve tempo. O trem que estava parado na estação logo partiu. Partiu antes mesmo que ele tivesse tempo de entrar num de seus vagões e continuar empreendendo sua busca.
Desiludido com a atitude inesperada da noiva, Thiago envergonhado com sua situação, mudou-se para outra cidade. Depois de muito sofrer, estava decidido a recomeçar sua vida em outro lugar.
Valéria e Alfredo tentaram convencê-lo a não se mudar, mas Thiago estava humilhado demais para permanecer em São Paulo. E assim partiu. E não mais voltou.
Quanto a Suzana, seus pais nunca entenderam o porquê de sua atitude impensada.
Também nem puderam.
Já na década de 1960, sem terem tido a oportunidade de reencontrarem a filha, faleceram. Primeiro foi Seu Alfredo que morreu quatorze anos depois do sumiço de Suzana. Depois foi Dona Valéria que faleceu, cinco anos depois do marido.
Nunca mais viram a filha. Suzana fugiu vestida de noiva e nunca mais voltou.
Foram anos de silêncio para os pobres pais da moça.
Para esse mistério, nunca houve resposta.

Everaldo ao ouvir esta triste história, ficou bastante emocionado. Dizendo que acompanhou esta história pelo noticiário, revelou que chegou a torcer para que os dois se encontrassem novamente.
Vanusa, ao ouvir estas palavras, comentou então, que devido o fato de ter se passado muitos anos, talvez nenhum dos dois estivesse mais vivo.
Francisco e Aderbal ao ouvirem estas palavras, comentaram que talvez os dois ainda tivessem vivos.
Vanusa concordou:
-- Quem sabe! – respondeu.
Impaciente, o delegado mandou Vanusa prosseguir o relato.
Vanusa então prosseguiu.
Foi nesse momento que ela contou o caso de Lourenço com Theodósia.
Theodósia era uma prostituta. Jovem na época, sabia que Lourenço tinha um longo relacionamento com Vanusa, mas atrevida, queria por que queria, tomar seu lugar.
Por diversas vezes ficou a provocá-la.
Dançando com Lourenço, diante dos olhos de Vanusa, que entretinha os freqüentadores da nova boate onde estava trabalhando, Theodósia, conseguia afrontá-la.
Furiosa, Vanusa por diversas vezes cobrou uma atitude de Lourenço.
Lourenço porém, sempre respondia com evasivas. Dizendo que eles eram apenas bons amigos, não conseguiu convencer, nem por um minuto, a escolada Vanusa, já acostumada com suas traições.
Vanusa, afirmando que ele mentia muito mal, comentou que, daquela vez não aceitaria ser traída. Ameaçando-o prometeu se vingar, se ele a passasse para trás.
Mais velha, embora ainda atraente, Vanusa vinha perdendo espaço para as jovenzinhas que se aproximavam de Lourenço em busca de alguma vantagem.
O tom de Vanusa agora era de profundo ódio.
Theodoro – o delegado – percebeu isso.
Vanusa então relatou que a partir daí, passou a tomar uma atitude mais agressiva, visando afugentar as amantes de Lourenço.
Contudo, Theodósia era esperta, e ao ser alvo de provocações por parte de Vanusa, revidava-as de maneira incisiva.
Por exemplo. Quando Vanusa abraçava Lourenço diante de todos, Theodósia quando tinha a oportunidade arrastava-o para o salão para dançar algo sensual.
Vanusa ficava furiosa.
Theodósia deu trabalho.
Mas finalmente foi abandonada por Lourenço, que se cansou de seu jeito atrevido.
Todavia, não foi só isso. Como já foi demonstrado, Lourenço sempre foi inconstante. Além disso, Vanusa, estava sempre o pressionando.
Isso pesou em sua escolha.
Quando soube que Lourenço rompera com Theodósia, Vanusa se sentiu triunfante.
Mas a ex-amante, apesar de descartada, revidou.
Ao ser deixada de lado, disse a Lourenço que ele iria se arrepender do que estava fazendo.
Com isso, depois de algum tempo, eis que Theodósia surge na boate em que Vanusa trabalhava acompanhada de um elegante senhor.
A cantora se admira.
Lourenço fica visivelmente incomodado.
Quem não gosta nada disso é Vanusa.
Ao perceber que Lourenço ficara enciumado, Vanusa fica irritada.
Mais tarde, ao chegarem em casa, Vanusa discute com Lourenço, que irritado, saí de casa.
Esta foi a primeira briga séria do casal.
Vanusa, arrasada, fica noites a fio sem dormir direito.
Lourenço aproveitando a recém-conquistada liberdade, envolve-se com várias mulheres.
Até que um dia, arrependido, resolve voltar para casa.
A partir de então, Vanusa passa a espantar as amantes do namorado. Cansada de ser sempre traída, Vanusa passa a cobrar casamento. Dizendo que eles estão há muito tempo juntos para serem apenas amásios, ela o faz se sentir pressionado.
Mais uma vez o casal briga e Lourenço sai de casa.
Mais amantes, noitadas, bebedeiras, jogatina.
Envelhecida, Vanusa, já não mais podendo trabalhar como cantora, começar a ganhar a vida como diarista. Em razão de um problema na garganta, até sua bela voz a abandonou.
Mas não foi só Vanusa que envelheceu, Lourenço também. Mas menos castigado pela vida, continuou sua vida de boêmio.
Este foi seu mal.
Isso por quê, foi por esta razão que morreu.
Nesse momento, Vanusa revelou o quanto se sentia humilhada com a atitude do amante. Por esta razão o matou.
Por esta razão acabou com sua vida, relatou ela, chorando.

No dia seguinte, os jornais relataram sua tragédia pessoal.
Vanusa, ao ler no jornal a sua história, ficou um tanto quanto chocada.
Foi somente neste instante que dera conta de seu mal.
Ao cair em si, percebeu o mal que perpetrara.
Por um instante chegou até a se arrepender.
Chorou como uma desesperada. Chegou até a chamar pelo nome de Lourenço.
Ao se aperceber de seu gesto tresloucado, Vanusa tomou ciência de que ficaria muitos anos presa.
Dias depois, ao lhe ser nomeado um defensor – posto que não tinha dinheiro para pagar um advogado particular –, Vanusa pacientemente lhe relatou os pormenores de sua relação com Lourenço.
O advogado, ao ouvir seu triste relato, comentou que seria muito difícil ela ser absolvida por seu crime. Dizendo ter uma árdua tarefa a realizar, Doutor Osório, a orientou quanto a seu depoimento, e sobre o quê passaria a falar daqui por diante.
Vanusa ouviu tudo atentamente.
Até ir a júri, Vanusa conversou mais algumas vezes com seu advogado.
Meses depois, finalmente foi submetida a julgamento.
Com a tese de homicídio privilegiado – motivado por violenta emoção, Vanusa foi absolvida.
Satisfeito com o resultado do júri, Doutor Osório cumprimentou Vanusa, que mesmo absolvida, não conseguiu ficar feliz.
Com o peso da morte do amante, Suzana, angustiada e triste, teve pouquíssimo tempo para usufruir sua liberdade. Corroída pela culpa, faleceu quase três anos depois do julgamento, em 1986.
Esta foi sua paga por amar a pessoa errada.

Dizem que por trás de um grande homem, sempre existe uma grande mulher. Mas atrás deste homem, existia uma mulher desesperada.
A César, o que é de César.
Aos homens, o que é da humanidade.

“... Volto pra casa abatida
Desencantada da vida...
E você fez questão de mentir...
... Bebendo com outras mulheres na mesa de bar
E nesse dia então,
Vai dar na primeira edição
Cena de Sangue num bar
Da Avenida São João...”
(Ronda – Márcia)

Fim.

Luciana Celestino dos Santos
É permitida a reprodução, desde que citada a autoria.